Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
521/21.1T8ETR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CLÁUDIA RODRIGUES
Descritores: PUBLICIDADE
CONTRAORDENAÇÃO
ALTERAÇÃO DOS PAINÉIS
RENOVAÇÃO DA RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RP20220504521/21.1T8ETR.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui contraordenação leve a afixação de publicidade sem o necessário licenciamento.
II - Consubstancia dupla resolução a conduta da arguida que, tendo sido autuada em julho de 2019, por falta de licenciamento do suporte publicitário e das mensagens dele constantes nessa altura, em vez de proceder à remoção do painel, renovou-o e acrescentou-lhe novos elementos inserindo numa das faces do painel uma diferente mensagem publicitária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 521/21.1T8ETR.P1


Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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1. RELATÓRIO

No Recurso de Contraordenação nº 521/21.1T8ETR do Juízo de Competência Genérica de Estarreja (J1) do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, a arguida N..., Lda. veio interpor recurso da decisão administrativa proferida pelo Município da ..., que lhe aplicou duas coimas de €3.000,00 cada, pela prática de duas contra-ordenações p. e p. pelo artigo 59º, nº1 e 70.º n.º 1 al. k), da Lei nº 34/2015 de 27 abril, tudo na coima única de €4.000,00.
Por um lado, pugna pela sua absolvição e, por outro, em caso de condenação, entende que deverá ser aplicada quando muito uma admoestação.
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Recebido o recurso, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, tendo o tribunal a quo julgado totalmente improcedente a impugnação judicial da arguida e mantido a decisão administrativa.
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Não se conformando com essa decisão datada de 17 de dezembro de 2021, que manteve a condenação, a arguida N..., Lda. recorreu para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

“I. A coima aplicada à arguida resulta do cúmulo relativo à prática de duas infrações, ou seja, a autoridade administrativa aplicou à arguida duas coimas, sendo cada uma no valor de €3.000,00, pela prática de duas contra-ordenações p. e p. pelo artigo 59º, nº1 e 70.º n.º 1 al. k), da Lei nº 34/2015, de 27 abril, tudo na coima única de €4.000,00.
II. Uma das contraordenações refere-se ao momento temporal de julho de 2019 em que a publicidade afixada numa das faces era alusiva à “Forum ...” e na outra face era “Anuncie aqui ...”; a outra contraordenação refere-se ao momento temporal de agosto de 2019 em que, mantendo-se a publicidade numa das faces alusiva ao “Forum ...”, é substituída a mensagem “Anuncie aqui ...” por outra mensagem publicitária alusiva ao estabelecimento “Feira ...”.
III. O painel publicitário é o mesmo; contudo, a segunda contraordenação decide sancionar a alteração da mensagem publicitária visível numa das faces (onde estava “Anuncie aqui ...” passa a estar “Feira ...”).
IV. A douta sentença recorrida valida as sanções, adotando, contudo, um critério diferente; com efeito, o Tribunal a quo entende que, independentemente da alteração da mensagem, as coimas sempre seriam ajustadas porque mediou um mês entre os factos e a licença pode ter duração mensal.
V. Mas não foi esse o fundamento adotado pela autoridade administrativa.
VI. Se o painel publicitário é o mesmo, não relevam alterações na mensagem publicitária mas apenas e só a circunstância de o painel publicitário ter sido colocado sem licença.
VII. Note-se que a primeira mensagem publicitária constitui a preparação da segunda; ou seja, quando a recorrente apõe numa das faces do cartaz a mensagem “Anuncie aqui” limita-se a divulgar a disponibilidade da face para publicidade dos seus clientes.
VIII. É certo que se anuncia a si própria ou o seu produto, mas o painel não está, nesta fase a cumprir o desígnio publicitário/comercial para o qual foi colocado, antes prepara o caminho para cumprir esse objetivo.
IX. Não se pode aceitar que se submeta a recorrente à eventual imputação de duas contraordenações (e à consequente aplicação de duas coimas), baseadas na prática do mesmo facto.
X. O evento naturalístico é exatamente o mesmo, ou seja, apesar de estar presente a diferença de 28 dias entre um e outro autos de notícia, o que é certo é que respeitam àquela colocação/afixação do outdoor publicitário levada a cabo pela requerente, e o desígnio de delito é também o mesmo.
XI. Trata-se do mesmo facto e da mesma contraordenação, o que vai totalmente contra a previsão constitucional constante do art. 29.º, n.º 5 da CRP, que dispõe que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.
XII. A recorrente não pode ser submetida à mesma acusação duas vezes, de forma sucessiva.
XIII. Além disso, aquela identidade fática, apresenta de igual modo o mesmo significado jurídico em termos gerais, que deve ser entendido do modo mais amplo possível para garantia de limitação ao poder de perseguição penal múltipla.
XIV. Assim, entende a recorrente que deve operar o princípio constitucional non bis in idem”, decorrente do art. 29.º, n.º 5 da CRP, princípio que foi violado pela sentença impugnada.
Termos em que deverão V. Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, conceder provimento ao recurso, determinando a procedência da impugnação judicial da contraordenação relativamente à segunda contraordenação imputada, com o que farão Justiça!”

Foi o recurso regularmente admitido por despacho de 20.01.2022, com regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso, assinalando singelamente que a sentença proferida é insuscetível de qualquer reparo ou censura, não padece de qualquer vício ou nulidade pelo que deverá ser confirmada e, em consequência, ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente.

Subiram os autos a este Tribunal da Relação, tendo o Ex.mo Procurador-Geral emitido parecer no qual sustenta que o recurso não merece provimento, acompanhando a posição expressa na resposta do MP na 1ª instância nesse mesmo sentido, aduzindo adicionalmente algumas observações.

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não mais tendo sido acrescentado.
Colhidos os vistos legais foi o processo à conferência.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. AS QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do art. 75º, nº 1, do Dec. Lei nº 433/82, de 27/10 (RGCO), com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 244/95, de 14/09, em processo de contraordenação, se o contrário não resultar do referido diploma, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, sem prejuízo, como resulta do Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19/10, in DR 298/95, 1ª Série, de 28/12/1995, do conhecimento oficioso dos vícios indicados no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Nessa decorrência, e olhando às sobreditas conclusões apresentadas na motivação do recurso que, conforme jurisprudência constante e assente, delimitam o seu objecto (cfr. art. 412º, nº 1, do Código de Processo Penal) retira-se uma única questão a dilucidar:

- Da unidade ou pluralidade das infrações por que foi a recorrente condenada e a violação do principio ne bis in idem

2.2. A DECISÃO RECORRIDA

Com relevo para a resolução da questão objecto do recurso importa recordar a decisão recorrida (transcrição):

“I. RELATÓRIO:

N..., Lda. veio a fls. 45 ss impugnar judicialmente a decisão proferida pelo Município da ... (cfr. fls. 22 ss) que lhe aplicou duas coimas de €3.000,00 cada, pela prática de duas contra-ordenações p. e p. pelo artigo 59º, nº1 e 70.º n.º 1 al. k), da Lei nº 34/2015 de 27 abril, tudo na coima única de €4.000,00 .
Para isso, e por considerar não ter praticado qualquer contra-ordenação, alega as seguintes razões:
por um lado (pugnando pela absolvição),
- que é detentora de um painel publicitário de dupla face, instalado na Rua ..., em ..., que se encontra colocado à margem da A1 do Norte;
- que não se encontra publicada ou em vigor a Portaria que define as regras aplicáveis à afixação de publicidade que permitam sequer aferir da “licenciabilidade”, bem como nem tão pouco se encontram definidas as regras quanto à taxa a pagar pelo licenciamento à administração rodoviária;
- que a requerente não está vinculada a cumprir regras emanadas pela IP, SA, quer por esta não poder definir regas que são da competência do Governo por ausência de disciplina legal para o efeito, quer por tal contrariar o legalmente imposto na Lei 34/2015;
por outro lado, mais alega (em caso de condenação, pugnando pela admoestação)
- que estando em causa um painel publicitário, não podem ser aplicadas duas coimas, por não relevar o número de faces de que o mesmo dispõe mas apenas e só a circunstância de o painel ter sido colocado sem licença, não sendo de aplicar tantas coimas quantas as sucessivas ou simultâneas mensagens publicitárias nele colocadas, mas apenas uma, caso em que deverá ser aplicada quando muito uma admoestação.
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Por despacho de fls. 55 foi admitido o recurso, e foi designada data para realização de julgamento.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, não se suscitando, nem existindo, quaisquer questões prévias ou incidentais, de que cumpra conhecer, e que obstem à apreciação do mérito da causa, observando-se o formalismo legal.

O Tribunal é competente.
Inexistem quaisquer nulidades excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer, e que obstem ao conhecimento do mérito do recurso.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
Com relevância para a decisão da causa mostram-se os seguintes

2.1. Factos Provados:
1 – A arguida recorrente N..., Lda. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à instalação, manutenção e gestão de painéis e outros suportes publicitários, sendo detentora de um painel publicitário de dupla face, instalado na Rua ..., em ..., que se encontra colocado à margem da Autoestrada do Norte (A1).
2 – A arguida em Julho de 2019 mandou afixar publicidade no referido painel, na face norte/sul com a mensagem publicitária “Forum ..., um ... a céu aberto” e na face sul/norte com a mensagem publicitária “Anuncie aqui ...”.
3 – A arguida em Agosto de 2019 mandou afixar publicidade no referido painel, na face sul/norte com a mensagem publicitária “Feira ..., ...”.
4 – A arguida procedeu como supra referido sem que fosse detentora de qualquer licença administrativa para afixação naquele local de publicidade.
5 – A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e como tal proibida por lei.

Mais se provou que:
6 – A arguida à data em que foi proferida a decisão administrativa registava os seguintes antecedentes contra-ordenacionais:
- proc. 134/2010, publicidade, coima aplicada de 100€;
- proc. 81/2014, por infracção ao regulamento de publicidade, coima aplicada de 300€;
- proc. 48/2015, por infracção ao regulamento de publicidade, coima aplicada de 150€;
- proc. 101/2016, por infracção ao regulamento de publicidade, coima aplicada 300€;
- proc. 45/2018, por infracção ao regulamento de publicidade, coima aplicada de 300€;
7 – A arguida iniciou funções em Agosto de 2007 e tem actualmente 4 funcionários efectivos ao seu serviço.
8 – A arguida declarou, em sede de IRC, relativamente ao ano de 2019 um lucro tributável de €34.615,91 e ao ano de 2020 um lucro tributável de €26.927,01.
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II.B) Factos Não Provados:
Inexistem com relevo para a decisão a proferir.
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2.2. Motivação:
A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto tida como assente resultou: da análise dos autos, bem como dos documentos anexos aos mesmos a; da análise da decisão administrativa e da impugnação apresentada; análise dos documentos apresentados pela arguida quanto à sua declaração de IRC; tudo conjugado com as declarações do legal representante da arguida e da prova testemunhal produzida em sede de julgamento.
Desde logo, importa atentar que a própria arguida assume o descrito em 1.-4., o que foi aliás confirmando pelas testemunhas inquiridas. Sendo que, e no que releva, apenas colocou em causa o enquadramento legal da exigibilidade do licenciamento e circunstâncias que rodeiam a sua obtenção, sobre o que infra nos pronunciaremos aquando da apreciação do direito. Já relativamente ao elemento subjectivo diga-se que o mesmo decorre dos elementos objectivos e bem assim atenta a actividade a que a sociedade arguida se dedica, não podia a mesma desconhecer as regras que sobre a mesma impendiam quanto ao exercício da sua actividade, o que diga-se o próprio legal representante, ainda que circunscrevendo as suas declarações à questão do licenciamento do suporte e ou mensagens publicitárias, denotou saber das largas dezenas de câmaras com quem trabalham, optando por quanto aos mais em causa nos presentes factos remeter-se ao silêncio.
Quanto ao descrito em 6. tal decorre inequivocamente da decisão administrativa proferida.
Finalmente, quanto ao descrito em 7. e 8., tal decorreu quer das declarações do legal representante quer da doc. junta a fls. 58 ss.
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III. DA ANÁLISE DOS FACTOS E DA APLICAÇÃO DO DIREITO:
Vem a arguida condenada pela prática de contra-ordenações p. e p. pelo artigo 59º, nº1 e 70.º n.º 1 al. k), da Lei nº 34/2015 de 27 abril (doravante Estatuto).
A referida Lei 34/2015 aprova o novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, o qual estabelece as regras que visam a proteção da estrada e sua zona envolvente, fixa as condições de segurança e circulação dos seus utilizadores e as de exercício das atividades relacionadas com a sua gestão, exploração e conservação (cfr. Art.º 1.º n.º 1 do Estatuto). Sendo o Estatuto aplicável a todas as estradas da rede rodoviária nacional tal como definida no plano rodoviário nacional (cfr. art.ºs 2.º e 3.º al. jj), do Estatuto), portanto abrangendo a rede nacional de autoestradas (cfr. art.ºs 1.º, 5.º e lista IV anexa e art.º 9.º nº 1, do Decreto-Lei nº 222/98 com as alterações introduzidas pela Lei nº 98/99 de 26 de Julho, pela Declaração de rectificação nº 19-D/98 e pelo Decreto-Lei nº 182/2003 de 16 de Agosto).
Quanto à questão da afixação da publicidade dispõe o art.º 59.º, do Estatuto, nos seguintes termos: «1 - A afixação de publicidade visível das estradas a que se aplica o presente Estatuto fica sujeita a obtenção de uma licença, a emitir pelo município territorialmente competente.
2 - Recebido o pedido de licenciamento, o município remete cópia à administração rodoviária para que se pronuncie sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis.
3 - Na falta de pronúncia no prazo referido no número anterior, considera-se que a administração rodoviária emitiu parecer positivo.
4 - As regras aplicáveis à afixação de publicidade visível das estradas a que se aplica o presente Estatuto, designadamente quanto às matérias com potencial impacto para a segurança rodoviária, como a localização permitida, o conteúdo da mensagem, a luminosidade, os critérios para a implementação, manutenção e conservação dos respetivos suportes publicitários, bem como quanto à taxa devida à administração rodoviária, são estabelecidos em portaria a aprovar pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, das infraestruturas rodoviárias, das autarquias locais, da segurança rodoviária e da área com competências genéricas no domínio da publicidade.
5 – A administração rodoviária promove, por si ou por entidades públicas ou privadas, em articulação com os respectivos municípios, a identificação da publicidade existente que seja visível das estradas a que se aplica o presente
6 - Para os efeitos do licenciamento da publicidade visível das estradas a que se aplica o presente Estatuto, os municípios devem respeitar as regras previstas na portaria referida no n.º 4.».
Sendo que no art.º 2.º, als. a) c) e ii), define-se como:
- a) «Administração rodoviária» a EP - Estradas de Portugal, S. A., ou a entidade pública que legalmente lhe venha a suceder;
- c) «Anunciante» a pessoa singular ou coletiva de natureza pública ou privada no interesse de quem se realiza a publicidade;
- ii) «Publicidade» qualquer mensagem veiculada por pessoas singulares ou coletivas, de natureza pública ou privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, cultural, turística, artesanal ou liberal, com o objetivo, direto ou indireto, de comercialização ou alienação de quaisquer bens ou serviços, ou de promoção de ideias, princípios, iniciativas, pessoas ou instituições;
O art.º 60.º, do Estatuto, fixa os critérios gerais a ter em conta para a afixação de publicidade visível da estrada, nomeadamente quanto às matérias com potencial impacto para a segurança rodoviária, como a localização permitida, o conteúdo da mensagem, a luminosidade.
Nos termos do art.º 61. n.ºs 2 e 3, do Estatuto, compete ao município em caso de afixação de publicidade ilegal por falta de licenciamento, a instauração e instrução do procedimento contra-ordenacional. O art.º 62.º prevê que « 1 - São punidos como coautores das contraordenações previstas em matéria de afixação de publicidade o anunciante, a agência publicitária ou outra entidade que exerça a atividade publicitária, o titular do suporte publicitário ou respetivo concessionário, o proprietário ou possuidor do prédio onde a publicidade tenha sido afixada ou inscrita se tiver consentido expressa ou tacitamente nessa afixação ou inscrição. 2 - Os coautores referidos no número anterior são solidariamente responsáveis pelas despesas ocasionadas pela remoção, bem como pelos danos ou prejuízos causados à administração rodoviária ou a terceiros.».
Finalmente, nos termos do art.º 70.º n.º 1 al. k) temos que: « 1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, constituem contraordenações leves puníveis com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, quando praticadas por pessoas singulares, e de (euro) 3000 a (euro) 10 000, quando praticadas por pessoas coletivas, as seguintes infrações:… k) A afixação ou colocação de publicidade sem licenciamento; … 5 - A tentativa e a negligência são puníveis, devendo, nesses casos, os limites mínimo e máximo das coimas ser reduzidos a metade.».
A autoridade administrativa considerou mostrarem-se preenchidos os elementos do tipo, mesmo sem que se mostre publicada a competente Portaria a qua alude o n.º 4 do art.º 59.º, desde logo, porque, relativamente, às taxas a cobrar pela administração rodoviária recorrer-se-á à Portaria n.º 357/2015 e já quanto à taxa a pagar pelo licenciamento recorrer-se-á ao Regulamento Municipal de taxas e Licenças e outras receitas do Município de ....
Ora, a Recorrente estriba a sua impugnação precisamente no facto de não ter sido publicada a Portaria em causa, que definiria as regras aplicáveis à afixação de publicidade que permitam sequer aferir da “licenciabilidade”, bem como nem tão pouco se encontram definidas as regras quanto à taxa a pagar pelo licenciamento à administração rodoviária.
Aqui chegados, desde já adiantamos que entendemos que não assistirá razão à arguida quanto ao por si alegado.
Desde logo, entendemos que, embora não se mostre efectivamente publicada a Portaria a que alude o n.º 4 do art.º 59.º, não menos certo é que, quanto às regras gerais a que deverá obedecer a publicidade as mesmas mostra-se previstas no art.º 60.º do Estatuto.
Por outro lado, quanto às taxas devidas à administração rodoviária as mesmas encontram-se previstas na Portaria 357/2015, aliás a tal não obsta precisamente se atentarmos que no art.º 63.º se refere que as taxas a cobrar pela administração rodoviária para a emissão de pareceres e à circunstância de tal Portaria 357/2015 ser posterior ao estatuto.
Na verdade, o interprete não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstruir o pensamento legislativo a partir de textos legais, considerados globalmente, como exige a salvaguarda da unidade do sistema jurídico, elemento primacial da interpretação jurídica (cfr. art.º 9.º n.º 1 do Código Civil).
Na verdade, aliás no plano penal e contra-ordenacional, até por a este ser aplicável em primeira linha o direito penal, está de todo arredada a interpretação analógica, desde logo pela elementar razão de que o direito penal não contém lacunas, devido às suas características de subsidariedade e de fragmentariedade, que levam a que só sejam puníveis os factos que foram eleitos, segundo uma prévia valoração axiológico-social, como capazes de representarem um especial tipo de ilicitude. Assim, a proibição da analogia abrange todos os elementos conexionados com o tipo legal de crime ou de contra-ordenação.
Mas já quanto à interpretação da lei a mesma é permitida em direito penal e contraordenacional, neste sentido aliás veja-se Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal – Parte Geral, Coimbra Editora, T. 1.º, p. 175 e segs): «o legislador penal é obrigado a exprimir-se através de palavras; as quais todavia nem sempre possuem um único sentido, mas pelo contrário se apresentam quase sempre polissémicas. Por isso o texto legal se torna carente de interpretação (e nesse sentido, atenta a primazia da teleologia legal, de concretização, complementação e desenvolvimento judicial), oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora desse quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida.»
Aliás, entendemos que em causa não está propriamente uma lacuna da lei, como pretende a recorrente. Mas ao invés que há que proceder à interpretação da lei e neste caso tal mostra-se alcançado, reconhecendo a inexistência da portaria prevista no n.º 4 do art.º 59.º do Estatuto, desde logo com a análise conjugada do previsto nos seguintes elementos:
- na introdução da necessidade de licenciamento da publicidade nos locais visíveis das estradas, que ocorreu por parte do legislador com a Lei 34/2015, e que teve em vista não só a questão do perigo para a circulação rodoviária (há muito constatada) e que foi aliás a primeira preocupação do legislador, mas também o impacto ambiental como consequência dessa publicidade e a existência de concorrência desleal (uns pagam taxas outros não);
- no art.º 59.º e 60.º do Estatuto, quanto à obrigatoriedade do licenciamento para a afixação de publicidade visível da estrada e quanto às regras gerais para a afixação de publicidade visível da estrada;
- na Portaria 357/2015, de 14 de outubro, quanto às taxas a cobrar pela administração rodoviária;
- no Regulamento Municipal de Taxas e Licenças e outras receitas do Município de ..., quanto à taxa a pagar pelo licenciamento.
Temos, portanto, que analisada a evolução legislativa e atentas as preocupações que levaram o legislador a introduzir na Lei 34/2015 a questão do licenciamento da publicidade visível das estradas, bem como feita uma excursão pelos aspectos fundamentais dos diplomas e regulamentos que regem esta matéria, temos que não oferece dúvidas de que existem mecanismos que preveem quer a forma de licenciamento, regras gerais a que a publicidade deve obedecer, bem como taxas a pagar. Com efeito a ratio legis do legislador, com a análise e interpretação conjugada dos elementos referidos permite-nos concluir que não só esse licenciamento é legalmente imposto, como de que forma se pode obter o licenciamento e bem assim que a afixação de publicidade visível da estrada sem o respetivo licenciamento falta consubstancia ilícito contra-ordenacional.
Depois da factualidade descrita e provada resulta que se mostram preenchidos os elementos objectivos do tipo, e que aliás, diga-se, a arguida não pôs sequer em causa, tanto mais que assume que era detentora do painel publicitário e que nele apôs nas datas imputadas as referidas publicidades, bem como que não era titular de qualquer licença para o efeito.
Por fim, diga-se, entendemos que se mostram igualmente preenchidos os elementos subjectivos do ilícito em apreço, uma vez que resultou provada a actuação da sociedade arguida a título de dolo directo.
Já quanto à questão de se tratar de uma única conduta por respeitar apenas a um único painel publicitário, como defendido pela arguida, esta estriba a sua pretensão no facto de a alegada licença respeitar ao painel (independentemente do nº de faces do mesmo) bem como à circunstância de ser alterado o conteúdo da publicidade nele aposta.
Aqui chegados a verdade é que independentemente da circunstância da alteração da publicidade e podendo a licença a pagar ser anual ou mensal, a verdade é que quanto ao mês de julho de 2019 havia publicidade nas duas face e apenas foi imputada uma contra-ordenação, depois quanto ao mês de agosto foi imputada uma contra-ordenação havendo publicidade nas duas faces, desta feita com alteração da aposta face sul/norte. Ora, ao ir mudando os painéis de publicidade a arguida não mantém a mesma resolução criminosa, mas antes sabendo que não tem licença e que as mesmas podem ser de um mês ou um ano, opta por proceder à alteração e sem obter a competente licença para o painel em causa, tratando-se de uma nova resolução.
Note-se que o licenciamento é de publicidade, sendo a mesma definida no art.º 2.º al. ii), tendo havido uma alteração dessa publicidade e sem que tenha a arguida licença para tal e podendo a mesma ser mensal, necessariamente temos de concluir pela verificação de duas imputadas infracções.
Aqui chegados e, relativamente à medida das coimas aplicadas pela autoridade administrativa, nenhum reparo há a fazer, dando-se aqui por integralmente reproduzidas as razões descritas na decisão administrativa, sendo que as mesmas foram aplicadas no mínimo legal. Bem como quanto à medida da coima única encontrada a mesma, quando
muito, peca por fixada em montante reduzido considerando que a arguida tem como principal actividade precisamente a instalação, manutenção e gestão de painéis e outros suportes publicitários, como tal exigia-se um escrupuloso cumprimento das regras quanto a tal actividade. Pelo que nenhum reparo há a fazer à media da coima única aplicada.
Relativamente à aplicação da media de admoestação, nos termos do art.º 51.º do RGCOC é pressuposto que se verifique «reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente » que o justifique. Ora, da prova produzida se é certo que se trata de uma contra-ordenação leve, bem como não tendo resultado daí gravidade para a circulação rodoviária, todavia não menos certo é que dedicando-se a arguida precisamente à gesto de painéis de publicidade não se pode concluir por uma reduzida culpa da mesma, nem aliás da prova produzida resultou qualquer elemento que permita assentar essa convicção, pelo contrário resultou que tem registadas infracções cuja prática remonta aos 2010, 2014, 2015, 2016 e 2018 (como referido em 7.), pelo que entendo não ser de aplicar tal pena de admoestação.
Nestes termos, o recurso interposto deve ser considerado totalmente improcedente e mantém-se na íntegra a decisão administrativa proferida, no sentido de que vai a arguida sancionada com a coima de €4.000,00 (quatro mil euros).
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Custas:
Dadas as questões jurídicas suscitada e por via do recorrente a sua dilação, considero adequada a fixação da taxa de justiça em 3 UC’s (artigo 94.º n.º 3 do RGCOC e artigo 8.º e tabela III anexa, do RCP).
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IV.DECISÃO:
Pelo exposto:
- Julgo improcedente o recurso de impugnação judicial interposto por “N..., Lda”, mantendo a decisão administrativa proferida pela autoridade administrativa na totalidade.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
Comunique ao à autoridade administrativa, enviando-se cópia – cfr. art.º 70.º, n.º4 do DL n.º 433/82, de 27.10.
Deposite e Notifique.”
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2.3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Passemos então a apreciar a única questão suscitada neste recurso:
- Da unidade ou pluralidade das infrações por que foi a recorrente condenada e a violação do principio ne bis in idem
Em sede de recurso que incida sobre a sentença ou despacho judicial que aprecie a impugnação de decisão da autoridade administrativa, nos termos previstos no art. 75º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coima (RGCO) - Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10 (“1 – Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. 2 – A decisão do recurso poderá: a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A; b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.” - os poderes cognitivos deste Tribunal ad quem (intervenção idêntica à do STJ no processo penal) estão, em regra, restringidos à matéria de direito, e a matéria de facto só poderá ser alterada se a sentença padecer de um dos vícios elencados no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-10-1995 Proc.º 046580, Conselheiro Sá Nogueira, disponível em www.dgsi.pt: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
Descendo ao caso em apreciação e definitivamente fixada a matéria de facto provada na decisão recorrida, vejamos então se a mesma comporta a imputação da prática das duas infrações por que foi a recorrente condenada, questão que havia já sido levantada pela arguida quer perante a autoridade administrativa, quer em sede de 1ª instância e aí foi analisada e resolvida, o que desde já se antecipa, com acerto.
Em realidade, a condenação da recorrente nos moldes em que foi pela autoridade administrativa e que a 1ª instância manteve, afigura-se-nos a solução de direito correta.
Olhando à motivação de recurso, vemos que a recorrente deixando cair as demais questões expostas em sede de recurso de impugnação judicial, circunscreveu o cerne do dissidio à dupla condenação contraordenacional de que foi alvo, defendendo que apenas pode ser responsabilizada por uma, na medida em que sendo o painel publicitário de que é proprietária apenas um, embora de dupla face, a falta de licenciamento só lhe pode ser imputada uma vez.
Desde logo realça os diferentes entendimentos manifestados pela autoridade administrativa e pelo tribunal de 1ª instância, subvertendo este o raciocínio daquela, pois enquanto a primeira se foca no critério da alteração da mensagem publicitária, a decisão agora escrutinada aponta para um critério temporal, posto que cada uma das infracções incorreu em diferentes meses (julho e agosto), sendo o licenciamento mensal ou anual. Ora não é esse o fundamento das duas contraordenações; o facto de serem duas prende-se com a alteração da mensagem publicitária e não com a circunstância de terem passado dois meses, sustenta a recorrente.
E mesmo com a diferença de 28 dias entre um e outro autos de notícia, o que é certo é que respeitam a um único painel publicitário que dispõe de duas faces (situação perfeitamente frequente no que se refere a suportes publicitários com formato outdoor) e a um mesmo evento naturalístico, ou seja, à colocação/afixação do outdoor publicitário levada a cabo pela recorrente, sendo que a primeira mensagem publicitária constituía preparação da segunda.
Mais argumenta que não relevam alterações na mensagem publicitária, mas apenas e só a circunstância de o painel publicitário ter sido colocado sem licença.
Trata-se do mesmo facto e da mesma contraordenação (verificada uma identidade fáctica, uma vez que a imputação é idêntica, ambos os autos tendo por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa), o que vai totalmente contra a previsão constitucional constante do art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa que dispõe que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.
Avançando.
A reter como primordial é o facto de que a arguida mantinha publicidade num outdoor de dupla face na Rua ..., ..., união das freguesias ... e ..., concelho ..., sem ser detentora da competente licença administrativa para o efeito.
Uma das contraordenações refere-se ao momento temporal de julho de 2019 em que a publicidade afixada na face norte/sul daquele era “Forum ..., um ... a céu aberto” e na outra face - sul/norte era “Anuncie aqui ...”; a outra contraordenação refere-se ao momento temporal de agosto de 2019 em que, mantendo-se a publicidade numa das faces alusiva ao “Forum ...”, é substituída a mensagem “Anuncie aqui ...” por outra mensagem publicitária “Feira ..., ...”.
Dúvidas não restam que, face à matéria de facto assente que a actividade desenvolvida pela recorrente - que se dedica à instalação, manutenção e gestão de painéis e outros suportes publicitários - de afixação ou colocação de mensagem de conteúdo publicitário visionada na via pública não estava licenciada, o que sequer a própria discute, à luz da legislação aplicável, a Lei nº 34/2015 de 27 abril que aprovou o novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional (EERRN), o qual estabelece as regras que visam a proteção da estrada e sua zona envolvente, fixa as condições de segurança e circulação dos seus utilizadores e as de exercício das atividades relacionadas com a sua gestão, exploração e conservação (cfr. art. 1º nº 1), .
É, pois, um dado adquirido a inexistência do necessário licenciamento para a publicidade em causa o que assim constitui uma contra-ordenação leve – cfr. al. k) do nº1 do art. 70º do Estatuto - por parte da recorrente que apenas discorda da duplicidade de infracções imputadas, entendendo que a falta de licenciamento só lhe pode ser imputada uma vez.
O tribunal recorrido, como se viu, concluiu que o comportamento da arguida consubstancia uma dupla resolução de cometimento da infração em causa, porque, tendo sido autuada em julho de 2019, por falta de licenciamento do suporte publicitário e das mensagens dele constantes nessa altura, em vez de proceder à remoção do ilícito, renovou-o e acrescentou-lhe novos elementos, ao inserir numa das faces do painel uma diferente mensagem publicitária, posição que merece o nosso inteiro acolhimento.
Decorre da citada legislação, mormente dos arts. 59º e ss. e a que a decisão recorrida faz referência, que o licenciamento em matéria de publicidade, abrange os respetivos suportes e as próprias mensagens, cujo conteúdo, formato, luminosidade e outras caraterísticas estão sujeitas à apreciação e decisão das entidades licenciadoras, precisamente em função da prevenção dos riscos que delas pode advir para a segurança rodoviária, mais ainda quando, como é o caso, os painéis sejam de dupla face e interfiram ou possam interferir com aquela segurança nos dois sentidos de uma autoestrada, como é o caso da A 1, na medida em que as mensagens colocadas em cada uma dessas faces afeta ou pode afetar em simultâneo os condutores dos veículos que nela circulam nos dois sentidos possíveis, ou seja, sul-norte e norte-sul (cfr. especialmente o nº 4 do art. 59º).
Daí que, a ora recorrente ao proceder à mudança da mensagem inscrita/colocada numa das faces do painel, qualquer que ela seja, no caso, substituindo o apelo ao anúncio e do telefone disponível para os interessados poderem utilizar o correspondente espaço, “Anuncie aqui ...” por uma outra mensagem publicitária, qual seja, “Feira...,...”, incorre em nova resolução contraordenacional porquanto tal atuação requer novo pedido de licenciamento, atenta a já assinalada necessidade de prévia definição e avaliação do conteúdo, formato, luminosidade e outros elementos da mensagem que as entidades licenciadoras e fiscalizadoras entendam como necessários para acautelar a segurança rodoviária da autoestrada.
Ora fazendo a lei depender a afixação ou inscrição da publicidade comercial do respetivo licenciamento pelas autoridades administrativas competentes, tão-somente perante mensagens publicitárias devidamente licenciadas se pode assegurar que são alcançados os anteditos objetivos que a citada lei visa acautelar.
Tão pouco que se pode dizer que o tribunal a quo divergiu ou subverteu o raciocínio da autoridade administrativa, porquanto esta, na decisão que proferiu, cristalinamente conclui que a arguida cometeu dois ilícitos de contraordenação, em diferentes datas, julho e agosto, divergindo a mensagem publicitária nas datas em apreço.
Com acuidade, bem sublinha a decisão recorrida que o comportamento da arguida consubstancia uma dupla resolução de cometimento da infração em causa, porque, tendo sido autuada em julho de 2019, por falta de licenciamento do suporte publicitário e das mensagens dele constantes nessa altura, em vez de proceder à remoção do ilícito, renovou-o e acrescentou-lhe novos elementos, ao inserir numa das faces do painel uma diferente mensagem publicitária, o que a própria recorrente bem compreendeu ao afirmar no recurso que a alteração da mensagem publicitária é o fundamento das duas contraordenações e não o distinto momento temporal em que foram verificadas.
E de outro modo não poderia ser, porquanto, como justamente observa o Ministério Público nesta Relação “se esta atitude ficasse impune, estaria descoberta a maneira de se evitar o licenciamento: instalava-se o suporte e inseriam-se as mensagens que em cada momento aprouvesse ao proprietário ou promotor dessa atividade; as autoridades competentes levantavam um primeiro auto, sancionavam o ou os infratores com uma coima pelo seu valor mínimo; daí em diante, paga ou não essa coima não mais poderia haver sancionamento, pese embora persistisse a ilicitude por falta de licenciamento e do não pagamento das correspondentes taxas” o que se traduziria “numa inadmissível concorrência desleal: os cumpridores teriam que, mensal ou anualmente, renovar o pedido de licenciamento e pagar as correspondentes taxas, mesmo com o risco de verem recusada a licença; os prevaricadores pagavam uma coima, pelo mínimo legal, e mantinham-se vitaliciamente dispensados de licenciamento e do pagamento de qualquer outro valor, assim se premiando o infrator em detrimento do cumpridor”.
Donde, se o licenciamento é de publicidade, nos termos em que se mostra definida no art. 3º al. ii) da Lei 34/2015, tendo havido uma alteração dessa publicidade e sem que tenha a arguida licença para tal indubitavelmente temos de concluir pela verificação das duas imputadas infracções.
De outro modo, a tese preconizada pela arguida recorrente, conduziria a um resultado absurdo ou irrazoável, que de todo pode vingar e deve ser recusado.
Resta ainda considerar que, de forma alguma, se vislumbra violado o convocado principio ne bis in idem, o qual, embora não regulado expressamente na actual lei processual penal (ao contrário do que sucedia no CPP de 1929), decorre do art. 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, onde se prescreve que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.
É que a proibição do ne bis in idem mais não é do que a manifestação substantiva do princípio do caso julgado, enquanto garantia básica de que ninguém pode ser submetido a um processo duas vezes pelo mesmo facto, seja de forma simultânea ou sucessiva.
Esta proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos, como efeito processual da sentença transitada em julgado, assenta em razões de segurança jurídica, impedindo que o que nela se decidiu seja atacado quer dentro do mesmo processo (caso julgado formal), quer noutro processo (caso julgado material).
Na verdade, convém atentar que “… o caso julgado tem uma função de garantia do cidadão que se traduz na certeza, que se lhe assegura, de não poder voltar a ser incomodado pela prática do mesmo facto - Frederico Isasca, in Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 1992, pág. 226.
A proibição do ne bis in idem constitui assim uma proibição de dupla perseguição penal, sempre que tenha ocorrido um qualquer ato processual do Estado que represente uma tomada definitiva de posição relativamente a um determinado facto penal, leia-se aqui contraordenacional, e garante o cidadão perante o arbítrio do poder estadual, impedindo que ele volte a ser incomodado pela prática do mesmo facto mas não que seja julgado por factos diversos.
E no que conceito “identidade do facto” tange ínsito ao princípio “ne bis in idem”, para poder responder à questão de saber quando é que um facto se pode considerar “o mesmo” e, assim, saber se está a ser objecto dum duplo julgamento, socorremo-nos das considerações tecidas por Tereza Pizarro Beleza e Frederico Lacerda da Costa Pinto in “Direito Processual Penal I, Objecto do Processo, Liberdade de Qualificação Jurídica e Caso Julgado”, 2001, acessível no endereço https://docentes.fd.unl.pt, pp. 25 e 26.: «(…) De acordo com a doutrina dominante, o conceito de identidade do facto é de natureza material e não puramente processual e, por outro lado, é um conceito normativo e não um conceito naturalístico. Significa isto que não é o processo que determina se o facto é ou não o mesmo, mas sim as características materiais do facto que podem infirmar ou confirmar a identidade do mesmo. A identidade do facto é, por seu turno, um conceito normativamente modelado para o qual concorrem não só aspectos naturalísticos do objecto do processo, liberdade de qualificação jurídica e caso julgado, acontecimento em causa, como também as conexões normativas que lhe conferem as qualidades que justificarão a sua integração no objecto dum processo. Nesse sentido, a doutrina aponta três vectores da identidade do facto que devem ser tipos em conta, a saber: a identidade do agente, a identidade do facto legalmente descrito e a identidade de bem jurídico agredido. Agente, facto e bem jurídico são os três crivos de identificação da identidade do acontecimento que se pretende submeter a um processo. Só perante a identidade destes três conjuntos de elementos (agente, facto legalmente descrito e bem jurídico) é que se pode afirmar que o facto que se pretende submeter a um certo processo é o mesmo ou é distinto de outro facto submetido, anteriormente ou concomitantemente, a outro processo. (…) Existirá dupla valoração sobre o mesmo facto quando o juízo de valor jurídico formulado incida sobre o mesmo agente e o mesmo facto em função da tutela do mesmo bem jurídico. Isto acontecerá independentemente da natureza da sanção aplicável. Para além destes casos de identidade plena de factos, ainda será necessário ponderar as situações de identidade parcelar dos factos em função das relações lógicas e axiológicas de identidade (i.e. consunção e, eventualmente, especialidade) e subordinação (i.e. subsidariedade) entre as normas que valoram as situações jurídicas. O que vale por dizer que a dupla valoração só é realmente evitada quando se sujeita o material analisado às regras vigentes que regulam as relações de concurso de normas. Só assim se pode garantir que uma pessoa ou entidade não é duplamente julgada ou condenada pelo mesmo facto, no seu todo ou em parte. (…)”.
Significando, por isso, os factos concretos a que a lei atribui determinados efeitos jurídicos e que sejam invocados como fundamento da pretensão punitiva formulada em relação ao arguido.
Pois bem, revertendo ao caso dos autos, como já se deixou sobejamente explanado, à mesma arguida foram imputados factos diversos (a afixação de duas distintas mensagens publicitárias), quer do ponto de vista material, quer do ponto de vista do respectivo enquadramento jurídico, e consequentemente sancionados autonomamente, o que significa que o circunstancialismo fáctico em apreço nunca poderia ter sido apreciado como unidade fáctica como pretende o recorrente.
Em suma inexiste identidade fática, antes estamos perante a prática de dois factos distintos e distanciados no tempo, que consubstanciam a prática de duas infracções de natureza contra-ordenacional e assim culminaram com a condenação por outras tantas contraordenações e coimas, e em cúmulo jurídico numa única coima.
Inexiste desta feita qualquer violação ao comando constitucional que tem o seu enunciado no art. 29º, nº 5, pois o que se aí se proíbe “é o duplo julgamento” “pela pratica do mesmo crime” pretendendo “evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela pratica da infração, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela pratica do “mesmo crime” – JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra ed. 2007, 4ªed. pág. 497, mas que, reafirma-se, não ocorreu na vertente situação, como decorre do vindo de referir.
Improcede, por isso, o recurso interposto.

3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela arguida N..., Lda. assim se confirmando a sentença recorrida.

Face à improcedência do recurso, condena-se a Recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (artigos 513.º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74.º, n.º 4 do RGCO e 59.º e 60.º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8.º, n.º 4 e 5 e Tabela III do RCP).
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Notifique.

Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelo Meritíssimo Juiz Adjunto.

Porto, 04 de maio de 2022
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso