Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1735/16.1JAPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: BUSCA DOMICILIÁRIA
Nº do Documento: RP201612211735/16.1JAPRT-A.P1
Data do Acordão: 12/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 703, FLS.215-220)
Área Temática: .
Sumário: Deverá ser autorizada a busca domiciliária se:
- está numa relação de adequação com a pretensão da descoberta e apreensão de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova do crime indiciado nos autos.
- se configura como única via legal para alcançar o fim visado;
- existe uma proporção racional entre o custo da medida para o arguido e o benefício que se prende obter para a investigação do crime.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 1735/16.1JAPRT-A.P1
Comarca do Porto.
Instância Central de Instrução Criminal - Matosinhos.

Acordam, em Conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I- Relatório.
Nos autos de inquérito supra referidos a correr termos no processo supra referido foi proferido, com data de 27.09.2016, o despacho de fls. 30 e 31 dos autos que decidiu: «Neste momento, perante a prova recolhida nos autos, que sumariamente descrevemos, entendemos não se verificarem os aludidos indícios, pelo que se indefere a requerida busca, ficando prejudicado o demais promovido

O Ministério Público, inconformado veio interpor recurso, consoante motivação constante de fls. 2 a 7 destes autos, que rematou com as seguintes conclusões:
«1. Uma vez que uma busca domiciliária prevista nos arts. 174º e 177º C.P.P. é um meio de obtenção de prova, a sua realização não depende da existência dessas provas nem está subordinada sequer a condições de antecipada mobilização probatória que se enquadrem na categoria dos chamados “indícios suficientes.”
2. O conceito de indícios a que se refere o art. 174 n.º 2 C.P.P. não tem o mesmo alcance dos “indícios suficientes” exigidos no art. 283º nº 1 para a acusação, e no art. 308 n.º1 para a pronúncia.
3. Na medida em que o processo penal se movimenta na fase de inquérito em juízos de mera probabilidade, e a investigação é uma atividade heurística em que o M. Público recorre e dirige a atividade policial, as informações e suspeitas consistentes das polícias trazidas para os autos na sequência de diligências efetuadas, ainda que não possuam valor probatório dos factos que nelas constam, devem ser integradas no conceito de “indícios” a que se refere o art. 174 n.º 2 C.P.P.
4. Existindo já nos autos indícios da prática de crime integrado no Capítulo V do C. Penal, respeitante aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual em que foi vitima um menor, está inteiramente justificada a realização de uma busca domiciliária a casa do suspeito para apreensão de quaisquer objetos que constituam elementos de prova da prática de qualquer dos crimes previstos naquele capítulo do C. Penal.
5. Nesta circunstância o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio protegido pelo art. 34º da C.R.P. deve ceder temporariamente e no mínimo indispensável, perante o direito à liberdade e segurança constitucionalizado no art. 27.º da C.R.P., pois é o interesse preponderante no caso concreto.
6. O despacho recorrido interpretou e aplicou incorretamente os arts 99º n.º 1, 269º n.º 1, c), 174º, n.º 2 do CP.P. e bem assim os art. 34º e 27º da Constituição da República.
Deverá assim ser revogado e substituído por outro que autorize a realização da busca domiciliária promovida.»
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O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 33 destes autos.
Nesta instância, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da manifesta procedência do recurso.
Colhidos os vistos e realizada a conferência cumpre decidir em conformidade.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada é a seguinte a única questão a decidir:
Apreciar se a busca em causa nos autos deve ser ordenada.
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2.- Elementos que relevam para a decisão:
Promoção do MP - Relevante por nela se fazerem referências rigorosas a partes das declarações do menor, denunciante e ofendido nos autos e de sua mãe.
«Investigam-se nos presentes autos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de actos sexuais com adolescentes, e de crimes de pornografia de menores e de gravações e fotografias ilícitas, respectivamente p. e p. pelos arts. 173º, n.º1, 176º e 199º, todos do Cód. Penal.
(…)
Iniciaram-se os autos com a queixa apresentada por B…, progenitora do menor C…, com 14 anos de idade à data dos factos, referindo que o menor terá sido vítima no início do mês de Maio do corrente ano de actos de cariz sexual por parte de um individuo adulto, identificado como sendo D….
De acordo com a queixa apresentada o suspeito D… atraiu o menor C… para o interior da sua habitação, sita na Avenida …, n.º …, Vila do Conde, e uma vez ali, fez perguntas de carácter íntimo ao menor, nomeadamente o tamanho do pénis e sobre os pelos púbicos. No decorrer da conversa, que teve lugar no sofá da sala, o suspeito D… encostou-se ao menor C…, colocando-lhe uma perna por cima da sua, introduziu uma das mãos por baixo da camisola do menor e começou a massajar as costas, dizendo que tinha muitas espinhas e que lhe apetecia tirar todas. A determinada altura, o suspeito colocou as mãos na zona genital do menor C…, por cima da roupa.
Inquirido o menor C…, referiu que os factos ocorreram no mês de Maio do corrente ano, não conseguindo precisar a data concreta. Referiu ter sido abordado por um individuo com sotaque E… na rua … Vila do Conde, e que apesar de não o conhecer, ficou a conversar com ele durante cerca de 30 minutos, por gostar de tudo o que tenha a ver com o E1…. Mantiveram uma conversa sobre assuntos banais, nomeadamente a escola. Ao que julga, cerca de uma semana depois, o menor voltou a passar naquele local, ali encontrando o suspeito que voltou a meter conversa consigo, durante cerca de 20 minutos, novamente sobre banalidades. Entretanto, o suspeito D… perguntou ao menor C… se queria entrar na sua habitação, não tendo este respondido. O suspeito abriu a porta da casa e dirige-se para o interior chamando novamente o C…, que entrou pensando que “a conversa ia continuar, mudava só o sítio onde estávamos” (sic).
Sentaram-se no sofá e o suspeito mudou de assunto e começou a fazer perguntas de conteúdo íntimo, nomeadamente “já tiveste sexo com a tua namorada” “Já tens pelos no saco”, “qual é o tamanho do teu pénis” (sic). O menor C… não lhe respondeu às questões, mantendo-se a jogar no telemóvel. Após isto, o suspeito D… começou a falar das “espinhas” (sic) na cara, referindo-se às borbulhas que o menor tinha no rosto, e em acto seguido colocou a mão dele nas costas do menor, por dentro da camisola, passando a mão pelas costas e dizendo “tens muitas espinhas, apetece-me tirar-te essas espinhas todas” (sic), ficando o menor C… ficou “paralisado” (sic) com estas atitudes. Mais referiu o menor que por diversas vezes, o suspeito ia colocando a perna direita em cima da sua perna, afastando o menor a perna do denunciado. A determinada altura, o denunciado colocou a sua mão na zona genital do menor, por cima das calças, tendo permanecido durante alguns segundos com a mão naquele local, porque o menor diz que “paralisei” (sic). Entretanto, acabou por afastar a mão do suspeito. Seguidamente o menor pegou no telemóvel, para ver as horas e disse que tinha de ir embora. Por fim, referiu o menor que permaneceu naquela habitação durante cerca de uma hora e que no decorrer da conversa no interior da habitação do denunciado D…, este confidenciou que costuma estar com miúdos da idade do menor e que tem muita proximidade com crianças. Inquirida na qualidade de testemunha, B…, mãe do menor, referiu apenas saber o que o filho lhe relatou, tendo chegado a confrontar o denunciado com estes factos, junto da habitação deste, tendo o mesmo confirmado ter estado com o menor no interior da sua habitação e ter-lhe tocado nas costas, refutando o demais. Referiu ainda a testemunha ter apurado junto de conhecidos que o suspeito D… é visto a ter comportamentos nada adequados a uma pessoa adulta, entre os quais, passar longos períodos de tempo junto à escola F…, a tirar fotografias com o telemóvel a menores, bem como durante a época balnear passar longos períodos de tempo a observar crianças do pré-escolar ou infantário na praia e que junto à sua residência, são vistos alguns miúdos à conversa com o mesmo.
Do exposto, resulta que os factos denunciados são susceptíveis de, em abstracto, integrarem a prática de um crime de actos sexuais com adolescentes, e de crimes de pornografia de menores e de gravações e fotografias ilícitas, respectivamente p. e p. pelos arts. 173º, n.º 1, 176º e 199º, todos do Cód. Penal.
Em face dos denunciados comportamentos do denunciado para com o menor C…, bem como as referências existentes de que o mesmo mantém contactos e comportamentos impróprios de um adulto para com menores, e ainda a possibilidade de o mesmo manter registos fotográficos ou vídeos de menores, afigura-se assim fundamental para a descoberta da verdade material a realização de busca domiciliária à residência do visado, e respectivos anexos, a existirem, local onde ocorreram os factos que deram origem aos presentes autos e onde poderão estar armazenados digitalmente ficheiros contendo imagens de menores.
Não se vislumbram quaisquer outras diligências que a serem realizadas permitam a obtenção desse resultado probatório.
Mais, entende-se que a busca requerida deve ser realizada antes do confronto do suspeito a fim de não perturbar o decurso da investigação e assegurar a preservação dos meios de prova. Face ao exposto, e nos termos do artigo 107º, nº 1, al. b) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, dos artigos 174º, n.º 2, 177º, 178º e 269º, n.º 1, al. c), do CPP, promove-se a emissão do respectivo mandado de busca para o local abaixo indicado, pelo prazo de 30 dias:
- Mandado de Busca Domiciliária, com arrombamento se necessário, para a residência de D…, bem como a possíveis anexos e garagens, sita na Avenida …, …, …. Vila do Conde.
Conclua os autos ao Mmo. Juiz de Instrução, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 177º, nº 1, e 174º, n.º 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal.
Mais se promove, tendo em conta a possibilidade de o mesmo manter registos fotográficos ou vídeos de menores e pelos fundamentos acima transcritos, que seja autorizado o acesso, leitura, gravação de conteúdo e realização de exame pericial a todos os equipamentos informáticos, audiovisuais e de telecomunicações que venham a ser localizados e apreendidos no interior da residência do suspeito e caso os mesmos sejam apreendidos, autorização para realização do posterior exame pericial aos mesmos - arts. 11º, n.º1, al. c), 15º, 16º da Lei do Cibercrime e art. 187º, nº 1, e 189º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, uma vez que a análise do conteúdo confidencial do/s objecto/s em causa revela-se essencial para a descoberta da verdade
(…)»
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Despacho recorrido.
«Analisados os elementos constantes dos autos, verifica-se que os mesmos tiveram origem em queixa por factos susceptiveis de configurar a prática, eventualmente, de crime de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo art. 173.º do C. Penal, praticados pelo suspeito D… na pessoa do menor C….
De tais factos, atento o depoimento do menor ofendido já recolhido nos autos, cremos haver indícios suficientes.
No entanto, de tais factos e das circunstâncias da sua prática não se retira qualquer indício de que o suspeito possa ter na sua posse (designadamente, na sua residência), ficheiros digitalmente armazenados contendo imagens de menores.
Já no que respeita a factos susceptíveis de configurar a prática de crimes de pornografia de menores e de gravações e fotografias ilícitas, p. e p., respectivamente, pelos arts. 176.° e 199.° do Cód. Penal (pensamos até que apenas do último, pois que não se vê donde resulte, dos factos relatados, matéria subsumível ao art. 176.°), nos autos apenas existe o depoimento da mãe do aludido menor, B…, que se limita a referir que apurou “por diversas pessoas que conhece” que o suspeito tira fotografias a menores junto à escola F….
Ora, nesta parte, tal depoimento é claramente indirecto, apenas podendo servir como meio de prova após ser determinado que as pessoas a que a testemunha alude sejam chamadas a depor e a sua inquirição não se mostrar possível por morte, anomalia psíquica ou impossibilidade de serem encontradas (cfr. o disposto pelo art. 129.º, n.º1, do C.P.P., aplicável com as devidas adaptações).
Assim, verifica-se que não resulta da prova até ao momento recolhida a existência de indícios de que se encontrarão objectos relacionados com os crimes investigados na residência do suspeito.
Ora, pressuposto da realização da busca que o M.P. promove seja ordenada, face ao disposto pelo art. 174.º, nos 1 e 2 do CP.P., é a existência de indícios (e não de meras suspeitas) de que se encontrarão objectos relacionados com os crimes investigados na residência daquele.
Aliás, a busca domiciliária, corno decorre do seu regime legal e sendo a inviolabilidade do domicílio constitucionalmente garantida (cfr. art. 34.º da CRP), é urna diligência especialmente atentatória dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, apenas podendo ser ordenada ou autorizada (sempre pelo juiz) verificado o aludido pressuposto e sendo rodeada de especial formalismo na sua execução.
Neste momento, perante a prova recolhida nos autos, que sumariamente descrevemos, entendemos não se verificarem os aludidos indícios, pelo que se indefere a requerida busca, ficando prejudicado o demais promovido.»
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3. Apreciação do recurso.
Cumpre referir, em primeiro lugar, que as referências que o Ministério Público, na sua promoção, faz às declarações do menor C… e de sua mãe, conferem com as declarações por eles prestadas a fls. 12 a 15 dos autos e 16 a 18, respectivamente.
No nosso CPP a prática de determinados actos processuais necessários à investigação criminal a serem praticados nas fases preliminares do processo, exigem a intervenção do juiz de instrução.
Trata-se da atribuição constitucional da competência para realizar ou autorizar actos que possam colidir com os direitos fundamentais do cidadão a um Juiz, atribuição que decorre directamente do artigo 32.º, n.º 4, da CRP.
Com relevo para a decisão, vejamos com brevidade o âmbito dos preceitos constitucionais envolvidos.
Preceitua, o artigo 26º, nº 1 da CRP preceitua no seu nº 1 que «a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, á capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, á imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e á protecção legal contra quaisquer formas de descriminação
É com o direito à reserva da intimidade da vida privada que a realização da busca pode contender.
No art. 32º, nº 8 da CRP – vide concretização no art. 126º do CPP - estabelece-se que são nulas as provas obtidas mediante ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
Aliás, fora das situações devidamente justificadas e autorizadas em processo penal, a ofensa dos direitos em questão constitui crime (cfr. arts. 190º, 191º e 192º do Código Penal).
Também o art. 34º, da CRP estatui, no seu n.º1, que «o domicílio e o sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada são invioláveis» enquanto o nº 2 preceitua que «a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei».
E, com especial relevância, na ponderação dos normativos concernentes ao meio de prova em causa – busca – importa a consideração do art. 18º da CRP, que estipula, que “[O]s preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas” e “[A] lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos”.
Decorre, deste preceito na sua conciliação com os normativos que permitem a realização da busca, que esta apenas é permitida quando estritamente indispensável para salvaguardar o interesse do Estado na perseguição do crime, materializando o princípio da proporcionalidade (proibição do excesso) que se desdobra em três subprincípios, o da adequação, da necessidade, e o da proporcionalidade em sentido restrito, ou racionalidade.
A adequação significa que a medida eleita se deve revelar adequada ao fim visado pela norma; a necessidade significa que os fins visados pela lei não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos sacrificados ou restringidos; a racionalidade implica que as medidas legais restritivas e os fins obtidos se situem numa “justa medida”.
Assim, o requisito da proporcionalidade funciona como uma garantia da não aniquilação do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, pois a existência de uma restrição «arbitrária», «desproporcionada», é um índice da ofensa do núcleo essencial - vide Constituição da república Portuguesa, Anotada, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Volume I, págs. 392 a 395.
Assim, compete ao órgão competente, no caso aos tribunais, que proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos e qualitativos, e que através dela se obtenha o resultado devido- vide Ac. do TC n.º 155/07, in www.tribuanlconstitucional.pt.
De acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 174º do Código de Processo Penal, uma busca apenas pode ser realizada quando houver indícios de que objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
Nesse contexto a busca domiciliária no âmbito da investigação criminal, acto processual em causa no recurso, reconhecido como um meio de obtenção de prova, com vista à descoberta e apreensão de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz, verificados que sejam determinados requisitos.
Na falta de definição legal a jurisprudência vem laborando numa definição prática do que deve ser entendido por indícios:
Assim, no Ac. do STJ de 09.03.2006, in www.dgsi.pt, escreveu-se que: «Os indícios a que se refere o art. 174.º do CPP, no que se refere às buscas (art. 177.º do CPP) são os de que na residência em causa estão quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, o que se basta com a informação recolhida pela polícia e prestada nos autos de que aí guardaria os arguido objectos relacionados com o tráfico de droga de que seria um dos patrões naquela freguesia
No ac. do TRC de 15.02.2006, CJ, Ano XXXI, Tomo I, 2006, págs. 50 e 51 «…enquanto para ser deduzida a acusação se exige a verificação de “indícios suficientes” (artigo 283º, n.º1 do CPP) e para decretar a prisão preventiva a lei impõe se reconheça a existência de “fortes indícios” da prática do crime doloso (art. 200º, n.º1 do CPP), para se ordenar a realização de uma busca a lei exige apenas a existência de indícios de objectos no domicílio relacionados com um crime ou que possam servir de prova (art. 174º, n.º2 do CPP).
Não definindo a lei o que deve entender-se por indício deve entender-se que este é uma indicação, sinal ou vestígio de algo»
No Ac. do TRL de 3.10.2000 entendeu-se “como indícios as suspeitas, indicações, sinais ou quaisquer outros elementos que apontem para a existência dos objectos naquele lugar.”
No Ac. do TRC de 03.03.2010 sufragou-se o entendimento de que: “…a materialização da suspeita ou dos indícios não tem de coincidir forçosamente com a existência prévia de prova mas com um estado de coisas que indique, em face das regras da experiência, que essa prova é possível, como seja uma queixa apresentada e devidamente circunstanciada, vigilância efectuada pelas entidades policiais que dê conhecimento de factos integradores de crime e possa posteriormente materializar-se em prova, testemunhos recolhidos informalmente que posteriormente se possam materializar em prova e obviamente meios de prova previamente produzidos.
Ou seja, é perante a existência de uma suspeita consistente da prática de um crime que se pode e deve concluir pela necessidade de uma busca e que se pode concluir pela sua adequação e racionalidade.
E bem se compreende que assim deva ser, não obstante as citadas garantias constitucionais, porque exigir mais do que uma suspeita fundamentada ou se se quiser mais do que indícios, seria negar à busca o que dela se pretende e a sua razão de ser, a obtenção de prova.»
Assim, tendo em atenção os factos relatados nos autos, concluímos sem qualquer esforço que os factos relatados pelo menor C… e sua mãe, B…, são suceptíveis de, em abstracto, integrarem pelo menos a prática de um crime de actos sexuais com adolescentes, p e p. pelo artigo 173º, n.º1 do CP e eventualmente um crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo art. 199º do CP, pelo suspeito D….
Por outro lado, há sem dúvida, e sempre salvo o devido respeito, indícios, atentas as regras da experiência, mormente a regra da normalidade do acontecer [que nos dizem que é normal que o interesse do suspeito D… por adolescentes menores se reflita também noutras formas de actuação como aquelas que são indicadas pelo Magistrado do MP na sua promoção, como sejam a captação de fotografias de menores, o seu uso indevido, ou a visualização e eventual armazenagem de pornografia infantil], e o relatado pelo menor e mãe do mesmo, que o suspeito D… tenha em seu poder fotografias de menores, ou mesmo que utilize, ou permita que outros utilizem fotografias de menores obtidas sem consentimento, o que só por si constitui crime diferente do abuso sexual de adolescente indiciado de forma bastante, e ao mesmo tempo constituirá meio de prova do referido crime de abuso sexual.
Posto isto, a diligência de busca está numa relação de adequação com a pretensão da descoberta e apreensão de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova do crime suficientemente indiciado nos autos; por outro lado, é uma diligência que se afigura como única via legal de alcançar os fins visados; e, finalmente existe uma proporção racional - uma “justa medida” - entre o custo da medida para o arguido e o benefício que se almeja obter para a investigação do crime, sendo que não há dúvidas que os bens jurídicos protegidos pelo crime de abuso sexual de adolescentes são superiores à inviolabilidade do domicílio, mormente quando se leva em conta que o arguido, segundo o relatado, não teve pejo em aí praticar os factos indiciados.
Assim, ponderada desta forma a restrição dos direitos do suspeito D…, pelos critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade, entendemos que deve ser autorizada a busca domiciliária requerida pelo Ministério Público.
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III- Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal deste Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar a sua substituição por outro que autorize e determine a passagem dos requeridos mandados de busca domiciliária.
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Sem tributação.
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Notifique.
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Processado em computador e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.
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Porto, 21 de Dezembro de 2016
Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares