Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
189/12.6TELSB-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
SUSPENSÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
DOENÇA GRAVE
Nº do Documento: RP20160113189/12.6TELSB-D.P1
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 980, FLS.3-16)
Área Temática: .
Sumário: Doença grave, para os fins do art.º 211º1 do CPP, é aquela que é irreversível, põe em risco a vida do arguido e não pode ser tratada no EP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 189/12.6TELSB-D.P1
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Acórdão no Tribunal da Relação do Porto

O arguido B… foi submetido a interrogatório judicial e, na sequência, por despacho de 10 de Maio de 2015, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva porque, com base nos meios de prova que foram indicados, há “fortes indícios (…) da prática do crime de associação criminosa p. e p. pelo art.º 299º do C. Penal, bem como em co-autoria a prática do crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo art.º 104º, n.º 1, als. a), d), e), f) e g), e n.º 2, als. a) e b), e n.º 3 do RGIT (…) e a co-autoria do crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art.º 368º-A do C. Penal”.

O arguido interpôs recurso da decisão que lhe aplicou a medida de coacção referida, o qual foi julgado improcedente por acórdão desta Relação de 28/10/2015.

Em 2 de Junho de 2015 o arguido requereu a suspensão da prisão preventiva alegando padecer de graves problemas de saúde, resultado de AVC hemorrágico, que deixou sequelas irreversíveis, tais como epilepsia vascular, mialgia, hemiparesia esquerda e stress emocional, sofrendo de hipertensão arterial e obesidade.
Carece do auxílio de terceira pessoa para cumprir necessidades básicas essenciais.

O Tribunal a quo solicitou aos serviços clínicos e aos serviços de reinserção social, ambos junto do EP, a elaboração de parecer médico pormenorizado relativo ao estado de saúde do arguido, tendo sido obtidas as seguintes respostas:
I – Serviços Clínicos
A)
Em resposta à solicitação do Mm.° Juiz do Tribunal da Comarca do Porto, Instr. Central - 1a Sec. Ins. Criminal - J14, referente à Ação de Processo 189/12.6TELSB, referência 353493559, datado de 12/06/2015, cumpre-me informar que:
1. O Sr. B… entrou no EP, PJ Porto, a 10/5/2015, tendo sido observado em consulta de admissão a 11/5/2015.
2. Apresenta como antecedentes clínicos um Acidente Vascular Cerebral em 2002, do qual resultou epilepsia vascular e hemiparésia esquerda, com limitação funcional associada (Escala Norton=16), necessitando de auxílio de canadiana na deambulação e auxílio de 3a pessoa nos cuidados de higiene. Apresenta ainda outros antecedentes patológicos, nomeadamente, Hipertensão Arterial, Dislipidemia, Hiperuricemia e Obesidade, necessitando de acompanhamento médico e terapêutica farmacológica de forma crónica.
3. Uma informação clínica mais pormenorizada, nomeadamente no que concerne à história médica deste utente prévia à sua detenção preventiva neste EP, deverá ser averiguada junto do Médico Assistente do Sr. B….
B)
Em resposta à solicitação do Mm.° Juiz do Tribunal da Comarca do Porto, Instr. Central - 1a Sec. Ins. Criminal - J4, referente à Ação de Processo 189/12.6TELSB, referência 355163733, datado de 17/07/2015, cumpre-me informar que após consulta do processo clínico e observação do doente, concluo o seguinte:
A - O Sr. B… entrou no EP PJ Porto, a 10/5/2015, tendo sido observado em consulta de admissão a 11/5/2015 pela Dr.ª C… e novamente no presente dia por mim. Não tendo termo de comparação por ser a primeira vez que observo este doente, baseando-me nos registos existentes e na observação actual, concluo que a sua situação clínica é estável.
B - O Sr. B… apresenta como antecedentes clínicos um Acidente Vascular Cerebral em 2002, do qual resultou epilepsia vascular e hemiparésia esquerda, com limitação funcional associada (Escala Norton=16), necessitando de auxílio de 3a pessoa nos cuidados de higiene. Apresenta ainda outros antecedentes patológicos, nomeadamente, Hipertensão Arterial, Dislipidemia, Hiperuricemia e Obesidade, necessitando de acompanhamento médico regular e terapêutica farmacológica crónica.
C - Tendo sido questionado sobre se a manutenção da prisão preventiva acarreta perigo para a vida do arguido e/ou se ele necessita de internamento hospitalar, tenho a informar que não me compete pronunciar sobre as condições de salubridade deste Estabelecimento Prisional (EP). Do ponto de vista clínico, o Sr. B… encontra-se estável (conforme supracitado). Neste E.P. o doente toma regularmente a medicação crónica instituída pelo Neurologista que o acompanha e tem a possibilidade de seguimento regular em consulta de Clínica Geral no próprio estabelecimento bem como em consulta Hospitalar. Na eventualidade de necessitar de tratamento médico urgente, existe a possibilidade de deslocação ao Serviço de Urgência do Hospital de …. Por outro lado, tendo em conta a existência de Estabelecimentos Prisionais com enfermaria e serviço médico permanente, poderá assim assegurar-se a prestação de cuidados adequados ao Sr. B…, caso no futuro a sua situação clínica assim o determine.
D - Não obstante, tendo em conta as sequelas do AVC, sou da opinião de que o Sr. B… poderia beneficiar com a realização de tratamentos de reabilitação com periodicidade regular, o que presumo ser mais fácil estando no domicílio.

II- Serviços de reinserção social
No estabelecimento prisional o arguido mantém o suporte farmacológico prescrito e o acompanhamento clínico de que necessita.
Contudo, face à limitação funcional e de mobilidade que apresenta com incapacidade para realização de determinados comportamentos diários de higiene, o arguido carece do apoio de terceira pessoa, designadamente, de auxiliar de acção médica ou equiparado, Categoria funcional que não existe no EPPJP.
A necessidade do arguido está a ser resolvida por D…, co-arguido, que coabita no mesmo espaço celular, e que voluntariamente tem manifestado uma postura de suporte e de apoio que o arguido referencia como surpreendente e espectacular, pela solidariedade e lhe permitir bem-estar.

A fls. 5100, em 30 de Julho de 2015, foi determinado se notificasse o arguido para, no prazo de 5 dias, se pronunciar por escrito relativamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva.
Apesar disso, sem que o arguido tenha respondido e sem que houvesse decorrido o prazo concedido, o Sr. JIC lavrou o seguinte despacho:
“Por imperativo legal (art.º 213 n.º 1 alínea a) do CPP, revisto), impõe-se o reexame dos pressupostos da prisão preventiva de três em três meses.
Atentos os elementos constantes dos autos, não considero necessário ouvir o/s arguido/s (art. 213-3 do C.P.P.).
Isto porque a investigação tem seguido o seu curso, sendo que não se encontram alterados os pressupostos que estiveram na base da decretação da medida imposta ao/s arguido/s.
Por outro lado e nos termos do art. 212 do CPP, o arguido pode a qualquer altura pedir a revisão da medida a que se encontram sujeitos, não o tendo feito agora (à excepção do arguido B… a quem á frente nos referiremos).
A revisão dos pressupostos a que alude o art. 213º do CPP é automática, decorre da Lei e destina-se a assegurar um controlo formal dos autos na medida em que foi ordenada a privação de liberdade de alguém.
Como se refere no AC. da RP, datado de 21/06/06, «o juiz não tem de explicitar as razões por que entendeu não ser necessário ouvir o arguido antes do reexame dos pressupostos da prisão preventiva».
Com efeito, como é referido no Acórdão acima citado, «o art. 213º, ao acentuar a oficiosidade e ao instituir a obrigatoriedade de reexame, com uma periodicidade trimestral, pelo juiz, dos pressupostos da prisão preventiva, impondo um controlo jurisdicional, especialmente aturado das exigências dessa medida em cada momento, atento o seu carácter de medida de coacção extrema (Gil Moreira dos Santos, O Direito Processual Penal, Edições Asa, 2002, p. 301), assume, claramente, uma finalidade de reforço das garantias de defesa do arguido, visa evitar a manutenção da privação da liberdade do arguido, por inércia, nomeadamente, do próprio arguido, não obstante o mecanismo de controlo constituído e garantido pelo art. 212º».
Pelas mesmas razões não se torna necessário, neste momento, mandar proceder à elaboração de relatório social, dependendo este acto de critérios de oportunidade do Juiz, pois não se mostrando verificados os pressupostos para a alteração da medida de coacção, está implícita a desnecessidade de relatório social. A sua realização, face à ausência dos pressupostos para a alteração da medida de coacção de prisão preventiva, constituiria um acto desnecessário e, consequentemente, inútil e proibido por Lei.
Mantêm-se inalterados os fundamentos de facto e de direito que levaram à prisão preventiva do/s arguido/s.
Não se mostram excedidos os prazos de prisão preventiva aludidos no art.º 215 do CPP.
Assim por subsistência daqueles pressupostos, dando aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos as razões enunciadas na douta promoção que antecede, e nos termos do art. 213, n.º 1 do CPP, determino que o/s arguido/s se mantenha/m a aguardar os ulteriores termos do processo na situação coactiva em que se encontra/m”.

No mesmo despacho, indefere o Sr. JIC a requerida suspensão da execução da prisão preventiva, nos termos seguintes:
“(…)
Vem o arguido B…, a fls. 5096/98, requerer alteração do seu estatuto coactivo, invocando razões de saúde.
O M.º P.º, titular do inquérito, pronunciou-se no sentido de ser mantida a medida aplicada.
Não se alterou, desde a prolação do despacho que decretou a medida inicial, qualquer dos pressupostos que esteve na base da sua aplicação, tendo sido consideradas as razões agora aduzidas, concretamente o problema da obesidade.
No relatório médico a que o arguido se refere no requerimento indicado, não se diz que aquele não possa ser tratado e acompanhado pelos serviços médicos do estabelecimento prisional; refere-se apenas, como é óbvio, que o tratamento será mais fácil a partir do domicílio.
Assim por subsistência daqueles pressupostos, dando como reproduzidas as razões acima referidas, determino que o arguido se mantenha a aguardar os ulteriores termos do processo na situação coactiva, em que se encontra”.

Não conformado, o arguido B... interpõe recurso e, da sua motivação, extraiu longas 89 (!!!) conclusões, que se transcrevem:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Senhor Juiz da 1ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central do Porto, em 5 de Agosto de 2015, a fls. 5118 e 5119, a propósito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva do Recorrente, considerou manterem-se inalterados os fundamentos da medida de coacção.
2. O despacho não só padece dos mesmos vícios que inquinam a aplicação da medida de prisão preventiva ao Recorrente, como se insere num processo que faz tábua rasa dos direitos fundamentais e garantias processuais do arguido.
3. De facto, em 31 de Julho de 2015, o Recorrente foi notificado para, em cinco dias, querendo, se pronunciar nos termos do artigo 213º, n.º 3 do CPP (fls 5100).
4. Assim, o Sr. Juiz a quo entendeu ser necessária a audição escrita do arguido para a decisão do reexame da medida de coacção a que se encontrava sujeito.
5. Sucede que, estranhamente, durante o decurso do prazo que lhe foi concedido para se pronunciar, em 6 de Agosto de 2015, o Recorrente foi notificado do despacho agora recorrido, que determinou que aguardasse os termos ulteriores do processo com a medida de coacção aplicada, ou seja, em prisão preventiva.
6. De forma absolutamente antagónica com o anterior despacho, afirma que «atentos os elementos constantes dos autos, não considero necessário ouvir os arguidos (art.º 213º-3 do CPP) (fls. 5118).
7. Pois bem, a tramitação exposta é manifestamente reveladora do zelo e diligência com que o processo tem sido conduzido, bem como da consideração dos direitos fundamentais do arguido, que, nos termos do art.º 32º da CRP, se presume inocente até ao trânsito em julgado de sentença de condenação.
8. Ao notificar o Recorrente para se pronunciar e entretanto proferindo despacho, o distinto Juiz da 1ª Instância agiu à revelia e em plena contradição com o que inicialmente havia determinado, in casu, estando o Recorrente em prazo para se pronunciar, ficou impossibilitado de exercer o direito que lhe havia sido concedido.
9. Com a prolação de tal despacho, foi violado o direito de audição e contraditório, inerente ao estatuto processual do Impetrante.
10. Depois, uma vez que «a audição do arguido (…), antes de ser proferido o despacho de reexame dos pressupostos da prisão preventiva, ao abrigo do disposto no art.º 213º do CPP, não é obrigatória» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Setembro de 2006, em www.dgsi.pt.
11. Sucede que, in casu, e ao contrário do que consta do despacho in questio, o Tribunal não optou, simplesmente, por não ouvir o arguido.
12. Ao invés disso, primeiro convidou-se o Recorrente a pronunciar-se, e, depois, à sua revelia, decidiu pela manutenção dos pressupostos da prisão preventiva!
13. A descrita tramitação dos autos incorre em violação directa do disposto no n.º 1 do artigo 32º da CRP, que estatui que «o processo criminal assegura todas assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».
14. Também, decorreu com manifesta violação dos direitos do arguido, mormente o seu direito de audição, consagrado no art.º 61º, n.º1, b) do CPP.
15. Sendo notificado da manutenção da prisão preventiva, durante o prazo que lhe foi concedido para o efeito, o Recorrente ficou privado de qualquer contraditório que (inicialmente) lhe havia sido permitido.
16. Ainda que o Recorrente tenha tido conhecimento dos factos e circunstâncias existentes aquando da aplicação da medida de preventiva, não se pronunciou sobre os mesmos, situação que, com a solicitação lhe foi feita, podia ter revertido,
17. Note-se, seria compreensível que, tendo o Recorrente prestado declarações no momento da imposição da medida de coacção, a sua audição fosse considerada desnecessária aquando do reexame - Nesse sentido, é unânime a jurisprudência (por exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Dezembro de 2012 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Abril de 2009, ambos em www.dgsi.pt.
18. Porém, uma vez que o Recorrente não prestou declarações no seu primeiro interrogatório judicial, equacionava a hipótese de prestar declarações, mormente sobre os factos pelos quais está indiciado, qual o seu nível de envolvimento dos mesmos, bem como quaisquer circunstâncias que pudessem relevar para a determinação da sua responsabilidade criminal.
19. Mais, consta dos autos um requerimento efectuado pelo Recorrente, solicitando a suspensão da prisão e preventiva e a sua substituição por prisão domiciliária.
20. Tal solicitação requeria uma decisão urgente, a qual foi sucessivamente adiada para que o Tribunal pudesse obter diversos relatórios médicos e informações sociais.
21. Efectuados vários requerimentos com pedidos de urgência para a decisão da suspensão da prisão preventiva, o arguido tinha a legítima expectativa de que, a qualquer momento, pudesse vir a ser proferida uma decisão a esse respeito, o que não sucedeu, pelo menos antes da decisão do reexame da medida de coação (os despachos são contemporâneos).
22. Ora, uma vez que o Recorrente dispunha de cinco dias para se pronunciar, tanto o podia fazer no primeiro como no último desses dias, levando em conta quaisquer despachos que eventualmente pudessem surgir.
23. Quando optou por permitir a audição do Recorrente, o Tribunal “a quo” vinculou-se à sua audição, e a sua preterição violou os seus direitos e interesses processuais.
24. Mais, como bem entendeu o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 7 de Julho de 2010, disponível em www.dgsi.pt “no reexame dos pressupostos da prisão preventiva, o que importa são circunstâncias que atenuem as exigências cautelares que justificaram a imposição originária da medida de coacção”.
25. Ora, no entender do Recorrente, é censurável a conduta do Ilustre Magistrado Judicial a quo, que entre a (in)decisão de audição do arguido, entendeu também ser desnecessário proceder à elaboração de relatório social» porquanto entendeu ser um acto desnecessário e inútil.
26. Com efeito, ao arrepio da presunção de inocência ínsita no n.° 2 do artigo 32.° da CRP, o Tribunal não indagou sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido, que poderia confirmar a sua reforma por invalidez e a sua periclitante situação de saúde.
27. Também, e sem prejuízo dos diversos relatórios médicos juntos aos autos, referentes ao estado de saúde do arguido, não se dignou averiguar sobre qualquer atenuante ou mudança de paradigma nos pressupostos da medida de coacção,
28. Considerando quer a dimensão do processo, quer o facto de o Recorrente nunca ter sido alvo de qualquer medida de coacção, bem como ao já peticionado pedido de caracterização do processo como de especial complexidade e à própria gravidade da medida de coacção aplicada, afigura-se desajustado preterir do referido relatório social
29. Também, embora se saiba que inexiste obstáculo a que a motivação do despacho de reexame obrigatório da prisão preventiva (….) seja efectuada mediante remissão, nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Junho de 2011, em www.dgsi.pt, entende-se ser de destacar as palavras proferidas no mesmo Aresto, onde também se decidiu que, apesar da “admissibilidade da fundamentação decisória por remissão”, “muitas vezes é necessário que se estabeleça um dever de motivação reforçado, mormente quando em causa a privação da liberdade”
30. Particularmente, quando a decisão for “susceptível de, legitimamente, criar a dúvida sobre se a ordem de prisão é uma decisão pessoal do juiz ou apenas um “ir atrás” do Ministério Público” (Acórdão n.° 189/99 do Tribunal Constitucional).
31. Nos autos existe apenas uma remissão e genérica para o despacho que inicialmente fixou a privação da liberdade cautelar do Recorrente, ficando dúvidas sobre a solidez da sua fundamentação.
32. Note-se que o despacho recorrido é profundamente lacunoso ao expor ao Recorrente o desenrolar do processo nos últimos três meses, limitando-se a afirmar que “a investigação tem seguido o seu curso”.
33. Decorridos três meses desde a prisão preventiva do Recorrente, não foi produzida no processo nova prova relativa aos crimes pelos quais o Arguido está indiciado, nomeadamente, o crime de associação criminosa, p. e p. pelo art° 299.° do Código Penal, a co-autoria do crime de fraude p, e p. art° 104.°, n.° 1, als. a), d), e), f) e g), n.º 2, als. a) e b) e n.° 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias e, também, em co-autoria, crime de branqueamento, p. e p. pelo art° 268.°-A do Código Penal.
34. O Tribunal a quo ignorou, de forma grosseira, toda a prova entretanto junta aos autos pelo Recorrente, nomeadamente os relatórios médicos comprovativos do seu grave estado de saúde, os quais são suficientes para que fosse determinada a suspensão da prisão preventiva, nos termos do artigo 211° do CPP.
35. Como consta dos autos, aquando da detenção do Recorrente no âmbito do presente processo, no pretérito dia 6 de Maio de 2015, foi necessária a intervenção do INEM, em virtude do seu histórico clínico e mau estar, o qual foi manifestado junto dos Senhores Inspectores da P J,
36. Assim, o Impetrante foi transportado para o Hospital de … onde se encontrou em observação durante horas.
37. Face ao seu «histórico clínico» aquando da aplicação da prisão preventiva, em 10 de Maio de 2015, o Recorrente propugnou peia inadequação da medida ao seu estado de saúde.
38. Todavia, foi entendimento da Senhora Juiz de instrução Criminal que (…) a alegada situação clínica deste arguido, apesar dos documentos juntos aos autos, não se mostra ainda comprovada. Na verdade, da análise daqueles documentos apenas se pode inferir um breve episódio de urgência que culminou com a alta ao fim de poucas horas”, ou seja, considerou não existirem provas justificativas da debilidade grave do arguido que impediam a sua prisão preventiva.
39. Ainda que o despacho seja relativamente assertivo atendendo à documentação então existente nos autos, certo é que, entretanto, o Recorrente tratou de trazer aos autos provas concretas e inequívocas do seu grave estado de saúde e consequente necessidade da prisão preventiva ser substituída pela prisão domiciliária.
40. Contudo, e numa persistente atitude de desconsideração dos direitos e garantias do arguido, a 1a instância fez tábua rasa dos mesmos.
41. Com a prova documental agora existente tornam-se absurdas e desprovidas de fundamento as afirmações efectuadas pelo Tribunal a quo aquando da aplicação da medida de coacção, uma vez que aí referiu que os problemas de saúde do arguido se limitavam a “...um breve episódio de urgência de culminou com alta ao fim de poucas horas”.
42. Igual censura é devida ao despacho que procedeu ao reexame da medida de coacção, uma vez que» de forma absolutamente alheia aos relatórios constantes dos autos, entendeu que “Não se alterou desde a prolação do despacho que decretou a medida inicial, qualquer dos pressupostos que esteve na base da sua aplicação, tendo sido consideradas as razões agora aduzidas, concretamente o problema de obesidade”.
43. Com efeito, comprovadamente, o Sr. B… padece de:
Epilepsia vascular: doença que se caracteriza por ataques súbitos e transitórios de disfunção cerebral, que se manifestam através de episódios de perda de consciência, acompanhada por acessos compulsivos ou outras formas de crise, com tendência para se repetirem constantemente. Originada num acidente vascular cerebral registado peto Recorrente em 2002, impede a correcta circulação do sangue e origina convulsões recidivantes que originam sensações anormais, movimentos ou alucinações psíquicas;
Mialgia: dores musculares em qualquer parte do corpo, que surgem devido à tensão muscular, que inclui limitação de movimentos nos membros associados (in casu pernas e braços), inflamação de tendões e dores de cabeça;
Hemiparesia esquerda: paralisia parcial do lado esquerdo do corpo;
Stress emocional: surge devido a problemas do foro emotivo, manifestando-se através de dores de cabeça, cansaço, tristeza, insónias, diarreias ou prisão de ventre, entre outros;
Hipertensão arterial: é uma doença crónica por elevados níveis da pressão sanguínea nas artérias, provocando maior esforço cardíaco para fazer circular o sangue através dos vasos sanguíneos;
Dislipidémia: distúrbio nos níveis de lípidos ou lipoproteínas no sangue que agravam a hipertensão arterial e outras doenças cardiovasculares;
Obesidade: excesso de peso, caracterizado por massa de tecido adiposo superior a 20% no peso indivíduo;
Hiperuricemia: níveis elevados de ácido úrico no sangue que originam dores nas articulações, cálculos renais e podem degenerar em insuficiência renal aguda.
44. A hipertensão arterial, a dislipidémia mista e a hiperuricemia encontram-se sinalizadas no relatório médico do Centro Hospitalar… subscrito peia médica que regularmente acompanha o arguido, Dr.ª E…, e confirmado pelo Chefe do Serviço, Dr. F… (Médicos especialistas em Medicina interna), junto aos autos pelo Recorrente com o requerimento de suspensão da prisão preventiva.
45. Em 13 de Maio de 2015 o médico de família do Arguido, Dr. G…, da USF Saúde no Futuro (Centro de Saúde…) descreveu o quadro actual do Impetrante com limitações físicas funcionais severas, a ponto de o impedir “(…) de realizar as tarefas mais básicas como higiene pessoal, necessitando de apoio permanente de terceira pessoa para esse objectivo”.
46. Acrescentando que o Arguido sofre de “hipertensão arterial com necessidade de cuidados alimentares específicos”, e padece de “síndrome depressivo com marcada labilidade emocional associada a distúrbio ansioso”.
47. Findando, refere que se verificam “marcadas mialgias (dores musculares) extremamente incapacitantes em consequência da miólise crónica provocada pelo antiepiléptico hidantina (destruição muscular confirmada analiticamente por elevação de CPK. Está habitualmente medicado com Sivastatina/Ezetimibe 10/20, Bisoprolol 5, Alopurinol 100, Levetiracetam 1000, Valproato de sódio, Sertralina, Ramipril/HCTZ 5/25, Cloxazolam 2”.
48. No mesmo sentido, pode ler-se no atestado do referido médico de família, emitido em 23 de Junho de 2014, no qual é evidenciado que o Arguido “ (...) teve um Acidente Vascular Cerebral em 2002, tendo ficado sequelas de epilepsia vascular e hemiparesia esquerda, com limitação funcional associada. Padece de hipertensão Arterial, Dislipidémia, Hiperuricemia medicadas e obesidade.”
49. Reiterando o teor daquele atestado, em 13 de Maio de 2015, o mesmo clínico emitiu um Relatório clínico, no qual específica o quadro patológico do Recorrente, concretamente:
• Epilepsia Vascular após AVC hemorrágico em 2002 com necessidade de correcção cirúrgica, seguindo habitualmente desde então na Consulta de Neurologia do Centro Hospitalar de …. Para além da Epilepsia, o utente ficou com sequela permanente de hemiparesia com esquerda com marcada limitação funcional, necessitando de apoio permanente de terceira pessoa para esse objectivo.
• Hipertensão arterial com necessidade de cuidados alimentares específicos.
• Dislipidémia medicada com Estalina/Ezetimibe e igualmente com cuidados alimentares específicos
• Síndrome depressivo com marcada labilidade emocional associada a distúrbio ansioso, medicado com sertralina e cloxazolam, no Centro Hospitalar de ….
• Marcadas mialgias (dores musculares) extremamente incapacitantes em consequência de miólise crónica provocada pelo antiepiléptico hidantina (destruição muscular confirmada analiticamente pela elevação de CPK). Está medicado habitualmente com Sivastatina/Ezetimibe 10/20, Bisoprolol 5, Alopurinol 100, Levetiracetam 1000, Valproato de sódio, Sertralina 50, Ramipril/HCTZ 5/25 e Cloxazolam 2
50. Também o relatório médico datado de 19 de Maio de 2015, emitido no Centro Hospitalar de … e subscrito pelo Dr. H… (Neurologista), alude ao histórico do Recorrente: Doente admitido na consulta em 6/06/2009 por crise convulsiva. Trata-se de um doente em crises consultivas, de difícil controlo, secundárias a hemorragia cerebral. Ao exame neurológico apresenta hemiparilisia esquerda fruste com face. Actualmente está medicado como levetiracetam 1000 mg 2x por dia e valporeto de sódio 8900 mg-3x dia. Em conclusão – doente com epilepsia secundária e hemorragia cerebral em acompanhamento na consulta.
51. Além destes, em 18 de- Julho de 2015, a Médica do EP da PJ do Porto, Dr.ª C…, a solicitação do Senhor Juiz de instrução Criminal, elaborou informação que corrobora os relatórios médicos já existentes no processo: “O Sr. B… apresenta como antecedentes clínicos um Acidente Vascular Cerebral em 2002, do qual resultou epilepsia vascular e hemiparesia esquerda, com limitação funcional associada (Escala Norton = 16), necessitando de auxílio de terceira pessoa nos cuidados de higiene. Apresenta ainda antecedentes psicológicos, nomeadamente, Hipertensão arterial, Dislipidemia, Hiperuricemia e Obesidade, necessitando de acompanhamento médico regular e terapêutica farmacológica crónica”.
52. Continua dizendo: “Não obstante, tendo em conta as sequelas do AVC, sou de opinião que o Sr. B… poderia beneficiar com a realização de tratamentos de reabilitação com periodicidade regular, o que presumo ser fácil estando no domicílio.
53. A referida, médica conclui que “(…) não tendo termo de comparação por ser a primeira vez que observo este doente, baseando-me nos registos existentes e na observação actual (…); uma informação clínica mais pormenorizada, nomeadamente no que concerne à história clínica deste utente prévia à sua detenção no EP, deverá ser averiguada junto do Médico Assistente do Sr. B…” (trata-se de documentação que já foi acima referida).
54. Ao Recorrente parece resultar evidente das regras da experiência comum, concluir-se peia absoluta incompatibilidade do ambiente prisional com o seu quadro clinico.
55. O Impetrante apenas tem conseguido sobreviver no EP com a esperança muito acentuada da substituição da prisão preventiva pela domiciliária e devido ao auxílio caridoso de outros reclusos,
56. Ora, não é aceitável social e em concreto que o Recorrente sobreviva na prisão com base em caridade cuja continuidade não está assegurada e que engloba actos como tomar banho, barbear, vestir e calçar-se.
57. Com bem entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 10 de Abril de 1991, consultável em www.dgsi.pt, “I- Para que a Prisão preventiva possa ser suspensa por motivo de doença é necessário: a) que seja grave, quer dizer, que constitua um risco elevado, importante ou seriamente perigoso para o doente; b)Que, perante a gravidade da doença, a prisão se torne socialmente insuportável em consequência de se poder assegurar objectivamente ao arguido, até por carência de meios, o acompanhamento e tratamento médico normais que o seu estado exige (…)”.
58. Além disso e no seguimento do recurso apresentado pelo Recorrente aquando da aplicação da prisão preventiva, os fundamentos expostos no despacho subsequente ao seu primeiro interrogatório não permitem a aplicação da mais gravosa das medidas de coacção,
59. Deste modo, e como melhor se explanará, o Recorrente mantém-se enclausurado sem estarem preenchidos os requisitos legais previstos nos artigos 202.° e 204.° do CPP, o que só é confirmado com a falta de novas provas no processo.
60. Pois bem, além do cumprimento dos requisitos para aplicação da prisão preventiva, previstos no artigo 202.° do CPP, a aplicação das medidas de coacção está sujeita às formalidades do artigo 204,° CPP, mormente, que “no momento da aplicação da medida se constate:
a) fuga ou perigo de fuga;
b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
c) ou perigo, em razão da natureza ou das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
61. Sucede que, ao contrário do que acontece in casu, quer aquando da aplicação da medida de coacção, quer aquando do seu reexame, tinham que existir fundamentos reais, baseados em factos concretos, que demonstrassem que a liberdade do agente representava um perigo real para o andamento do processo criminal, concretizando os requisitos do artigo 204.° do CPP, e não suposições ou meros juízos de valor.
62. Ora, o despacho em crise é absolutamente omisso na demonstração precisa e factual de perigo concreto de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da investigação, da mesma forma como o é - evidentemente - o despacho em que assenta,
63. A aplicação de qualquer medida, de coacção depende da observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, como resulta do artigo 193.°do CPP,
64. Reafirmando-se a pouca e abstracta fundamentação contida no despacho in questio, a manutenção da prisão preventiva, bem como dos fundamentos que a justificam, releva-se manifestamente insuficiente para o efeito a que se destina: a privação de um cidadão, presumido inocente até trânsito em julgado de decisão judicial condenatória,
65. Mais, ao Recorrente nem sequer foi devidamente explicada a insuficiência de uma medida coactiva menos gravosa.
66. Na verdade, não se percebe de que forma a liberdade do Recorrente possa causar grave alarme social, também, não se vislumbra qualquer gravidade nas circunstâncias do crime, nem que a prisão preventiva atenda à personalidade do arguido (que nada tem registado no seu CRC).
67. Em conclusão, não se vislumbram exigências cautelares suficientes para justificar a aplicação de prisão preventiva, e, agora, a sua manutenção.
68. Como já explanado no recurso do despacho que lhe determinou a aplicação da prisão preventiva, e para o qual remete, o impetrante não concebe que esteja verificado este pressuposto, geral da prisão preventiva» nomeadamente o da existência de fortes indícios da prática dos crimes que lhe são imputados: associação criminosa p. e p. pelo art.º 299° do Código Penal, de fraude fiscal qualificada p, e p, pelo art° 104°, n° 1, als. a), d, e), f) e g), n° 2, als. a) e b) e n° 3 do Regime Geral das infrações Tributárias e de branqueamento p. e p. pelo art° 268°-A do Código Penal.
69. Além da ocorrência de um dos requisitos específicos previstos no artigo 202.° do CPP, a aplicação da-prisão preventiva depende da verificação, em alternativa, de qualquer dos requisitos gerais (os chamados periculum libertatis) enunciados nas três alíneas do artigo 204.° do mesmo Código: fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo; perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou perigo de continuação da actividade criminosa, devido à natureza e às circunstâncias do crime ou à personalidade do arguido.
70. Qualquer destas condições deve configurar-se como um perigo real e não meramente hipotético ou virtual e resultar de todos os elementos factuais disponíveis no processo, analisados e ponderados de acordo com as regras da experiência comum.
71. Em concreto, quanto ao Recorrente» não foi apurado nada de real, consistente ou sólido quanto ao perigo de fuga, mais concretamente, nunca lhe foi demonstrada a existência de tal risco.
72. O Recorrente assume a mesma retórica argumentativa usada no recurso da aplicação da medida de coacção: não existem motivos que o impilam à fuga, bem pelo contrário: está familiar e socialmente inserido, tem residência fixa, é casado e tem uma filha com cerca de 20 anos de idade.
73. É uma pessoa que padece de graves enfermidades, como supra se referenciou, encontrando-se inclusivamente reformado por invalidez,
74. Vive num apartamento antigo e de fraca construção no …, em Vila Nova de Gaia, possui um Honda … com mais de 10 anos, que não tem valor comercial e, como tal, nem sequer foi apreendido pela PJ.
75. Não tem nem nunca teve quaisquer contactos no estrangeiro, nem tem meios financeiros para debandar para onde quer que seja.
76. Quanto ao aventado perigo da perturbação do inquérito, nomeadamente de aquisição, conservação ou veracidade de prova, assentou em dois argumentos:
í) a existência de uma vasta prova documental e da pluralidade de arguidos em locais geograficamente distintos apontava potenciava locais que ainda não tenham sido descobertos pela investigação;
ii) a possibilidade da destruição de documentos,
77. Em primeiro lugar, convém notar que, desde as diligências probatórias levadas a cabo em Maio de 2015 (buscas e apreensões), paralelas à detenção do Recorrente, todo o material recolhido se mantém incólume e em análise nas instalações da Polícia Judiciária do Porto,
78. Nem o Recorrente, nem ninguém a seu mando, tentou ou tentará destruir as centenas de milhares de documentos e as dezenas de gigabytes de informação digital apreendida - cfr. Promoção do MP para a consideração da especial complexidade do processo.
79. Em segundo lugar, até à data, foram alvo de revista e apreensão os escritórios dos advogados que acolitavam juridicamente o grupo, o escritório de contabilidade, a sede principal do grupo, os cerca de vinte estabelecimentos comerciais existentes em território nacional e os domicílios (anexos, garagens e automóveis) de todos os suspeitos dos crimes dos autos.
80. Em terceiro lugar, são desconhecidas quaisquer novas diligências efectuadas pelo MP, uma vez que, conforme já referido, o Recorrente com nada foi confrontado (caso contrário, isto é, existindo novas provas desconhecidas dos arguidos, o reexame dos pressupostos da prisão preventiva enfermaria de nulidade).
81. Quanto à continuidade da actividade criminosa, o grupo “I…” no qual o arguido não detinha qualquer capacidade decisória, continua a empregar mais de 250 trabalhadores, manteve a sua actividade comercial, pagando salários, impostos e contribuições sociais.
82. A actividade comercial do grupo empresarial é lícita, real e efectiva, tendo facturado em 2013 cerca de 8.000.000 € e tendo pago em 2014 cerca de 1.000.000,00 € entre impostos e contribuições para Segurança Social
83. Pois bem, o despacho recorrido, ao remeter para o despacho que determinou a prisão preventiva do Recorrente, sustenta o perigo da continuação da actividade criminosa na obtenção de meios económicos e lucros fabulosos,
84. Apesar da prisão preventiva do Recorrente, as empresas (cuja existência parece ser a de veículo da actividade criminosa dos arguidos) manteve-se no giro comercial, com facturação lícita e legítima.
85. Até ao momento, a investigação ainda não apurou quaisquer lucros fabulosos...
86. O despacho cuja apreciação se requer enferma de vários vícios, com efeito, e tal como o despacho em que se baseia, omite as circunstâncias consubstanciadoras de perigo concreto de continuação da actividade criminosa, de perturbação do decurso do inquérito e de fuga.
87. Consequentemente, fez incorrecta apreciação dos factos e violou o artigo 32.°, n.° 2, e o artigo 27.° e 28.° da Constituição da República Pública, bem como o artigo 209°, o artigo 204° e o artigo 213° do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado, ordenando-se a libertação imediata do Requerente, devendo aguardar os ulteriores trâmites do processo em liberdade.
88. Não procedendo a argumentação supra aduzida, e sem prejuízo do recurso apresentado pelo Recorrente quanto ao despacho que indeferiu a suspensão da prisão preventiva, deve ser proferido Acórdão defira tal pedido e proceda à substituição da medida de coacção por prisão domiciliária, sujeita a vigilância electrónica, com proibição de contacto com qualquer um dos restantes co-arguidos, nos termos do artigo 211° do CPP.
89. Como bem diz o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Setembro de 2012, em www.dgsi.pt, “Se o arguido ficar retido numa casa, que é no que consiste a medida de coacção da obrigação de permanência na habitação, prevista no art° 201° do C.P.Penal, e se o seu cumprimento for fiscalizado através de meios técnicos de controlo à distância, ficaram salvaguardados os perigos de continuação da actividade criminosa e de fuga.”
SINTETIZA, pedindo:
a) Que seja revogado o despacho que, efectuando o reexame dos pressupostos da prisão preventiva, manteve a medida de coacção do Recorrente, e substituído por Acórdão que lhe permita aguardar ulteriores termos processuais em liberdade;
b) Sem prescindir, não procedendo, atento o estado de saúde e as doenças graves do Impetrante, ser ordenada a suspensão da sua prisão preventiva, ficando este sujeito a obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica e proibição de contacto com os co-arguidos.

Respondeu o MP, sem apresentar conclusões, defendendo o julgado.

Nesta Relação, a Ex.ma PGA emite douto parecer no sentido da improcedência dos recursos. Dele se respiga:
(...) não nos revemos na interpretação dada pelo recorrente ao despacho da Sr.a JIC, no sentido da menorização do problema da obesidade, consabido que é que aquele constitui um problema sério e gravíssimo de saúde, não só individual como de cariz público e além-fronteiras. (…)
Da factualidade constante dos autos resulta, desde logo, não estar mínima e cientificamente demonstrado que no estabelecimento prisional o arguido não dispõe de todos os necessários cuidados de saúde.
Não basta o arguido vir invocar (sem prova) que os guardas prisionais não o socorreram, nem cuidaram de permitir que técnicos de saúde interviessem, para que resulte documentado e provado que tal sucedeu. E, mais ainda, que no exterior do estabelecimento prisional tal não pudesse também ocorrer. Como não está demonstrado que o arguido tenha, no EP da PJ, sido vítima de um súbito achaque de saúde. Não estando também documentado que tal súbito problema não tenha sido resolvido, nem que o mesmo ocorreu pelo facto de o arguido estar detido.
Acresce que, é o próprio recorrente quem afirma, por si e por meio dos documentos clínicos que fez juntar aos autos, que as suas patologias remontam ao ano de 2002 e que, para as mesmas vem sendo medicado e acompanhado clinicamente.
Dos relatórios juntos, em nenhum se afirma que a saúde do Recorrente está posta em causa por estar preso preventivamente ou que se agravou a sua situação de falta de saúde por estar preso preventivamente.
O que dos autos resulta é, ao invés, que no EP da PJ o arguido mantém toda a toma farmacológica e que, necessitando de intervenção hospitalar, a mesma ser-lhe-á proporcionada no Hospital local, o de …, resultando, ainda, que a(s) sua(s) doença(s) está(ão) estabilizada(s).
Coisa diversa é a hipótese de o Recorrente vir a beneficiar de sessões de Fisioterapia, para as quais aqueles serviços prisionais não dispõem de meios, como informado pelo Médico responsável pelo EP.
Mas, em caso algum se afirma que o recorrente deles não possa beneficiar no seio do EP. O que aquele poderá tentar obter, a suas expensas, provavelmente, desde que por tal diligencie.
De toda a forma, também não parece que resulte documentado nos autos que o Recorrente se encontrava, efectivamente, a beneficiar de Fisioterapia, enquanto em liberdade, o que, obviamente, não impede que seja aconselhável que a faça - nomeadamente atenta a sua obesidade.
Acresce que a falta de saúde do recorrente remonta, segundo o mesmo, ao ano de 2002 e, até à data em que foi detido, essa falta de saúde não foi impeditiva de o mesmo sair de casa para ir trabalhar, como parece ter feito. Por outro lado, os períodos de descanso de que o mesmo possa necessitar ao longo do dia, não são incompatíveis com a sua permanência em estabelecimento prisional, atenta a sua saúde mais debilitada.
Tal como no Ac. do TRL de 29.5.1990, no âmbito do P. n.º 008545, se referia:
“1. As doenças da diabetes, da hipertensão e da cardiopatia podendo e devendo ser tratadas em prisão hospital, se necessário, não implicam a libertação do arguido.” (…)
Ora, dos autos não resulta que, por força da sua detenção e por causa da prisão preventiva a que está submetido, qualquer das suas doenças se tenha agravado, nem ligeira, nem substancialmente (…)
a) A violação do art. 32° n°2 da CRP e do art.61°, n° 1, b) do CPP
Salvo melhor leitura, tudo indica que o Recorrente se confundiu.ao afirmar que ficou impedido de se pronunciar, para os efeitos do disposto no art. 213º do CPP, pelo facto de, durante aquele prazo, ter sido notificado do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da execução da prisão preventiva.
Cremos, por isso, que ao mesmo não assiste qualquer razão.
Na verdade, não é desconforme à lei que tenham sido proferidos dois despachos judiciais, sendo que um respeita ao pedido formulado ao abrigo do art. 211º do CPP e o outro advém, oficiosamente, do disposto no art. 213º do mesmo compêndio normativo. Aliás, são distintas as datas em que cada um foi proferido. Como distintos são os pressupostos de facto e de direito.
E, aliás, se dois despachos houve foi porque o recorrente assim o suscitou ao tribunal. Poderia ter sido proferido um único despacho, concedemos, mas tal não era imperioso. Ao recorrente incumbia estar atento e indagar, já que dúvidas lhe surgiram.
Cremos que, ainda assim, não pode imputar essa questão ao tribunal e, muito menos, a título de violação da Lei.
Aliás, se bem tivesse atentado no teor do despacho judicial datado de 05.8.2015, (de fls.5118 a 5119) logo compreenderia - por ali expressamente se dizer - que o mesmo se reportava à revisão oficiosa das medidas de coacção e por isso, ao despacho a que alude o art. 213º do CPP.
b) Também no que respeita à alegada situação de ter sido impedido de “falar” sobre os factos que lhe são imputados, há que dizer que não lhe assiste razão.
O Recorrente bem deverá saber que, querendo pronunciar-se sobre tal matéria, apenas lhe basta requerê-lo ao magistrado, que logo essa sua pretensão será, seguramente, atendida, assim dando exercício ao direito que lhe assiste, prevenido no art. 61º do CPP. (…)
c) No que respeita à discordância do arguido pelo facto de num primeiro momento - o do art. 211º do CPP - ter sido pedido relatório social e no segundo ter tal instrumento sido dispensado, também ao mesmo não assiste razão.
O relatório social havia sido pedido para efeitos de pronúncia sobre o seu requerimento de suspensão da execução da prisão preventiva. O aludido relatório foi, entretanto junto aos autos, não se justificava, assim, sequer, que num tão curto espaço de tempo, outro voltasse a ser pedido ou que fosse pedida a sua actualização. (…)
E também nos parece não colher a alegação de que o J1C não cuidou de apurar da “inserção familiar e sócio-profissional do arguido”, na medida em que tais matérias resultam dos autos e que a segunda, inclusivamente, está em investigação nos autos, pelo que seria despiciendo e, melhor, inútil, dirigir tal pedido a técnicos de reinserção social. (…)
Acresce que, atenta a forma de execução dos actos que integram os ilícitos indiciados e imputados ao arguido, cremos que a sua permanência em estabelecimento prisional é a única que minimamente acautela o perigo de continuação da actividade criminosa. (…)

Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

1. O reexame dos pressupostos da prisão preventiva
Segundo o disposto no art.º 212º do CPP:
1. As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:
a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
2. As medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.
3. Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
4. A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada. Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC.
In casu, foi decretada a prisão preventiva do arguido porquanto há fortes indícios da prática pelo arguido do crime de associação criminosa p. e p. pelo art.º 299º do C. Penal, em concurso efectivo com os crimes de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo art.º 104º, n.º 1, als. a), d), e), f) e g), e n.º 2, als. a) e b), e n.º 3 do RGIT e de branqueamento de capitais p. e p. pelo art.º 368º-A do C. Penal.
Os crimes revestem especial gravidade.
Neste tipo de crimes, chamado de “colarinho branco”, é real o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
O despacho que determinou que o arguido aguardasse em prisão preventiva os ulteriores trâmites processuais considerou ainda que se podia concluir “de forma objectiva, por um concreto e elevado perigo:
- em razão da natureza e das circunstâncias dos crimes e da personalidade dos arguidos, (l) de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, perigo para a aquisição de nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; (2) de continuação da actividade criminosa; e (3) perigo de fuga”.
E após assim considerar, concretizou os aludidos perigos.
Interposto recurso do dito despacho foi o mesmo confirmado por acórdão desta Relação e, por isso, transitou em julgado.

É consabido, porque pacífico, que as medidas de coacção estão sujeitas à condição rebus sic standibus, como claramente se deduz do disposto no n.º 1, al. b) e n.º 3 do art.º 212º do CPP. Quer isto dizer que só podem ser revogadas se deixarem de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação; e só devem ser substituídas por outras menos gravosas se se verificar uma atenuação das exigências cautelares.
Compreende-se que assim seja por respeito pelo caso julgado material.
Na verdade, havendo uma decisão transitada não pode a mesma ser alterada a não ser por actuação de circunstâncias supervenientes. O que é feito oficiosamente, em cumprimento da lei, de três em três em três meses (art.º 213º, n.º 1 do CPP).
Revisão a que o Sr. Juiz a quo procedeu e de cuja decisão é interposto o presente recurso.

Como deixamos expressamente referido, e repetimos, a medida de coacção só pode ser revogada ou substituída se tiverem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou se as exigências cautelares se houverem atenuado.
In casu, não só não verificam as ditas circunstâncias supervenientes como o arguido nem sequer as alega (a doença já se verificava à data da decisão). Refugia-se, antes, em questões formais que, naturalmente, não influem na medida de coacção decretada, pois que, quando muito, poderiam conduzir à anulação do despacho recorrido e à obrigatoriedade de ser proferido novo despacho.
Em verdade, o Recorrente pretende por em crise o despacho que decretou a medida de coacção e não aquele que reexaminou os pressupostos.
Ora, não nos cansamos de repetir, o despacho que decretou a medida de coacção está a coberto do caso julgado pelo que não pode o Recorrente fazer entrar pela janela o que a lei lhe impede de entrar pela porta.
Na verdade, e mais uma vez o dizemos, não pode aqui discutir-se se a prisão preventiva foi decretada com base em indícios insuficientes ou se os perigos a que alude o art.º 204º do CPP não se verificavam. Isso já foi apreciado no recurso que o arguido interpôs do referido despacho.
E não lhe foi dada razão.
Neste recurso apenas se analisam as aludidas circunstâncias supervenientes que ponham em crise o decretado. E não as originais que estiveram na base da prisão preventiva.
Circunstâncias supervenientes que inexistem e, por isso, terá nesta parte de improceder o recurso.

Em todo o caso, importa dizer que o Acórdão desta Relação considerou fortemente indiciada a prática, pelo arguido, dos crimes que lhe são imputados. E considerou verificarem-se os perigos que estiveram na base da decretação da prisão preventiva.
Quanto a isto, ponto final.

Importa por isso, e apenas, analisar as questões formais suscitadas.

Em 30 de Julho de 2015 foi determinada a notificação do Recorrente para, em cinco dias, querendo, se pronunciar nos termos do artigo 213º, n.º 3 do CPP.
Sem que ainda tenha decorrido tal prazo, o Sr. JIC lavrou o despacho recorrido em que manteve a prisão preventiva do arguido, considerando não considerar necessária a sua audição.
Trata-se de contradição que bem poderia ter sido evitada.
No entanto, daí não pode ser extraída qualquer conclusão jurídica.
Com efeito, segundo o n.º 3 do art.º 213º do CPP, para levar a cabo o reexame dos pressupostos da prisão preventiva, “Sempre que necessário(1), o juiz ouve o Ministério Público e o arguido”.
Face ao texto da lei, que não admite interpretação diferente, vem a jurisprudência entendendo (o que de resto é aceite pelo Recorrente) que a lei não impõe, não determina, a obrigatoriedade de audição prévia do arguido nos casos de reexame.
Igualmente não determina a lei a realização de relatório social no âmbito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva.
Porque assim, a sua não audição não consubstancia qualquer nulidade pois que, como é sabido, estas estão subordinadas ao princípio da legalidade e nenhum preceito legal assim a considera.
Quando muito tratar-se-ia de irregularidade que teria de ser arguida no Tribunal a quo e no prazo estipulado no art.º 123º do CPP.
Mas não o foi já que o arguido se desonerou de tal ónus.
Não adianta, por isso, invocar agora a pretensa violação de princípios como os de audição (que não era obrigatório) ou a violação de direitos de defesa.
Que, de resto, não foram violados pois que o arguido sempre podia aduzir fundamentos para o reexame e os direitos de defesa estão intocáveis.
Aliás, se tal violação tivesse ocorrido, deveria o arguido, em 1ª Instância, ter invocado a alegada irregularidade.
E não o fez.
Sibi imputed!!!

A latere, queremos deixar consignado que este Tribunal não aprecia qualquer questão que, no entender do Recorrente, seja “reveladora do zelo e diligência com que o processo tem sido conduzido”, por se tratar de questões disciplinares para as quais não tem competência.
Salvo se as mesmas se repercutirem na ofensa de direitos do Recorrente. E não se repercutem.
Sendo, de resto, contraditória com o por si afirmado (necessidade de obtenção de relatório), a alegação de que o Recorrente solicitou a suspensão da prisão e preventiva e a sua substituição por prisão domiciliária, o que requeria decisão urgente, o que é verdade, a qual foi sucessivamente adiada para que o Tribunal pudesse obter diversos relatórios médicos e informações sociais, como podia e devia ter feito, em obediência aos princípios do processo justo e equitativo e da verdade material, que obriga todos os sujeitos processuais.

Não pode deixar-se sem reparo a afirmação de que O Tribunal “não se dignou averiguar sobre qualquer atenuante ou mudança de paradigma nos pressupostos da medida de coacção”, quando tal não corresponde à verdade processual e quando o Recorrente, ele próprio, se desonerou do ónus de carrear aos autos tala factualidade.
Enfim!...

No que tange ao dever de fundamentação do despacho que mantém a medida de coacção, é entendimento unânime da jurisprudência, que não é posto em crise, que, “Tratando-se, como é o caso, de despacho que procede ao reexame dos pressupostos da aplicação de medida de coacção previamente decretada, o dever de fundamentação reporta-se, naturalmente, ao objecto da decisão: a superveniência de circunstâncias que possam levar à alteração da anterior decisão, transitada em julgado, cujos pressupostos se reapreciam”(2).
Ora, se inexistem essas circunstâncias, que nem o Arguido invoca, que mais se pode dizer do que inexistem circunstâncias supervenientes, o que é equivalente à expressão usada de que subsistem os pressupostos da medida de coacção?

A questão da saúde do Recorrente será apreciada a seguir, no âmbito da requerida suspensão da prisão preventiva.

2. Da suspensão da prisão preventiva
Prescreve o n.º 1 do art.º 211º do CPP, sob a epígrafe “Suspensão da execução da prisão preventiva”:
“No despacho que aplicar a prisão preventiva ou durante a execução desta o juiz pode estabelecer a suspensão da execução da medida, se tal for exigido por razão de doença grave do arguido, de gravidez ou de puerpério. A suspensão cessa logo que deixarem de verificar-se as circunstâncias que a determinaram e de todo o modo, no caso de puerpério, quando se esgotar o 3.º mês posterior ao parto”.
É parca a doutrina no âmbito do preceito em causa, sendo certo que não se verificam, in casu, as situações de gravidez ou de puerpério.
Resta a situação de doença grave.
Em termos correntes, entende-se por doença grave aquela que é irreversível e que, normalmente, conduzirá ao decesso.
A título de exemplo, estamos perante doenças graves nos casos de tumor maligno, de esclerose múltipla, de deficiência imunológica, etc.
No campo do direito processual penal, cremos que terá de se fazer uma interpretação restritiva do tipo de doenças.
Em situação análoga (execução do mandado de captura) considerava Cavaleiro de Ferreira[3] que o mandado de captura só não seria executado se “a doença puser em risco a vida do indiciado, conforme comprovação médica”.
Acrescentaremos, para o caso em apreço: doença que ponha em risco a vida do indiciado, conforme comprovação médica, e se não puder ser tratada no EP.
Parece ser este o entendimento que se retira da unidade do sistema jurídico.
Com efeito, a Lei 36/96, de 29 de Agosto, manda que os condenados em pena de prisão efectiva possam pedir a modificação da execução da pena se padecerem de “doença grave e irreversível em fase terminal”.
Se assim é para os definitivamente condenados, nenhuma razão há para outro entendimento no que tange aos sujeitos à medida de coacção da prisão preventiva.
Vai neste sentido a jurisprudência conhecida, de resto citada a propósito tanto pelo Recorrente como pela Ex.ma PGA.
Ora, se apesar de padecer de doença que até se pode considerar grave (e não será o caso da doença do Recorrente), se o arguido puder ser tratado em Estabelecimento Prisional, segundo parecer o médico do EP onde se encontra, não deve ser substituída a medida de coacção.
Na verdade, e como bem refere a RC[4], "cada estabelecimento penitenciário deve dispor, de acordo com as necessidades, na medida do possível, de serviço médico, de serviço de enfermagem, de serviço farmacêutico que responda às exigências essenciais de profilaxia e tratamento da saúde dos reclusos (…)
A assistência à saúde é prestada, durante a permanência no estabelecimento, submetendo os reclusos, na medida do possível, a frequentes e periódicos exames de rastreio... para despiste de qualquer enfermidade física ou mental e com vista à tomada das medidas adequadas, competindo ao médico, além do mais, «assinalar imedia­tamente a presença de doenças que requeiram ... trata­mentos especializados» e apresentar «ao director um relatório sempre que considere que a saúde física e mental do recluso foi ou será afectada pelo prolongamento ou por determinada medida de internamento»”.
Se assim era à data da prolação do acórdão (1993), com a publicação do CEPMPL, no qual o recluso é considerado como verdadeiro sujeito de direitos, respeitando-se o princípio da dignidade da pessoa humana, por maioria de razão assim é agora.

Segundo a informação do Médico do EP, junta aos autos, “Neste E.P. o doente toma regularmente a medicação crónica instituída pelo Neurologista que o acompanha e tem a possibilidade de seguimento regular em consulta de Clínica Geral no próprio estabelecimento bem como em consulta Hospitalar. Na eventualidade de necessitar de tratamento médico urgente, existe a possibilidade de deslocação ao Serviço de Urgência do Hospital de …. Por outro lado, tendo em conta a existência de Estabelecimentos Prisionais com enfermaria e serviço médico permanente, poderá assim assegurar-se a prestação de cuidados adequados ao Sr. B…, caso no futuro a sua situação clínica assim o determine”.
Ou seja, o arguido pode ser tratado em Estabelecimento Prisional, segundo parecer o médico do EP onde se encontra o arguido.
Consequentemente, não deve ser substituída a medida de coacção.
É verdade que o arguido carece, para a fazer a higiene diária, do auxílio de uma terceira pessoa. Mas também esse auxílio pode ser prestado dentro do EP, ainda que com pessoa de fora do meio, a requerimento do arguido, deferido pela entidade competente.

DECISÃO
Termos em que, na improcedência do recurso, se mantém e confirmam as decisões recorridas.
Fixa-se em 4 Ucs a tributação a pagar pelo Recorrente.

Porto, 13-01-2016
Francisco Marcolino
Donas Botto
__________
[1] Realce nosso
[2] Ac da RC de 16/12/2009, processo 135/09.4PAPBL-A.CI, in www.dgsi.pt
[3] Curso de Processo Penal, Lisboa 1981, Reimpressão da Universidade Católica, II vol. Pg. 415
[4] Neste sentido, o Ac da RC de 9/12/1993, CJ, XVIII, tomo 5, pg. 70