Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
321/12.0TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ÓNUS DA PROVA
AUTONOMIA DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RP20140519321/12.0TTPRT.P1
Data do Acordão: 05/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Perante a presunção legal de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, o aplicador do direito deve, num primeiro momento, lançar mão da norma presuntiva e verificar se a mesma se encontra preenchida, para o que é suficiente a verificação de duas das características nela enunciadas.
II – Ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova, o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, por isso, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se afirma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos.
III – Mas o julgador não está dispensado de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios em presença e verificar se, perante eles, o empregador fez prova de factos demonstrativos da autonomia do trabalhador na execução contratual e, assim, cumpriu o ónus prescrito no n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil
IV – A tarefa do empregador passa pela alegação e prova de indícios consistentes e relevantes da autonomia do trabalhador na execução contratual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 321/12.0TTPRT.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra “C…, Lda”, pedindo que seja reconhecida a celebração de um contrato de trabalho entre as partes, se declare a ilicitude do despedimento da Autora com as consequências legais e se condene a Ré no pagamento dos créditos salariais que elenca no petitório.
Para o efeito alegou, em síntese: que é licenciada em Medicina e nessa qualidade, foi contratada para prestar serviços nos departamentos de medicina estética e de cirurgia capilar da Ré, tendo exercido funções nas instalações da Ré a partir de 2 de Março de 2011, com os materiais e utensílios cirúrgicos fornecidos pela Ré, sob a direcção do Director Clínico da Ré, cumprindo um horário de trabalho das 8.20 horas às 17 horas, com um intervalo de 30 minutos para almoço e auferindo uma remuneração por cada dia de trabalho prestado de € 400,00, com uma média de € 5.395,00 mensais. Em 10 de Fevereiro de 2012 foi dispensada, não lhe sendo permitido o acesso às instalações da R. no dia 13 de Fevereiro de 2012, quando aí compareceu com duas testemunhas.
Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação na qual invocou que a A. foi contratada para prestar serviços médicos, não estando sujeita a qualquer horário ou a justificação de faltas e nem sempre prestou serviço em todos os dias úteis, recusou-se a prestar actividade na área da estética corporal apesar de ter sido contratada para a mesma, sem qualquer consequência disciplinar, recusou-se a efectuar diversos transplantes capilares a clientes da R., por motivos sem qualquer relevância médica e informou a R., por diversas vezes, que não iria prestar serviço em determinados períodos, mesmo com intervenções cirúrgicas marcadas com clientes da R.. Conclui que a relação jurídica que existiu entre A. e R. era de prestação de serviços e não laboral,.
A A. respondeu à contestação nos termos de fls. 64 e ss..
Foi dispensada a audiência preliminar, proferido despacho saneador e dispensada a fixação da matéria de facto assente, bem como a organização da base instrutória, fixando-se à acção o valor de € 48,665,41.
Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto (fls. 136 e ss.), tendo a A. apresentado a reclamação de fls. 150 e ss., a que a R. respondeu e que foi indeferida.
Em 26 de Junho de 2013 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.
1.2. A A., inconformada interpôs recurso desta decisão em 9 de Setembro de 2013, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“i. No presente dissídio judicial encontra-se em discussão a qualificação jurídica do contrato celebrado entre a autora, ora recorrente, e a ré, ora recorrida, i.e., se estamos perante um contrato de trabalho ou se, pelo contrário, estamos perante um contrato de prestação de serviços.
ii. A autora, ora recorrente, embora reconheça as dificuldades que, normalmente, se colocam na diferenciação jurídica entre aqueles tipos contratuais,
iii. Não se pode conformar com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, por esta não reflectir toda a factualidade apurada nos presentes autos.
iv. Com efeito, os elementos/indícios/características presentes na relação estabelecida entre a autora/recorrente e a ré/recorrida, e que não foram tomados em consideração na decisão ora posta em crise, apontam, claramente, no sentido da existência de um contrato de trabalho e não, como erroneamente, se sustentou na de um contrato de prestação de serviços.
v. Tais elementos são os seguintes:
1. A existência de um período experimental;
2. A existência de um horário pré-determinado para a prestação do trabalho;
3. A existência dos poderes de direcção e disciplinar, e de subordinação jurídica;
4. A retribuição não ser variável; e, em último lugar,
5. Os instrumentos utilizados pela autora para prestar o trabalho serem propriedade da ré e a prestação do trabalho ter sido realizada num estabelecimento da ré.
De facto,
vi. A autora/recorrente foi sujeita a um período experimental nas instalações da ré sitas na cidade de Lisboa, período inicial da execução do seu contrato de trabalho durante o qual aprendeu, acompanhou, coadjuvou e terminou várias intervenções cirúrgicas.
vii. Coincidentemente (ou talvez não!?), a autora/recorrente esteve em Lisboa, em formação, durante 6 meses (180 dias), que é, como melhor se saberá, exactamente a duração máxima fixada por lei do período experimental estabelecido para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação (alínea b) do n.º 1 do artigo 112º do CT).
viii. A ré, ora recorrida, tentou fazer transparecer a ideia de que a autora/recorrente apenas permaneceu em Lisboa porque o Centro Médico no Porto ainda estaria em obras, e que foi por essa mesma razão que esta prestou o seu trabalho em Lisboa…
ix. No entanto, assim não foi, uma vez que, durante a estadia da autora/recorrente em Lisboa, esta foi sujeita a um período de formação e de aprendizagem, no qual acompanhava cirurgias e, por vezes, as finalizava.
x. Dos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento, designadamente pela Dra. D... e pela Dra. E..., é patente que a autora/recorrente, durante o período em que esteve em Lisboa, encontrou-se apenas a auxiliar e a aprender a técnica de implantação capilar, facto este que apenas pode ser enquadrado num período experimental.
xi. O período experimental é apenas possível num contrato de trabalho e, como tal, constitui uma prova cabal, de que, in casu, estamos na presença de um contrato de trabalho e não de um contrato de prestação de serviços.
xii. Para além do período experimental, a autora/recorrente cumpria efectivamente um horário de trabalho, todos os dias da semana, todas as semanas do mês, todos os meses do ano, durante o período de duração do contrato, à excepção de férias e dos dias em que faltou.
xiii. O horário de trabalho encontrava-se compreendido entre as 8:30 e as 17:30, sendo certo que este poderia sofrer variações consoante as necessidades da clínica ou até da própria autora/recorrente, sem que desse facto resultasse qualquer prejuízo para a ré/recorrida,
xiv. Prática, aliás, comum no seio da ré/recorrida, uma vez que a trabalhadora da ré, H..., não entrava todos os dias à mesma hora, variando diariamente em períodos de 30 minutos.
xv. O horário de almoço da autora/requerente variava conforme a duração do procedimento de extracção de folículos que acontecia, por determinação expressa do Director Clínico da ré/recorrida, da parte da manhã.
xvi. A cirurgia tinha sempre de começar entre as 8:00 horas e as 9:30 horas, uma vez que cada intervenção cirúrgica de transplante capilar durava, em média, 8 (oito) horas, e, como tal, a hora de saída situar-se-ia entre as 17:00 e as 17:30 horas, porque a ré/recorrida assim o determinava.
xvii. Do horário estipulado pela ré e, outrossim, pela própria actividade e funções que a autora/recorrente desempenhava em prol/benefício daquela, não se pode concluir que não existia um horário de trabalho (antes pelo contrário!).
xviii. Tal conclusão decorre do depoimento testemunhal do próprio Director Clínico da ré/recorrida, da enfermeira F... e da contradição patente no depoimento da testemunha G....
xix. Se a autora/recorrente não se encontrasse adstrita a um horário, como o Tribunal a quo tão imponderadamente considerou, a autora poderia, em abstracto, escolher a hora de início da intervenção cirúrgica, e, inclusivamente, começar a dita intervenção durante a parte da tarde,
xx. O que não se verificava, uma vez que o Director Clínico da ré/recorrida, como muito bem expôs no seu depoimento testemunhal (ao minuto 09:32), opunha-se a que uma cirurgia se iniciasse na parte da tarde.
xxi. Destarte, a autora/recorrente não tinha qualquer poder de conformação no que tange ao início da cirurgia, já que esta teria, invariavelmente e por determinação expressa da ré, de começar no período da manhã.
xxii. Como tal, resulta incompreensível a posição/decisão do Tribunal a quo (factos provados nºs 12 e 13).
xxiii. Será que o facto de o horário de trabalho ser flexível/adaptável, em períodos de 30 minutos, faz com que não haja um horário de trabalho?
xxiv. Será que o facto de, em três meras ocasiões, a autora/recorrente ter saído do trabalho mais cedo durante um ano inteiro de trabalho faz com que não haja um horário de trabalho?
xxv. Será que o facto de a autora trabalhar 8 horas por dia, regularmente, entrando na esmagadora maioria das vezes às 8 horas e 30 minutos não constitui um horário de trabalho?
xxvi. Será que o facto de a autora/recorrente não poder proceder à cirurgia à hora que lhe podia ser mais conveniente, não constitui um forte indício de existência e de determinação de um horário de trabalho?
xxvii. Será que o facto de ser a ré/recorrida a marcar a hora de início da cirurgia (8 horas e 30 minutos), cirurgia essa que demora entre 8 a 9 horas, não constitui a obrigatoriedade de cumprimento de um horário de trabalho?
xxviii. A resposta a todas estas questões, que, salvo o devido respeito que nos merece, foram negligenciadas pelo Tribunal a quo, decerto tê-lo-iam levado a uma conclusão diferente da plasmada na douta sentença prolatada.
xxix. Outro elemento contundente que aponta para a existência, in casu, de um contrato de trabalho entre a autora/recorrente e a ré/recorrida é a do poder de direcção.
xxx. Em primeiro lugar, dever-se-á interpretar o trabalho subordinado como aquele que é realizado pelo trabalhador no seio de uma organização de trabalho alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios.
xxxi. Nesta medida, a autora/recorrente era, em bom rigor, o único recurso humano (relevante) que mantinha a clínica da ré/recorrida no Porto em funcionamento, uma vez que era a única médica a lá desempenhar funções.
xxxii. E tanto assim é que quando a autora/recorrente, por qualquer motivo, tinha de faltar ao trabalho, era necessário trazer um elemento da clínica de Lisboa para a substituir.
xxxiii. Em segundo lugar, o poder de direcção pode ser aferido pelas ordens e instruções que o superior hierárquico – no caso sub judice, o Director Clínico – emitiu à autora/recorrente, e que, pese embora a recusa parcial do seu cumprimento sob a égide da autonomia técnica da autora/recorrente, a verdade é que aquelas ordens e instruções foram efectivamente emitidas, sendo este um facto que não pode ser mascarado através da designação mais inócua de “solicitação”.
xxxiv. Quanto ao não uso do poder disciplinar, sem que para ele houvesse qualquer fundamento, não pode ser utilizado como argumento para a aferição de que o contrato aqui em discussão é de prestação de serviços e não um contrato de trabalho.
xxxv. Quanto às faltas/ausências dadas pela autora/requerente (cf. docs. de fls. 116 a 126), será conveniente referir que esta, no âmbito de uma relação jurídica de trabalho subordinado, tem direito a 22 dias úteis de férias, e que pode ainda faltar justificadamente, sempre que tal ausência se enquadrar no conceito de falta justificada.
xxxvi. Aliás, tal bastaria, na nossa humilde opinião, para concluirmos, com toda a certeza, que, ao recair sobre a autora/recorrente a necessidade de justificar, perante a sua entidade empregadora, todas as suas faltas, estamos na presença de um contrato de trabalho e não perante uma prestação de serviços.
xxxvii. A ré/recorrida alega ainda que o facto de o vencimento/retribuição da autora/recorrente não ser fixo e constante é sinónimo de um contrato de prestação de serviços.
Ora,
xxxviii. É por demais evidente que tal não se verifica, até porque é sabido que a autora/recorrente faltou (facto provado n.º 16), e, como tal, a sua retribuição teria, necessária e inelutavelmente, de variar, independentemente de este ser um contrato de prestação de serviços (que não é) ou um contrato de trabalho (que o é, de facto e de Direito).
xxxix. No que concerne ainda a esta questão da retribuição, a autora, de facto, efectuava notas de honorários e passava o respectivo recibo verde,
xl. Sendo, no entanto, crucial referir que a autora/recorrente, para além de estar subordinada juridicamente à ré, dependia economicamente dessa mesma ré/recorrida, e, como tal, nunca pôs em causa os procedimentos exigidos pela sua entidade empregadora para o pagamento da sua retribuição,
xli. Algo que entre nós, como se pensava ser consabido, tem várias designações, embora a mais conhecida de todas seja a de falsos recibos verdes…
xlii. Em último lugar, e muito embora tenhamos consciência que saibamos que os indícios/características, por si só, podem não ser decisivos para a qualificação de determinado contrato como sendo contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços, não almejamos compreender como é que o Tribunal a quo dá como provado que:
“A A. realizou cirurgias capilares nos pacientes indicados pela Ré, nas instalações da Ré – bloco operatório, na cidade do Porto – com os materiais e utensílios cirúrgicos fornecidos pela Ré” (facto provado n.º 8),
E que,
“Quando no dia 13/02/2012 (segunda-feira) a A. se dirigiu ao seu local de trabalho, o acesso às instalações da Ré no Porto foram-lhe vedadas e a Senhora D. H... confirmou verbalmente a dispensa ocorrida na sexta-feira, perante duas pessoas que acompanharam a Autora” (facto provado n.º 22),
xliii. E, na fundamentação da sentença, refere, pasme-se, “(…) conduz-nos, com segurança, à conclusão que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços”!?!
NESTES TERMOS, E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA PROLATADA PELO TRIBUNAL A QUO, E CONDENANDO-SE, OUTROSSIM, A RÉ/RECORRIDA NOS PEDIDOS FORMULADOS EM SEDE DE 1ª INSTÂNCIA, SÓ ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”
1.3. A R. apresentou contra-alegações em que defende se negue provimento à apelação confirmando-se a sentença.
Concluiu do seguinte modo:
1. A Recorrente intentou a presente acção declarativa com processo comum contra a ora Recorrida, pedindo que seja reconhecida a celebração de um contrato de trabalho entre as partes, se declare a ilicitude do despedimento da Autora com as consequências legais e se condene a Ré no pagamento dos créditos salariais.
2. Para tanto, e em resumo, alegou que é licenciada em Medicina e nessa qualidade, foi contratada para prestar serviços nos departamentos de medicina estética e de cirurgia capilar da Ré, tendo exercido funções nas instalações da Ré, com os materiais e utensílios cirúrgicos fornecidos pela Ré, sob a direcção do Director Clínico da Ré, cumprindo um horário de trabalho, com uma remuneração por cada dia de trabalho prestado de € 400,00. Em 10 de Fevereiro de 2012 foi dispensada, não lhe sendo permitido o acesso às instalações.
3. A Recorrida contestou alegando que a Recorrente foi contratada para prestar serviços médicos, não estando sujeita a qualquer horário, a justificação de faltas ou a processos disciplinares e nem sempre prestou serviço em todos os dias úteis.
4. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria provada e não provada, objecto de reclamação pela ora Recorrente, a qual foi indeferida.
5. Nessa sequência, foi proferida sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.
6. Com o presente recurso, pede a Recorrente a revogação da sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo e, por sua vez, a ora Recorrida a sua manutenção.
7. Em Março de 2011, a Recorrente foi contratada pela Recorrida, para prestar serviços, na área da cirurgia capilar e da estética corporal na clínica que a ora Recorrida iria abrir na cidade do Porto.
8. Acontece que, quando a clínica abriu, a mesma não possuía, desde logo, condições para o exercício da actividade da estética corporal, pelo que, a Autora ficou a prestar apenas serviços na área dos transplantes capilares em Lisboa, noutra clínica da Ré.
9. Assim, entre Setembro e Outubro de 2011, o Director Clínico, Exmo. Senhor Dr. I… da Ré, bem como, o gerente da Ré, Exmo. Senhor J…, informaram a Autora que a partir daquele momento já estavam preenchidas as condições para que a Autora pudesse prestar serviços na área da estética corporal, conforme tinha sido, inicialmente, acordado entre a Ré e a Autora, ora Recorrida e Recorrente.
10. Apesar da ora Recorrente ter sido recrutada também para o exercício da prestação de serviços na área de estética corporal, a mesma afirmou já não estar interessada nessa actividade, recusando-se assim a prestar um serviço para o qual fora contratada.
11. Não obstante, a ora Recorrente nunca foi alvo de qualquer processo disciplinar, o que, por si só enfatiza bem a natureza jurídica, não laboral, do contrato celebrado entre as partes.
12. Diversamente do alegado pela Recorrente, se entre partes, existisse uma relação laboral, poderia a Recorrida instaurar-lhe um processo disciplinar, com vista a puni-la pelo não acatamento de uma ordem.
13. Mais, nunca de um período experimental se poderia tratar, visto que, o único motivo pelo qual a Autora, ora Recorrente, apenas prestou serviços à Recorrida em Lisboa, se deveu ao facto de, as instalações na clínica do Porto não estarem prontamente concluídas, não consubstanciando em ponto algum o tempo despendido em Lisboa como período experimental mas sim como prestação de serviço efectivo.
14. Por outro lado, a aprendizagem a que a Recorrente foi sujeita em Lisboa, deveu-se ao facto de a mesma se inteirar com os procedimentos praticados nas suas clínicas pela ora Recorrida.
15. Não se trata por isso de formação, como alega a Recorrente, nem tal, por mera hipótese se vislumbraria, uma vez que a formação médica, não caberia nunca à ora Recorrida.
16. Tratou-se de antes se inteirar dos procedimentos internos das clínicas da ora Recorrida, classificado como procedimento comum e normal, uma vez que, dada a intenção da Ré, ora Recorrida, em rapidamente ver os profissionais médicos que contrata entrosados nas práticas das suas Clínicas, facto que sucedeu com qualquer outro dos profissionais médicos que tem ao seu serviço.
17. Não se entende, nem tão pouco se aceita, a posição da ora Recorrente, uma vez que, a dado momento das suas alegações, afirma ter recebido formação e esse ser um processo normal e, posteriormente, afirma não entender o porquê de ter sido sujeita a uma aprendizagem.
18. A Recorrente foi sim sujeita a um entrosamento nas técnicas de trabalho utilizadas nas clínicas da Recorrida, para a prestação do serviço para a qual foi contratada.
19. Nada obsta a que na contratação de um profissional por uma entidade empregadora, num regime de prestação de serviços, possa a referida entidade contratante entrosar o profissional a ser contratado acerca dos procedimentos, de entre os vários existentes, a serem utilizados nas suas clínicas, sem que isso seja considerado período experimental.
20. Mais, tal como resulta do depoimento da Testemunha Dra. K…, quando, a instâncias do Mandatário da Ré, questionada se no período em que a Recorrida esteve a trabalhar em Lisboa estavam a trabalhar em igualdade de circunstâncias, afirma, ao minuto 04.10 do seu depoimento que “estivemos em igualdade de circunstancias”, continuando o seu depoimento, afirmando ao minuto 04.17, ainda respondendo à mesma pergunta que “se houvessem doentes faria a Dra. B… porque a Dra. B… estava lá nuns dias e eu estava noutros.”
21. Ao contrário do que alega a ora Recorrente, em momento algum do vínculo existente entre as partes, se estipulou qualquer horário de trabalho.
22. A Autora, ora Recorrente, só se deslocava às instalações da Ré, ora Recorrida à hora agendada com os clientes da Recorrida, fazendo depender assim a hora a que chegava às instalações da Ré com a hora marcada com os clientes.
23. Na verdade, a única hora que a Autora tinha que respeitar seria a hora em que se encontravam agendadas as cirurgias, tal como alega a testemunha K…, quando a minutos 12.45 do seu depoimento, a instâncias do Mandatário da Ré, afirma que “essa é que é determinante”.
24. No entanto, nunca, quer a ora Recorrente, quer a ora Recorrida, estipularam entre si qualquer horário de trabalho.
25. No caso concreto, deve considerar-se, tal como o fez o Tribunal a quo, bem no nosso entender, que não existiu entre partes qualquer estipulação entre as partes litigantes quanto a um horário de trabalho.
26. Nem poderia tal ter sido estipulado, uma vez que a ora Recorrente apenas intervencionava os pacientes da Ré, ora Recorrida, através de consultas com hora marcada, não constando da prestação de serviços acordada, qualquer número de horas a título de “banco”.
27. A Autora saía das instalações da Ré logo que as intervenções marcadas com os clientes da R. estivessem terminadas.
28. A Autora tinha apenas que estar presente nas instalações da Ré antes do cliente chegar e, naturalmente, até o cliente sair, por uma questão de compromisso com os clientes da Recorrida, profissionalismo e razoabilidade, o que nem sempre aconteceu, pois, por diversas vezes, a Autora, ora Recorrente, saía antes do cliente abandonar as instalações da R., sem dar qualquer justificação a ninguém, o que é bem demonstrativo da natureza da relação contratual em causa e da forma como a Autora encarava a relação contratual que mantinha com a Ré, ora Recorrida, ou seja, uma relação desprovida de subordinação jurídica.
29. Invoca ainda a ora Recorrente, o depoimento da testemunha H…, tricologista (e não consultora), em regime de contrato de trabalho, ao minuto 21.14 (e não 21.09) do seu depoimento, quando alega que “não entro às 8.30 todos os dias, tenho dias que entro às 8.30, tenho outros dias que entro as 9.00 e outros que entro às 9.30”, a existência de um contrato de trabalho da Autora pelo facto de também ter um horário flexível.
30. Com o devido respeito, em nada se pode concordar com o invocado pela Autora, uma vez que, deve ser valorada a diferença da existência de uma amplitude entre as 8.30 e as 9.30 enquanto horário de entrada da trabalhadora com contrato de trabalho, cujo depoimento foi invocado e, o regime de prestação de serviços da Autora, em que, apenas se deslocava às instalações da Ré para as cirurgias previamente agendadas dos pacientes da Ré, abandonando as referidas instalações, aquando do término das referidas intervenções.
31. Mais, o facto do procedimento das cirurgias capilares não ter um horário definido, em nada influencia a não existência de horários de trabalho.
32. Não se concorda por isso com o peticionado pela Autora, ora Recorrente, com o invocado nas suas alegações de recurso, não se podendo considerar como horário completo os casos em que as cirurgias se prolongavam ao longo de “6 ou 9 horas”, tal como alega a Recorrente.
33. Tal como, com o devido respeito, é falso que a Autora, ora Recorrente, não abandonasse as instalações da Ré, ora Recorrida, imediatamente após terminadas as intervenções cirúrgicas que efectuava.
34. Nem tão pouco se pode concluir que, pelo facto de, na clínica da Ré, sita em Lisboa, os médicos terem um cartão para as entradas e saídas, seja considerado motivo justificativo para a existência de um horário de trabalho, pressuposto que a Autora pretende, com o devido respeito, “à força”, justificar.
35. Tanto assim é que a testemunha E…, quando questionada, a instâncias do Mandatário da ora Recorrida se tinha conhecimento de que tal cartão existia na clínica do Porto, a minutos 23.59, afirma “Não sei, não conheço a clínica do Porto.”.
36. Aliás, tal cartão servia para apenas para confirmar os dias em que a Autora prestava os seus serviços à Ré, de forma a que esta pudesse pagar a retribuição correspondente aos dias em que efectivamente prestou serviços.
37. Mal anda a Autora, quando argui que, “convenientemente e coincidentemente, a hora de marcação das intervenções cirúrgicas era, na esmagadora maioria dos casos, à mesma hora que a Autora/recorrente reivindica como a hora de entrada que consta no seu horário de trabalho”, uma vez que, nem a Autora tinha horário de trabalho, nem, pelo tempo que, em média demora cada cirurgia, poderiam as mesmas serem marcadas noutro horário.
38. Ora, por coincidir o tempo de uma cirurgia com as 8 horas de trabalho diário previstas nos contratos de trabalho, não pode, salvo melhor entendimento, alegar-se que a Autora estivesse em regime de contrato de trabalho.
39. Verdade é que não é possível “medicamente” comprovar o horário de uma cirurgia, uma vez que, não se pode prever o seu fim.
40. Quando a este facto, pronunciou-se a testemunha K… que, de acordo com a sua experiência, refere que os Médicos não têm horas para acabar as suas intervenções, facto que, a minutos 09.17 e quando questionada directamente sobre a existência ou não de um contrato de trabalho, a instâncias do Mandatário da Ré afirma, dizendo que “acabar é quando acabar, isto é perfeitamente imprevisível, pode acabar 2, 3, 4, 5, 6, depende do paciente, de se existem problemas, dificuldades técnicas ou não mas horário, não um horário de entrar às tantas e sair às tantas”.
41. Qualquer profissional liberal sem horário, acaba por, salvo honrosas excepções, quando necessário, cumprir diariamente o mesmo número de horas que um profissional com um contrato de trabalho.
42. Facto esse comprovado também pela testemunha K… que, a minutos 10.10, a instâncias do Mandatário da Ré afirma que “e imprevisível prever a nível de timing uma cirurgia, eu já sai de lá, os meus colegas também, 7. 8, 9 da noite, como também já saímos as 3.”
43. Por isso, parece-nos natural que a Ré, na pessoa do seu Director Clínico, se opusesse, tal como o fez, a que fossem agendadas para a parte da tarde as cirurgias, uma vez que, tal como alega a ora Recorrente, as cirurgias demoravam em média “8/9 horas”.
44. Aliás, não se vislumbra uma clínica sem uma organização de agenda para as cirurgias, sendo que a Ré a isso não é excepção, uma vez que, é ela quem agenda as cirurgias, os médicos, tal como a Autora, chegam às instalações da Ré por norma meia hora antes da cirurgia e abandonam as ditas instalações quando as cirurgias terminam, tal como vem a testemunha K… desse facto dar conhecimento ao tribunal quando, a minutos 10.18, a instâncias do Mandatário da Ré, afirma que “ há um inicio que é agendado quando a clínica abre e depois quando acabar acabamos.”
45. Daqui facilmente se retira a vontade da Autora, de apenas realizar cirurgias da parte da tarde, facto que uma vez mais, reforça o entendimento de que era total a inexistência para si, de um horário de trabalho e, clara a pretensão de apenas prestar serviços à Ré, ora Recorrida, da parte da tarde.
46. Diga-se mais, a Autora, ora Recorrente, melhor que ninguém, tinha perfeita noção e conhecimento técnico para saber o tempo que, em média, as cirurgias demoravam.
47. Verdade é que era a Recorrida quem agendava as cirurgias, no entanto, nunca a Autora, ora Recorrente, podendo fazê-lo, se opôs a que as cirurgias fossem agendadas para terem início no período da manhã.
48. Servindo apenas esse motivo agora, como único que detém para vir, ardilosamente, diga-se, querer provar a existência de um contrato de trabalho.
49. No caso concreto, não se pode afirmar que a relação laboral existente entre as partes se caracterizava pela subordinação jurídica, pois apesar de a Autora, ora Recorrente, ter sido contratada para prestar actividade também na área de estética corporal, recusou-se a fazê-lo, sem qualquer consequência disciplinar ou mesmo remuneratória.
50. A Autora, ora Recorrente, tinha, como ficou demonstrado supra, apenas que estar presente nas instalações da Ré, ora Recorrida, antes do cliente chegar e após o cliente sair, o que, diga-se, nem sempre se verificou, visto que a Autora, ora Recorrente, chegou a abandonar as instalações da Ré, antes do cliente, sem disso dar qualquer justificação.
51. Existiu por várias vezes, recusa da Autora a efectuar diversos transplantes capilares a clientes da Ré, por motivos medicamente irrelevantes.
52. A Autora informou a Ré, por diversas vezes que, não iria prestar serviço em determinados períodos, mesmo com intervenções cirúrgicas marcadas com os clientes da Ré.
53. Atento o supra exposto, não se pode, com o devido respeito, concordar com a Autora, quando alega que a sua recusa em operar se funda exclusivamente em “razões de ordem médicas, protegidas, por isso, pelo estatuto deontológicos dos médicos, que lhe conferem discricionariedade técnica, e, como tal, a recusa em causa é lícita, não violando, por isso, qualquer direito da, afinal, entidade empregadora”.
54. Invoca a Autora que, pelo facto de a Ré aguardar, em caso de sua falta, uma justificação atempada, tal consubstancia um indício de que entre as partes existia um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviços.
55. Ora, com o devido respeito, não se pode concordar com a argumentação aduzida, uma vez que, a Ré, em caso de falta da Autora, apenas e só, por uma questão de, profissionalismo, cortesia e de bom senso, não consigo, mas com os seus pacientes, esperava uma justificação da Autora, de modo a que pudesse também transmitir.
56. Parece-nos que, quer num contrato de prestação de serviços, quer num contrato de trabalho, o trabalhador ou o prestador de serviços, em caso de falta, deverá sempre ter o profissionalismo, a boa-fé e a consciência de que, mesmo sem a tal estar legalmente obrigado, informar a contra parte dessa falta.
57. Agora por não estar obrigada a isso, verdade é que, a Autora, ao faltar causou prejuízos não só à Ré mas também aos próprios pacientes, uma vez que, em virtude do volume de trabalho da Recorrida, as consultas eram agendadas com a antecedência de necessária.
58. Não nos parece aceitável, atenta a falta de diligência supra descrita, vir agora a Autora fazer disso argumento no âmbito das suas alegações.
59. Nem nos parece credível a argumentação aduzida pela Recorrente, fazendo do pedido de justificação da Ré relativamente às suas faltas e, sem que, dai adviesse qualquer outra consequência, um dos motivos justificativos da sua linha de argumentação, na prova da existência de um contrato de trabalho no caso em apreço.
60. No que à retribuição respeita e, para efeitos de qualificação jurídica da relação contratual em causa como prestação de serviços e não como uma relação laborar, deve invocar-se o facto de a Autora, ora Recorrente, apenas ter sido remunerada pelo número de dias em que prestou serviços.
61. Tal como releva também o facto de a Autora, ora Recorrente, solicitar o pagamento dos seus honorários mediante nota por si elaborada, da qual se salienta que, por isso, reconhece expressamente a sua relação contratual como sendo de prestação de serviços.
62. Para tanto, atente-se os recibos verdes até Outubro de 2011, oportunamente juntos com a contestação, de onde consta inequivocamente a expressão “prestação de serviços” (sublinhado e negrito nosso).
63. Mais, tanto assim é que, a partir de Outubro de 2011, a Recorrente, por sua própria iniciativa e conscientemente, passou a omitir dos recibos verdades por si elaborados, a dita expressão “prestação de serviços”.
64. Ora, sapientemente e mesmo que sem curso de Direito, ocorre-nos dizer que, o desconhecimento da lei, não aproveita, nem pode aproveitar a ninguém.
65. Naturalmente que a Recorrente nunca poderia receber a sua remuneração sem, em contrapartida, tal como as leis tributárias nacionais o exigem, emitir o correspondente recibo verde do serviço prestado, pelo que, não se entende, qual o fundamento ou a importância que tal facto pode consubstanciar para a destrinça entre as duas modalidades de contrato aqui em discussão.
66. Mais, a dependência económica da Autora, ora Recorrente, face à Ré, ora Recorrida, não é relevante, uma vez que o facto de existir uma remuneração entre as partes não significa, só por si, a existência de um contrato de trabalho.
67. Nada obsta a que a relação existente entre as partes se continue a configurar como um contrato de prestação de serviços, uma vez que, também no âmbito de uma prestação de serviços, poderá ser acordada uma quantia a título remuneratório pela prestação de serviços acordada.
68. Tenta a Autora, por intermédio de artifícios, demonstrar que a remuneração variável da sua prestação, facto que teria inevitavelmente de acontecer, conforme os dias que a Autora trabalhou, seja argumento demonstrativo da existência de um contrato de trabalho e não, como na verdade sucedeu, de um contrato de prestação de serviços.
69. Assim, através das suas doutas alegações de recurso, a Autora, na matéria respeitante à remuneração, nenhum fundamento veio acrescentar, capaz de, per si¸ ser motivo justificativo de que o pagamento da remuneração ou a sua fixação, nos trâmites em que ocorreu, seja pressuposto da existência de um contrato de trabalho e não de um contrato de prestação de serviços.
70. Conclui-se, utilizando a redação da douta sentença do Tribunal a quo, quando este afirma que, “o facto de a Ré nunca ter pago à Autora subsídio de férias nem as férias, como seria próprio de uma remuneração de natureza laboral, auferindo a Autora uma retribuição consoante as cirurgias realizadas, conduz-nos, com segurança, à conclusão que as partes celebraram um contrato de prestação serviços”.
71. Reitera-se o já exposto pela douta sentença do Tribunal a quo, quando afirmou que “não nos podemos esquecer que estamos perante clínicas cujo objectivo consiste na prestação de serviços médicos.
72. De espantar será sempre o facto de, relativamente à mais que evidente utilização, por parte da Recorrente, dos instrumentos de trabalho e do local de trabalho da Ré para desempenhar a prestação de serviços para a qual foi contratada, apenas ser capaz de sobre isso recorrer, mediante a utilização de factos provados pela douta sentença do Tribunal a quo que, per si, são desprovidos de enquadramento e, pouco ou nenhum sentido fazem.
73. Ora, naturalmente, se a Autora, ora Recorrente, foi contratada pela Recorrida para a prestação de um serviço médico, parece-nos óbvio que, atenta a especificidade do serviço prestado e a logística necessária para o efeito, nunca poderia a Autora efectuar tais procedimentos sem que para isso tivesse todo o necessário material especializado para o efeito, o que, salvo melhor opinião, não me parece provável que aconteça noutro sítio que não nas instalações da Ré.
74. Tratamos aqui de intervenções cirúrgicas, procedimentos capazes de provocar, no caso de defeituosamente efectuados ou sem o material adequado ou mesmo o espaço necessário e devidamente preparado, lesões graves nos pacientes que a eles se submetem.
75. Pelo que, nunca a Autora poderia levar a cabo tais intervenções noutro espaço que não nas instalações físicas da Ré, nem com outro material, que não o da Ré.
76. Como é, aliás, prática comum da medicina, os médicos utilizam as “ferramentas” e os espaços que os hospitais ou clínicas lhes fornecem.
77. No entanto, mesmo que o contrário pudesse suceder, o que só por mera hipótese se admite, nunca a Autora, aquando da celebração do contrato de prestação de serviços, levantou essa hipótese, tendo tido oportunidade e abertura suficiente da parte da Ré para o fazer.
78. Não bastando os argumentos supra, bem andou o Tribunal a quo, quando chamou à colação um caso relativo à profissão de enfermeiro, constante do Ac. do STJ de 09/12/2010 que, por si só esclareceu que, ao realçar que atendendo à natureza e conteúdo das funções compreendidas nesta actividade, determinados indícios, não são suficientes para se concluir pela existência de subordinação jurídica uma vez que “a relevância de tais índices apresenta-se praticamente nula, porquanto de tal factualidade não pode, face aos restantes elementos da execução dos contratos, inferir-se a possibilidade de, no seu âmbito, a Ré exercer efectivos poderes de direcção e autoridade e, menos ainda, o poder disciplinar.”.
79. Sabe-se e ficou provado que a Ré, ora Recorrida, chegou a receber a desistência de uma intervenção cirúrgica de um cliente, já na sala de operações, em virtude desse cliente duvidar da capacidade médica da Autora.
80. Nenhuma entidade está obrigada a ter ao seu serviço profissionais de cuja capacidade profissional é questionada pelos seus clientes, neste caso, pacientes.
81. Ora, se a Autora por um lado quer invocar como motivo justificativo da existência de um contrato de trabalho a utilização do material e espaço físico da Ré e mesmo assim ocorrem situações como aquela agora exposta, perguntamo-nos, o que seria se nem material nem espaços da Ré fossem utilizados.
82. Foi nessa linha e bem, parece-nos, que a Ré, ora Recorrida, prescindiu dos serviços prestados pela Recorrente.
83. No que respeita à presunção da existência de contrato de trabalho, o douto Tribunal analisou as características identificadas no artigo 12.º do Código do Trabalho, verificando-se a sua inexistência, conforme infra melhor se discrimina:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado (vide pontos 5, 6, 7 e 8 dos factos provados);
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade (vide ponto 8 dos factos provados);
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma (vide pontos 12, 13 e 14 dos factos provados);
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma (vide pontos 5, 9 e 20 dos factos provados);
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa (vide pontos 2, 3, 4, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 14, 16 e 20).
84. Donde resulta que o douto Tribunal pronunciou-se sobre todos os critérios indicados no artigo 12.º do Código do Trabalho para a verificação da existência de contrato de trabalho.
85. Relativamente aos factos n.º 2 a 5 dados como provados pelo Tribunal, cumpre dizer que:
- A testemunha G… afirmou que os médicos sempre optaram por prestar serviços;
- A testemunha L… referiu que os médicos prestam serviços em determinados dias da semana;
- A testemunha I… referiu ter conhecimento que a Autora foi contratada como prestadora de serviços na área de transplantes capilares e estética corporal no Porto, apesar de não ter estado presente na contratação.
86. É indubitável, face à prova produzida, que a A. foi contratada para prestar actividade à R. no regime da prestação de serviços, sendo certo que tal terá sido iniciativa da A., interpretação que é conforme com os factos supra identificados, pelo que devem os mesmos ser mantidos.
87. Relativamente aos factos n.º 6 e 7 dados como provados pelo Tribunal, cumpre dizer que:
- A testemunha K… exerce medicina estética desde Fevereiro de 2011 na área capilar, em Lisboa e referiu ter conhecido a Autora quando esta esteve em Lisboa a exercer consigo medicina estética uma vez que as obras das instalações do Porto ainda não tinham sido concluídas.
Face à prova produzida devem ser mantido os factos n.º 6 e 7.
88. Relativamente a facto n.º 11 dado como provado pelo Tribunal, cumpre dizer que:
- A testemunha I… referiu que a Autora recusou fazer estética corporal e não lhe foi movido processo disciplinar;
- A testemunha H… referiu que a Autora recusou fazer estética.
Face à prova produzida deve ser mantido o facto n.º 11.
89. Relativamente aos factos n.º 12, 13 e 14 dados como provados pelo Tribunal, cumpre dizer que:
- A testemunha K… referiu-se à actuação dos médicos que não têm hora para terminar pois é imprevisível;
- A testemunha G… referiu que os médicos chegam à clínica de acordo com o que é combinado com o paciente, não há horas determinadas para o almoço e as cirurgias não têm hora certa para terminar.
Não têm horário de trabalho. Quando não há cirurgias, os médicos não se deslocam à clínica.
- A testemunha L… referiu que os médicos não têm horário fixo
- A testemunha I… relativamente aos horários referiu que é marcada, pela administrativa, uma hora da manhã para a intervenção e o médico tem de estar presente antes; que são cirurgias longas, pelo que nunca saem antes das 18:30/19:30;
- A testemunha H… que os médicos não têm horário de trabalho; que apenas permanecem na clínica durante o período de tempo do transplante, que se inicia às 08:30/09:00, sendo que as marcações são feitas pelas administrativas; que a Autora, quando terminava a cirurgia, saía da clínica e era ela própria que definia o tempo de almoço;
- A testemunha F… afirmou que a Autora entrava na clínica à hora marcada para o início da cirurgia, 08:00/08:30 e saída quando terminava; que não havia hora fixa para o almoço mas normalmente tinham meia hora;
- A testemunha M… afirmou que os médicos não têm horário; compareciam na clínica para fazerem a cirurgia e saíam quando terminava, não havendo hora certa para tal. Lembra-se que a Autora saiu algumas vezes antes do próprio cliente pois quiseram-lhe colocar-lhe questões e já não a encontraram.
Face ao exposto, devem ser mantidos os pontos n.º 12, 13 e 14 dos factos provados.
90. Relativamente aos factos 18 e 19 dados como provados pelo Tribunal, cumpre dizer que a Autora apenas prestou a sua actividade como médica dos dias acima mencionados, recebendo em conformidade com esse serviço prestado.
Face ao exposto deve ser mantido como provado o facto n.º 19.
91. Relativamente aos facto 20 dado como provados pelo Tribunal, cumpre dizer que foram juntas aos autos notas de honorários de fls. 50 a 60 que comprovam que a Autora foi contratada para prestar serviços médicos na clínica da Ré, situada no Porto, mediante o pagamento de uma quantia pecuniária diária, caso realizasse cirurgias.
92. A própria Autora, nas notas de honorários apresentadas até 2011.10.04 (fls. 50 a 56) qualificou o contrato celebrado com a Ré como um contrato de prestação de serviços e não de trabalho.
93. Logo não ficou provado o pagamento de um salário mensal mas sim o pagamento da quantia de € 400,00 por dia efectivamente trabalhado, sujeito ao regime fiscal dos trabalhadores por conta própria, como resulta da documentação de fls. 14 a 23.
94. Face ao exposto deve ser mantido como provado o facto n.º 20.
Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exa., deve o presente recurso de apelação ser julgado improcedente, por não provado, e confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, absolvendo-se assim a Ré, ora Recorrida, dos pedidos formulados pela Autora, ora Recorrente, em sede de 1.ª Instância.
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 302.
1.5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em douto Parecer, opinou pela rejeição do recurso no que diz respeito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto por não ter a recorrente cumprido os ónus fixados no artigo 640.º, n.ºs 1, alínea b) e 2, alínea a) do Código de Processo Civil em vigor. Defendeu, ainda, a improcedência do recurso.
Apenas a A. se pronunciou sobre este Parecer, concluindo como nas alegações de recurso.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
1.ª – da impugnação da matéria de facto;
2.ª – de saber se entre as partes se estabeleceu um vínculo contratual de natureza laboral.
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3. Fundamentação de facto
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3.1. Suscita a Exma. Procuradora-Geral Adjunta a questão prévia da rejeição da impugnação da decisão de facto por incumprimento dos ónus fixados no artigo 640.º, n.ºs 1, alínea b) e 2, alínea a) do Código de Processo Civil em vigor, por não ter a recorrente especificado os concretos meios probatórios que impunham diferente decisão, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se fundava, nem especificado qual a decisão que no seu entender deveria ser proferida sobre as questões de facto que impugnou.
A propósito dos requisitos para a impugnação da decisão de facto, estabelece o artigo 640.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lei processual aplicável à data em que foram produzidas as alegações[2], o seguinte:
«Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»
Para sindicar o cumprimento destas especificações legais, tal como sempre decidimos à luz do correspondente artigo 685.º-B do Código de Processo Civil revogado, cabe ter presente o objectivo da sua previsão.
Com as normas relativas à interposição de recurso e apresentação da motivação, o legislador pretendeu criar um conjunto de regras de natureza prática a observar pelos recorrentes e que permitam ao tribunal ad quem apreender, de forma clara, as razões que levam o recorrente a atacar a decisão recorrida, de modo a que possam ser apreciadas com rigor (nem mais, nem menos do que é pedido, com ressalva das matérias de conhecimento oficioso). Actualmente, tornou-se claro que é necessária a formulação de um pedido concreto quanto à alteração da decisão de facto, com a indicação pelo recorrente da “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º].
Assim, quanto às conclusões, o critério subjacente à definição da sua conformidade com o comando dos artigos 639.º e 640.º do CPC está necessariamente relacionado com a respectiva aptidão para exercerem a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de acção interventiva do tribunal de recurso. É esta função das conclusões que legitima a existência de normas processuais que as exijam.
Os requisitos legais para a impugnação da matéria de facto situam-se na mesma lógica delimitadora e sinalizadora da intervenção do tribunal de recurso e a sua inobservância, atenta a especificidade desta impugnação, justifica a rejeição do recurso no que se refere a tal matéria. É o que resulta da parte final do corpo do artigo 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil, não é possível o aperfeiçoamento das conclusões quando não se cumpram as especificações legais nele previstas (regime que corresponde ao artigo 685.º-B, n.º 1 do anterior CPC). Esta maior exigência do legislador tem plena justificação uma vez que, dirigindo o recorrente a sua pretensão a um tribunal que não intermediou a instrução da causa na 1.ª instância e que vai actuar através de um reexame da decisão recorrida quanto a concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, deve cumprir com rigor e precisão as exigências legais, sinalizando correctamente o que pretende, e não limitar-se a uma manifestação inconsequente de inconformismo[3]. Pretende-se deste modo prevenir o uso injustificado do recurso e a delimitar o seu objecto e os termos da cognição do tribunal ad quem (pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância), tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio recursório.
Não tem recebido uma resposta unânime da jurisprudência a questão de saber se todas as especificações exigidas na lei para a impugnação da decisão de facto, sob pena de rejeição da impugnação, devem levar-se às conclusões do recurso.
Cremos haver contudo algum consenso no sentido de que, uma vez que as conclusões delimitam o objecto do recurso – artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10 –, é necessária a indicação, nas conclusões, pelo menos, dos concretos pontos de facto de cuja decisão a recorrente discorda. Embora se admita que a indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação[4], a indicação nas conclusões dos pontos de facto que se pretendem ver julgados de modo diferente é imprescindível para que estas cumpram a sua função de sinalizar e delimitar o objecto do recurso e, consequentemente, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de facto.
No caso em análise, a A. recorrente não especifica de modo estruturado e coerente nas suas conclusões os concretos pontos de facto elencados na sentença que considera incorrectamente julgados em conformidade com o corpo das alegações, não o fazendo também por referência aos articulados das partes (o que sempre seria admissível se entendesse que deveriam dar-se como provados factos alegados no processo e que a 1.ª instância considerou não provados e que, por esse motivo, a sentença não elencou). Esclarece-se que impugnar especificadamente os factos é enumerá-los um a um, para que o tribunal de recurso identifique, sem margem para dúvida, quais os pontos de facto que deverá apreciar, o que a recorrente, in casu, não fez, limitando-se a considerações genéricas sobre a matéria factual e jurídica ao longo das conclusões, sem uma delimitação precisa entre o momento em que questiona a decisão de facto (não sendo muitas vezes claro que a está a questionar) e o momento em que questiona a decisão de direito, e sem que individualizasse os concretos pontos de facto de que discorda.
As referências que a recorrente faz a concretos pontos de facto no decurso das conclusões não são claras no sentido de que pretende quanto a eles uma diferente decisão (ou seja, que os mesmos devessem julgar-se como provados, ou não provados, ou provados em moldes diferentes dos indicados pela 1.ª instância), limitando-se a dizer:
– quanto aos factos 12. e 13., que “é incompreensível a posição/decisão do tribunal a quo” (conclusão xxii.) – o que não é absolutamente claro quanto ao que pretende relativamente aos mesmos, embora possa deduzir-se das conclusões anteriores que questiona a decisão de facto neles contida;
– quanto aos factos 8. e 22., que não almeja compreender como é que o tribunal os dá como provados (conclusão xlii.) – o que também nada adianta, não se inferindo sequer das conclusões anteriores que põe em causa no recurso o afirmado nestes pontos da matéria de facto.
Quanto ao segundo grupo de factos (8. e 22.), cremos que a recorrente se limita a pretender dizer que, com base neles, o tribunal a quo deveria ter retirado conclusão jurídica diversa daquela que adoptou, o que não se situa no plano da decisão de facto (da fixação dos factos da causa a que ulteriormente se deverá aplicar o direito) em que nos movemos e em que se enquadra a impugnação recursória da decisão de facto, mas já no plano da decisão de direito (da aplicação do direito aos factos previamente assentes).
Mas quanto ao primeiro grupo de factos (12. e 13.), deve ter-se em consideração que no corpo das alegações a recorrente diz expressamente que os mesmos devem considerar-se como “não provados” (fls. 207 e 208), indica-os aí como mal julgados e identifica suficientemente os meios probatórios que pretende ver reapreciados (com indicação da localização dois depoimentos por referência ao suporte da gravação que consta do CD apenso aos autos).
Assim, apesar de no caso em análise ser patente a imperfeição da peça recursória neste domínio da impugnação de facto – a recorrente não indica nas conclusões que impugna a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, nem nelas formula qualquer pretensão de alteração dos factos que o tribunal a quo elencou na sua sentença e, embora aluda nas mesmas a depoimentos testemunhais prestados em audiência (conclusões x., xviii., xx.), não formula a partir de tais alusões uma qualquer pretensão específica no sentido de ser alterado, e em que termos, um qualquer ponto da matéria de facto que ficou provada na sentença, ou de serem acrescentados à decisão factos que entende resultarem de tais depoimentos; mesmo nas alegações, a recorrente nem sempre indica a decisão que deve ser proferida quanto aos pontos de facto impugnados (limitando-se a referir quanto a alguns que devem ser alterados “em conformidade”, não explicitando qual o concreto conteúdo que pretendia se desse como provado ou não provado) – entendemos que o facto de nas conclusões fazer expressa referência a dois dos factos que autonomizou no corpo das alegações (os factos 12. e 13.) apesar de, mesmo quanto a estes, não ter feito aí constar a decisão que defende, torna injustificada, nesta parte, a rejeição do recurso. Quanto a estes segmentos de facto autonomizados nas conclusões que delimitam o âmbito de cognição deste tribunal de recurso, é possível, ainda que com maior labor, conjugando as conclusões com o corpo das alegações, identificar a pretensão do recorrente e as provas que há que reapreciar.
Pelo exposto, e em suma:
- julga-se improcedente a questão prévia suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no que diz respeito aos factos 12. e 13. e proceder-se-á, quanto aos mesmos, à reponderação da decisão de facto da 1.ª instância com reapreciação da prova produzida;
- rejeita-se o recurso da decisão de facto quanto ao mais.
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3.3. Vejamos, pois, se a decisão de facto que ficou a constar dos pontos 12. e 13. da sentença padece de erro de julgamento.
É o seguinte o teor deste segmento da matéria de facto assente na 1.ª instância:
«12. A A. não tinha qualquer horário de trabalho, pois iniciava a sua prestação nas instalações da R. à hora marcada com os clientes da R., variando a hora de entrada nessas instalações consoante a hora marcada com os clientes da R..
13. A A. saía das instalações da R. logo que as intervenções marcadas com os clientes da R. estivessem terminadas.»
Alega a recorrente que qualquer destes pontos da matéria de facto se deveria considerar “não provado” e invoca para fundamentar esta sua pretensão os depoimentos das testemunhas I…, F… e G…, cujo depoimento reputou de contraditório, questionando a sua credibilidade, bem como H….
Antes porém de proceder à reapreciação da prova, cabe dizer que a primeira parte do ponto 12. da matéria de facto – “não tinha qualquer horário de trabalho” – não pode manter-se já que, como resulta da própria redacção do texto em que se inclui (“pois”) constitui uma proposição de natureza conclusiva. A afirmação de que a A. se encontrava, ou não, sujeita a um horário de trabalho nos termos prescritos no artigo 200.º, n.º 1 do Código do Trabalho decorre da análise de factos concretos susceptíveis de levar a concluir que lhe eram determinadas externamente as horas de início e termo do período diário em que exercia a sua actividade, bem como dos intervalos de descanso e semanal, sendo tais factos concretos que cabe averiguar.
Foram ouvidos todos os depoimentos prestados em audiência, com particular atenção para os excertos indicados dos depoimentos das indicadas testemunhas I… (director clínico da R. e médico com a especialidade de cirurgia estética, reconstrutiva e plástica), F… (enfermeira da R. a exercer funções a clínica do Porto desde que esta abriu), G… (trabalhadora administrativa da R. na clínica de Lisboa que trata da agenda dos transplantes capilares desde Dezembro de 2005, e que gere a agenda de Lisboa em conjunto com a do Porto, tendo acesso aos horários das intervenções nas agendas do Porto) e H… (tricologista que exerce funções na R. desde Agosto de 2011).
Resulta de tais depoimentos que a A. tinha o seu tempo de actividade na clínica da R. condicionado pelas marcações de cirurgias que esta fazia com os seus clientes e pelo tempo por que estas perduravam. A A. tinha que estar na clínica à hora marcada pela R. com os clientes, normalmente as 8 horas a 8.30 horas (testemunhas F… e H…) iniciava a intervenção cirúrgica, que tinha uma duração variável, podendo ir até 8-9 horas, mas podendo também acabar pelas 14-15 horas, almoçava entretanto em cerca de meia hora (como refere a testemunha H… que situou o início dessa meia hora entre as 12 h e as 13 h) e, fosse qual fosse a hora a que acabasse a cirurgia, ausentava-se da clínica no fim de realizada a mesma.
É certo que a testemunha Director Clínico da recorrida, I… disse que “se um doente falta, o médico fica, tem aquelas horas incumbidas”, o que não é conforme com esta ideia que todas as demais testemunhas transmitiram de que a A. apenas estava na clínica enquanto havia cirurgias a realizar (ainda que se desvalorize o depoimento da testemunha G…, atentas as contradições que a recorrente lhe apontou, todas as demais ouvidas prestaram um depoimento coerente a este propósito, não se vendo razões para duvidas da sua credibilidade). Mas há que atentar em que a testemunha I… estava a falar em geral e não especificamente sobre a A. a quem, como referiu no início do depoimento, disse ter conhecido muito vagamente e apenas falado com ela “por motivos profissionais duas ou três vezes”, trabalhando em Lisboa enquanto a A. trabalhava no Porto e, além disso, ressalvou que esse é o pensamento dele e “não quer dizer que seja o da Administração da empresa”.
Este depoimento não se nos afigura suficiente para afirmar que a R. fixava um determinado período temporal (que a referida testemunha também não concretizou) em que a A. permanecia nas suas instalações, ainda que sem actividades para realizar, tanto mais que tal não se coaduna com os depoimentos das demais testemunhas, designadamente da testemunha H… que abria e fechava a clínica em que a A. exerceu a sua actividade e foi peremptória quanto ao termo da actividade da A. após a conclusão da cirurgia marcada em cada dia, que podia acabar pelas 3-4 horas, ou mais tarde.
Tal não significa que a recorrente tivesse autonomia em conformar o horário da cirurgia, de acordo com as suas necessidades, já que esta era marcada pela recorrida, como bem diz a recorrente e, em boa verdade, a recorrida também não questiona.
Não só as testemunhas já referidas o afirmaram (incluindo a testemunha G… que fazia os agendamentos) como também a testemunha K… (médica de clínica geral que exerce também funções da R. em Lisboa e trabalhou a par da A. em Lisboa enquanto a clínica do Porto não abriu, bem como substituiu a A. na execução de intervenções em ocasiões em que esta não exerceu a sua actividade no Porto, que prestou um depoimento claro e que se nos afigurou isento quanto aos factos de que tinha conhecimento) reiterou que a única hora que a A. tinha que respeitar era a hora em que se encontravam agendadas as cirurgias pela clínica, como também acontece consigo e com os outros médicos. Segundo explicou, na parte capilar há um paciente por médico em cada dia e por cada bloco, a intervenção começa “de manhãzinha” quando a clínica abre, pelas 8.30 a 9 horas, e “acaba quando acabar”, “é imprevisível”, mas a testemunha já saiu às “7, 8, 9 da noite”, como também já saiu “às 3”.
Em suma, perante a reapreciação da prova a que procedemos, com a análise conjugada e crítica dos depoimentos prestados:
- entendemos que o ponto 12. da matéria de facto fixada na 1.ª instância deve reflectir mais fielmente a prova produzida, precisando-se que a A. comparecia nas instalações da R. de manhã entre as 8 e as 9 horas e tinha um período de cerca de meia hora para almoço, como resulta da globalidade dos depoimentos ouvidos, e que era a R. quem procedia à marcação da hora das intervenções cirúrgicas e, consequentemente, do início da actividade da A. nos dias em que as mesmas estão marcadas, facto este que é, aliás, consensual entre A. e R., mas não ficou reflectido no ponto 12. – que fala genericamente na hora marcada com os clientes, não se precisando quem marca essa hora (se a R. se a A.) –, pelo que deverá agora ser contemplado;
- entendemos que a factualidade que ficou relatada no ponto 13. deve manter-se integralmente, por conforme com a prova produzida, não se vislumbrando a tal propósito qualquer erro de julgamento.
E, em consequência, o ponto 12. da matéria de facto passa a ter a seguinte redacção:
«12. A A. iniciava a sua prestação nas instalações da R. à hora marcada por esta com os seus clientes, variando a hora de entrada nessas instalações entre as 8 e as 9 horas da manhã, consoante a hora marcada com os clientes da R., e tinha um período de cerca de meia hora para almoço.»
*
3.3. Ainda em sede de decisão de facto, cabe expurgar a matéria elencada das expressões que, tendo em consideração o thema decidendum da acção – está em causa a averiguação da existência de uma relação contratual de natureza laboral –, revestem natureza conceitual, de direito ou conclusiva e não podem constar dos factos a atender para a decisão jurídica do pleito.
Com efeito, embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado – de acordo com o qual se têm "por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes" – a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos.
Apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil.
Por isso o artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que "[n]a fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07 (Processo n.º 488/08.1TBVPA.P1, in www.dgsi.pt) esta questão “resolve-se nos mesmos termos no domínio da lei processual que vigorou até 31.08.2013 ou aplicando o novo diploma adjetivo: antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos”.
Assim, não podem os tribunais deixar de continuar a enfrentar a sobejamente conhecida dificuldade da destrinça entre os factos (reconstituição histórica do mundo do ser) e as questões de direito (actividade perceptiva do dever ser)[5], entre o saber o que constitui um puro facto ou o que se traduz já numa conclusão que apenas se pode afirmar perante a análise e valoração de factos concretos[6].
Segundo o artigo 663º, n.º 2 do Código de Processo Civil de 2013, na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao Tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos.
No caso vertente, a matéria de facto elencada encerra expressões que se revestem de natureza conceitual, de direito ou conclusiva, impondo-se a sua correcção oficiosa nos seguintes pontos:
Ponto 2 – “Todos os médicos que prestam actividade à R. fazem-no em regime de prestação de serviços” - declara-se não escrito este ponto da matéria de facto pois, como resulta da própria discussão que é trazida à presente acção, é de natureza jurídica a afirmação de que determinadas pessoas exercem determinada actividade em benefício de outrem ao abrigo de um específico regime jurídico.
Ponto 3 – “Todos os elementos médicos contratados pela R. optaram por serem contratados em regime de prestação de serviços, uma vez que, esse regime lhes confere a liberdade necessária para os mais diversos efeitos, nomeadamente, para poderem prestar serviços a múltiplas entidades e, assim, auferirem maiores rendimentos” - declara-se não escrito este ponto da matéria de facto pelas razões já adiantadas. Sendo certo que era possível os referidos médicos fazerem uma tal opção, a afirmação de que a fizeram e das razões que os levaram a tal na matéria de facto teria que ser completada com a emissão de uma declaração dos mesmos nesse sentido (ainda que não formal) e a expressão externa das razões por que o fizeram.
Ponto 4 – “A A., tal como qualquer outro elemento médico que presta actividade à R., optou por prestar actividade em regime de prestação de serviços” - declara-se não escrito este ponto da matéria de facto pelas razões já adiantadas e, também, porque se retira no mesmo uma conclusão pela equiparação da A. aos demais médicos que prestam actividade à R. Não negando que a A. pode ter feito uma opção por prestar a sua actividade em regime de contrato de prestação de serviço, a afirmação genérica que aqui ficou a constar não constitui um facto. A A. optou como? Em que termos? Perante quem? Comunicou-o a alguém? Praticou actos consonantes com uma vinculação nesses termos? Que actos foram esses? Só a resposta a estas questões pode eventualmente consubstanciar a afirmação de factos a que poderia conferir-se eventualmente relevo, por espelhar a vontade da A., para a operação de qualificação contratual a efectuar ulteriormente em sede de aplicação do direito aos factos.
Ponto 5 – “Em Março de 2011, a A. foi contratada pela R. para prestar serviços na área da cirurgia capilar e da estética corporal na clínica que a R. iria abrir na cidade do Porto, mediante o pagamento por esta da quantia de € 400,00 por cada dia em que prestasse a sua actividade” – a expressão prestar “serviços”, estando em discussão se o contrato é de “trabalho” ou de “prestação de serviço”, também contende directamente com o thema decidendum e, embora tenha um sentido comum e não seja decisiva para a qualificação, pode indiciar um compromisso com uma solução (como o revela a recorrente ao defender que no ponto 5. deveria ficar a constar que foi contratada para prestar “trabalho” – a fls. 206), pelo que se entende substituir a expressão “prestar serviços” por “prestar a sua actividade médica”.
Ponto 9 – “A Autora recebeu da Ré as quantias indicadas nos documentos de fls.14 a 23” – uma vez que este ponto da matéria de facto não revela os factos que os documentos comprovam, limitando-se a fazer uma remissão para os documentos (que não são factos mas meios de prova de factos), adita-se ao mesmo o que de relevante emerge dos documentos juntos a fls. 14 a 23 – que consubstanciam recibos “verdes” todos emitidos e subscritos pela A. –, os quais não foram impugnados e, por isso, fazem prova plena dos factos neles documentados (artigos 376.º do Código Civil). Atente-se em que os factos plenamente provados (vg. por prova documental com força probatória plena) que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito uma vez que, nos termos do artigo 663.º, n.º 2 do CPC, se aplicam ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607.º, n.º 3, por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento (de acordo com as regras dos artigos 362.º e ss. do Código Civil) ou confissão reduzida a escrito (equivalente ao artigo 659.º, n.º 3 do CPC revogado).
Ponto 20 – “A Autora solicitava o pagamento dos seu honorários mediante nota por si elaborada, passando recibos verdes, logo que os pagamentos dos seus honorários eram efectuados” – uma vez que este ponto da matéria de facto se reporta a duas realidade, entende-se conveniente, por um lado, subdividi-lo em dois factos (um referente às notas de honorários e o outro à emissão de recibos depois dos pagamentos efectuados) e, por outro lado, para uma mais cabal compreensão dos termos em que eram emitidas pela A. as notas de honorários, acrescentar ao primeiro de tais factos o que de relevante as notas de honorários constantes de fls, 50 a 59 documentam, transcrevendo parte do seu conteúdo, tendo em consideração a força probatória plena destes documentos no que diz respeito ao conteúdo que deles a A. fez constar (cfr. o artigo 376.º do CC) e acrescentando a matéria de facto no lugar próprio.
Ponto 21 – “No dia 10 de Fevereiro de 2012 (sexta-feira), a A. foi chamada pela Senhora D. H… que lhe comunicou, na copa, que estaria dispensada de voltar a trabalhar na Ré, com a informação de que seriam ordens superiores” – este ponto da matéria de facto mostra-se exarado em termos condicionais, o que é dúbio e nada adianta quanto ao que efectivamente a tricologista H…, comunicou à A. Uma vez que, por virtude da reapreciação da prova, ouvimos os depoimentos prestados, designadamente o da testemunha H… que confirmou ter comunicado à A. que estava dispensada pela R. a partir do dia 10 de Fevereiro de 2012 por incumbência do gerente da R. Sr. J… (a partir do minuto 17.45 do seu depoimento), entendemos que é possível clarificar o ponto da matéria de facto ora em análise alterando o modo dos verbos estar e ser do condicional para o pretérito imperfeito.
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3.4. Os factos a atender para a decisão jurídica do pleito, após a intervenção deste Tribunal da Relação, são, assim, os seguintes:
1. A A. é licenciada em Medicina.
2. eliminado.
3. eliminado.
4. eliminado.
5. Em Março de 2011, a A. foi contratada pela R. para prestar a sua actividade médica na área da cirurgia capilar e da estética corporal na clínica que a R. iria abrir na cidade do Porto, mediante o pagamento por esta da quantia de € 400,00 por cada dia em que prestasse a sua actividade.
6. Quando a clínica abriu, a mesma não possuía, desde logo, condições para o exercício da actividade da estética corporal, pelo que, a A. ficou a prestar apenas serviços na área dos transplantes capilares.
7. Durante seis meses a A. desempenhou funções nas instalações da R. em Lisboa até as instalações do Porto - sitas na …, nº. …, …, ….-… PORTO - estarem concluídas.
8. A A. realizou cirurgias capilares nos pacientes indicados pela Ré, nas instalações da Ré --bloco operatório, na cidade do Porto--com os materiais e utensílios cirúrgicos fornecidos pela Ré.
9. A Autora recebeu da Ré as quantias indicadas nos documentos de fls.14 a 23, a saber:
● em 2011.04.05 – a quantia ilíquida de € 4.800,00
– a quantia líquida de € 3.768,00
● em 2011.05.19 – a quantia ilíquida de € 6.800,00
– a quantia líquida de € 5.338,00
● em 2011.06.20 – a quantia ilíquida de € 8.800,00
– a quantia líquida de € 6.908,00
● em 2011.08.07 – a quantia ilíquida de € 7.200,00
– a quantia líquida de € 5.652,00
● em 2011.08.29 – a quantia ilíquida de € 8.000,00
– a quantia líquida de € 6.280,00
● em 2011.09.12 – a quantia ilíquida de € 7.200,00
– a quantia líquida de € 5.652,00
● em 2011.10.17 – a quantia ilíquida de € 5.200,00
– a quantia líquida de € 4.082,00
● em 2011.11.16 – a quantia ilíquida de € 6.400,00
– a quantia líquida de € 5.024,00
● em 2011.12.18 – a quantia ilíquida de € 7.200,00
– a quantia líquida de € 5.652,00
● em 2012.01.16 – a quantia ilíquida de € 6.800,00
– a quantia líquida de € 5.338,00
10. A A. devia avisar a Ré se, por qualquer motivo, não pudesse comparecer às cirurgias agendadas, a fim de serem reagendadas.
11. A A. foi informada que já estavam preenchidas as condições para a A. prestar serviços na área da estética corporal, conforme tinha sido, inicialmente, acordado entre a R. e a A. mas a mesma disse já não estar interessada nessa actividade.
12. A A. iniciava a sua prestação nas instalações da R. à hora marcada por esta com os seus clientes, variando a hora de entrada nessas instalações entre as 8 e as 9 horas da manhã, consoante a hora marcada com os clientes da R., e tinha um período de cerca de meia hora para almoço.
13. A A. saía das instalações da R. logo que as intervenções marcadas com os clientes da R. estivessem terminadas.
14. A A. tinha apenas que estar presente nas instalações da R. antes do cliente chegar e apenas, após o cliente sair, por uma questão de compromisso com os clientes da R., o que nem sempre aconteceu, pois, por algumas vezes, a A. saiu antes do cliente abandonar as instalações da R., sem dar qualquer justificação a ninguém.
15. Apesar de solicitado pelo Director Clínico, a A. recusou-se, sem qualquer oposição da R., a efectuar dois transplantes capilares a clientes desta última.
16. A A. informou a R., por diversas vezes, que não iria prestar serviço em determinados períodos, mesmo com intervenções cirúrgicas marcadas com clientes da R., o que obrigou esta última a alterar as operações já agendadas com os seus clientes.
17. A R. recebeu uma desistência de uma intervenção cirúrgica de um cliente, quando este já estava na sala de operações, em virtude desse cliente duvidar da capacidade da A. como médica para executar essa cirurgia.
18. Tendo serviço solicitado pelos seus clientes para todos os dias úteis dos meses em que a A. prestou a sua actividade, esta nem sempre a prestou nas instalações da R. em todos os dias úteis:
a) em 23 dias úteis do mês de Março de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 12 dias úteis;
b) em 19 dias úteis do mês de Abril de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 17 dias úteis;
c) em 19 dias úteis do mês de Junho de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 18 dias úteis;
d) em 21 dias úteis do mês de Julho de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 20 dias úteis;
e) em 22 dias úteis do mês de Agosto de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 18 dias úteis;
f) em 22 dias úteis do mês de Setembro de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 13 dias úteis;
g) em 20 dias úteis do mês de Outubro de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 16 dias úteis;
h) em 21 dias úteis do mês de Novembro de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 18 dias úteis;
i) em 20 dias úteis do mês de Dezembro de 2011, a A. prestou serviços à R. em apenas 17 dias úteis;
l) em 22 dias úteis do mês de Janeiro de 2012, a A. prestou serviços à R. em apenas 17 dias úteis;
m) em 8 dias úteis do mês de Fevereiro de 2012 (contados até ao dia 2012.02.10, data em que a R. dispensou os serviços da A.), a A. Prestou serviços à R. em apenas 5 dias úteis.
19. Em 231 dias possíveis, a A. só prestou serviços em 188 dias, não tendo comparecido em 43 desses dias.
20. A Autora solicitava o pagamento dos seus honorários mediante as notas de honorários constantes de fls. 50 a 59 por si elaboradas e das quais fez constar:
- no que respeita às notas relativas aos meses de Maio a Setembro de 2011, o seguinte entróito:
«No âmbito do contrato de prestação de serviços existente entre mim e a clínica C…, venho pela presente apresentar a relação dos dias efectivos de trabalho relativa ao mês de…»
- no que respeita às notas relativas aos meses de Outubro a Dezembro de 2011, o seguinte entróito:
«Venho pela presente apresentar a relação dos dias efectivos de trabalho relativa ao mês de…»
20. A. A A. passava recibos verdes, logo que, os pagamentos dos seus honorários eram efectuados.
21. No dia 10 de Fevereiro de 2012 (sexta-feira), a A. foi chamada pela Senhora D. H… que lhe comunicou, na copa, que estava dispensada de voltar a trabalhar na Ré, com a informação de que eram ordens superiores.
22. Quando no dia 13/02/2012 (segunda-feira) a A. se dirigiu ao seu local de trabalho, o acesso às instalações na Ré no Porto foram-lhe vedadas e a Senhora D. H… confirmou verbalmente a dispensa ocorrida na sexta-feira, perante duas pessoas que acompanharam a Autora.
23. A Cirurgia Estética nunca ficou em funcionamento.
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4. Fundamentação de direito
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A questão fundamental a analisar nos presentes autos consiste em saber se se estabeleceu entre as partes uma relação contratual de natureza laboral.
4.1. O contrato que integra a causa de pedir da presente acção foi celebrado em Março de 2011 e perdurou até Fevereiro de 2012, período de tempo em que estive ininterruptamente em vigor o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, cuja vigência remonta a 17 de Fevereiro de 2009, pelo que deverá o caso sub judice ser analisado à luz do respectivo regime jurídico.
A noção de contrato de trabalho constante do artigo 1152º do Código Civil - o contrato pelo qual uma “pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta” - coincide, no que diz respeito à sua essência, com a definição constante do artigo 11.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro – “é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”. Os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, em qualquer destes textos normativos, são: a prestação de actividade, a retribuição e a subordinação jurídica. Apesar de o artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009 ter deixado de fazer referência à “direcção” do empregador, a expressa menção da “autoridade” no mesmo contida inclui uma componente de direcção e uma componente disciplinar, não alterando o âmbito de aplicação da norma[7].
Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º do Código Civil) resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diferentemente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Através do critério do objecto do contrato, nem sempre constitui tarefa fácil a de distinguir o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço previsto no art. 1154º do Código Civil, na medida em que muitas vezes não se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou o seu resultado, pois que todo o trabalho conduz a um resultado e este não existe sem aquele[8].
Em última análise, o relacionamento entre as partes - a subordinação ou autonomia - é que permite caracterizar a “locatio operarum”, ou contrato de trabalho, e a “locatio operis”, ou contrato de prestação de serviço[9]. Esta característica fundamental do vínculo laboral implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
4.2. Como decorre do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, recai sobre o trabalhador que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos de tal figura contratual[10].
Existem muitas vezes dificuldades no juízo qualificativo, vg. em situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos para cuja execução é necessária a prestação da actividade intelectual ou manual de alguém.
Contudo, tendo em consideração que o contrato de trabalho é um negócio meramente consensual (artigo 110.º do Código do Trabalho de 2009), o que igualmente sucede com o contrato de prestação de serviço (art. 219º do CC), é possível alcançar a determinação da sua existência e dos seus contornos pelo comportamento das partes, pela análise da situação de facto[11], sendo comummente invocado nesta matéria o denominado “princípio da primazia da realidade”, segundo o qual “os contratos são o que são e não o que as partes dizem que são”[12].

Perante as dificuldades muitas vezes inerentes ao cabal cumprimento deste ónus, a jurisprudência que se firmou no âmbito do Decreto-Lei n.° 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT) passou a recorrer ao denominado “método indiciário”, lançando mão de vários índices – cuja verificação tinha igualmente de ser demonstrada por quem estava onerado com o ónus da prova do contrato – sobre os quais formulava um juízo global sobre a qualificação contratual, extraindo a conclusão pela autonomia na prestação do trabalho ou pela subordinação jurídica, a partir de factos índice essencialmente emergentes da fase de execução do contrato.
Como indícios negociais internos a captar apontam-se, geralmente, a vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo mesmo, a retribuição em função do tempo, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, o pagamento das férias, subsídios de férias e de Natal e a inserção na organização produtiva.
Como indícios externos do contrato, aponta-se a exclusividade do empregador, a inscrição, ou não, na Repartição de Finanças como trabalhador dependente, o tipo de recibos emitidos, o tipo de declaração de IRS, o registo na Segurança Social, com os respectivos descontos, no fundo a observância dos regimes fiscal e de segurança social, próprios dos trabalhadores por conta de outrem[13].
Estes indícios a ponderar têm um valor relativo se individualmente considerados[14] e têm sempre que reconduzir-se ao único critério incontroversamente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho, ou seja, a subordinação jurídica pressuposta na norma laboral definidora desta figura contratual.
4.3. A partir de 2003, e com o mesmo objectivo de obviar às dificuldades de prova dos elementos que preenchem a noção de contrato de trabalho, bem como de facilitar a operação qualificativa nas denominadas “zonas cinzentas” entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado e de contrariar a chamada “fuga ao direito do trabalho”, o artigo 12º do Código do Trabalho de 2003, na sua redacção inicial, estabeleceu uma “presunção” de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo dos requisitos nela enunciados.
Este preceito foi alterado pela Lei n.º 9/2006 – que lhe conferiu uma nova redacção, entrada em vigor em 25 de Março de 2006 –, passando a dispor que “[p]resume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”. Se a primeira redacção do preceito veio a revelar-se de uma extrema exigência e trouxe pouca utilidade à presunção de laboralidade ali estabelecida, também esta redacção se não furtou a críticas da doutrina, já que, afinal, os factos base da presunção coincidiam integralmente com os factos cuja conclusão se pretendia alcançar com a prova dos primeiros e ainda acrescentava mais alguns (a dependência do beneficiário da actividade e a inserção na estrutura organizativa deste)[15].
Actualmente, o Código do Trabalho de 2009 regressou a uma norma presuntiva com uma estrutura semelhante à redacção originária de 2003, mas aligeirando o esforço do trabalhador que não terá que provar cumulativamente os vários factos-base, mas apenas alguns, para que se possa aferir a existência dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho. O art. 12.º do Código do Trabalho prescreve agora que:
“1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)”
A lei selecciona presentemente um conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles bastará para a inferência da subordinação jurídica.
Como refere o Prof. Leal Amado, “[d]oravante, provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova do contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a actividade é realizada em local pertencente ao respectivo beneficiário e nos termos de uma horário determinado por este, ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da actividade, o qual paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção iuris tantum (artigo 350.º do Código Civil), nada impede o beneficiário da actividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho.”[16]
4.4. Procurando responder à questão de saber como interpretar e aplicar a presunção de laboralidade tal como se mostra configurada no Código do Trabalho de 2009, a jurisprudência não tem adoptado uma perspectiva uniforme.
Assim, o Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.07.10, admitindo que, para que opere a presunção da existência de contrato de trabalho, basta que se verifiquem duas das características elencadas no artigo 12.º, decidiu que a verificação de duas dessas características tem, apesar de tudo, de ser enquadrada num ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a qualificação do acordo entre a pessoa que presta a actividade e a que dele beneficia. Infere-se deste aresto que apenas em casos de dúvida na qualificação contratual, a dúvida pode e deve ser resolvida pela indagação das características enunciadas no artigo 12º nº 1 do Código do Trabalho, averiguando se opera a presunção de laboralidade. Segundo ali é dito: “[d]o nosso ponto de vista, a verificação de duas dessas características têm, apesar de tudo, de ser enquadrada num ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a qualificação. Só assim a presunção revestirá uma operação útil. Noutra perspectiva que parta do fim do percurso da indagação para o seu princípio, o resultado será afinal o mesmo, já que não se verificando aquele ambiente então terá de se considerar ilidida a presunção”[17].
Já o Acórdão da Relação de Lisboa de 2013.10.23, numa perspectiva um tanto distinta, discorreu nos seguintes termos:[18]
«Ainda assim, o texto não é o mais claro, permitindo a discussão sobre quantos indícios são necessários para obter o benefício da presunção.
De todo o modo, a mera existência de alguns indícios não prova por si a existência de contrato de trabalho, impondo-se um olhar global, uma apreciação conjunta no âmbito da relação em que se manifestam, e não meramente isolados.
Não tem, pois, sentido, a discussão em torno de saber se este ou aquele indício é suficiente para demonstrar a laboralidade do contrato. Não é um ou outro indicio que releva; é o conjunto. Porque, naturalmente, muitos casos há em que este ou aquele não relevam: por exemplo, a existência de actividades regulares só por si, porquanto os voluntários desempenham actividades nesses termos, em cumprimento de escalas. Ou o local de prestação da actividade e até o tempo, em casos em que só pode ser prestado nas instalações disponibilizadas pelo credor da prestação (imagine-se a actividade de monitor de natação, que dificilmente poderá actuar em local que não seja uma piscina, infra-estrutura que pela sua dimensão não é sua pertença, em horário definido amiúde pelo titular da piscina, tendo em conta as classes de frequentadores). E apesar do horário e local da actividade e da propriedade dos meios, nada impede que, ponderados os restantes elementos (p. ex. a inexistência de poder disciplinar ou a possibilidade de o monitor se fazer substituir por terceiro habilitado), se conclua que a presunção foi elidida e que se trata de uma prestação de serviços.»
Mais próxima desta segunda perspectiva, afirma Fernanda Campos, depois de referir ser necessária a verificação de duas características enunciadas no artigo 12.º do Código do Trabalho, e em resposta à questão de saber se bastará a prova dessas duas características para o trabalhador beneficiar da presunção referida na norma, com os inerentes efeitos em sede de inversão do ónus da prova: “[d]igamos que a actual redacção facilitará sobremaneira a qualificação do contrato de trabalho (ao mesmo tempo que agrava a punição da dissimulação), no entanto, com todo o respeito por diverso entendimento, atrevemo-nos a defender que não bastarão quaisquer dois requisitos legais para que se infira que o contrato presente é de trabalho. Dito de outro modo, julgamos que o intérprete não é dispensado de um trabalho interpretativo que, em cada caso, ache, de entre as características legalmente possíveis, as pertinentes à qualificação daquele contrato, como de trabalho”[19].
Embora reconhecendo as dúvidas e dificuldades de aplicação que podem suscitar-se em casos – de que o vertente é exemplo – em que se verificam duas das características enunciadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho que, nas circunstâncias da situação em concreto, têm um diminuto ou quase nulo valor qualificativo, entendemos que, estando prevista uma presunção legal de laboralidade, o aplicador do direito deve, num primeiro momento, lançar mão da norma presuntiva e verificar se a mesma se encontra preenchida, embora não esteja dispensado de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios em presença e verificar se, perante eles, o empregador fez prova de factos demonstrativos da autonomia do trabalhador na execução contratual e, assim, cumpriu o ónus prescrito no n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil.
4.5. Retornando ao caso sub judice, afigura-se-nos inequívoco que se verificam duas das características enunciadas nas alíneas a) e b) do artigo 12.º do Código do Trabalho.
Com efeito, na medida em que a A. desempenhou funções nas instalações da R. em Lisboa até as instalações do Porto estarem concluídas e, depois, realizou cirurgias capilares nos pacientes indicados pela Ré, nas instalações da Ré (factos 7. e 8.), realizou a actividade em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado e mostra-se preenchida a referida alínea a). Além disso, na medida em que a A. realizou cirurgias capilares aos pacientes indicados pela Ré, no bloco operatório, na cidade do Porto, com os materiais e utensílios cirúrgicos fornecidos pela Ré (facto 8.), mostra-se preenchida a subsequante alínea b).
Quanto às demais características, entendemos que as mesmas se não verificam, pois:
- quanto à alínea c) – que “o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma” – resulta provado que a A. observava as horas de início da prestação determinadas pelo beneficiário da mesma, mas nem este determinava as horas do fim da prestação nem, consequentemente, a A. as observava, como é exigido nesta alínea (vide os factos 12. e 13.);
- quanto à alínea d) – que seja “paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma” – resulta dos factos 9., 13. e 14. que não era a mesma paga com uma exacta periodicidade (era tendencialmente mensal, mas com variações importantes, podendo chegar a cerca de 1 mês e meio de intervalo entre uma e outra, ou quedar-se por cerca de 15 dias);
- quanto à alínea e) – que “o prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa” –, não resulta dos factos provados que a A. exercesse funções deste tipo ou, sequer, similares.
Resulta da lei que a base da presunção legal de laboralidade estabelecida no Código do Trabalho de 2009 é constituída pela verificação de, pelo menos, duas das características indicadas. Só assim a lei presume que haverá um contrato de trabalho e faz recair sobre a contraparte a prova do contrário[20].
Assim, o facto de se verificarem as duas referidas características faz, a nosso ver, operar a presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova – que incumbe ao autor demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) – este fica dispensado de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil) e passa a incumbir ao réu provar factos tendentes a elidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores de que as partes não celebraram um contrato de trabalho e se verifica uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
Mas, em face da já aludida dificuldade de prova de elementos que distingam um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviço, pois que o elemento distintivo fundamental exige uma avaliação cuidada do modo como o contrato é executado e é prestada a actividade (com, autonomia ou sob os poderes de direcção e disciplina do beneficiário da actividade), cremos que a tarefa do réu passa pela alegação e prova de factos que constituam um indício relevante e consistente da autonomia do trabalhador face ao beneficiário da actividade no desenvolvimento da sua actividade ao longo da execução contratual.
Na apreciação a efectuar, como já dito, mantém-se a exigência de o julgador interpretar a globalidade da factualidade apurada na operação de qualificação, embora com uma diferente perspectiva quanto ao ónus da prova pois que se trata, afinal, de verificar se se mostra elidida a presunção de laboralidade.
4.6. Partindo desta perspectiva, analisemos se no caso vertente a R. ora recorrida logrou fazer a prova do contrário do facto presumido, analisando para tanto a argumentação vertida pela recorrente na sua apelação.
A sentença recorrida, depois de tecer considerações sobre o regime legal aplicável e a fundamental distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, debruçando-se já sobre a factualidade apurada no caso concreto, concluiu que a Autora “não logrou provar factualidade donde resulte globalmente que se vinculou à Ré através de um contrato de trabalho” e que “os factos provados configuram, antes, um contrato de prestação de serviços, tal como a lei o define no art. 1154.° do Código Civil”. Realçou, também que “não nos podemos esquecer que estamos perante clínicas cujo objecto consiste na prestação de serviços médico, pelo que “não assume qualquer relevo, neste contexto, o facto de a Autora realizar cirurgias nas instalações da Ré, e utilizar o equipamento que esta disponibilizava, sendo certo que os pacientes só nesses locais poderiam ser encontrados, uma vez que só desta forma seria viável a prestação do médico quer mediante um contrato de trabalho quer através de um contrato de prestação de serviços”.
E afirmou, a final, que “mesmo que fosse aplicável o art. 12.° do CT12009, sempre se teria de considerar afastadas as presunções aí previstas, pois que foi feita a prova em contrário (cf. art. 350°, n.° 2, do CCivil)”.
A recorrente, por seu turno, alega que os elementos/indícios/características presentes na relação estabelecida entre a recorrente e a recorrida, e que não foram tomados em consideração na decisão ora posta em crise, apontam, claramente, no sentido da existência de um contrato de trabalho e não, como erroneamente, se sustentou na de um contrato de prestação de serviços. E enunciou serem os seguintes, tais elementos: 1. A existência de um período experimental; 2. A existência de um horário pré-determinado para a prestação do trabalho; 3. A existência dos poderes de direcção e disciplinar, e de subordinação jurídica; 4. A retribuição não ser variável; e, em último lugar, 5. Os instrumentos utilizados pela autora para prestar o trabalho serem propriedade da ré e a prestação do trabalho ter sido realizada num estabelecimento da ré.
Analisemos cada um deles.
No que diz respeito à existência de um período experimental, alega a recorrente que foi sujeita a um período experimental nas instalações da ré sitas na cidade de Lisboa, período inicial da execução do seu contrato de trabalho durante o qual aprendeu, acompanhou, coadjuvou e terminou várias intervenções cirúrgicas, exactamente por um período com a duração máxima fixada por lei para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação – alínea b) do n.º 1 do artigo 112º do CT – e conclui que o período experimental é apenas possível num contrato de trabalho e, como tal, constitui uma prova cabal, de que, in casu, estamos na presença de um contrato de trabalho e não de um contrato de prestação de serviços.
Deve começar por se dizer que a existência de um período experimental ora alegada pela recorrente, não foi aflorada na petição inicial, não foi abordada pelo tribunal recorrido, nem resulta de algum modo da matéria de facto provada, pelo que configura uma “questão nova” sobre a qual não poderá este Tribunal da Relação pronunciar-se[21].
Aliás, o ponto 7. da matéria de facto – do qual se retira uma razão para ter a A. iniciado a sua prestação nas instalações de Lisboa distinta da agora indicada pela recorrente – corresponde exactamente à alegação que a A. fez constar do artigo 3.º da petição inicial que apresentou nesta acção, mal se compreendendo que venha em sede de recurso pretender fundar nesta nova factualidade a existência de um contrato de trabalho. Ao invés do que alega na apelação, foi a própria A. que alegou que durante seis meses desempenhou funções nas instalações da R. em Lisboa até as instalações do Porto estarem concluídas (o que ficou reflectido no ponto 7. da matéria de facto), não fazendo qualquer referência ao período de formação e de aprendizagem de que agora pretende retirar a conclusão de que estamos na presença de um contrato de trabalho e não de um contrato de prestação de serviços.
Quanto ao horário de trabalho, alega a recorrente que cumpria efectivamente um horário de trabalho, todos os dias da semana, todas as semanas do mês, todos os meses do ano, durante o período de duração do contrato, à excepção de férias e dos dias em que faltou e que o horário se encontrava compreendido entre as 8:30 e as 17:30, podendo sofrer variações consoante as necessidades da clínica ou até da própria recorrente, sem que desse facto resultasse qualquer prejuízo para a recorrida, como era prática comum no seio da recorrida.
A este propósito, já depois da intervenção deste Tribunal da Relação em sede de impugnação da decisão de facto, ficou provada a seguinte factualidade:
“12. A A. iniciava a sua prestação nas instalações da R. à hora marcada por esta com os seus clientes, variando a hora de entrada nessas instalações entre as 8 e as 9 horas da manhã, consoante a hora marcada com os clientes da R., e tinha um período de cerca de meia hora para almoço.
13. A A. saía das instalações da R. logo que as intervenções marcadas com os clientes da R. estivessem terminadas.
14. A A. tinha apenas que estar presente nas instalações da R. antes do cliente chegar e apenas, após o cliente sair, por uma questão de compromisso com os clientes da R., o que nem sempre aconteceu, pois, por algumas vezes, a A. saiu antes do cliente abandonar as instalações da R., sem dar qualquer justificação a ninguém.”
Resulta destes factos que a A. iniciava a sua actividade profissional em benefício da R. à hora por esta marcada com os seus clientes, entre as 8 e as 9 horas da manhã, e que saía das instalações da R. logo que as intervenções marcadas com os clientes da R. estivessem terminadas, após o cliente sair.
Daqui resulta que a A. não tinha efectivamente qualquer poder de conformação do tempo em que exercia a sua actividade no que diz respeito ao início das intervenções. Tal início, indicado pela R. após as marcações que efectuava com os seus clientes, situava-se numa hora aproximadamente certa em cada dia, entre as 8 e as 9 horas da manhã.
Quanto ao termo dessa actividade, dependia ele, apenas, do tempo que demorassem as intervenções, não resultando dos factos provados que a A. se mantivesse disponível para prestar qualquer outra actividade que lhe fosse determinada até às 17 horas (como alegou na petição inicial) ou até às 17.30 horas (como alegou na apelação), como sucederia caso estivesse submetida a um horário de trabalho.
Com efeito, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 200.º do Código do Trabalho, “[e]ntende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”.
Assim, apesar de a A. não ser absolutamente livre de determinar os tempos em que exercia a sua actividade profissional em benefício da R., estando condicionada pelas horas por esta marcadas com os seus clientes, e, naturalmente, pelo tempo que demandava a execução das cirurgias capilares a fim de alcançar o tratamento pretendido pelo cliente quando recorria aos serviços da clínica – o que demonstra que a A. não tinha qualquer poder de conformação no que tange à hora de início da cirurgia – não pode dizer-se que a A. se encontrasse submetida a um “horário de trabalho” por não haver pré-determinação das horas do termo do período normal de trabalho diário.
No que diz respeito ao poder directivo e disciplinar, alega a recorrente que o trabalho subordinado é aquele que é realizado pelo trabalhador no seio de uma organização de trabalho alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios e que ela era a única médica a desempenhar funções na clínica da ré/recorrida no Porto e a mantê-la em funcionamento. Alega ainda que o poder de direcção pode ser aferido pelas ordens e instruções que o superior hierárquico, o Director Clínico, emitiu à recorrente, e que, pese embora a recusa parcial do seu cumprimento sob a égide da autonomia técnica, a verdade é que aquelas ordens e instruções foram efectivamente emitidas, sendo este um facto que não pode ser mascarado através da designação mais inócua de “solicitação”. Alega ainda que o não uso do poder disciplinar, sem que para ele houvesse qualquer fundamento, não pode ser utilizado como argumento para a aferição de que o contrato aqui em discussão é de prestação de serviços e não um contrato de trabalho e, quanto às faltas/ausências por si dadas, lembra que no âmbito de uma relação jurídica de trabalho subordinado, tem direito a 22 dias úteis de férias, e que pode ainda faltar justificadamente, sempre que tal ausência se enquadrar no conceito de falta justificada. E conclui que, ao recair sobre a recorrente a necessidade de justificar, perante a sua entidade empregadora, todas as suas faltas, estamos na presença de um contrato de trabalho e não perante uma prestação de serviços.
Ora, analisando a factualidade apurada, não podemos retirar estas conclusões.
É certo que, o facto de a recorrente desempenhar funções como médica a realizar cirurgias capilares nos pacientes indicados pela recorrida, nos blocos operatórios das instalações desta, e com os materiais e utensílios cirúrgicos da mesma, mediante prévio agendamento pela recorrida (factos 5., 7. e 8.), denota que a recorrente exercia a sua actividade inserida na organização da recorrida, o que aponta liminarmente para uma vinculação laboral.
Cremos contudo que o valor destes indícios se mostra esbatido pela circunstância de não poder compreender-se o exercício da actividade de uma médica que realiza cirurgias capilares – seja vinculada em termos de contrato de trabalho, seja vinculada em termos de contrato de prestação de serviço –, desenquadrada de uma organização de meios materiais e humanos que coordene os diversos profissionais em exercício e suporte toda a actividade médica, de enfermagem e de apoio administrativo necessária à organização e funcionamento da estrutura de uma clínica. Tendo em consideração que o tipo de actividade em causa não podia a mesma desenvolver-se fora deste enquadramento organizacional e sabido que o “momento organizatório”, por si só, carece de valor absoluto na identificação do contrato de trabalho, podendo um contrato de prestação de serviços harmonizar-se com uma certa inserção funcional dos resultados da actividade, acabando por representar uma certa forma de articulação da prestação de trabalho com a organização empresarial[22], os apontados dados de facto assumem uma menor relevância no sentido da indiciação da laboralidade do vínculo.
E a verdade é que a factualidade apurada muito pouco adianta quanto a verificar-se um exercício efectivo do poder de direcção com efectivas ordens e instruções do Director Clínico da R. à recorrente, ao invés do que parece entender a recorrente.
A este propósito, a única ordem ou instrução que ressalta da matéria de facto é a retratada no ponto 15., no qual ficou provado que o Director Clínico solicitou à A. que efectuasse dois transplantes capilares a clientes da Ré. E mesmo quanto a esta ordem, ficou provado que a recorrente se recusou a fazer esses transplantes e que a R. não se opôs a tal recusa.
O que, convenhamos, é manifestamente pouco para se concluir que a recorrente exerceu a sua actividade em benefício da R. de modo juridicamente subordinado, submetida aos poderes de direcção e disciplina da R.
Ora impunha-se à A. que pretende convencer da existência de um contrato de trabalho a alegação dos factos concretos que necessariamente consubstanciariam a existência de ordens e instruções (se eram genéricas ou específicas, se era obrigada a cumpri-las ou se tinha alguma margem de configuração da execução da sua actividade, se a R. a podia sancionar se as não cumprisse, etc.) e quem lhe dava ordens na organização da R. – para possibilitar ao tribunal um juízo seguro sobre o grau de ingerência da R. na conformação da sua actividade profissional e, consequentemente, para possibilitar a conclusão sobre se tal exercício era juridicamente subordinado ou autónomo.
Sem a necessária concretização, a existência desta ordem (ou solicitação, como lhe chamou o tribunal recorrido), só por si, não importa a conclusão de que existe subordinação jurídica, na medida em que aquela é compatível e própria do contrato de prestação de serviços, como resulta do disposto no art. 1161.º, al. a), conjugado com o art. 1156.º, ambos do Código Civil.
Ora, se há situações em que a vinculação laboral é clara e não justificam uma particular alegação a este propósito, é manifesto que estando a execução contratual revestida de contornos formais geralmente incompatíveis com a execução de um contrato de trabalho – como ocorre com a emissão de “recibos verdes” e com a própria emissão de notas de honorários em que a A. qualifica a relação como de prestação de serviços – se impunha à A., sobre quem recai em princípio o ónus de alegação e prova dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho e pretende convencer da sua existência (a fim de lhe serem reconhecidos os créditos que peticiona), um particular cuidado na alegação e prova dos factos indispensáveis à caracterização dos elementos constitutivos daquela figura contratual ou dos elementos que constituem índice da sua verificação, o que no caso em análise não se verificou.
Pelo que também daqui se não pode retirar qualquer contributo para concluir que se firmou um contrato de trabalho entre as partes.
Da matéria de facto não resulta que a actividade da recorrente era conformada segundo as ordens dadas pela ré, ou que esta dirigia e disciplinava no dia a dia a sua prestação, ou que de algum modo a R. fiscalizasse, quer a quantidade de intervenções médicas que a A. efectuava, quer a forma como o fazia.
Pelo contrário, o facto de a A. se ter recusado a efectuar os referidos transplantes – e, note-se, a matéria de facto não nos elucida por que razão o fez, vg. se tal recusa de cumprimento decorreu, ou não, sob a égide da autonomia técnica da A. (cfr. o artigo 116.º do Código do Trabalho) – e de a R. não se ter oposto a tal recusa, denota que a R. não conformava a actividade da A. e que esta não se submetia às ordens daquela, encontrando-se as partes no mesmo plano contratual (e não numa posição de supremacia de uma sobre a outra, como é próprio do contrato de trabalho)
Finalmente, e quanto ao não uso do poder disciplinar que cabe ao empregador no âmbito do contrato de trabalho (artigo 98.º do Código do Trabalho), é certo que, por si só, não poderia ser utilizado como argumento para a aferição de que o contrato aqui em discussão é de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, pois que, pura e simplesmente, poderia não haver razões justificativas do seu exercício. Simplesmente, no caso vertente está provado que a A. se recusou a efectuar dois transplantes capilares a clientes da R. apesar de lhe ter sido solicitado pelo respectivo Director Clínico, sem que tenha havido qualquer reacção da R. [o que seria incompreensível num contrato de trabalho em que constitui dever do contraente trabalhador o de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho nos termos do artigo 128.º, n.º 1, alínea e) do Código do Trabalho] e está provado que em 231 dias possíveis só prestou trabalho em 188 dias, não tendo comparecido em 43 desses dias e não resultando dos factos provados se tais ausências foram justificadas [sendo que no Código do Trabalho o artigo 128.º, n.º 1, alínea e) impõe ao trabalhador o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, podendo as faltas injustificadas em número inferior ao constatado constituir infracção disciplinar e fundar o próprio despedimento com justa causa nos termos do artigo 351.º, n.º 2, alínea g), do mesmo Código]. Ora, o não exercício do poder disciplinar nestas circunstâncias em que se verifica objectiva e repetidamente fundamento para o seu exercício pelo empregador, indicia que a relação contratual mantida o não comporta, ou seja, não reveste natureza laboral.
Vem a recorrente alegar, a este propósito, que no âmbito de uma relação jurídica de trabalho subordinado, tem direito a 22 dias úteis de férias, e que pode ainda faltar justificadamente, sempre que tal ausência se enquadrar no conceito de falta justificada, eventualmente para negar o relevo disciplinar daquelas condutas. Simplesmente constituindo a ausência ao serviço uma obrigação contratual não cumprida, incumbiria à recorrente alegar e provar que nos referidos 43 dias esteve em legítimo gozo de férias (marcadas nos termos dos artigos 241.º e ss.) ou que justificou as faltas dadas perante a beneficiária da sua actividade profissional (cfr. os artigos 253.º e 254.º do Código do Trabalho), caso esta actividade se enquadrasse no âmbito de um contrato de trabalho. Ora nada disto sucedeu, sendo certo que, por um lado, a alegação constante da petição inicial de que tem direito a férias não gozadas (artigo 42.º da petição inicial) não é conforme com esta alegação que vem, fazer na apelação e, por outro lado, os documentos juntos a fls. 116 e ss., por si só (e sem qualquer elemento coadjuvante comprovativo de que os mesmos foram entregues na R. com vista à justificação de ausências verificadas nos dias a que se reportam), não demonstram que a A. justificou perante a R. as ausências referidas nos pontos 18. e 19. da matéria de facto e, muito menos, que no âmbito das relações estabelecidas recaía sobre aquela recaía o dever de justificar as suas faltas perante a R. como alega a recorrente (conclusões xxxv e xxxvi)
Assim, é manifesto que a factualidade apurada denota que não estava presente na relação sub judice, nem o poder directivo, nem o poder disciplinar, não se encontrando provados quaisquer factos demonstrativos do exercício de tais poderes que caracterizam a autoridade patronal.
No que diz respeito à retribuição, a recorrente invoca que o facto de não ser fixo e constante o seu vencimento/retribuição não é sinónimo de um contrato de prestação de serviços pois a autora faltou (facto provado n.º 16), e, como tal, a sua retribuição teria, necessária e inelutavelmente, de variar, independentemente de se tratar de um contrato de prestação de serviços ou um contrato de trabalho.
Não pode deixar de se estranhar que a recorrente, depois de ter apelado para uma situação de férias ou de faltas justificadas a propósito das suas ausências, venha agora invocar o facto de ter faltado para justificar a variabilidade da sua retribuição.
De todo o modo, deve dizer-se que o que ficou apurado nos pontos 5. e 9. quanto à retribuição – que se convencionou no contrato o pagamento de € 400,00 por cada dia em que a recorrente prestasse a sua actividade, tendo a recorrida pago à recorrente os valores elencados na matéria de facto – não é, a nosso ver, decisivo quanto à qualificação contratual. Este elemento tem uma eficácia exígua para a delimitação do contrato de trabalho face ao contrato de prestação de serviços uma vez que a onerosidade é característica essencial da maior parte dos contratos, vg. daqueles que suscitam a intervenção judicial. De qualquer forma, o modo como é calculada a retribuição pode ser distinto no contrato de trabalho e no contrato de prestação de serviços por efectuado com base em critérios diferentes[23]: enquanto que no contrato de prestação de serviços a retribuição é calculada essencialmente em função do resultado atingido (p. ex. à peça, por doente ou por litígio), no contrato de trabalho a retribuição é calculada essencialmente tendo em consideração o tempo despendido.
No caso vertente, a retribuição foi fixada por cada dia de actividade (facto 5.), o que parece indicar uma indexação ao tempo de trabalho. Simplesmente, resulta do facto 9. que não era a mesma paga com uma exacta periodicidade (era tendencialmente mensal, mas com variações importantes, podendo chegar a cerca de 1 mês e meio de intervalo entre uma e outra, ou quedar-se por cerca de 15 dias). E, além disso, como se constata dos factos 13. e 14., o dia de actividade justificativo do pagamento do valor retributivo de € 400,00 findava logo que as intervenções marcadas com os clientes da R. estivessem terminadas, o que nos leva a configurar a retribuição devida como uma retribuição funcionalizada a um resultado: a realização dos transplantes capilares através das intervenções cirúrgicas designadas em cada dia, independentemente do tempo por que estas perduravam.
É assim de concluir que, apesar do escasso valor qualificativo da retribuição, no caso vertente os contornos que assumiu a estipulação e pagamento da mesma no tempo por que perdurou o contrato sub judice apontam mais para uma vinculação em termos de contrato de prestação de serviço.
Ainda neste segmento das conclusões que dedica à retribuição, a recorrente refere que efectuava notas de honorários e passava os respectivos recibos verdes, mas quanto a estes alega que nunca pôs em causa os procedimentos exigidos pela sua empregadora para o pagamento da sua retribuição.
Não resulta dos factos provados se a R. exigia o recibo verde como a recorrente agora vem alegar, ou se esta assim procedia motu próprio, sendo certo que dos recibos juntos aos autos se extrai que a A. se encontrava colectada e fazia os correspondentes descontos como médica prestadora de serviços, o que indicia a vinculação nestes termos, embora não de modo decisivo.
Já os termos em que a A. elaborava as notas de honorários que subscrevia e em que descritivamente referia os dias a pagar e o valor a receber, se nos afigura ter um assinalável valor revelador da vontade da A. quanto aos termos da vinculação contratual à R.. Com efeito, ficou provado que:
“20. A Autora solicitava o pagamento dos seus honorários mediante as notas de honorários constantes de fls. 50 a 59 por si elaboradas e das quais fez constar:
- no que respeita às notas relativas aos meses de Maio a Setembro de 2011, o seguinte entróito:
«No âmbito do contrato de prestação de serviços existente entre mim e a clínica C…, venho pela presente apresentar a relação dos dias efectivos de trabalho relativa ao mês de…»
- no que respeita às notas relativas aos meses de Outubro a Dezembro de 2011, o seguinte entróito:
«Venho pela presente apresentar a relação dos dias efectivos de trabalho relativa ao mês de…».”
Nunca a A. pôs em causa que tenha subscrito livremente tais notas de honorários, nem alegou na acção que as mesmas não correspondessem à sua vontade.
Cremos pois que o nomen iuris constante da maior parte das notas de honorários, todas elas elaboradas pela própria A., é fortemente revelador de que a vontade da A. era no sentido da vinculação em termos de contrato de prestação de serviço e de que a mesma perspectivava o contrato em vigor entre as partes como um contrato com tal natureza. Não se suscitam aqui as reservas com que geralmente são encarados os documentos contratuais denominados “contrato de prestação de serviço” que titulam muitas vezes verdadeiros contratos de trabalho, pois que em tais casos os documentos são elaborados no início da relação contratual e pelo empregador que, podendo usar em seu benefício a necessidade do trabalhador de contratar, nem sempre qualifica devidamente o convénio que dá ao trabalhador a subscrever. Ou seja, se a adopção deste nomen iuris é normalmente tida como um frágil indício, na medida em que, muitas vezes, o empregador tem o interesse em criar uma falsa aparência de autonomia – o que leva o aplicador do direito a questionar sempre a qualificação contratual das partes e a controlar se o tipo contratual celebrado corresponde ao contrato efectivamente executado –, no caso vertente afigura-se-nos que deve ser perspectivado como um relevante indício no sentido de que a A. perspectivava o tipo contratual efectivamente celebrado como um contrato de prestação de serviço, pois que se não vislumbra que a mesma pudesse ter um qualquer interesse em criar singularmente uma falsa aparência de autonomia. E, uma vez que as reais condições de execução do contrato não infirmam esta qualificação – pelo contrário – entendemos dever afirmar-se que a vontade da A. era no sentido de um contrato de prestação de serviço, apesar de em três meses a nota de honorários não qualificar o contrato no âmbito do qual a A. a emitia.
Não há qualquer óbice à vinculação das partes nestes termos, ao abrigo do princípio da liberdade contratual plasmado no artigo 405.º do Código Civil nos termos do qual “[d]entro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver” e nada indicia que as partes, na realidade, pretenderam a celebração de um contrato de trabalho, pelo que tudo aconselha a que se tome como relevante esta qualificação efectuada singularmente pela A. no decurso da execução das relações contratuais que firmou com a R. Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2002.01.09[24], “se é certo que o nomen iuris não vincula as partes e muito menos o tribunal e que é o conteúdo real das relações contratuais, tal como se mostra assumido pelas partes que importa apurar em última análise, não é menos verdade que não se pode retirar toda a relevância à qualificação atribuída aos contratos que as partes celebram, principalmente quando os contraentes são pessoas esclarecidas”.
Finalmente, a recorrente invoca como elementos/indícios/características presentes na relação estabelecida entre a recorrente e a recorrida, e que não foram tomados em consideração na decisão ora posta em crise, embora ressalve que os indícios/características, por si só, podem não ser decisivos para a qualificação de determinado contrato como sendo contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços, o facto de os instrumentos utilizados pela autora para prestar o trabalho serem propriedade da ré e de a prestação do trabalho ter sido realizada num estabelecimento da ré.
Ficou efectivamente provado que a A. realizava cirurgias capilares nos pacientes indicados pela Ré, nas instalações da Ré – bloco operatório, na cidade do Porto – com os materiais e utensílios cirúrgicos fornecidos pela Ré (facto 8.), o que, inclusivamente, levou a que se considerasse verificada a hipótese legal da presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho. Simplesmente, e como resulta do já dito, no contexto da concreta actividade exercida pela recorrente estas circunstâncias têm um diminuto valor qualificativo[25].
Acresce que nada se provou quanto à necessidade de justificação de faltas, ficando apenas demonstrado que a A. devia avisar a R. se, por qualquer motivo, não pudesse comparecer às cirurgias agendadas, a fim de serem reagendadas (facto 10.).
São, por seu turno, consonantes com a vinculação em termos de contrato de prestação de serviço outros factos apurados que surgem como coadjuvantes para se aferir do tipo de vínculo estabelecido entre as partes, como é o facto de a A. informar a R., por diversas vezes, que não iria prestar serviço em determinados períodos, mesmo com intervenções cirúrgicas marcadas com clientes da R., o que obrigava esta última a alterar as operações já agendadas com os seus clientes (facto 16.) e de em 231 dias em que havia serviço solicitado pelos clientes da R., a A. só ter prestado serviço em 188 dias, não tendo comparecido em 43 desses dias (factos 18. e 19.).
Finalmente, também se nos afigura expressivo para este efeito de caracterizar a autonomia da recorrente na execução do contrato o facto de se ter provado que, apesar de a A. ter sido contratada pela R. para prestar a sua actividade médica “na área da cirurgia capilar e da estética corporal” na clínica da R. no Porto, mediante o pagamento por esta da quantia de € 400,00 por cada dia em que prestasse a sua actividade (facto 5.) e de a A. ter ficado a prestar apenas serviços na área dos transplantes capilares quando a clínica abriu, porque esta não possuía, desde logo, condições para o exercício da actividade da estética corporal (facto 6.), a A. ter dito já não estar interessada nessa actividade quando foi informada de que já estavam preenchidas as condições para prestar serviços na área da estética corporal, conforme tinha sido, inicialmente, acordado entre as partes (facto 11.).
4.7. Em suma, em face da já referenciada natureza consensual dos tipos contratuais em presença e apreciando globalmente os indícios que emergem da relação contratual que se desenvolveu entre as partes, impõe-se concluir que os factos provados indiciam expressivamente que a recorrente exercia a sua actividade profissional em benefício da recorrida em regime de autonomia, podendo caracterizar-se a relação contratual estabelecida e executada como de prestação de serviço, tendo-se por elidida a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.
E, assim, porque o vínculo laboral por tempo indeterminado que a recorrente pretendia ver reconhecido através da presente acção constituía pressuposto necessário da procedência dos pedidos por si formulados, devem julgar-se improcedentes as conclusões da apelação relacionadas com a qualificação contratual e deverá manter-se o juízo decisório contido na sentença recorrida.
4.8. Ficando vencida no recurso que interpôs, incumbe à recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não se autonomizando as vertentes do recurso em que foi acolhida a sua pretensão, uma vez que a alteração verificada não teve qualquer influência no resultado final do mérito da acção.
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5. Decisão
Em face do exposto,
5.1. julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto deduzida e, em consequência, altera-se o ponto 12. da matéria de facto nos termos sobreditos;
5.2. eliminam-se, oficiosamente, os pontos 2., 3. e 4. da decisão de facto da 1.ª instância, alteram-se os pontos 5., 9., 20. e 21. da mesma matéria e acrescenta-se-lhe o ponto 20-A.;
5.3. decide-se, quanto ao mais, negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 19 de Maio de 2014
Maria José Costa Pinto
Fernanda Soares
Paula Leal de Carvalho
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[1] Preceitos a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] Em face do disposto nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, é o mesmo aplicável aos processos pendentes nos actos que se desenrolem a partir de 1 de Setembro de 2013. As alegações de recurso foram apresentadas em 9 de Setembro de 2013.
[3] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2010, pp. 158-159.
[4] Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.02.23, Processo n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 1985, p. 410, nota 1, e as obras aí citadas.
[6] Lançando mão da palavra do referido douto Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07, “pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo”.
[7] Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, no seu estudo “Delimitação do contrato de trabalho e presunção de laboralidade no novo Código do Trabalho – Breves Notas, in “Direito do Trabalho + Crise = Crise do Direito do Trabalho, Coimbra, 2011, pp. 275 e ss., João Leal Amado, in Contrato de trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 53 e Joana Nunes Vicente, “Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade”, in Código do Trabalho – A Revisão de 2009”, Coimbra, 2011, p. 59.
[8] Galvão Teles, Contratos Civis (in B.M.J. 63/165), Mário Pinto, Furtado Martins, e N Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, I, p 28.
[9] Galvão Teles, in ob. cit., p 166, Albino Mendes Baptista, in Jurisprudência do Trabalho Anotada, 3ª edição, pp. 21 e ss e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.04.06 (in B.M.J. 496/139), de 2002.01.09 (proferido na Rev. n.º 881/01 da 4ª Secção), de 2002.04.30 (proferido na Rev. n.º 4278/01 da 4ª Secção), de 2002.05.29 (proferido na Rev. n.º 2419/01 da 4ª Secção), de 2003.01.29 (proferido na Rev. n.º 3497/02 da 4ª Secção), de 2003.05.21 (proferido na Rev. n.º 191/03 da 4ª Secção), todos sumariados in www.stj.pt.
[10] Entre muitos outros, afirmou que incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.05.30, Recurso n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1- 4.ª Secção e de 2010.03.03, Recurso n.º 4390/06.3TTLSB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[11] Vide os Acs. do STJ de 90.9.26 (in A.D. 1990, p.1622), de 2005.02.23 (Revista n.º 2268/04), de 2007.05.02 (Rev. n.º 2567/06) e de 2008.01.16 (Rev. n.º 2713/07), todos da 4ª Secção). Repare-se que muitas vezes só mesmo pela execução efectiva do contrato é possível determinar a vontade das partes que o celebraram. Também no sentido de que prevalece a qualificação jurídica “dos factos efectivamente sucedidos” sobre a qualificação dos contratos escritos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.05.28 (Rev. n.º 3302/02 da 4ª Secção).
[12] Vide João Leal Amado, in estudo citado, p. 12.
[13] Vide o Ac. do STJ de 2003.03.27 (Revista n.º 4672/02, da 4.ª Secção).
[14] Nenhum deles é decisivo, e não é pelo número de indícios que se procede à qualificação, exigindo-se sempre um juízo de valoração relativamente ao tipo enunciado no art.º 10.º do Código do Trabalho de 2003.
[15] Vide João Leal Amado, O contrato de trabalho entre a presunção legal de laboralidade e o presumível desacerto legislativo, in Temas Laborais 2, Coimbra, 2007, pp. 9 e ss..
[16] In Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 79.
[17] Processo n.º 446/12.1TTCBR.C1, in www.colectaneadejuriprudencia.pt.
[18] Processo n.º 2906/09.2TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt.
[19] Em estudo publicado pela autora, Inspectora do Trabalho, denominado “Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade”, in Código do Trabalho, A revisão de 2009, Coimbra, 2011, pp. 90-91.
[20] Vide João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, p. 79, Pedro Romano Martinez, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 137, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 14.ª edição, p. 153 e o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.07.10.
[21] Como decorre do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil (correspondente ao artigo 676.º do CPC revogado), e constitui jurisprudência uniforme, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (vide, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2007.10.10, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 2008.12.04 Processo n.º 2507/08-3.ª Secção e de 2009.09.23, Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção, todos sumariados em www.stj.pt e o Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141).
[22] Vide o Acórdão da Relação do Porto de 2012.12.10, Processo n.º 643/09.7TTVNG.P1, relatado pela ora relatora e citando Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 148.
[23] Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Coimbra, 2006, pp. 23-24.
[24] Processo n.º 01S881, in www.dgsi.pt.
[25] Vide, acolhendo a perspectiva de que no caso de uma médica dentista não é decisivo que a mesma utilizasse, na sua actividade, os consumíveis necessários fornecidos pela Ré, bem como a farda instituída pela Ré, fazendo-o dentro das instalações desta, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.02.09, Processo n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.. Segundo aí se discorreu, “estamos perante um caso de uma clínica dentária, devidamente apetrechada para o curial atendimento aos doentes, sendo, no mínimo, caricato que aquela obrigasse os médicos dentistas a trazer o que quer que fosse de sua propriedade, arcando com custos injustificáveis, do estrito ponto de vista do prestador da actividade, e sendo o mais normal que as consultas tivessem lugar dentro das suas instalações e utilizando todo o seu equipamento e consumíveis”.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Perante a presunção legal de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, o aplicador do direito deve, num primeiro momento, lançar mão da norma presuntiva e verificar se a mesma se encontra preenchida, para o que é suficiente a verificação de duas das características nela enunciadas.
II – Ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova, o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, por isso, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se afirma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos.
III – Mas o julgador não está dispensado de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios em presença e verificar se, perante eles, o empregador fez prova de factos demonstrativos da autonomia do trabalhador na execução contratual e, assim, cumpriu o ónus prescrito no n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil
IV – A tarefa do empregador passa pela alegação e prova de indícios consistentes e relevantes da autonomia do trabalhador na execução contratual.

Maria José Costa Pinto