Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
934/18.6T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
DEVER DE LEALDADE
DEVER DE RESPEITO E URBANIDADE
Nº do Documento: RP20191210934/18.6T8PNF.P1
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE, REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a Ré instituído a regra de todas as trabalhadoras, quando chegavam à fábrica, terem de colocar os telemóveis numa caixa, podendo embora fazer uso dos mesmos nas pausas de trabalho, regra essa instituída dado a A. utilizar muitas vezes o telemóvel no horário de trabalho, consubstancia justa causa de despedimento da A. o comportamento desta que: i) tinha disponível no seu cacifo um telemóvel que funcionava, mas deixando outro que não funcionava na caixa no sentido de fazer crer que se encontrava a cumprir o determinado; ii) ao ter sido confrontada com tal facto pela legal representante da Ré, lhe disse que o seu telemóvel estava na caixa, tendo-o ido buscar e mostrou-lho, dizendo que o mesmo não tinha bateria; iii) posteriormente, após a abertura do cacifo, onde se encontrava o outro telemóvel e com isso confrontada, disse à mencionada legal representante “Sua besta. És uma cabra. Ordinária”, o que foi presenciado por terceiro (fornecedor da Ré) e iv) agravado pelo facto de, tendo-lhe sido nesse dia comunicado que estava suspensa e que lhe iria ser instaurado procedimento disciplinar, a A., no dia a seguir ter-se apresentado nas instalações da Ré e pedido para falar com a legal representante, quando esta se lhe dirigia, lhe virou as costas e lhe disse, em tom sarcástico, “Xau amor”.
II - Os comportamentos referidos no ponto anterior violam, de forma grave e de modo a tornar inexigível a manutenção da relação laboral: o referido em i) e ii), os deveres de lealdade e de boa-fé na execução contratual e no seu relacionamento com a Ré; e, o referido em iii), os deveres de respeito e urbanidade [deveres estes violados também pelo referido em iv), ainda que este, por si só e desacompanhado dos demais, não constituísse justa causa para o despedimento].
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 934/18.6T8PNF.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1142)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, aos 04.04.2018, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 98º-C e 98º-D, ambos do CPT (aprovado pelo DL n.º 295/09 de 13/10), opor-se ao despedimento efectuado a 24/08/2017 por C…, Ld.ª.[1]

Frustrada a conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, alegando a existência de justa causa para o despedimento da A. por, em síntese, violação reiterada dos deveres previstos nas alíneas a) a c), e), g) e h), todas do nº 1, do artº 128º, do CT/2009.

A A. contestou pedindo que:
Quanto à contestação:A) Ser declarado improcedente por não provado a matéria constante no articulado apresentado pela R. B) Ser declarado a nulidade e ou invalidade do procedimento disciplinar, uma vez que, . a A. já havia sido despedida sem prévio processo disciplinar e ou; . inexiste razão de facto e de direito na argumentação aduzida no mesmo processo disciplinar. C) Ser declarado, por uma ou por outra via, que o despedimento da A, ocorreu de forma ilícita e ilegal”;
Quanto à reconvenção, que, consequentemente: “Julgar-se procedente o pedido reconvencional, condenar-se a R. A) No pagamento das diferenças salariais que ascende a € 7.044,00 (…); B) Título de subsídio de natal, em falta a quantia de € 788,36 (…); C) A título de subsídio de férias em falta reclama a quantia de € 788,36 (…); D) A título, compensação por férias não gozadas, a quantia de € 1.894,08 (…). E) Indemnização pela cessação do contrato de trabalho reclama o pagamento da quantia de € 5.220,00 (…). F) Devendo ainda a R. ser condenada no pagamento dos salários vencidos desde a data do despedimento e até trânsito em julgado da sentença. G) A título de danos morais reclama a compensação de € 2.000,00 (…. Todos os montantes acima referidos e reclamados devem ser acrescidos de juros à taxa legal, contados desde a notificação deste pedido e até efectivo e integral pagamento.”
Para tanto alegou em síntese que: foi ilicitamente despedida; nunca recebeu a retribuição correspondente à sua categoria profissional; deve ser compensada pelos danos sofridos.

A Ré respondeu, concluindo no sentido da improcedência da contestação da A., devendo a sanção do despedimento ser considerada lícita e ser o pedido reconvencional julgado improcedente.
Alegou, em síntese, que não aceita nem o sentido nem o alcance nem a pretensão que a A. apresenta na douta contestação, na qual deturpa, falseia e ficciona factos na perspetiva de justificar o seu pedido, que é manifestamente inverosímil e indevido; e que sempre pagou à A. tudo o que lhe era devido.

Realizou-se audiência preliminar, na qual: foi proferido despacho a admitir a reconvenção e despacho saneador tabelar, tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi, aos 04.06.2019, proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“Nos termos e com os fundamentos supra referidos, julgo a presente ação procedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
a) declaro ilícito o despedimento da A.;
b) condeno a R. a pagar à A.:
ba) a título de indemnização em substituição da reintegração, a quantia, que vier a ser liquidada e que não pode ser superior a € 5.220,00 e não pode ser inferior a 3 meses de retribuição base e diuturnidades, correspondente a 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sendo a antiguidade contada desde o dia 22.09.2014 até ao do trânsito em julgado da presente sentença, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data da notificação à R. da contestação de fls. 60 a 75 e até efetivo e integral pagamento, e
bb) as retribuições que a A. deixar de auferir desde o dia 16.03.2018 até ao do trânsito em julgado da presente sentença, a liquidar, deduzidas das importâncias que a A. aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, bem assim, do subsídio de desemprego atribuído à A. no período que vai desde o dia 16.03.2018 até ao do trânsito em julgado da presente sentença (devendo a R. entregar essa quantia à segurança social), acrescendo a tais retribuições os respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data da notificação à R. da contestação de fls. 60 a 75 e até efetivo e integral pagamento;
c) determino que o pagamento das retribuições devidas à A. após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário que consta de fls. 2 - o qual foi apresentado a 04.04.2018 - até à notificação da presente sentença seja efetuado pela entidade competente da área da segurança social no prazo previsto no nº 3, do artº 98º-N, do C.P.T., sendo que naqueles 12 meses não se incluem os períodos referidos nas alíneas a) a c), do nº 1, do artº 98º-O, do C.P.T., e àquelas retribuições deduzem-se as importâncias referidas no nº 2, do artº 390º, do C.T.; e
d) sem prejuízo do referido em b), absolvo a R. das quantias peticionadas pela A..
Fixo o valor da causa em € 5.220,00 - cfr. artº 98º-P, nº 2, do C.P.T..
*
Custas pela A. e pela R., na proporção de 1/2 pela A. e de 1/2 pela R., sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que a A. goza - cfr. artº 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C..”.

Inconformada, veio a Ré recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. Vem o p. recurso interposto da Douta sentença que declarando a ilicitude do despedimento, por factos imputáveis ao trabalhador, promovido pela Recorrente, condenou esta a pagar à Recorrida os créditos laborais que infra melhor se descriminarão.
II. Decisão com a qual a ora Recorrente não se conforma pois, salvo o devido respeito, entende que tendo sido levado a cabo o respectivo procedimento para o efeito, e assentando o fundamento do despedimento numa causa justa, foi o mesmo regular e lícito.
Senão veja-se,
III. A factualidade ocorrida, com relevância para aferir da ilicitude, ou não, do despedimento promovido pela Recorrente – posto que não está em causa a falta de cumprimento do respetivo procedimento legal, cfr. decorre da factualidade provada nos pontos 3º a 8º, 12º, 14º a 20º e 26º a 29º da sentença - e que serviu de fundamento ao processo disciplinar que culminou com a decisão de despedimento foram, em síntese, os seguintes:
IV. Porque ao longo do contrato de trabalho a Recorrente foi por várias vezes apanhada, durante o horário laboral, a usar o telemóvel, no dia 02.01.2018, foi instituída uma regra pela entidade patronal: todas as trabalhadoras quando chegavam à fábrica tinham que colocar numa caixa os seus telemóveis. (cfr. factualidade provada em 9º e 39º), só podendo usar os mesmos durante as pausas. (cfr. Facto provado em 40º).
Acontece que a Recorrida não cumpria a regra imposta (cfr. Facto provado em 41º), tendo para o efeito engendrado uma forma de enganar a entidade patronal. Com efeito, a Recorrida levava para o local de trabalho 2 telemóveis, um que não funcionava e que a mesma colocava na caixa, juntamente com os das demais trabalhadoras e outro que funcionava, e que era o seu telemóvel, que guardava dentro do seu cacifo. (cfr. factualidade provada nos pontos 42º e 44º). No dia 25.01.2018, a Recorrente, na pessoa da sua sócia gerente D…, foi alertada por uma das funcionárias sobre tal situação, pelo que esta pediu à Recorrida que lhe mostrasse o seu telemóvel, altura em que esta lhe mostrou o telemóvel que se encontrava na caixa e que não funcionava, dizendo-lhe que se encontrava sem bateria. (cfr. factualidade provada sob os pontos 43º). Então a referida D… (superior hierárquica da Recorrida) pediu à Recorrida que lhe abrisse o seu cacifo, tendo encontrado o segundo telemóvel, no qual estava registada uma mensagem enviada pela Recorrida à sua mãe. (cfr. factualidade provada sob os pontos 45º). Nessa sequência a superior hierárquica da Recorrida chamou-a à atenção, altura em que esta a se dirige à referida D… dizendo “Sua besta. És uma cabra. Ordinária.” (cfr. factualidade provada em 10º). Após esta situação a referida D… comunicou, à Recorrida que esta se encontrava suspensa, sem perda de retribuição e que lhe iria ser instaurado um processo disciplinar. (cfr. factualidade constante do ponto 12º). E como se tudo o relatado não bastasse, a Recorrida aparece no local de trabalho no dia seguinte, pedindo para falar com a referida D… e quando esta lhe surge à frente a Recorrida vira-lhe costas e diz-lhe “Xau amor”. (cfr. factualidade constantes sob ponto 13º).
V. Com base, essencialmente, na factualidade vinda de relatar, o processo disciplinar levado a cabo contra a Recorrida culminou com o seu despedimento.
VI. Sucede que, entendeu o Tribunal a quo que, apesar dos factos dos pontos 10º e 13º, conjugados com os factos dos pontos 5º, 6º, 9º e 12º, todos dos factos provados, e com o disposto no artº 128º, nºs 1, alíneas a) e e), e 2, do C.T., consubstanciarem a adoção pela A. de comportamentos subsumíveis nas alíneas a) e i), ambas do nº 2, do artº 351º, do C.T, “tais comportamentos, apesar de se deverem considerar culposos, não tornam, pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
VII. Entendimento com o qual a Recorrente não se conforma, nem se poderia conformar.
VIII. Para fundamentar a sua decisão, o tribunal invocou, basicamente, 4 ordens de ideias, com as quais não se concede: 1)“…não é possível concluir que a A. adotou comportamentos semelhantes aos descritos nos pontos 10º e 13º, ambos dos factos provados, em qualquer outro momento da vigência do contrato de trabalho (…)” 2)“…não é possível concluir que os comportamentos descritos nos pontos 10º e 13º, ambos dos factos provados, se refletiram negativamente no ambiente de trabalho existente na R. ou colocaram em causa a autoridade de D…. Efetivamente, não resulta desde logo dos factos provados que tais comportamentos foram presenciados por outras trabalhadoras da R.. (…)”. 3) “…não emerge dos factos provados que a A. foi objeto de um qualquer procedimento disciplinar que haja culminado com a aplicação de uma sanção disciplinar em momento anterior ao da instauração do procedimento disciplinar em causa nos presentes autos” (…). 4)“…há a considerar que resulta dos factos provados que, no dia 25.01.2018, a A. não tinha nenhum telemóvel consigo no seu posto de trabalho, sendo que tinha um telemóvel na caixa onde as trabalhadoras tinham que deixar os seus telemóveis e um outro no seu cacifo, e que o concreto uso do telemóvel pela A. no dia 25.01.2018 se traduziu no envio de uma mensagem para a mãe a pedir que viesse à fábrica e lhe trouxesse medicação para as dores (…)”.
IX. O primeiro fundamento não pode colher, pois embora não tenha resultado dos factos provados a prática de outras atitudes que tivessem comportado, por parte da Recorrente, quer um crime de injúrias, quer provocações, ambos contra a sua superior hierárquica, a Recorrida já vinha tendo, ao longo do contrato de trabalho, comportamento irregulares no local de trabalho e com os seus superiores hierárquicos que apenas não foram objeto de processo disciplinar devido à resiliência da entidade patronal, que optava por dar mais uma oportunidade à Recorrida.
X. Afinal, consta de fls. 40 a 43 advertências escritas, feitas pela Recorrente à Recorrida, nas quais são invocadas situações como: “Mais uma vez, vimos expressamente repreender Exa. Pois além das faltas sem justificação, ausenta-se por várias vezes do seu posto de trabalho cerca de 15 a 20 minutos, sendo apanhada, por diversas a trocar mensagens via telemóvel durante o seu horário laboral. Tem vindo a baixar a produtividade e quando chamada à atenção foi mal educada com a sua entidade patronal. (…) Vimos avisá-la de que se tais comportamentos se mantiverem iremos instaurar o competente processo disciplinar.” (cfr. notificação datada de 19.02.2016); “Ausenta-se constantemente do seu posto de trabalho, por períodos muito longos (cerca de 15 minutos)”; “Apanhamo-la a fumar dentro das instalações da fábrica” (notificação datada de 15.07.2015); “ (…) as ausências do seu posto de trabalho são uma constante, e o uso de telemóvel durante o seu período de trabalho é seguido. Voltou a ser mal educada com a sua entidade patronal, faltando ao respeito e ofendendo-a. Este é o último aviso (…)”. (cfr. notificação datada de 20.11.2017).
XI. Portanto, embora não tenho resultado provada a instauração de nenhum outro processo disciplinar, porque não existiu, as referidas notificações registam, ao longo do contrato de trabalho, comportamentos da Recorrida violadores dos seus deveres, enquanto trabalhadora, denotando que a situação que embrionou o processo disciplinar em causa nos autos não foi pontual.
XII. E o mesmo se diga para responder ao 2º fundamento invocado pelo Tribunal a quo.
XIII. Pois decorre das mais elementares regras de experiência comum que as entidades patronais podem ser mais ou menos benevolentes, tendo em conta o tipo de comportamento levado a cabo pelos seus trabalhadores, a respetiva gravidade e consequências.
XIV. No caso dos autos, depois de já ter sido advertida sobre a instauração de um processo disciplinar, pelo menos três vezes, a Recorrente adotou um comportamento ainda mais gravoso, que foi o de insultar a sua superior hierárquica, com o intuito de ofender a sua honra e consideração, não só no dia em que foi chamada à atenção pelo facto de ter desobedecido a regras impostos pela empregadora, como também por ter usado de uma artimanha para contornar o cumprimento e intuito dessa mesma regra.
XV. E como se tal não bastasse, no dia seguinte, foi fazer uma provocação à mesma pessoa contra a qual, no dia anterior, tinha praticado um crime.
XVI. Ora, é mais que patente que perante este comportamento da Recorrida era inexigível à Recorrente manter o contrato de trabalho!
XVII. Quanto ao 3º fundamento, segundo o qual “não é possível concluir que os comportamentos descritos nos pontos 10º e 13º, ambos dos factos provados, se refletiram negativamente no ambiente de trabalho existente na R. ou colocaram em causa a autoridade de D….” Porque “Efetivamente, não resulta desde logo dos factos provados que tais comportamentos foram presenciados por outras trabalhadoras da R..”., também não é correto, nem consentâneo com as regras da experiência comum!
XVIII. Pois, conforme se conclui no Douto aresto desta Relação do Porto, proferido em 10.09.2018 no âmbito do processo n.º 2673/15.0T8MAI.P1, em que foi relator o Venerando Desembargador Sr. Dr. Rui Penha “(…) sendo a situação conhecível pelos restantes trabalhadores da recorrida (conforme facto provado 12), ficaria a impressão nos mesmos que as injúrias entre eles, ou dirigidas a superiores hierárquicos, eram toleradas, com as inerentes e graves consequências ao nível da organização da empresa. Por outro lado, ficou irremediavelmente comprometida a relação entre o trabalhador e o seu superior hierárquico visado, com inevitáveis prejuízos para a estrutura organizacional da empresa.”. (bold nosso). O que se invoca.
XIX. Por fim, relembra-se que a regra criada pela Recorrente foi instituída, por causa da Recorrente e para prevenir a continuação do seu comportamento que, constantemente, e em desrespeito pelo dever de realizar o trabalho com zelo e diligência – cfr. estatui o disposto no art. 128º, n.º1, al.c) - utilizava o telemóvel durante o horário laboral.
XX. Regra que não foi suficiente para dissuadir a Recorrida de tal comportamento, mas antes, que a levou a engendrar uma forma de ENGANAR A ENTIDADE PATRONAL e continuar a usar o telemóvel durante o horário laboral, violando, deliberadamente, o dever de cumprir com as ordens e instruções do empregador respeitantes à disciplinado trabalho, constante da al.e) do n.º1 do art.128º do CT.
XXI. Em nenhum momento a trabalhadora mostrou arrependimento por qualquer uma das condutas irregulares que levaram à instauração do processo disciplinar.
XXII. E, ainda assim, o Tribunal não se pronunciando sobre o artificio por ela criado, sem ter em conta o desrespeito e desonestidade que aquela conduta encerrou aos olhos da Recorrente e das restantes trabalhadoras, referiu o facto de a mesma só ter utilizado o telemóvel para pedir um comprimido, como se a artimanha criada pela trabalhadora não passasse de uma mera situação de incumprimento de uma regra devido a um estado de necessidade!
XXIII. Ora, ficou provado “quando a A. (ora Recorrida) precisava de ajuda por não se sentir bem, a R. (ora Recorrente) providenciava para que fosse prestada ajuda à A.”.
XXIV. O que está em causa nos autos não é a razão pela qual a Recorrida usou o telemóvel, mas antes (e não só) o facto de não ter respeitado a ordem que lhe havia sido imposta, ter continuado a ter o telemóvel ao seu alcance, escondido no cacifo, ter engendrado uma forma de ludibriar a Recorrente e quando foi repreendida pela sua superior hierárquica tê-la injuriado e provocado posteriormente.
XXV. São estes os factos que fundamentam a decisão de despedimento, pois foi este conjunto de acontecimentos, plasmados na nota de culpa, que impossibilitaram a subsistência da relação de trabalho.
XXVI. A preceito, seguindo de perto as considerações tecidas no referido acórdão, acrescentamos que a noção legal de justa causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um bónus pater familias, de um empregador razoável, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto (acórdão do STJ de 27 de Junho de 2007, processo 07S1050, acessível em www.dgsi.pt). A impossibilidade prática da subsistência da relação juslaboral é um conceito normativo-objectivo, numa perspectiva de inexigibilidade da sua manutenção, que resulta de um comportamento que afecta, de modo irreparável, a relação de confiança, o dever de lealdade, na sua faceta subjectiva, criando, irreversivelmente, a dúvida, no espírito do empregador, sobre a idoneidade da conduta futura do trabalhador (Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, pág. 250, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, págs. 947 e 952, e João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2011, pág. 371). Conforme salienta Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 2006, págs. 557 e 575, “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo.”. (sublinhado e bold nossos).
XXVII. Sem olvidar que com as condutas vindas de relatar a Recorrida violou o disposto no artº 128º, nºs 1, alíneas a) e e), e 2, do C.T., o que consubstancia a adoção pela mesma de comportamentos subsumíveis nas alíneas a) e i), ambas do nº 2, do artº 351º, do C.T, não se pode exigir à Recorrente a manutenção da relação laboral com a Recorrida, pois o despedimento promovido pela entidade patronal, ora Recorrente, foi justo e legal.
TERMOS EM QUE, (…) DEVE O P. RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E DECLARADA A LICITUDE DO DESPEDIMENTO DA RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, (…)”.

A Recorrida contra alegou no sentido do não provimento do recurso [não formulou conclusões].

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual as partes responderam, sendo a Recorrida no sentido da sua concordância, mais remetendo para as contra-alegações, e a Recorrente dele discordando.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC72013.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

Na 1ª instância foi proferida a seguinte decisão da matéria de facto:
“Factos provados
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1º- A R. admitiu a A. ao seu serviço para lhe prestar a atividade correspondente à categoria de aprendiz de enformadeira em 22.09.2014, tendo sido ajustada a quantia mensal ilíquida de € 485,00 como retribuição base, sendo que foi assinado, pela R. e pela A., o escrito particular de fls. 113 a 113 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
2º- À data de 25.01.2018, o horário de trabalho da A. era, de segunda-feira a sexta-feira, das 13:30 horas às 17:00 horas e das 17:30 horas às 22:00 horas.
3º- O procedimento disciplinar instaurado pela R. contra a A. consta de fls. 35 a 54 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
4º- Em 26.01.2018, foi enviada à A. a carta de fls. 35, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
5º- Os únicos sócios da R. desde a constituição da mesma e, pelo menos, até 04.04.2018 eram D… e E….
6º- No dia 25.01.2018, D…, gerente de facto da R. e superiora hierárquica da A., havia comunicado, verbalmente, à A. que lhe ia ser instaurado um processo disciplinar e que estava suspensa sem perda de retribuição.
7º- No âmbito do procedimento disciplinar referido em 3º, foram inquiridas, no dia 06.02.2018, 5 testemunhas.
8º- Na decisão do procedimento disciplinar referido em 3º, foram considerados provados os factos constantes da nota de culpa.
9º- No dia 02.01.2018, foi proibido o uso do telemóvel durante o horário de trabalho.
10º- No dia 25.01.2018, a A. foi chamada à atenção por causa do uso do telemóvel, por D…, e, então, na presença de E… e de F…, fornecedor da R., dirigiu-se a D… dizendo “Sua besta. És uma cabra. Ordinária.”.
11º- No dia 02.02.2018, D… denunciou, no Posto Territorial de … da Guarda Nacional Republicana, os factos que constam, sob a epígrafe “DESCRIÇÃO DOS FACTOS E INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR”, do auto de notícia de fls. 256 verso a 257 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
12º- No dia 25.01.2018, após a factualidade referida em 10º, D… comunicou, verbalmente, à A. que lhe ia ser instaurado um processo disciplinar e que estava suspensa sem perda de retribuição.
13º- No dia 26.01.2018, a A. apresentou-se nas instalações da R. e pediu para falar com D…, sendo que, quando D… se dirigia à A., a A. vira as costas e, em tom sarcástico, profere a expressão “Xau amor” dirigida para D….
14º- Tendo sido enviada, no dia 08.02.2018, à A. a nota de culpa com intenção de despedimento, através da carta de fls. 42 a 45 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
15º- A A. apresentou a resposta de fls. 46 verso a 48, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, na qual foi indicada, sob a epígrafe “Prova testemunhal”, “G…”.
16º- A R. enviou a G… carta de fls. 48 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
17º- G… recebeu a carta referida em 16º no dia 06.03.2018 e enviou à R. a carta de fls. 49 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
18º- A R. enviou a G… a carta de fls. 50, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
19º- G… recebeu a carta referida em 18º no dia 13.03.2018 e não compareceu para prestar depoimento como testemunha, não justificou a sua não comparência e não voltou a contactar a R..
20º- Em 16.03.2018, foi comunicada a decisão do processo disciplinar de fls. 51 a 54, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
21º- A A., em 29.01.2018, enviou à R. comprovativo de baixa médica desde 29.01.2018 a 09.02.2018.
22º- No dia 12.02.2018, data em que se efetuaram os pagamentos dos salários às trabalhadoras, a A. deslocou-se às instalações da R. para receber o seu salário.
23º- Uma vez que a A. já tinha recebido a nota de culpa, a A. e E… conversaram e, no decurso da conversa, a A. assinou o escrito particular de fls. 56, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
24º- E… é irmã de D….
25º- No dia 25.01.2018, da parte da tarde, a A., através de um telemóvel que tinha levado consigo para a R., enviou uma mensagem para a mãe a pedir que viesse à fábrica e lhe trouxesse medicação para as dores.
26º- A A. recebe a carta, datada de 26.01.2018, de fls. 35, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
27º- Carta a que a A. responde em 30.01.2018 através da carta de fls. 75 verso a 76, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
28º- A R. responde a 02.02.2018 através da carta de fls. 77, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
29º- A esta última carta já responde a mandatária da A. através da carta de fls. 77 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
30º- A A. apresentou contra D… a queixa-crime de fls. 151 a 154, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
31º- À semelhança do que sucedia com todas as outras funcionárias da R., a A. recebia mensalmente um envelope com o dinheiro correspondente ao seu salário.
32º- A A. chegou a faltar ao trabalho por estar de baixa médica.
33º- Relativamente aos períodos de 28.09.2015 a 09.10.2015 e 10.10.2015 a 29.10.2015, foi concedida à A. baixa médica.
34º- H… está registada como sendo filha da A. e como tendo nascido a 25.11.2007.
35º- No dia 20.07.2016, a A. foi diagnosticada com uma fissura da 10ª costela direita.
36º- No dia 25.01.2018, a A. não tinha nenhum telemóvel consigo na máquina onde trabalhava.
37º- A A. enviou à R. a carta, datada de 19.02.2018, de fls. 83 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
38º- A R. respondeu à carta referida em 37º através da carta, datada de 21.02.2018, de fls. 84 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
39º- No dia 02.01.2018, dado o facto de a A. já ter sido apanhada muitas vezes a utilizar o telemóvel no horário de trabalho, foi instituída pela R. a seguinte regra: todas as trabalhadoras quando chegavam à fábrica tinham que colocar numa caixa os seus telemóveis.
40º- As trabalhadoras podiam fazer uso dos seus telemóveis durante as pausas do trabalho.
41º- A A. não cumpria a regra.
42º- No dia 25.01.2018, D… foi alertada por uma das funcionárias para o facto de a A. possuir dois telemóveis: um que deixava na caixa junto com os telemóveis das colegas e outro que guardava no cacifo dela.
43º- Então, D… confrontou a A. com tal facto e a A. disse que o seu telemóvel estava na caixa e foi buscar um telemóvel à caixa e mostrou-o a D…, dizendo que o telemóvel não tinha bateria.
44º- O telemóvel que a A. mostrou a D… era velho e não ligava.
45º- Então, D… e a A. foram até à cantina e a A. abriu o seu cacifo e tirou tudo o que estava dentro do seu saco, incluindo um telemóvel, no qual estava registada a mensagem referida em 25º.
46º- Foi então que se verificou a factualidade referida em 10º e 12º.
47º- Depois, E… foi chamar as colegas de trabalho da A. para irem à cantina.
48º- A A. foi inscrita na Segurança Social em 22.09.2014.
49º- O salário da A. que constava dos recibos de vencimento era, desde 22.09.2014 a 30.09.2014, de € 485,00; desde 01.10.2014 a 31.12.2014, de € 505,00; em 2015, de € 505,00; em 2016, de € 530,00; em 2017, de € 557,00; e, em janeiro de 2018, de € 580,00.
50º- Em cada ano de trabalho, a A. recebeu, mensalmente, o valor constante do recibo de vencimento.
51º- O horário de trabalho previsto no escrito particular referido em 1º era, de segunda-feira a sexta-feira, das 13:30 horas às 17:00 horas e das 17:30 horas às 22:00 horas.
52º- O horário de trabalho referido em 51º foi alterado por acordo entre a A. e a R. para o seguinte horário de trabalho: de segunda-feira a sexta-feira, das 08:30 horas às 12:30 horas e das 14:00 horas às 18:00 horas, sendo que este horário vigorou desde data em concreto não apurada e até 03.10.2017.
53º- Todos os documentos onde consta a assinatura da A. foram assinados pela A., a qual sabe ler, de livre vontade.
54º- Existiram períodos em que a A. entregou baixa médica.
55º- A R. foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira através da carta de fls. 128 verso, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, sendo que, no dia 27.11.2014, foi penhorada a quantia de € 414,71 no salário da A..
56º- Na zona onde se situa a R., existem mais 4 fábricas a funcionar.
57º- Quando a A. precisava de ajuda por não se sentir bem, a R. providenciava para que fosse prestada ajuda à A..
58º- A A. foi no dia de pagamento receber por livre vontade.
59º- A assinatura pela A. do escrito particular referido em 23º foi por livre vontade, após a A. o ter lido e ter conversado com F….
60º- A R. sempre pagou à A. os salários, os subsídios de férias e os subsídios de Natal em conformidade com os recibos de vencimento.
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
1º- Entre os anos de 2015 e 2017, a arguida faltou ao serviço, injustificadamente, pelo número total de 54 dias e 2 horas.
2º- Tendo, portanto, sido alvo de repreensões por escrito datadas em 15 de julho de 2015, 19 de fevereiro de 2016 e 20 de novembro de 2017.
3º- Na verdade, e referente ao ano de 2015:
- Em janeiro de 2015, a arguida faltou um dia, (dia 22)
- No mês de maio, a arguida faltou 4 dias, (dia, 15, 20, 21 e 22)
- No mês de junho, a arguida faltou um dia (dia 3), faltou três horas no dia 16 e faltou mais 4.5h no dia 18.
- No mês de julho, a arguida faltou quatro horas no dia 21, e faltou 4.5h no dia 14.
- No mês de agosto a arguida faltou um no dia 7
- No mês de setembro, a arguida faltou 12 dias, dias (17 e 21 a 30) entre quais sexta-feiras
- No mês de dezembro, a arguida faltou 2 dias, (dia 3 e 4), no dia 2 faltou três horas, no dia 11 faltou 4horas e no dia 15 faltou 2horas.
- Pelo que no dia 15 de julho de 2015 recebeu repreensão escrita
Referente ao ano de 2016,
- No mês de janeiro, a arguida faltou 6 dias (dias 5, 6, 7, 8(sexta-feira) e 27)
- No mês de março faltou 2 dias (dias 1 e 2)
- No mês abril a arguida faltou 2 dias (dia 1, 4,), faltou 6 horas no dia 13
- No mês de setembro, a arguida faltou 3 horas no dia 30.
- No mês de novembro faltou 6 horas no dia 9 e 4 horas no dia 24.
Referente ao ano de 2017,
- No mês de janeiro, a arguida faltou 7 horas no dia 4
- No mês de fevereiro faltou dois dias, (dia 6 que corresponde a uma sexta – feira)
- No mês de junho faltou 2 dias (dia 23), que corresponde a uma sexta – feira)
- No mês de julho faltou 2 dias (dias 19 e 20)
- No mês de agosto faltou 1 dia (dia3)
- O mês de outubro faltou 2 dias (dia 6 que corresponde a uma sexta-feira) e faltou 3 horas no dia 31
- No mês de novembro faltou 1 dia (dia 7)
- No mês de dezembro faltou 2 horas no dia 12
4º- A trabalhadora arguida tem vindo a manter comportamentos e a tomar atitudes nada consentâneos com os seus deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e de promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
5º- Sempre que chamada à atenção pelo uso do telemóvel, a arguida era mal educada com as suas superiores, gozando mesmo com elas.
6º- Outro facto pelo qual foi por várias vezes chamada à atenção foi por fumar dentro das instalações, repreensão escrita datada de 15 de julho de 2015 e 19 de fevereiro de 2016.
7º- Dentro do seu horário de trabalho e na ausência da entidade patronal e sem qualquer autorização, permitia ainda a entrada da sua filha de 11 anos de idade no interior das instalações da fábrica podendo mesmo mexer/utilizar as máquinas, nomeadamente a pistola de ar comprimido, causando por diversas vezes danos.
8º- E com estas atitudes, tem vindo a trabalhadora arguida a manter mau relacionamento com a chefia e com os colegas de trabalho.
9º- O que, aliás, não é novidade para a entidade patronal, uma vez que, tal como consta dos autos, já em 20 de novembro de 2017 decidiu aplicar à arguida, pela terceira vez, a sanção de Repreensão escrita.
10º- No dia 25 de janeiro de 2018, cerca da 17h e 30m foi a A. despedida por D… na presença de E….
11º- No identificado dia (25 de janeiro de 2018), já da parte da tarde, a A. sentiu-se mal, tendo pedido a uma colega de trabalho que lhe desse um comprimido para as dores.
12º- Como a colega não tinha.
13º- Ao que a mãe acedeu.
14º- A A. voltou para o posto de trabalho, sendo que, cerca de uma hora após, foi à casa de banho.
15º- Voltou para o local de trabalho, cinco minutos após, D…, bate-lhe nas costas e ordenou-lhe: “vem abrir o teu cacifo que quero ver o teu telemóvel”.
16º- Apesar de não concordar, estar mesmo contrariada com tal ordem, outra alternativa não teve, que não fosse deslocar-se ao local do cacifo.
17º- Logo após abrir o cacifo e pegar na carteira, D…, bruscamente retira a mala da A. e literalmente “ despeja”, numa mesa, todo o seu conteúdo.
18º- Em ato contínuo, pega no telemóvel, e diz à A. “que o mesmo está apreendido” e pede-lhe a “palavra passe”.
19º- A A., num primeiro instante, ainda recusa dar a “palavra passe”. Mas, de imediato é ameaçada pela D… que lhe diz, em voz alta, de forma austera, prepotente, arrogante e malcriada “que ou o fazia ou partia-lhe o telemóvel” o que referiu por várias vezes.
20º- Com dores que lhe atormentavam o corpo e a cabeça, com medo e receio pela sua integridade física, a A. ainda lhe referiu que apenas mandou uma mensagem para a mãe para lhe pedir um comprimido.
21º- De nada valeu, o inferno estava longe de terminar até porque recebeu como resposta “és uma falsa, uma mentirosa ordinária, uma besta, uma cabra”. O que repetiu para várias vezes.
22º- Nas condições e condicionantes relatadas a A., forneceu-lhe a “palavra passe”.
23º- Não contente, continua (a D…) manda chamar as funcionárias, indicadas no rol de testemunhas da peça em apreço e:
- Tira fotografias às mensagens que a A. tinha no telemóvel;
- Exibiu as mensagens às colegas de trabalho.
24º- E não contente, continuou a humilhar e maltratar a A. passando o telemóvel para as mãos das colegas, e a rir-se, leram mensagens particulares daquela.
25º- E na presença das colegas de trabalho diz à A. “que era uma ordinária que não gostava de trabalhar”.
26º- Agarra-lhe pelo braço encaminha-a no sentido da saída e diz-lhe: “estás despedia vai embora”.
27º- No dia seguinte a A., com duas testemunhas, regressa ao seu local de trabalho, e pergunta, expressamente, se pode entrar para trabalhar.
28º- A resposta foi igual à do dia anterior “que estava despedida”.
29º- G… por questões de trabalho não pôde comparecer.
30º- A A. iniciou o contrato de trabalho com a R. em 6 de setembro de 2013.
31º- Claro está, a R. à semelhança do que faz com todas as funcionárias suas trabalhadoras, primeiro que as inscreva na Segurança Social é um suplício.
32º- Estão meses a trabalhar sem estarem inscritas na Segurança Social.
33º- Foi o que sucedeu com a A. - daí a R. dizer que o início da relação laboral é 22 de setembro de 2014.
34º- Efetivamente, a A. iniciou a sua atividade com a categoria de aprendiz de embaladeira, mas, uma semana após passou a tecedeira - máquina onde passava as meias a ferro.
35º- O seu salário era: De setembro de 2013 e até março de 2014, a A. recebia, a título de salário o montante de €350.00 (trezentos e cinquenta); De abril de 2014 e até ter sido despedida a A. auferiu mensalmente a quantia de €400.00 (quatrocentos euros).
36º- É prática da R. pagar os salários acima referidos - todas as funcionárias, no passado e no presente recebem o mesmo.
37º- À semelhança do que sucede com todas as funcionárias - recebeu, mensalmente, um envelope com o dinheiro, que a R., entende ser devido pela prestação de trabalho, no caso, da A. e, como dizem as legais representantes da R. “se não aceitas o remédio é fácil rua”.
38º- O horário de trabalho da A., no início do contrato e até outubro de 2017, era: das 8h às 12h30m e das 13h30m às 18h; a partir de outubro de 2017 passou a ser 14h às 22h.
39º- Na data em que lhe foi alterado, unilateralmente, o horário, a A. insurgiu-se contra tal alteração mas - foi nessa altura que a Sr.ª D… - lhe exibe um contrato de trabalho, supostamente assinado pela A. e, desta forma, a obriga a trabalhar neste horário.
40º- Com uma filha, ainda criança, que cuida sozinha, outra alternativa não teve que não fosse aceitar.
41º- No que se reporta ao contrato de trabalho, saliente-se, nunca a A. teve acesso a tal contrato. Mais uma vez, à semelhança do que sucede com todas as funcionárias, é documento que não têm acesso.
42º- Completando, na data, (a da alteração do horário) para além de lhe terem exibido um contrato que supostamente terá sido assinado pela A., ainda a obrigaram a assinar um outro “papel” onde o horário era o constante da p.i..
43º- Em 26 de janeiro de 2018, da parte da manhã, foi confirmado o despedimento, de forma verbal, pela D….
44º- Os documentos de fls. 40 verso, 41 e 41 verso foram fabricados para instruir o processo disciplinar e consequentemente despedir a A..
45º- Primeiro com problemas renais e depois problemas depressivos, e ainda devido ao facto de a sua filha ter sido sujeita a uma intervenção cirúrgica, a A. teve de faltar, mas sempre justificando tais faltas.
46º- Tendo, nomeadamente, estado de baixa médica 30 dias, uma vez no ano de 2015 e uma outra, em meados de abril de 2016 até meados de maio de 2016.
47º- E, quanto a esta última diga-se, quando foi receber os 10 dias que trabalhou em abril a R. entendeu que o salário da A. era €1.00 (um euro), e pagaram um euro…
48º- Sempre que a A. esteve doente, apresentava o competente comprovativo.
49º- Sempre que teve de abandonar o posto de trabalho por se sentir mal, justificou a falta.
50º- De resto chegou a trabalhar estando de baixa porque a entidade patronal assim o obrigava dizendo: “estavam com falta de pessoal para trabalhar e se não fosse trabalhar que a mandavam embora”.
51º- H…, à qual o pai não paga os alimentos.
52º- A A. e H… vivem a expensas da mãe e familiares - outro remédio não teve que não fosse ir trabalhar.
53º- As faltas foram todas justificadas, mas, realça-se, quando faltava e entregava a competente justificação médica a Sr.ª D… dizia: “é muito grosso para limpar o rabo”; “que não tinha nenhuma valia para se despedir”; “que não fazia falta à fábrica para se despedir”; entre muitas outras expressões, que, se a A. não precisasse de trabalhar e do trabalho, até teriam piada.
54º- Complemente-se ainda que, a D. D…, chegou mesmo, por várias vezes, a abordar a mãe da A. dizendo-lhe: “a tua filha que meta a carta de despedimento que era melhor para ela que estava farta dela” “que lhe dava dores de cabeça que ela não queria trabalhar”, entre muitos outros impropérios impróprios e desagradáveis.
55º- Em ambiente de trabalho quer a gerente da R. quer D…, tornavam a vida da A. um pesadelo, ou seja: Quando aquela ia à casa de banho, em tom alto e agressivo diziam e ameaçavam: “que lhe punham correntes para não ir à casa de banho”; “trabalha “sostra” que não dás produção”.
56º- Constantemente a A. e suas colegas eram e são injuriadas e ameaçadas, diminuídas e rebaixadas no trabalho.
57º- Todo este comportamento, muito embora fosse recorrente ao longo da relação laboral, agravou-se, no que diz respeito à A. a partir de abril de 2015, quando foi diagnosticada uma depressão/esgotamento.
58º- Para a forçar a despedir-se, além das ameaças suprarreferidas, passaram a ter o seguinte comportamento: trocaram a A. várias vezes de funções, aliás quase diariamente o faziam, passou a conferir as meias com defeitos, meia a meia, eram milhares de meias e ameaçando diziam “ que não se ia embora sem conferir as meias e dar produção” e o certo é que, não deixavam a A. sair da empresa, sem conferir as meias, após conferir meias voltava para o seu posto de trabalho “para dar produção” e por vezes, tinha de “dar” horas extra, por estar impedida de sair da empresa.
59º- Quando diz “dar” é mesmo no sentido literal da palavra - nunca foram pagas.
60º- Esteve a A., mais de meio ano, a ver meias com defeito entre os anos de 2015 e 2016.
61º- Tudo isto era para ver se despedia. Mas quem precisa sujeita-se…
62º- Hoje lamenta, mas nunca foi às reuniões da escola da filha porque não a deixavam sair, quando a jovem foi operada não queriam que acompanhasse a filha, enfim …
63º- Em 20 de junho de 2016, no seu local de trabalho a A. fraturou uma costela.
64º- Logo a R. se apressou a dizer: “que era tudo manha, o que ela queria era não trabalhar”.
65º- Resultado não lhe deram assistência, não a deixaram abandonar o posto de trabalho, não acionaram o seguro - teve a A. que recorrer a baixa médica.
66º- Quando a A., por estar doente, tinha crise de ansiedade e cai, desmaiada, a R., de forma grave e até imperdoável, em muitas ocasiões, não permitiu que a A. fosse socorrida pelas colegas, chegando mesmo a proibir.
67º- Não prestava auxílio, e mais, grave, sem qualquer conhecimento médico, por vezes a Sr.ª D… dava um saco plástico à A. para aquela controlar a respiração - agravando de forma querida e propositada o estado de saúde da A..
68º- Até porque se divertia ao ver a A. a sofrer. E, só quando esta não recuperava é que ligavam para a mãe para a vir buscar, ou, mais grave, mandavam-na ir embora naquelas condições, chegando a A. a ser socorrida por pessoas qua a viam a deambular pela rua.
69º- Colegas houve, perante tal deplorável espetáculo, que chegaram a dizer à R. e suas legais representantes - “que não tinham coração”.
70º- Sendo que, de uma das vezes que foi socorrida por colegas logo a Sr.ª D… quando se apercebe diz: “saiam daqui para fora ela está a fingir”.
71º- Resumidamente, muito embora soubessem do débil estado de saúde da A. reagiam da forma descrita, e, só por uma vez, chamaram a ambulância.
72º- Diga-se que a A. por necessitar de trabalhar e também porque a isso era obrigada, de tanta medicação que tomou estava “drogada” a trabalhar.
73º- A A. não utilizava o telemóvel.
74º- Foi a R. que mandou recado A. para ir receber o ordenado de janeiro de 2018 - tinha trabalhado, precisava, entendeu não haver problema.
75º- Maldosamente, sem a deixar ler, dizem à A., “para receberes o teu ordenado, assinas este papel, que revoga o contrato, mas manténs os teus direitos” e exibem-lhe um documento que não teve oportunidade de ler, aliás teve conhecimento aquando a notificação deste articulado.
76º- Todavia, e após refletir no sucedido, e com receio, de mais uma vez ter sido enganada, como de facto o foi, envia a carta referida em 37º, dos factos provados.
77º- A R., nos anos em que vigorou o contrato de trabalho, apenas pagou, a título de subsídio de férias e de Natal, a quantia equivalente àquela que pagava como ordenado, bem como não permitiu que a A. gozasse todos os dias de férias a que tem direito. 78º- No ano de 2018, a R. nada pagou de subsídio de Natal.
79º- No ano de 2018, a R. nada pagou de subsídio de férias.
80º- Só no ano de 2017 é que a A. gozou 22 dias de férias, nos restantes anos gozou apenas 15 dias.
81º- A A. é mãe solteira, quer a A. quer a filha vivem e sobrevivem, quer com a ajuda de familiares mas principalmente com o ordenado ganho pela A..
82º- Ao longo da relação laboral estabelecida, teve a A. que, tendo em conta “a miséria” que ganhava, realce-se muito abaixo do que lhe era devido, teve de pedir à mãe e aos irmãos, para que pudesse, também, sobreviver.
83º- Privou-se a si e à sua filha, de passear, divertir-se, de proporcionar à menor atividades extracurriculares, enfim, o que ganhava, mal chegava para a alimentação.
84º- Foi incomensurável a angústia, a dor e o sofrimento que sentiu durante os vários anos em que trabalhou, com sacrifício, porque doente, com dor e desgosto, porque maltratada e injuriada pela R..
85º- De resto, o seu estado depressivo iniciou-se e agudizou-se, em função dos maus tratos de que foi vítima no trabalho.
86º- O facto de ter de pedir dinheiro aos seus familiares, para fazer face a despesas tão elementares como a alimentação, deprimiu e entristeceu a A..
87º- Causou na A. considerável abalo psíquico e nervoso.
88º- O facto de não pagar à A. o salário devido, nunca ter pago os demais direitos e regalias laborais, tal comportamento foi igualmente motivo de humilhação e tristeza, uma vez que, não tinha, muitas vezes a A., dinheiro para fazer face às despesas correntes da vida familiar.
89º- A A. foi a única que não acatou a ordem dada.
90º- Quando o segundo telemóvel caiu sobre a mesa, a D…, disse-lhe de imediato, “ então B…, mais uma vez não cumpriste a regra.”.
91º- Quando no dia seguinte, se deslocou às instalações da fábrica, o que lhe foi transmitido, aliás na presente de todas as colegas que entravam à mesma hora que a A. foi “aguardas em casa pela nota de culpa”.
92º- A A. quando começou a trabalhar assinou um contrato de trabalho com o horário das 8h e 30m às 12h e 30m e das 14h às 22h.
93º- Tendo arrendado uma casa para ela e para a filha.
94º- Só em casos pontuais, de avaria ou falha de eletricidade, é que a A. estava no embalamento (aí conferindo meia a meia).
95º- A Sr.ª D… dava-lhe um saco de papel, segundo instruções dadas pelo telefone à Sr.ª D… pelo INEM.
96º- A A. nunca transmitiu à R. o facto de ter fraturado uma costela em junho de 2016.
97º- Nunca foi comunicada a fissura/fratura na costela.
98º- A A. entregou à R. uma baixa médica com data de início de 21.07.2016. “.
***
III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a única questão em apreço consiste em saber se ocorre justa causa para o despedimento da A.

2. Na sentença recorrida referiu-se, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Ora, os factos dos pontos 10º e 13º, ambos dos factos provados, conjugados com os factos dos pontos 5º, 6º, 9º e 12º, todos dos factos provados, e com o disposto no artº 128º, nºs 1, alíneas a) e e), e 2, do C.T., consubstanciam a adoção pela A. de comportamentos subsumíveis nas alíneas a) e i), ambas do nº 2, do artº 351º, do C.T..
Sucede que entendo que tais comportamentos, apesar de se deverem considerar culposos, não tornam, pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Na verdade, por um lado, ante os factos provados, não é possível concluir que a A. adotou comportamentos semelhantes aos descritos nos pontos 10º e 13º, ambos dos factos provados, em qualquer outro momento da vigência do contrato de trabalho, sendo certo que resulta do ponto 1º, dos factos provados, que tal contrato foi celebrado no dia 22.09.2014, ou seja, mais de 3 anos antes dos dias em que ocorreram os comportamentos descritos nos pontos 10º e 13º, ambos dos factos provados.
Por outro lado, não emerge dos factos provados que a A. foi objeto de um qualquer procedimento disciplinar que haja culminado com a aplicação de uma sanção disciplinar em momento anterior ao da instauração do procedimento disciplinar em causa nos presentes autos - o procedimento disciplinar referido no ponto 3º, dos factos provados.
Noutra ordem de ideias, a partir dos factos provados, não é possível concluir que os comportamentos descritos nos pontos 10º e 13º, ambos dos factos provados, se refletiram negativamente no ambiente de trabalho existente na R. ou colocaram em causa a autoridade de D….
Efetivamente, não resulta desde logo dos factos provados que tais comportamentos foram presenciados por outras trabalhadoras da R..
Por outro lado ainda, há a considerar que resulta dos factos provados que, no dia 25.01.2018, a A. não tinha nenhum telemóvel consigo no seu posto de trabalho, sendo que tinha um telemóvel na caixa onde as trabalhadoras tinham que deixar os seus telemóveis e um outro no seu cacifo, e que o concreto uso do telemóvel pela A. no dia 25.01.2018 se traduziu no envio de uma mensagem para a mãe a pedir que viesse à fábrica e lhe trouxesse medicação para as dores - cfr. pontos 25º, 36º e 39º a 46º, todos dos factos provados.
Ante todo o exposto, por não haver justa causa de despedimento, declaro improcedente o motivo justificativo do despedimento da A. e, em consequência, declaro ilícito o despedimento da A..”.
Do assim decidido discorda a Recorrente, pelas razões que invoca no recurso.

3. Dispõe, como já referido, o artº 351º, nº 1, do CT/2009 que constitui justa causa do despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, elencando-se no nº 2, a título exemplificativo, comportamentos suscetíveis de a integrarem, designadamente desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto [al. d)]. E, de acordo com o nº 3 do mesmo, “3. Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que sejam relevantes”.
É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência[2] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjetivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objetivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[3].
Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por ação ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.
O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, in Despedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45).
Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.
Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjetivamente como tal, impondo o art. 351º, n.º 3, que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de proteção do emprego, não sendo no caso concreto objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Diz Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho “sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.”
E, conforme doutrina e jurisprudência uniforme, tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126º, nº 1, do CT/2009 e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais.
Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja suscetível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento. Como se diz no Acórdão do STJ de 03.06.09 (www.dgsi.pt, Processo nº 08S3085)existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
O apontado nexo de causalidade exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
Importa, também, ter em conta que o empregador tem ao seu dispor um alargado leque de sanções disciplinares, sendo que o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo ela mostrar-se adequada e proporcional à gravidade da infração.
Há que referir também que dispõe o art. 128º, nº 1, que constituem deveres do trabalhador, designadamente, os de: respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa com urbanidade e probidade [al. a)]; cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias [al. e)]; e o de lealdade [al. f)].
E, nos termos do disposto no art. 126º, nº 1, do mesmo, “1. O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.
Por fim, resta referir que sobre o empregador impende o ónus da prova da justa causa do despedimento – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil -, sendo que, nos termos dos arts. 357º, nº 4, e 387º, nº 3, do CT/2009, apenas a poderão fundamentar os factos constantes da nota de culpa ou da resposta à nota de culpa, salvo se se tratar de factos que atenuem ou diminuam a responsabilidade do trabalhador.

4.2. Revertendo ao caso em apreço, com relevância para a questão da justa causa provou-se que:
“1º- A R. admitiu a A. ao seu serviço para lhe prestar a atividade correspondente à categoria de aprendiz de enformadeira em 22.09.2014, (…);
5º- Os únicos sócios da R. desde a constituição da mesma e, pelo menos, até 04.04.2018 eram D… e E….
6º- No dia 25.01.2018, D…, gerente de facto da R. e superiora hierárquica da A., havia comunicado, verbalmente, à A. que lhe ia ser instaurado um processo disciplinar e que estava suspensa sem perda de retribuição.
9º- No dia 02.01.2018, foi proibido o uso do telemóvel durante o horário de trabalho.
10º- No dia 25.01.2018, a A. foi chamada à atenção por causa do uso do telemóvel, por D…, e, então, na presença de E… e de F…, fornecedor da R., dirigiu-se a D… dizendo “Sua besta. És uma cabra. Ordinária.”.
12º- No dia 25.01.2018, após a factualidade referida em 10º, D… comunicou, verbalmente, à A. que lhe ia ser instaurado um processo disciplinar e que estava suspensa sem perda de retribuição.
13º- No dia 26.01.2018, a A. apresentou-se nas instalações da R. e pediu para falar com D…, sendo que, quando D… se dirigia à A., a A. vira as costas e, em tom sarcástico, profere a expressão “Xau amor” dirigida para D….
25º- No dia 25.01.2018, da parte da tarde, a A., através de um telemóvel que tinha levado consigo para a R., enviou uma mensagem para a mãe a pedir que viesse à fábrica e lhe trouxesse medicação para as dores.
36º- No dia 25.01.2018, a A. não tinha nenhum telemóvel consigo na máquina onde trabalhava.
39º- No dia 02.01.2018, dado o facto de a A. já ter sido apanhada muitas vezes a utilizar o telemóvel no horário de trabalho, foi instituída pela R. a seguinte regra: todas as trabalhadoras quando chegavam à fábrica tinham que colocar numa caixa os seus telemóveis.
40º- As trabalhadoras podiam fazer uso dos seus telemóveis durante as pausas do trabalho.
41º- A A. não cumpria a regra.
42º- No dia 25.01.2018, D… foi alertada por uma das funcionárias para o facto de a A. possuir dois telemóveis: um que deixava na caixa junto com os telemóveis das colegas e outro que guardava no cacifo dela.
43º- Então, D… confrontou a A. com tal facto e a A. disse que o seu telemóvel estava na caixa e foi buscar um telemóvel à caixa e mostrou-o a D…, dizendo que o telemóvel não tinha bateria.
44º- O telemóvel que a A. mostrou a D… era velho e não ligava.
45º- Então, D… e a A. foram até à cantina e a A. abriu o seu cacifo e tirou tudo o que estava dentro do seu saco, incluindo um telemóvel, no qual estava registada a mensagem referida em 25º.
46º- Foi então que se verificou a factualidade referida em 10º e 12º.
57º- Quando a A. precisava de ajuda por não se sentir bem, a R. providenciava para que fosse prestada ajuda à A..”

Do referido, ordenado cronologicamente, decorre que:
i) A Ré, dado a A. utilizar muitas vezes o telemóvel no horário de trabalho, no dia 02.01.2018 institui a regra de todas as trabalhadoras, quando chegavam à fábrica, terem de colocar os telemóveis numa caixa, podendo embora fazer uso dos mesmos nas pausas de trabalho;
ii) No dia 25.01.2018, a A. deixou na referida caixa um telemóvel velho e que não ligava, mas tendo outro telemóvel no seu saco que se encontrava no cacifo, o qual funcionava,
iii) E do qual, nesse dia 25.01.2018, à tarde, enviou uma mensagem a sua mãe a pedir que fosse à fábrica e lhe trouxesse medicação para as dores;
iv) Nesse dia 25.01.2018, D…, uma das sócias gerentes da Ré e superiora hierárquica da A., tendo sido alertada por uma das funcionárias para o facto de a A. possuir dois telemóveis (um que deixava na caixa junto com os telemóveis das colegas e, outro, que guardava no seu cacifo), confrontou a A. com tal facto,
v) Na sequência do que a A. lhe disse que o seu telemóvel estava na caixa, tendo-o ido buscar e mostrou-lho, dizendo que o mesmo não tinha bateria,
vi) Após o que a referida D… e a A. foram até à cantina, tendo a A. aberto o seu cacifo e tirado tudo o que estava dentro do seu saco, incluindo um telemóvel, no qual estava registada a mensagem referida em iii);
vii) Na sequência do referido em vi), nesse dia 25.01.2018, a mencionado D… chamou a atenção da A. por causa do uso do telemóvel, tendo a A., na presença de E… (a outra sócia gerente da Ré) e de F…, fornecedor da R., dirigindo-se a D… dizendo “Sua besta. És uma cabra. Ordinária.”.
viii) Nesse mesmo dia, 25.01.2018, após o referido em vii), D… comunicou, verbalmente, à A. que lhe ia ser instaurado um processo disciplinar e que estava suspensa sem perda de retribuição.
ix) No dia 26.01.2018, a A. apresentou-se nas instalações da R. e pediu para falar com D…, sendo que, quando esta se dirigia à A., a A. vira as costas e, em tom sarcástico, proferiu a expressão “Xau amor” dirigida a D….
x) Quando a A. precisava de ajuda por não se sentir bem, a R. providenciava para que fosse prestada ajuda à A..

Quanto aos comportamentos referidos em iii) [envio, pelo telemóvel, da mensagem à sua mãe] e ix) [depois de pedir para falar com a legal representante da Ré, virar-lhe as costas e dizer-lhe, em tom sarcástico, “Xau amor”], os mesmos consubstanciam infracção disciplinar por violação, respectivamente, dos deveres de obediência e de urbanidade. Porém, só por si [se outras infracções não existissem], não seriam suficientes para a integração do conceito de justa causa por não assumirem gravidade tal justificativa da impossibilidade/inexigibilidade de manutenção dessa relação [porém sem prejuízo, mormente quanto ao referido em ix), da susceptibilidade de agravar os demais comportamentos, conforme adiante se dirá].
É de referir, quanto ao envio da mensagem, que a mesma teve subjacente um motivo atendível já que se destinou ao pedido de medicação para as dores [e não resultando dos factos provados que tal motivo não fosse verdadeiro] e, isso, ainda que a Ré prestasse assistência à A. quando esta dela necessitava, desconhecendo-se, no entanto, se estava a Ré apta a fornecer à A. a medicação por esta pedida e de que, pelo menos aparentemente, necessitaria.
Quanto ao comportamento referido em ii) [deixar na caixa um telemóvel que não ligava, mas tendo outro que funcionava na carteira, no cacifo] e v) [quando confrontada pela legal representante, dizer-lhe que o telemóvel estava na caixa, indo buscá-lo e dizendo-lhe que o mesmo não tinha bateria], o mesmo é susceptível de consubstanciar violação dos deveres de obediência [quanto ao referido em ii)] e de lealdade e de boa-fé [quanto aos referidos em ii) e v)].
Importa, no entanto, referir o seguinte: podendo embora a utilização do telemóvel durante o tempo de trabalho interferir com a execução deste e com a produtividade, assim se justificando a proibição da sua utilização durante aquele, afigura-se-nos, que, em abstrato, uma total e absoluta proibição dessa utilização e/ou de acesso ao mesmo poderia ou poderá mostrar-se excessiva, tendo em conta que poderão existir situações, mormente quando a empresa não disponha de meio telefónico de contacto, de comprovada urgência em que o trabalhador careça de contactar e/ou de ser contactado.
Este não é, todavia, o caso, nem da matéria de facto provada decorre que o seja.
A proibição em causa foi instituída pela Ré precisamente em consequência de anterior comportamento da A. que, muitas vezes, utilizava o telemóvel durante o tempo de trabalho; e, por outro lado, não decorre da matéria de facto provada que, em caso de urgente necessidade de a A. ser contactada, não dispusesse a Ré de telefone que o permitisse e/ou que não pudesse a A., caso necessitasse, solicitar e/ou informar a Ré de que precisaria de o fazer.
Ora, a desobediência da A., tanto mais que a regra foi instituída em consequência de comportamento seu anterior, ao ter disponível no cacifo um telemóvel que funcionava, mas deixando outro que não funcionava na caixa no sentido de fazer crer que se encontrava a cumprir o determinado, afigura-se-nos grave dada a forma desleal e dissimulada desse seu comportamento, violando igualmente o dever de lealdade e de boa-fé na execução contratual e no seu relacionamento com a Ré.
Quanto ao comportamento referido em vii), a A., ao dirigir-se à legal representante da Ré, e sua superiora hierárquica, D…, chamando-lhe “Sua besta. És uma cabra. Ordinária”, violou de forma muito grave os deveres de respeito e urbanidade, não sendo tolerável nas relações entre trabalhador e o legal representante e/ou superior hierárquico, tal tratamento e palavreado, expressões essas que, para além de manifestamente desrespeitosas e demonstrativas de total falta de urbanidade, são até ofensivas e susceptíveis de por em causa a necessária disciplina e bom ambiente no trabalho, sendo ainda de salientar que tal foi presenciado, para além da outra sócia gerente, por terceiro (fornecedor da Ré).
Ora, tendo em conta a gravidade da factualidade constante desse ponto [vii)], bem como o comportamento mencionado em ii) e v), e bem assim o referido em ix) que, embora só por si não justificasse o despedimento, mas que, numa apreciação global do comportamento da A., é susceptível de o agravar, afigura-se-nos não lhe ser, objectivamente e não apenas tendo em conta os padrões subjectivos de sensibilidade da Ré, exigível a manutenção da relação laboral, comportamentos esses susceptíveis de quebrar a indispensável confiança no comportamento futuro daquela, mostrando-se o despedimento, embora a sanção mais gravosa do leque de sanções disponíveis, adequado e proporcional à gravidade do comportamento.
Diga-se que a antiguidade da A., de cerca de 4 anos, bem como a inexistência de procedimentos disciplinares anteriores, não são de molde à desconsideração da adequação da sanção do despedimento, cabendo referir que se tratam de critérios que, embora podendo e devendo ser atendidos como atenuantes, não se sobrepõem todavia à gravidade da infracção e à adequabilidade e justificação do despedimento.

Deste modo, e concluindo, afigura-se-nos que ocorre justa causa para o despedimento da A., em consequência do que se impõe a revogação da sentença recorrida na parte impugnada, ou seja, quanto aos segmentos a), b), ba), bb) e c) da sua parte decisória: declaração de ilicitude do despedimento e suas consequências [condenação da Ré na indemnização de antiguidade e respectivos juros de mora a que se reporta a al. ba), nas retribuições intercalares, e respectivos juros de mora, a que se reporta a al. bb), e pagamento pela Segurança Social a que se reporta a al. c)], assim procedendo as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a sentença recorrida, na parte nela impugnada, ou seja, quanto as segmentos constantes das als. a), b), ba), bb) e c) da sua parte decisória, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide:
A. Declarar a existência de justa causa para o despedimento da A., B….
B. Absolver a Ré, C…, Ldª dos pedidos de condenação nas consequências do invocado despedimento, a saber: indemnização em substituição da reintegração, e respectivos juros de mora; e retribuições intercalares e respectivos juros de mora.

Custas, em ambas as instâncias, pela A/Recorrida, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goze.

Porto, 10.12.2019
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas:
Nelson Fernandes:
_____________
[1] O legislador, no processo especial denominado de “Ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa ação, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, in A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, por facilidade quando nos referirmos à Autora (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respetivamente, à trabalhadora e à empregadora.
[2] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346).
[3] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589).