Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1672/16.0T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA POR PARTE DO TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
CLÁUSULA CONTRATUAL QUE O DISPENSA
OMISSÃO DE ALEGAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201805071672/16.0T8VLG.P1
Data do Acordão: 05/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 275, FLS 244-255)
Área Temática: .
Sumário: I - A parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar, nas conclusões, quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, bem como o sentido das respostas que pretende, sob pena de rejeição do recurso nessa parte.
II - A obrigação de indemnização prevista no art. 401º do Código do Trabalho funciona automaticamente pelo simples facto de ter sido omitido, total ou parcialmente, o aviso prévio, independentemente de que daí tenha ou não emergido qualquer dano para o empregador.
III - O art. 236º do Código Civil acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de harmonia com a qual a determinação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto.
IV - No caso de uma cláusula do contrato de trabalho permitir ao trabalhador denunciar o contrato de trabalho, sem ter de cumprir o prazo de pré-aviso, o mesmo tem que invocar tal cláusula na comunicação de denúncia, sob pena de ter de indemnizar o empregador pelo não cumprimento do prazo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1672/16.0T8VLG.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B..., residente na Rua ..., nº .., .º Esq., ..., Gondomar, patrocinado por mandatário judicial, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C..., Lda., com sede na ..., nº .., ....
Pede a condenação da ré a pagar-lhe o montante de € 5.253,85, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alega em síntese que foi contratado pela ré mediante contrato de trabalho com início em 1 de Janeiro de 2014, pelo qual, o autor se obrigou a desempenhar, sob a autoridade, direção e fiscalização da ré as funções de Motorista de Pesados de Transportes Nacionais e Internacionais, e no dia 28 de Dezembro de 2015, o autor comunicou à Ré a sua intenção de cessar o contrato de trabalho, no dia 31 de Dezembro de 2015, conforme lhe permitia o acordo celebrado, não tendo a ré pago todas as remunerações acordadas.
Realizou-se diligência de audiência das partes, saindo frustrada a conciliação.
A ré veio contestar e reconvir, pedindo a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de € 505,00, acrescida do montante que reteve ao autor em montante idêntico, alegando, em síntese, que pagou todas as remunerações devidas em função com contrato de trabalho, que se convertera em contrato sem termo, tendo o autor resolvido o mesmo sem pré-aviso.
O autor respondeu pugnando pela improcedência da reconvenção.
Foi proferido despacho saneador, dispensada a realização de audiência preliminar, e fixado o valor da acção em € 5.758,85.
Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova pessoal nele produzida, tendo-se fixado a matéria de facto provada e não provada, conforme consta da respectiva acta.
Foi proferida sentença, na qual se decidiu a final: “julgo parcialmente procedente a presente ação e consequentemente condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.705,18 (três mil, setecentos e cinco euros e dezoito cêntimos), no mais sendo absolvida. Julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional, absolvendo o Autor da totalidade do mesmo.”
Inconformada interpôs a ré o presente recurso de apelação, concluindo:
1. A fundamentação da sentença peca, salvo o devido respeito por opinião diversa, pela errada interpretação e qualificação da prova documental e testemunhal, produzidas nos autos;
2. Quanto aos factos dados como provados na sentença, e acima colocados em crise, não se vislumbra nos autos, tanto em sede de articulados, como em audiência de julgamento, qualquer elemento de prova que permita dar-se na sentença como provados:
3. No que respeita às diferenças salariais que o A. alega existirem nos seus recibos de vencimentos. dos meses de Setembro e de Outubro, ambos de 2015, contrariamente ao que é referido na sentença, a R, provou pelos documentos 2, 3 e 4, que juntou com a contestação, que tais valores tinham sido adiantados ao A, nas datas que nos mesmos constam;
4. O A alegou nas suas declarações, quando confrontado com tais documentos “tratar-se de adiantamentos para aquisição de boxes, as quais alegou, sem o demonstrar, custarem 50,000, cada. Ora tal não corresponde à verdade. Pelo que tais transferências completam os montantes dos vencimento, na parte em que o A. alega não ter sido pago naqueles meses, não se vislumbrando qualquer razão para que a R seja condenada ao pagamento de 150,00€;
5. Por outro lado, não se provou que existia qualquer acordo, entre as partes para pagamento ao A, de um prémio no montante de 250,00€ por ausência de avarias, sendo que o montante de tal prémio era definido casuisticamente, nos termos da cláusula 10ª, do contrato de trabalho;
6. O ónus da prova de factos constitutivos de tais direitos incumbia ao A nos termos do art. 342º nº 1 do CC, o que não logrou fazer;
7. A sentença reconduz-se pois, essencialmente, a tratar da questão de existir ou não para o A., o direito a uma compensação pecuniária de 0,05€ por cada quilómetro percorrido pelo mesmo ao serviço da R., bem como das diárias a que tinha direito, terem ou não sido pagas;
8. No nosso entendimento, mal, a sentença decide pela existência desse direito, condenando a R., em montantes decorrentes dos quilómetros que o A fez constar em mapas de registo diário, relativos, segundo alega, às viagens que realizou ao serviço da R.;
9. O A não fez, quando lhe incumbia tal tarefa, nos termos do art. 342º nº 1 do CC, prova de factos constitutivos desse direito. O que manifestamente, não fez, nem por prova documental e, menos ainda, por prova testemunhal;
10. Os referidos mapas de registo diário, não têm qualquer valor probatório pois não revestem os requisitos formais e substantivos para tanto;
11. Na verdade, trata-se de documentos que não estão assinados pelo A, sendo que ainda que o estivessem, as declarações neles inscritas apenas poderiam considerar-se provadas na medida em que revestissem uma natureza contrária aos interesses do declarante – art. 376º nº 1 e 2 do CC. Isto é, ainda que se reconhecendo a sua autoria, só se nele constasse uma declaração feita ao declaratário, contrária ao interesse do declarante, é que tal declaração revestiria a natureza de uma confissão do autor, ganhando assim força probatória pela, art. 352º e segs do CC.
12. Sendo que a este propósito, o A declarou em audiência de julgamento, ficheiro 20170403162926_14737, minutos 04,15 a 04,28 “...isso não está escrito em lugar nenhum (...) nós fazemos nossa conta”; “Não tem ninguém que diga que paga em quilómetros”;
13. No que respeita às ajudas de custo alegadamente ainda em dívida ao A, dos meses de Novembro e de Dezembro de 2015, este juntou em audiência de julgamento, documentos, registos de tacógrafos relativos a Novembro e Dezembro, do ano de 2015, com os quais procurou justificar o seu pedido;
14. A R. por sua vez, relativamente a esta questão, tendo-lhe sido conferido prazo para tanto, juntou aos autos requerimento, não contestado pelo A., acompanhado de quadros descritivos, no qual após análise de tais documentos, demonstrou que, conforme se retira da análise dos documentos relativos a Novembro de 2015, o A tinha direito a receber, conforme contratado, o montante de 705,00€, tendo recebido no entanto 2.030,00. De que se conclui ter o A relativamente a tal mês recebido a mais, 1.325,00€.
15. No que respeita ao mês Dezembro de 2015, o A tinha a receber, conforme contratado, o montante de 280,000, tendo no entanto recebido o montante de 460,00€, o que equivale a ter recebido a mais, o montante de 180,000.
16. No conjunto dos dois meses em causa, o A. recebeu a mais, a título de ajudas de custo, do que a que contratualmente tinha direito, o montante de 1.505,000, conforme a R ilustrou esquematicamente nos Docs. 1 e 2, que acompanharam aquele seu requerimento;
17. Ou seja, a R, além de não ter em dívida para com o A qualquer montante de ajudas de custo, o que lhe pagou a esse título na pendência da relação laboral, superou o montante que se encontra, quanto a nós mal, por não ser devido, liquidado na sentença;
18. No que respeita à repercussão do prémio TIR e da cláusula 74ª, no subsídio de férias a receber pelo A., não se compreende, porque na realidade não se encontra explicado na sentença, como o Meritíssimo Juiz “a quo”, determinou o montante de 670,38€ a que a tal título condenou a R.;
19. Nem se compreende como condenou, além do mais no subsídio de férias de 2016 ano em que o A já não trabalhou para a R.;
20. O A recebeu o subsídio de férias, como o de Natal, este na proporção de metade, em duodécimos, mas pelo teor da sentença, depreende-se, à mingua de uma demonstração de cálculo matemático, que a Meritíssima Juiz “a quo” não teve em consideração os montantes já pagos em duodécimos por conta do subsídio de férias;
21. Pelo que, também por aqui nos encontramos perante uma obscuridade e discordância da sentença, que carece do devido esclarecimento, sem o qual nem a apelante nem os demais intervenientes processuais se encontram habilitados a promover um juízo crítico sobre essa questão e assim exercer o contraditório pleno;
22. Impugnando-se, não obstante, desde já para todos os efeitos, o aludido montante de 670,38€, por não devido pela R., ao A, qualquer valor a título de subsídio de férias de 2015;
23. Quanto à exigibilidade ou não, de aviso prévio do A para com a R, na denúncia do contrato de trabalho, é evidente a divergência de posições das partes e agora também quanto à posição expressa pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, na sentença, ao optar pela não exigibilidade de tal aviso prévio;
24. Conforme se retira das declarações do A prestadas em audiência de julgamento, ficheiro 20170403162926_14737, minuto 01,01 a 01,22, quando inquirido a tal propósito pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, respondeu “… foi dois anos exactamente ...” (a duração do contrato). O que equivalendo a confissão, deve ser ponderado para a determinação do prazo de aviso prévio que, entendemos era devido pelo A;
25. O A. alega, sem provar, que por telefonema do dia 23 de Dezembro de 2015, quando ainda em Espanha, comunicou à entidade patronal que não iria mais trabalhar para ela;
26. Declarou em audiência de julgamento, ficheiro 20170403163529_14737, minutos 21,08 a 22,34, que nesse dia 23 de Dezembro de 2015, alguém “… foi me buscar na carrinha da D... em ...”, acrescentando quando questionado pela sua Mandatária sobre se tinha enviado uma carta para a R em 28-12-2015 a denunciar o contrato, "Exacto"; Acrescentando ainda mais adiante, quando questionado sobre quando começou a trabalhar para a D..., “... Em Janeiro, lá para o dia 03 ou 04”;
27. Mais adiante, quando questionado pelo Mandatário da R. sobre se a supra mencionada carta foi recepcionada por esta, respondeu, ficheiro 20170403163529_14737, minutos 30,00 a 32,34, “... não sei, não estava lá!...” Mas acrescentou de minutos 34,05 a 34,10, quando questionado sobre se considerava estar ao serviço da R. entre 24-12-2015 e 01-01-2016, “Sim!”; Reconhece ainda de minutos 36,11 a 37,22, ao responder “Claro!”, que a denúncia repentina sem a aviso prévio, deixa a empresa em dificuldades ...;
28. O A., não provou que efectuou o telefonema do sobredito dia 23 de Dezembro, como não provou ter sido recepcionada pela R. a sobredita carta de 28-12-2015;
29. Apenas se prova a recepção da carta que com aviso de recepção enviou à R., em 06-01-2016, a denunciar o contrato com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2016, ou seja uns dias antes ...
30. Resulta claro desta alegada actividade pelo A., que o mesmo teve uma atitude de grande incerteza quanto ao modo e ao tempo de efectuar a denúncia do contrato de trabalho que o vinculava à R.;
31. Nem a carta de 06-01-2017 do A. para a R., explica que estivessem já reunidas as condições na D..., para fazer cessar de imediato, já que é essa a sua interpretação da cláusula; Pois, a aceitar tal interpretação, a reunião dessas condições seriam a condição para operar a dispensa do aviso prévio ...
32. Face ao exposto, com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, deve ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a R. dos pedidos e considerando procedente o pedido reconvencional, condenando-se o A. no mesmo.
O autor não respondeu.
O Ministério Público teve vista nos autos, pronunciando-se pela rejeição da impugnação relativa à matéria de facto e improcedência da apelação, parecer a que a recorrente respondeu dele divergindo.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1 e 2, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Importa apreciar:
I. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
II. Créditos salariais do autor;
III. Falta de pré-aviso e eventuais consequências do mesmo.

II. Factos provados
Foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
A. A Ré “C...” e o Autor, na qualidade respetivamente de primeiro e segundo outorgante, celebraram por escrito o “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 9 e 10 e cujo teor aqui dou por inteiramente reproduzido, com início em 1 de janeiro de 2014 e termo a 30 de junho de 2014, nos termos do qual a Ré admitiu o Autor ao seu serviço para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Motorista de Pesados de Transportes Nacionais e Internacionais.
B. Mediante o pagamento ao Autor do vencimento base mensal de € 505, acrescido do Prémio TIR no valor mensal de € 105,00 e da Cláusula 74ª da C.C.T. aplicável, no montante de mensal de € 284,06.
C. Acordaram ainda o pagamento da quantia de € 35,00 a título de retribuição do trabalho prestado pelo Autor em dias de descanso semanal ao Domingo e o pagamento de um prémio mensal de qualidade pela ausência de avarias nos veículos transportados.
D. Acordaram também o pagamento no montante de € 13,00/dia por deslocações em Portugal e € 25,00/dia por deslocações internacionais, que seria pago a título de ajudas de custo.
E. O Autor trabalhou para a Ré desde 1 de janeiro de 2015 até ao dia 23 de dezembro de 2015.
F. No dia 28 de dezembro de 2015 o Autor enviou à Ré uma carta registada a rescindir o contrato de trabalho com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016, enviando nova carta de idêntico teor, em 6 de janeiro de 2016.
G. A Ré não repercutiu nos subsídios de férias e de Natal pagos ao Autor as quantias relativas ao Prémio TIR e à Cláusula 74º.
H. Nos meses de Novembro e Dezembro de 2015 o Autor efetuou as deslocações nas datas e locais constantes dos “Mapas de Registo Diário” constantes de fls. 13 verso a 17 cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, tendo percorrido 9.297 Km no decorrer do mês de Novembro de 2015 e 11.799 Km no decorrer do mês de Dezembro de 2015.
I. A Ré pagou ao Autor em Novembro e Dezembro de 2015 as quantias constantes dos boletins de vencimento, cujas cópias estão juntas a fls. 94 verso e 95, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.
J. Aquando do pagamento do mês de Dezembro de 2015, a Ré reteve e não entregou ao Autor a quantia de € 505,00 a título de indemnização por falta de aviso prévio.
K. O prémio mensal de qualidade pela ausência de avarias nos veículos transportados, referido em C), ascendia a 250 euros.
L. O Autor e a Ré acordaram o pagamento de € 0,05 (cinco cêntimos) por cada Km percorrido por aquele.
M. Relativamente ao mês de setembro de 2015, o vencimento global do Autor ascendia à quantia líquida de € 2.047,28, tendo a Ré pago ao Autor a quantia líquida de € 1.997,18.
N. Relativamente ao mês de outubro de 2015, o vencimento global do Autor ascendia à quantia líquida de € 1.234,30, tendo a Ré pago ao Autor a quantia líquida de € 1.134,30.
O. O Autor antes de ir trabalhar para a “C...” tinha estado a trabalhar para a “D..., Lda”, tendo sido acordado entre o Autor e os representantes dessas duas empresas que ele regressaria, logo que a “D..., Lda”, tivesse possibilidade de o admitir novamente ao seu serviço, o que sucedeu a partir do início de Janeiro de 2016.
P. Consta da cláusula 3ª alínea b) do contrato de trabalho referido em A) o seguinte: “Fica desde já acordado e aceite pelo 2º Outorgante ser transferido para a empresa “D..., Lda”, assim que estejam reunidas as condições para tal, revogando o contrato com a 1ª Outorgante a partir dessa data, mesmo não coincidindo com a data prevista na cláusula 2ª”.
Q. O Autor foi trabalhar para a “D..., Lda.”, no início do mês de janeiro de 2016.

III. Direito
1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
1.1. A recorrente veio impugnar a decisão relativa à matéria de facto, alegando no corpo das alegações: “A ora apelante não se conforma com o sentido da sentença proferida, na parte em que na mesma é condenada a pagar ao A., ora apelado, o montante de 3.705,18€; Discordância que assenta, além do mais, na quanto a nós evidente falta de prova a que o A. se encontrava obrigado a produzir, mas que não o logrou; A fundamentação da sentença, peca pois, salvo o devido respeito por opinião diversa, pela errada interpretação e qualificação da prova documental e testemunhal, produzidas nos autos; Assim é que, quanto aos factos dados como provados na sentença, não se vislumbra nos autos, tanto em sede de articulados, como em audiência de julgamento, qualquer elemento de prova que permita dar-se na sentença como provados, os seguintes: Na alínea E) que o A. trabalhou para a R. até ao dia 23 de Dezembro de 2015. No sentido de que o tribunal considerou ter o vínculo laboral subsistido até esse dia; Na alínea F) que o A enviou uma carta no dia 28-12-2015 dirigida à R., Também aqui entendemos que o tribunal considerou como provado ter a mesma sido recebida por esta; Nas alíneas G; H); K); L); M); N); Ora, à míngua de prova documental que suporte a fundamentação do sentido condenatório da sentença, cabe averiguar se a prova testemunhal cuja produção se encontra ampla e exaustivamente gravada, supre aquela inexistência; É nosso entendimento que não (...)”
A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal proferiu parecer no sentido da rejeição da impugnação, referindo: “A ré não indica, nas conclusões os concretos factos que pretende impugnar, nem faz corresponder as afirmações da sua discordância aos pontos da matéria de facto que pretende alterar. Não observou assim os ónus constantes das als. a) e b) do nº 1, e a) do nº 2, daquele art. 640º pelo que, deverá ser rejeitada a impugnação da matéria de facto.”
Respondeu a recorrente que: “A apelante, nas suas conclusões, indica os factos que considera não se encontrarem provados, e qual o entendimento que retira e defende dever ser extraído, de tal falta de prova. Ou seja, indica face à falta de prova, dos factos que concretamente apontou, qual o sentido que a decisão devia ter reflectido. Atente-se, designadamente nos seguintes pontos das conclusões da apelante: 3, 4, 7 a 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 23 a 27, 29. Dos pontos referidos, invocados a título de exemplo, extrai-se que a apelante cumpriu com o devido esclarecimento, os concretos pontos objecto da sua discordância e o entendimento que em função desta retira e defende. Cumprindo desta forma, o preceituado no art. 640º nº 1 als a) e b) do CPC.”
Nos termos do art. 640º, nº 1, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescenta- se no nº 2 do mesmo artigo: No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Impõe-se aqui um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2006, pág. 170).
A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com o ónus específico de alegação do recorrente no que concerne à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação, pelo que não pode ser recebido o recurso sobre a decisão da matéria de facto se o recorrente não indicar os segmentos por ele considerados afectados de erro de julgamento e os motivos da sua discordância por via da concretização dos meios de prova produzidos susceptíveis de implicar decisão diversa da impugnada (acórdão do STJ de 1 de Julho de 2004, processo nº 04B2307, acessível em www.dgsi.pt).
Ora, se é certo que a fundamentação da impugnação, designadamente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, pode ter lugar apenas em sede do corpo das alegações, “sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar, nas conclusões, quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, bem como o sentido das respostas que pretende. Tal indicação consubstancia a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto, ou seja, delimita o que se pretende com o recurso: qual a discordância do Recorrente em relação ao que foi decidido e o que pretende que seja decidido” (acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2017, processo 1694/16.0T8VLG.P1, acessível em www.dgsi.pt). (sublinhado nosso).
No mesmo sentido os acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de Dezembro de 2017, processo 146/15.0T8AMR.G1, e do Tribunal da Relação de Évora de 8 de Janeiro de 2013, processo 10/03.6ZCLSB-B.E1, ambos mencionados pela Ilustre Magistrada do Ministério Público no seu parecer, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de junho de 2015, processo 953/14.1TTPNF.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt, bem como o acórdão do STJ de 7 de Julho de 2016, processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, ainda acessível em www.dgsi.pt (igualmente citado no referido acórdão deste Tribunal de 14 de Dezembro de 2017), do qual consta: a lei exige que “o recorrente diga qual a matéria de facto que considera incorrectamente julgada, impondo-lhe além disso que indique a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, devendo estas menções integrar o conteúdo das conclusões da sua alegação, conforme se vem pronunciando neste sentido esta Secção Social, nomeadamente nos acórdãos de 4/3/2015, processo nº 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas); 1/10/2015, processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1; e de 21/4/2016, processo nº 449/10.0 TTVFR.P2.S1 (ambos relatados por Ana Luísa Geraldes).” (sublinhado nosso)
Ora, analisando as conclusões das alegações da recorrente, facilmente se descortina que a mesma não deu cumprimento às aludidas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC. Efectivamente, se a recorrente referiu no início do corpo das suas alegações os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, como se afirmou supra, já não o fez quanto à decisão que em seu entender devia ser proferida limitando-se a referir que “cabe averiguar se a prova testemunhal cuja produção se encontra ampla e exaustivamente gravada, supre aquela inexistência; É nosso entendimento que não (...)”
De todo o modo, seguro é que não cumpriu qualquer das aludidas exigências nas conclusões que apresentou a final das suas alegações. Vem a recorrente defender que o fez, mas assim não é. Tal argumento só poderia ser aceite no sentido de a interpretação das conclusões poder permitir descortinar quais os pontos em causa e o sentido da decisão pretendido.
Porém, a lei é clara no sentido do ónus de indicação expressa dos pontos da matéria de facto que se consideram erradamente julgados e do sentido que se entende dever ser proferida diversa decisão.
Conforme refere Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2004, pág. 608), “A expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 640º: na verdade, o alegado ‘erro de julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente.”
Mais acrescenta António Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 129, “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
Nestes termos rejeita-se o recurso no que respeita à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

2. Créditos salariais do autor
2.1. Consta da sentença: “Ficou provado que o vencimento global do Autor ascendia em setembro de 2015 à quantia líquida de € 2.047,28, tendo a Ré apenas pago a quantia líquida de € 1.997,18 e que em outubro de 2015, ascendia à quantia líquida de € 1.234,30, tendo a Ré pago apenas a quantia líquida de € 1.134,30.Encontra-se assim em falta relativamente ao vencimento desses dois meses a quantia de € 150,00, dado a Ré não ter logrado provar, como alegava, o seu pagamento.”
Insurge-se a recorrente quanto a esta parte da sentença, alegando: “quanto às diferenças salariais que o A. alega existirem nos seus recibos de vencimentos, dos meses de Setembro e de Outubro, ambos de 2015, contrariamente ao que é referido da sentença, a R., provou pelos documentos 2, 3 e 4, que juntou com a contestação, que tais valores tinham sido adiantados ao A, nas datas que nos mesmos constam. O A alegou nas suas declarações, quando confrontado com tais documentos, tratar-se de adiantamentos para aquisição de boxes, as quais alegou, sem o demonstrar, custarem 50,00€, cada; Tal não corresponde à verdade, tendo o A. engendrado uma "história" deveras incongruente, em audiência de julgamento, para justificar a sua pretensão; Ora, tais transferências completam os montantes dos vencimento, na parte em que o A alega não ter sido pago naqueles meses; Pelo que, a esse título nada lhe ficou em dívida pela R., não se vislumbrando qualquer razão para que a R. seja condenada ao pagamento de 150,00€.”
A matéria relevante consta dos pontos M e N da matéria de facto provada. Embora se possa afirmar que a expressão “o vencimento global do Autor ascendia em” é conclusiva, certo é que essa conclusão resulta da circunstância de serem esses os valores que constam dos recibos de salário do recorrido nos meses em questão, sendo certo que a recorrente não impugna os mesmos.
O que a recorrente vem alegar é que pagou tais montantes ao recorrido.
O ónus de prova de tal pagamento impendia sobre a recorrente, nos termos do disposto no art. 342º, nº 2, do Código Civil. Assim, improcedendo a apelação quanto à impugnação da matéria de facto, improcede igualmente aqui a apelação da recorrente, a qual dependia da alteração da decisão quanto à matéria de facto.
2.2. Alega a recorrente: “não existia qualquer acordo, entre as partes para pagamento ao A, de um prémio no montante de 250,00€ por ausência de avarias; O montante de tal prémio era definido casuisticamente, nos termos da cláusula 1ª, do contrato de trabalho; (...) Acresce que o A tal como não fez qualquer prova de que tinha direito a receber um determinado montante por cada carga efectuada, nada produziu em termos de prova da existência do prémio no montante de 250,00€ mensais, de qualidade, por ausência de avarias.”
Relativamente a esta matéria, consta da sentença: “No que concerne aos outros créditos salariais peticionados há que referir que o Autor não fez prova, como lhe cabia, por ser facto constitutivo do seu direito – artigo 342 no 1 do Código Civil, que foi acordado receber qualquer quantia por cada carga e também nem sequer alegou que no mês de Novembro de 2015, não tinha tido qualquer acidente e assim sendo teria de receber a quantia de € 250,00 a título de prémio mensal de qualidade pela ausência de avarias nos veículos transportados.”
Como se pode verificar, que a acção foi julgada improcedente quanto a esta questão, pelo que não pode a recorrente dela recorrer nessa parte.
2.3. Mais alega a recorrente: “A sentença reconduz-se essencialmente a tratar da questão de existir ou não para o A. o direito a uma compensação pecuniária de 0,05€ por cada quilómetro percorrido pelo mesmo ao serviço da R, bem como das diárias a que tinha direito, terem ou não sido pagas; No nosso entendimento, mal, a sentença decide pela existência desse direito, condenando a R, em montantes decorrentes dos quilómetros que o A. fez constar em mapas de registo diário, relativos, segundo alega, às viagens que realizou ao serviço da R; Ora, o A não fez, quando lhe incumbia tal tarefa, nos termos do art. 342º nº 1 do CC, prova de factos constitutivos desse direito.”
Considerou-se na sentença, quanto a esta questão: “ficou provado que o Autor e a Ré acordaram o pagamento de € 0,05 (cinco cêntimos) por cada Km percorrido por aquele. Ora, tendo também ficado provado que ele percorreu 9.297 Km no decorrer do mês de Novembro de 2015 e 11.799 Km no decorrer do mês de Dezembro de 2015, tem assim direito a receber relativamente ao mês de Novembro de 2015 a quantia de € 464,85 e relativamente ao mês de Dezembro de 2015, a quantia de € 589,95. No que concerne às diárias por deslocações resultou provado que o Autor e a Ré acordaram o pagamento no montante de € 13,00/dia por deslocações em Portugal e € 25,00/dia por deslocações internacionais, que seria pago a título de ajudas de custo. O Autor desde o dia 1 de Novembro de 2015 até ao dia 23 de Dezembro de 2015, esteve sempre deslocado fora de Portugal pelo que tem direito à diária acordada de vinte e cinco euros, o que dá uma soma de € 1.325,00 (€ 25,00 x 53 dias).”
Mais uma vez, a procedência da apelação está directamente dependente da procedência da impugnação da matéria de facto, pelo que, tendo sido nessa parte rejeitado o recurso, improcede aqui a apelação.
2.4. Finalmente alega a recorrente: “no que respeita à repercussão do prémio TIR e da cláusula 74ª, no subsídio de férias a receber pelo A., não se compreende, porque na realidade não se encontra explicado na sentença, como o Meritíssimo Juiz “a quo”, determinou o montante de 670,38€ a que a tal título condenou a R.; Nem se compreende como condenou, além do mais no subsídio de férias de 2016, ano em que o A. já não trabalhou para a R.; o A. recebeu o subsídio de férias, como o de Natal, este na proporção de metade, em duodécimos. Pelo teor da sentença, depreende-se, à míngua de uma demonstração de cálculo matemático, que o Meritíssimo Juiz “a quo” não teve em consideração os montantes já pagos em duodécimos por conta do subsídio de férias; Pelo que nos encontramos perante uma obscuridade da sentença, que carece do devido esclarecimento, sem o qual nem a apelante nem os demais intervenientes processuais se encontram habilitados a promover um juízo crítico sobre essa questão e assim exercer o contraditório.”
Da sentença consta: “Tem assim o Autor direito a ver repercutido nos subsídios de férias de 2015 e 2016 os complementos retributivos previstos na Cláusula 74ª e Prémio TIR, diferenças salariais esses que ascendem a € 670,38.”
Como se pode verificar, deste segmento decisório, a recorrente questiona apenas o montante constante como devido, por dois motivos, por se ter considerado o subsídio de férias de 2016 e por não se ter considerado o pagamento de metade de tal subsídio em duodécimos.
Esta última questão nenhuma relevância tem, uma vez que o que está aqui em causa é a falta de pagamento no subsídio de férias do prémio TIR e da cláusula 74ª, sendo portanto indiferente a forma como o subsídio foi pago.
Relativamente ao ano de 2016, assiste parcialmente razão à recorrente, uma vez que o pedido formulado pelo recorrido na petição inicial se refere aos anos de vigência do contrato, ou seja, 2014 e 2015, pelo que a referência feita na sentença aos anos de 2015 e 2016 se deve a manifesto lapso de escrita, que ora se corrige.
Relativamente ao valor, consta do ponto B da matéria de facto provada que ficara acordado que o recorrido receberia o “vencimento base mensal de € 505, acrescido do Prémio TIR no valor mensal de € 105,00 e da Cláusula 74ª da C.C.T. aplicável, no montante de mensal de € 284,06.”
Assim, com base nestes valores o montante em dívida pela falta de repercussão de tais prestações complementares no subsídio de férias de dois anos seria de (€ 105,00 + € 284,06 = € 386,06 X 2 anos =) € 778,12.
Sucede que, no art. 46º da petição inicial, o recorrido formula o pedido relativo a esta falta de pagamento em apenas € 670,38, montante inferior ao resultante da matéria de facto provada, pelo que bem se decidiu deferir apenas o montante pedido, também aqui improcedendo a apelação.

3. Falta de pré-aviso e eventuais consequências do mesmo
3.1. Alega ainda a recorrente: “Quanto à exigibilidade ou não, de aviso prévio do A. para com a R., na resolução do contrato de trabalho, é evidente a divergência de posições das partes e agora também quanto à posição expressa pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, na sentença, ao optar pela não exigibilidade de tal aviso prévio; Conforme se retira das declarações do A. prestadas em audiência de julgamento, ficheiro 20170403162926_14737, minuto 01,01 a 01,22, quando inquirido a tal propósito pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, respondeu “... foi dois anos exactamente ...” ( a duração do contrato); o que equivalendo a confissão, deve ser ponderado para a determinação do prazo de aviso prévio que, entendemos era devido pelo A; Tal prazo de aviso prévio, no caso, teria de ser de 60 dias, atenta a confessada duração do contrato; Efectivamente, o A alega que por telefonema do dia 23 de Dezembro de 2015, quando ainda em Espanha, comunicou à entidade patronal que não iria mais trabalhar para ela; Trata-se de mera alegação do A., que a não provou; Sendo certo para ele que optava desta forma pela cessação repentina do contrato, declarou em audiência de julgamento, ficheiro 20170403163529_14737, minutos 21,08 a 22,34, que nesse dia 23 de Dezembro de 2015, alguém “... foi me buscar na carrinha da D... em ...”, acrescentando quando questionado pela sua Mandatária sobre se tinha enviado uma carta para a R. em 28-12-2015 a denunciar o contrato, "Exacto"; Acrescentando ainda mais adianta, quando questionado sobre quando começou a trabalhar para a D..., “... Em Janeiro, lá para o dia 03 ou 04”; Mais adiante, quando questionado pelo Mandatário da R. sobre se a supra mencionada carta foi recepcionada por esta, respondeu, ficheiro 20170403163529_14737, minutos 30,00 a 32,34, “... não sei, não estava lá!...” Mas acrescentou de minutos 34,05 a 34,10, quando questionado sobre se considerava estar ao serviço da R. entre 24-12-2015 e 01-01-2016, “Sim!”; Reconhece ainda de minutos 36,11 a 37,22, ao responder “Claro!”, que a denúncia repentina sem “aviso prévio, deixa a empresa em dificuldades ...” ; Ora do que a este respeito se deixa alegado, resulta que o A. trabalhou dois anos para a R., pelo que foi legítima a retenção por esta de 505,00€, bem como é procedente o pedido reconvencional de 505,00 deduzido nos autos; Pois o A., não provou que efectuou o telefonema do sobredito dia 23 de Dezembro, como não provou ter sido recepcionada pela R. a sobredita carta de 28-12-2015; Apenas se prova a recepção da carta que com aviso de recepção enviou à R., em 06-01-2016, a denunciar o contrato com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2016, ou seja uns dias antes (...) também por aqui, faz todo o sentido o entendimento da R., de que a cláusula não isenta o trabalhador do prazo de aviso prévio, nem tal seria compaginável com o objecto da empresa e a necessidade e imposição da legislação laboral, de se organizarem atempadamente os tempos de trabalho dos motoristas; (...) Nem aliás, a carta de 06-01-2017 do A. para a R, explica que estivessem já reunidas as condições na D..., para fazer cessar de imediato, já que é essa a sua interpretação da cláusula; Pois a aceitar tal interpretação, a reunião dessas condições seriam a condição para dispensar o aviso prévio.”
Sobre esta questão consignou-se na sentença recorrida:
“Há por último que apreciar se o Autor estava obrigado a avisar previamente a sua entidade empregadora de que iria resolver unilateralmente o contrato.
“Dispõe o art. 400º nº 1 do Código de Trabalho de 2009 que “O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.” Dado que o Réu começou a trabalhar para a Ré no dia 1 de janeiro de 2014 tendo trabalhado para esta até ao dia 23 de dezembro de 2015, tinha menos de dois anos de antiguidade à data da cessação do contrato pelo que o prazo mínimo de pré-aviso que estava legalmente obrigado a dar era de 30 dias.
“Deverá ser esta a data a considerar para efeitos de cessação do contrato de trabalho, como aliás a própria Ré o considerou ao pagar o vencimento de dezembro, prémio TIR e Cláusula 74ª tendo em consideração esse dia. Como bem refere Luís Menezes Leitão, in Temas Laborais, Almedina pag. 121, a denúncia ao contrário do que sucede na resolução não se baseia em fundamento algum, sendo por isso de exercício livre, adiantando ainda que como a vigência do contrato de trabalho ilimitada no tempo seria contrária à liberdade económica das pessoas, que não se compadece com a criação de vínculos perpétuos ou de duração indefinida.
“Entende também Maria Rosário Ramalho na sua obra “Direito do Trabalho Parte II”, pág. 921 que esta modalidade de cessação é uma projecção do princípio constitucional da liberdade de trabalho e evidencia o maior desequilíbrio entre a posição jurídica do empregador e do trabalhador na matéria da cessação do contrato de trabalho, uma vez que o empregador não dispõe desta modalidade de cessação do contrato.
“Por sua vez, ensina Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho”, 3ª edição, pág. 943 e ss. que o contrato de trabalho, sendo uma relação duradoura, não implica uma vinculação perpétua do trabalhador que a todo o tempo se pode desvincular, sendo que o trabalhador que pretenda pôr fim ao contrato pode recorrer à denúncia ad nutum e não tem de indemnizar a contraparte se comunicar por escrito a sua intenção de se desvincular com a antecedência estabelecida.
“Verifica-se deste modo que efetivamente o Autor poderia fazer cessar unilateralmente o seu contrato de trabalho. Como salienta Júlio Gomes no seu manual “Direito do Trabalho”, volume I, Coimbra Editora, pág. 1039, a liberdade do trabalhador de denunciar o seu contrato de trabalho a todo o momento, sem necessidade de uma justa causa, representa o reconhecimento da dimensão pessoal da sua prestação.
“Esse aviso prévio que tem, como vimos uma duração variável, dependendo do tempo de permanência do trabalhador naquela empresa, visa acautelar o empregador perante uma cessação intempestiva. Se o trabalhador não cumprir esse tempo de permanência na empresa, tal não implica naturalmente que a denúncia não seja válida ou que ele possa ser obrigado continuar a trabalhar para aquela empregadora, preceituando porém o art. 401º do Código de Trabalho de 2009 que: “O trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência”.
“Deste modo, caso o trabalhador não cumpra, total ou parcialmente esse prazo de aviso prévio, terá de indemnizar o empregador, na proporção dessa omissão. No caso em apreço torna-se necessário interpretar a cláusula 3ª alínea b) aposta no contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, com o seguinte teor: “Fica desde já acordado e aceite pelo 2º Outorgante ser transferido para a empresa “D..., Lda”, assim que estejam reunidas as condições para tal, revogando o contrato com a 1º Outorgante a partir dessa data, mesmo não coincidindo com a data prevista na cláusula 2ª”.
“Alega a Ré que a invocada Cláusula 3ª b), previa a transferência do Autor, por conveniência deste, para outra entidade, mas não o isentava de cumprir o aviso prévio e tinha um período de tempo limite para a sua aplicação, a saber 30-06-2014. Salvo o devido respeito que é todo, não posso concordar com tal argumentação jurídica. Interpretar uma declaração de vontade, nas palavras de Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, 4ª reimpressão, pág. 305 e ss. equivale a determinar o sentido com que ele há-de valer se valer puder. Trata-se de saber quais os efeitos a que ele tende conforme tal declaração. Adianta ainda aquele insigne Professor que a declaração deverá ser interpretada com o sentido que seria efetuado por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. Toma-se portanto este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias. Trata-se da chamada teoria da impressão do destinatário, maioritariamente aceite e que, entre nós se encontra consagrada no artigo 236º nº 1 do Código Civil. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, mediamente instruído, diligente e sagaz, colocado na posição do declaratário normal, podia deduzir do comportamento do declarante, levando em conta o contexto em que a mesma foi proferida e o circunstancialismo que lhe sucedeu. Ora ficou provado que o Autor antes de ir trabalhar para a “C...” tinha estado a trabalhar para a “D..., Lda”, tendo sido acordado entre o Autor e os representantes dessas duas empresas que ele regressaria, logo que a “D..., Lda”, tivesse possibilidade de o admitir novamente ao seu serviço, o que sucedeu a partir do início de Janeiro de 2016. É de concluir que as partes contratantes com essa cláusula permitiram que o Autor a qualquer momento pudesse regressar para trabalhar na sua antiga entidade empregadora. Com essa cláusula a Ré não abdicou em geral da necessidade de aviso prévio para o Autor denunciar o seu contrato de trabalho, ficando reservada tal faculdade apenas para a hipótese de ele ir trabalhar para a “D..., Lda”, o que sucedeu.
“A não entender-se assim não se vislumbra qualquer outro sentido que levasse as partes contratantes a aporem tal cláusula, que aliás nem é normal existir nos contratos de trabalho. Relativamente ao facto dessa cláusula ter um prazo de validade temporal, também considero não suceder pois que resulta da referida cláusula que ela teria validade “mesmo não coincidindo com a data prevista na cláusula 2ª que era a data do termo do contrato de trabalho inicialmente fixada.
“Temos deste modo que é ilícita a retenção da quantia efetuada pela Ré a título de indemnização por falta de aviso prévio, pelo que o Autor tem direito a receber tal montante de € 505,00.”
Não está em causa a possibilidade de denúncia do contrato por parte do recorrido, como bem se analisa na sentença sob recurso.
A questão prende-se com a obrigação, ou não, de indemnização por a denúncia não cumprir o prazo de pré-aviso previsto no art. 400º, nº 1, do Código do Trabalho.
Importa começar por realçar que a indemnização prevista no art. 401º do Código do Trabalho opera automaticamente, sem necessidade de alegação e prova de eventuais prejuízos que a falta de cumprimento do pré-aviso possa causar ao empregador, conforme o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de junho de 2015, supra identificado, no qual se refere: “face ao estatuído neste preceito legal, o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou da obrigação assumida em pacto de permanência. Como assinala Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, pág. 548), «[a]pesar de a letra da lei parecer indicar que há duas indemnizações – uma igual à retribuição-base e diuturnidades e outra equivalente aos danos causados – aplicando-se a primeira «sem prejuízo» da segunda, julgamos ser pacífico que a indemnização devida pelo trabalhador é uma só, cujo valor será, no mínimo e independentemente da ocorrência de danos, igual ao da retribuição-base e diuturnidades, podendo ser mais elevado quando o empregador prove que sofreu danos de montante superior ao valor mínimo da indemnização que o trabalhador está obrigado a pagar». A norma em causa corresponde, embora com alterações de redacção, ao artigo 448.º do Código do Trabalho de 2003, que por sua vez correspondia, se bem que também com diferente redacção, ao artigo 39.º da LCTT. No âmbito desta última norma, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-2003 (Recurso n.º 4495/02, disponível em www.dgsi.pt), que a mesma previa «(…) dois tipos de indemnização para a falta de aviso prévio da rescisão do contrato pelo trabalhador. O primeiro, que funciona automaticamente pelo simples facto de ter sido omitido, total ou parcialmente, o aviso prévio, independentemente de que daí tenha ou não emergido qualquer dano para o empregador; o segundo, que só tem lugar quando houver danos que possam ser adequadamente imputados ao não cumprimento do prazo de aviso prévio».”
3.2. Posto isto há então que analisar se o recorrido se encontrava dispensado do cumprimento do pré-aviso, nos termos da cláusula 3ª alínea b) aposta no contrato de trabalho.
A recorrente insurge-se contra a decisão invocando dois argumentos distintos: 1. “a cláusula não isenta o trabalhador do prazo de aviso prévio”; 2. “a carta de 06-01-2017 do A. para a R, [não] explica que estivessem já reunidas as condições na D..., para fazer cessar de imediato”.
Quanto à primeira questão, subscrevem-se as considerações explanadas na sentença.
Na interpretação da vontade e declaração negociais há que atender ao disposto no art. 236º do Código Civil nos termos do qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Tal preceito acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de harmonia com a qual a determinação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto.
Para a interpretação integral do acordo que se retira da dita declaração, o tribunal tem que socorrer-se de todas as circunstâncias susceptíveis de esclarecer o que era pretendido pelas partes, sendo que, tratando-se de negócio formal, valerá o sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto – cfr. o art. 238º, nº 1, do Cód. Civil. O sentido correspondente ao texto documento é manifesto e claro e não admite muitas alternativas, não nos restando dúvidas quanto ao seu sentido e alcance.
No caso, conforme se refere na sentença, a cláusula em causa só pode ser interpretada no sentido de dispensar o trabalhador do prazo do pré-aviso, desde que verificada a condição nela prevista, uma vez que, a entender-se diferentemente, a cláusula não faria qualquer sentido.
Relativamente à segunda questão, já se afigura que assiste razão à recorrente.
Efectivamente, como se referiu, a cláusula só dispensava o recorrido do cumprimento do prazo de pré-aviso se se verificasse a condição nela prevista, “ser [o recorrido] transferido para a empresa “D..., Lda”, assim que estejam reunidas as condições para tal.”
Sendo assim, impunha-se que o recorrido referisse na comunicação de denúncia do contrato o fundamento em questão, sob pena de não poder a recorrente verificar a validade da denúncia. Ou seja, a cláusula não pode conferir ao trabalhador a faculdade de denunciar livremente o contrato, em qualquer altura, mas apenas de o fazer, fora da data do termo aposto no mesmo, no caso de verificação da referida condição.
Impunha-se, portanto, que o recorrido invocasse a aludida condição na comunicação da denúncia do contrato. Tal não foi provado, sendo certo que sobre o recorrido impendia o respectivo ónus de prova, nos termos do art. 342º, nº 2, do Código Civil (da comunicação escrita junta aos autos, datada de 28 de Dezembro de 2015, apenas consta o seguinte: “Venho por este meio informar que pretendo rescindir o contrato de trabalho a termo incerto que tenho com a V/ empresa que tenho desde 01/Janeiro/2014, com efeito a partir de 01/Janeiro/2016”).
Esta omissão não pode ser suprida com a alegação e prova feita em Tribunal que “O Autor foi trabalhar para a “D..., Lda.”, no início do mês de janeiro de 2016”.
3.3. Relativamente ao prazo de pré-aviso, alega a recorrente que “Tal prazo de aviso prévio, no caso, teria de ser de 60 dias, atenta a confessada duração do contrato; Efectivamente, o A alega que por telefonema do dia 23 de Dezembro de 2015, quando ainda em Espanha, comunicou à entidade patronal que não iria mais trabalhar para ela; Trata-se de mera alegação do A., que a não provou.”
O que consta da matéria de facto provada, nos pontos E e F, é o seguinte: “O Autor trabalhou para a Ré desde 1 de janeiro de 2015 até ao dia 23 de dezembro de 2015”; “No dia 28 de dezembro de 2015 o Autor enviou à Ré uma carta registada a rescindir o contrato de trabalho com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016, enviando nova carta de idêntico teor, em 6 de janeiro de 2016.”
A procedência da pretensão da recorrente de ver reconhecido que o contrato de trabalho perdurou por mais de dois anos, para efeitos de determinação do prazo de pré-aviso, dependia, portanto da procedência da sua impugnação da decisão relativa à matéria de facto, pelo que, rejeitada esta, importa considerar que o prazo de pré-aviso era apenas de trinta dias.
Assim, uma vez que a recorrente reteve o valor correspondente a um mês de salário do recorrido, não tem que devolver tal quantia, em contrário do que se decidiu na sentença, mas também nada mais tem a receber do recorrido.
Assim, neste aspecto, procede parcialmente a apelação.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em rejeitar o recurso relativamente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, e julgar parcialmente procedente a apelação, absolvendo-se a recorrente da condenação na devolução ao recorrido da quantia retida de € 505,00 (quinhentos e cinco euros), no mais se confirmando a sentença recorrida, indo assim a recorrente condenada a pagar ao recorrido a quantia de € 3.205,18 (três mil duzentos e cinco euros e dezoito cêntimos).
Custas em ambas as instância na proporção do decaimento.

Porto, 7 de Maio de 2018
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes