Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
585/11.6TABGC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: GRAVAÇÃO DE IMAGENS
PROVA PROIBIDA
COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS
JUSTA CAUSA
REPRODUÇÃO DE IMAGENS
Nº do Documento: RP20131023585/11.6TABGC.P1
Data do Acordão: 10/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - São válidas, podendo ser valoradas pelo julgador (não constituindo métodos proibidos de prova) as provas que consistem na gravação de imagens (no caso filmagem) feita por particular (ofendido), direccionada para um local público, particularmente dirigida para o seu veículo automóvel, estacionado na via pública, apenas com vista a apurar quem era o autor dos danos (consistentes em sucessivos e repetidos riscos e outros estragos) que nele vinham sendo causados, bem como a reprodução, em suporte de papel, de imagens dessa filmagem retiradas.
II - A gravação de imagens em local público, por factos ocorridos na via pública, sem conhecimento do visionado, tendo como única finalidade a identificação do autor do crime de dano (que atinge o património do particular que fez a filmagem), o qual veio a ser denunciado às autoridades competentes, mesmo que não haja prévio licenciamento pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, constitui prova válida (art. 125º do CPP) por neste caso existir justa causa para essa captação de imagens (desde logo documentar a prática de infracção criminal que atenta contra o património do autor da filmagem, que depois apresentou a respectiva queixa crime), por não serem atingidos dados sensíveis da pessoa visionada e nem ser necessário o seu consentimento até olhando para as exigências de justiça.
III - A imagem captada nas circunstâncias deste caso concreto, por um lado não constitui nenhuma violação do “núcleo duro da vida privada”, nem do direito à imagem do visionado, não sendo necessário o seu consentimento para essa gravação, tal como decorre do art. 79º, nº 2, do CC (estando a filmagem do suspeito justificada por exigências de justiça) e, por outro lado, aquela conduta do particular que fez a filmagem de imagens em local público não constitui a prática do crime de “gravações e fotografias ilícitas” p. e p. no art. 199º, nº 2, do CP, nem tão pouco integra a prática de qualquer ilícito culposo segundo o ordenamento jurídico, mesmo considerado este globalmente.
IV - Não sendo ilícita, nos termos da lei penal, a filmagem de imagens em local público, feita por particular, nas circunstâncias deste caso concreto, também a reprodução mecânica dessa filmagem (através da junção ao processo, quer do CD contendo a dita gravação de imagens, quer da reprodução em papel de imagens dela retiradas) é permitida, tal como decorre do art. 167º, nº 1, do CPP.
V - Esta nova forma de “privatização da investigação” (expressão usada por Costa Andrade a propósito, entre outros casos, de gravação de imagens por agentes privados, por eles trazidas ao processo) tem de ser analisada caso a caso, tendo em vista a salvaguarda daquele «núcleo duro» da vida privada da pessoa visionada (que abrange os dados sensíveis tal como definidos pela Lei de Protecção de Dados Pessoais), o qual assume uma multiplicidade de vertentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 585/11.6TABGC.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. No Tribunal Judicial de Bragança, nos autos de processo comum (tribunal singular) nº 585/11.6TABGC, a correr termos no 1º Juízo, foi proferida sentença, em 4.3.2013 (fls. 327 a 350 do 1º volume), constando do dispositivo o seguinte:
Tudo visto e ponderado, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, o Tribunal decide:
I.
a) Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, na forma consumada e com dolo directo, de um crime de dano simples, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º e 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo o montante global de € 595,00 (quinhentos e noventa e cinco euros);
b) Condenar o arguido no pagamento das custas, com taxa de justiça de 4 (quatro) U.C.’s (cfr. artigos 513.º e 514.º do C.P.P., artigo 8.º, n.º 5, do R.C.P. e tabela III anexa ao Regulamento);
II.
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante C… contra o arguido e, em consequência, condenar o demandado B… a pagar-lhe as quantias de € 500,00 (quinhentos euros) e de € 471,44 (quatrocentos e setenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos), respectivamente, a título de danos não patrimoniais e de danos patrimoniais sofridos em consequência do crime de que foi vítima, acrescida a quantia devida pelos danos não patrimoniais de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento e a quantia devida pelos danos patrimoniais de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação para contestar o pedido e até efectivo e integral pagamento;
b) Julgar improcedente quanto ao remanescente o pedido formulado pelo demandante, dele absolvendo o demandado.
c) Sem custas da parte cível por delas estarem isentos demandante e demandado (cfr. artigos 446.º do C.P.C. e artigo 4.º, n.º 1, alínea m), do R.C.P.).
(…)
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2. Não se conformando com a sentença, recorreu o arguido B… (fls. 355 a 379 do 2º volume), formulando as seguintes conclusões:
1 - DA ILEGALIDADE DA PROVA
Na sua douta sentença a Meritíssima Juiz motiva a sua recorrida motivação da consideração dos factos provados terem resultado da conjugação das declarações prestadas pelo DEMANDANTE CIVIL e pelo ARGUIDO e dos depoimentos prestados pelas testemunhas que, de uma forma ou de outra, presenciaram os factos ou deles tiveram conhecimento com os demais elementos constantes dos autos, “DESDE LOGO AS FOTOGRAFIAS DE FLS 6 – 11, OS ORÇAMENTOS DE FLS. 12 e 292, OS VIDEOGRAMAS de FLS. 57-60, 279-283 e 295-300, A INFORMAÇÃO DE FLS !=$, A PARTICIPAÇÃO DE FLS 105/105 v, A CERTIDÃO DO INQUÉRITO Nº 84/12.9TABGC de FLS. 214-220, INFORMAÇÕES DA CM DE … de Fls 227-232, OS MAPAS DE FÉRIAS E DOCUMENTOS FISCAIS JUNTOS NA ÚLTIMA SESSÃO DE JULGAMENTO”
A fls 332 dos autos e onde a Meritíssima Juiz desenvolve a sua convicção, assenta-a “na junção, pelo assistente ao processo, uma gravação de imagens dessa mesma noite, com cerca de duas horas e meia de duração, explicando que, devido ao facto de desde há uns meses, o seu veículo parecer sucessivamente “vandalizado”, durante a noite, conforme sugerido por uma amigo seu, resolveu colocar uma câmara de vídeo direccionada para o seu veículo automóvel para tentar descobrir o autor dos danos verificados. Segundo esclareceu, havia colocado essa câmara de vídeo cerca de uma semana antes do dia em questão. Ora, o visionamento de tal gravação, efectuada em audiência de julgamento ocorrida no dia 20 de Fevereiro de 2012, permite confirmar a versão do demandante civil e das referidas testemunhas.”
2 - A fls 33 dos autos e com o que, respeitosamente, discordamos, a Meritíssima Juiz escreve:
“Ora, o que se visiona nos referidos momentos é totalmente compatível com a descrição que o demandante fez dos mesmos, concretamente todos os movimentos e gestos que viu o arguido fazer a partir da janela de sua casa, sendo que quanto ao segundo momento, como vimos, é confirmada pelas duas testemunhas que estavam presentes”.
3 - A fls. 334 a douta sentença sublinha …”a descrição fiel das imagens que acima reproduzimos…”
4 - Ainda na mesma página 334 dos autos a douta sentença recorrida reafirma que na GRAVAÇÃO se vê a testemunha D…, sogra do assistente, a sair de um veículo que parou na rua mesmo ao lado do BMW .. do demandante e só meia hora depois é que a vemos a entrar em casa da tia, para além de o demandante e as testemunhas E… e F… terem referido….
Ora, na GRAVAÇÃO supra referida vemos o momento em que a testemunha D… entra na casa do arguido, precisamente aos 58,20s, dela tendo saído às 02h02m37s, o que permite confirmar, grosso modo, as horas a que o demandante e as testemunhas referiram ter visto o arguido….”
5 - “Por seu turno, as declarações do arguido não lograram descredibilizar por qualquer forma aqueloutra versão, já que se limitou a negar os factos que lhe são imputados e até a negar o óbvio, DOCUMENTADO NAS IMAGENS GRAVADAS, alegando que na noite do dia 11 de Agosto de 2011 esteve num jantar em … organizado pelo seu filho. Sublinhe-se:
DÚVIDAS NÃO HÁ de que os factos ocorreram na noite de 11 de Agosto de 2011 e estão documentados na GRAVAÇÃO feita pelo demandante civil, cuja primeira reprodução foi feita precisamente no dia seguinte, conforme se verifica pela análise das propriedades do ficheiro constante do último CD junto aos autos.”
6 - A fls 336 da douta sentença de que se recorre, a Meritíssima Juiz reforça a sua decisão na “CLARIVIDÊNCIA DAS IMAGENS GRAVADAS VISIONADAS”.
7 - Com tanta certeza o faz a Meritíssima Juiz que a seguir e na mesma fl. 336 afirma de forma convincente:
“Desde logo, as imagens gravadas mostram-nos que naquele dia o arguido não esteve no dito jantar ou, pelo menos, não esteve no período de tempo mencionado por todas aquelas testemunhas…”
8 - A fls. 337 dos autos acentua-se “As imagens falam por si …”
Ainda a fls. 337 dos autos se acentua que “as imagens provam que esteve efetivamente em casa do arguido…” – Quando nada provam que tivesse estado, porque não esteve, matéria a fundamentar mais adiante neste recurso, com base nas provas.
Sentido e força PROBATÓRIA que a Meritíssima Juiz dá às imagens que viu que a fls 338, reforça esse valor como que incontroverso – “Mais uma vez dizemos – as imagens falam por si”.
9 - Foi com base numa gravação ilegal, feita por um particular, que aponta uma câmara de gravação para a rua e para a porta do arguido e sua família, controlando-lhe todos os movimentos e de sua esposa e sem que para tal tivesse o consentimento destes, que desconheciam estarem a ser filmados durante uma semana.
10 - Versão dita em audiência de julgamento pelo assistente e pela sua sogra e testemunha, D…, cujos depoimentos se encontram gravados.
Assim sendo, tanto o assistente como sua sogra, violaram o disposto na Lei nº 67/98, de 26 de Outubro – Lei da Proteção de Dados e o Regulamento sobre a instalação de videovigilância.
Tal incumprimento legal implica responsabilidades penais e contra-ordenacionais, que escapam ao âmbito do presente recurso.
11 - Não escapa a ilegalidade daí resultante e de se poder acreditar na força probatória duma gravação feita com “habilidades”, “supostamente com montagens” e, muito importante, sem que as imagens apresentadas e vistas na audiência de julgamento refiram, em parte alguma, o momento temporal em que a dita filmagem foi feita.
12 - O que apenas se vê é a data da gravação do CD visionado, que pode ser manuseada conforme bem apetecer ao “artista”.
Porque o que o assistente não quis apresentar para provar a sua “lisura” e a verdade das suas eventuais razões, o PC com o disco onde fez a gravação inicial?
Esta sim a única prova séria e inamovível da data em que as imagens foram obtidas.
Porque, consultem-se os autos e nele já existiram quatro CDS e todos com data diferentes.
Ao arguido, para observar as imagens, foi entregue pelo assistente um CD com a data de 24/01 de 2013.
Agora, no final da Audiência de Julgamento, foi entregue à Meritíssima Juiz com a data de 12/08/2011.
Óbvio e com toda a certeza esta data não corresponde à data da gravação inicial, registada em ficheiro no disco rígido e inamovível.
Todas as demais gravações permitem manusear a data ao jeito de quem convier, inclusive, gravar com data antecipada à registada no ficheiro de gravação.
Pelo que, de forma alguma, as imagens referidas merecem qualquer credibilidade, devendo ser consideradas NULAS.
13 - O dito veiculo BMW .. ..-JO-.., onde se vê nas imagens?
Em qualquer imagem do vídeo ou dos fotogramas, extraídos do vídeo?
Nem se vê marca, nem matrícula, nem nada riscado ou defeituoso!..
Nada identifica o veículo em causa…dito objeto dos riscos.
O arguido só se identifica poder ser ele mesmo no momento em que sai e entra em sua casa …porque não poderia ser mais ninguém…
14 - Segundo declarações do assistente no seu “decorado” depoimento, totalmente suportado nas mal visíveis imagens e temporalmente indeterminadas e gravadas a seu “jeito e interesse e como consta no seu depoimento gravado e cuja transcrição se junta ao presente recurso e a instâncias da Senhora Procura Adjunta, a partir do minuto 00:27:52, diz ter tido a câmara a filmar durante uma semana, antes dos factos.
Declarando também perante o Tribunal “que a câmara fazia uma gravação durante 24 horas”.
Ora, se a câmara filmava durante 24 horas, reportando-nos a uma semana antes dos factos … a gravação inicial e de onde foi retirada a gravação do CD visionado e os fotogramas, terá sido, COM TODA A CERTEZA, antes do dia 11 de Agosto de 2011.
15 - E se filmava 24 horas, porque só entrega uma gravação com a duração de 2H 30m e 44 s?
Que nada a qualifica e especifica para merecer credibilidade?
Segundo o vídeo visionado pelo arguido e entregue pelo assistente, tem a data de modificação em 24/01/2013.
Visionado já a gravação centenas de vezes, com todo o pormenor, sem que alguém se possa identificar com certeza mínima e segurança, verifica-se:
- Passaram 159 pessoas nessas 2h 30m 44 s;
- Passaram quatro carrinhos de bébé;
- Passou uma pessoa de bicicleta;
- Importante, que ao 01m 13 s verifica, com precisão identificável, que o assistente sai de sua casa, atravessa a rua e se dirige ao dito carro. Se era seu o veículo, porque não o abriu?
Porque se dirigiu à porta do lado do passeio regressando de novo a casa?
Tudo leva a crer que o automóvel não era o dito seu BMW … quando não….não teria tido os movimentos que teve e consta do filme.
- Ao minuto 5,16 passou um grupo de nove pessoas;
- A testemunha e sogra do assistente chegou a casa, saída de um automóvel – que se descreve na sentença recorrida – por volta do minuto 30, 20s.
- Aos 46m, 10 s , o identificado na sentença recorrida – que não assume tal – cumprimenta um dito vizinho…que não se sabe quem e sequer se é vizinho.
- Aos 47m, 40 s a esposa do arguido – porque as imagens focam a sua porta de casa, senão seria inidentificável – veio à porta;
- Aos 57m, 39 s a testemunha D…, sogra do assistente, bate à porta do arguido – tudo se presume ser ela, porque o disse em Tribunal, já que de rosto e outros elementos físicos se não identifica – e parece fazer sinal para a janela de sua casa, onde, eventualmente, se encontraria a produção da filmagem;
-À 1h 20m e 36 s parece ser o arguido, vir do café, em sentido contrário ao do carro estacionado – sem qualquer identificação pública retirada (mau técnico de imagem) – para sua casa, obviamente;
- Tendo entrado em casa no momento 1h 22 m e 47 s – vindo do lado contrário, sem passar pelo volume negro com forma de carro;
- À 1h42m e 14 s passam duas pessoas, não identificáveis e em que uma foi mesmo à traseira do dito vulto inidentificado com a forma de carro. O que foi lá fazer?
- Às 2h,00.10s duas pessoas inidentificáveis, mexem nos para-brisas de alguns carros, presume-se;
- Às 2 h 2m e 40 s a testemunha e sogra do assistente sai de casa do arguido, onde teria estado com sua tia G… Tendo estado precisamente uma hora na casa do arguido.
- Às 2h 23 40 s o arguido sai de casa, deixa a porta aberta, vai despejar o lixo e nada se lhe vê na mão a não ser o lixo.
Regressa a casa tinha a porta aberta…e nem sequer se aproximou do dito veículo inidentificado.
- Entre as 2h 23, e 19 s até às 2h 30m e 44 s da duração do vídeo, nada mais se vê e nem sequer o assistente e as duas ditas visitas que tinha em casa, que no seu depoimento – como à frente se provará pelos seus depoimentos – se viram chegar ao dito automóvel, quando o disseram ter sido logo de seguida – demorariam o máximo 2 minutos: descer as escadas do primeiro andar e atravessar a rua, tempo que a testemunha F… e reafirmado pela Meritíssima Juiz, bem poderiam ainda ter sido vistos a ver os danos dos riscos feitos pelo arguido…não se vêem e passam quase oito minutos até final.
Porque o filme é uma “criação” do assistente…totalmente montado e moldado por ele para denegrir a imagem dum homem de bem e sério…com 81 anos de idades.
16 - Assim o diz F…, no depoimento da testemunha apresentada pelo assistente, gravado no CD da Audiência de Julgamento com o nº 20130208113311_78569_65227, que ao minuto 05:24 do seu depoimento e até final do mesmo, confirma e reconfirma que “não viu fazer risco nenhum e apenas viu um gesto”, assim respondendo, repetidas vezes às questões levantadas pela Meritíssima Juíza, pela Sra. Procuradora e elo mandatário do arguido – SEMPRE SÓ TER VISTO O ARGUIDO FAZER UM GESTO.
17 - O Tribunal não deveria, NUNCA, motivar a sua convicção nas imagens que a douta sentença referem e que diz serem “imagens que falam por si” …quando mostrarão precisamente NADA.
18 – Deverá, assim, ser determinada a ILEGALIDADE DA PROVA feita pela gravação e fotogramas dela retirados, que nada mostram e, obtidas de sem autorização legal, portanto, PROVAS ILEGAIS.
19 - A participação do assistente entra no Ministério Público em 29/11/11 e ele quem escreve e/ou mandou escrever que os factos ocorreram em 12 de Agosto de 2011.
20 - E consta nessa participação, duas vezes em 12 de Agosto de 2011.
21 - O seu Ilustre Mandatário também sempre e na dedução do PIC, declara que os factos ocorreram no dia 12 de Agosto de 2011.
22 - No requerimento da abertura de Instrução, o arguido sustentando-se na mesma participação do assistente, requereu fossem pedidas certidões à PSP sobre o momento em que tirou as fotos dos danos no veículo e relativamente à denúncia dos quatro meses anteriores com referência a 12 de Agosto que declarava ter também feito.
A PSP de Bragança enviou ao Tribunal de Bragança as duas certidões e que constam dos autos.
23 - Juntando documentos, constantes dos autos, onde se diz que há uma participação registada sob o NPP 313370/2011, datada de 06-07-2011, onde são referidos danos na viatura de matrícula ..-JO-...
Danos que o documento especifica, com a assinatura do assistente, cujo texto se dá por integralmente reproduzido e onde o assistente descreveu, PRECISAMENTE, os mesmos danos que referiu na queixa – crme que deu origem a esta sentença recorrida.
Precisamente os mesmos:
“o participante por norma estaciona o veiculo nas proximidades da residência (Não diz o local habitual) – parêntesis nosso . Qua há cerca de quatro meses a esta parte, o participante tem verificado sucessivos danos no veículo, nomeadamente riscos na pintura, nas portas laterais, parte posterior e parte frontal da viatura, o farolim traseiro lado direito.
Que estes danos referidos, são praticados por DESCONHECIDOS, durante o período noturno, presumindo o participante, que possam ocorrer entre as 07h00 e as 08h00 da manhã.”.
24 - Trata-se, pois, dos mesmos danos que enumerou como tendo acontecido em 12 de Agosto de 2011 e como consta das declarações do assistente gravadas na audiência de julgamento, NUNCA reparou os danos aqui participados.
25 - Confrontado com todas estas provas que faziam sucumbir a sua “maliciosa” estratégia de denunciar caluniosamente um familiar de sua esposa – com que intentos? – óbvio que em sede de instrução só havia uma forma de contrariar a verdade probatória dos documentos – LAPSO, foi dia 11 de Agosto.
26 - Como não deve deixar de ser apreciado e porque contra todas as regras da experiência da vida de um homem normal e médio que, dizendo terem os factos ter ocorrido em 12 de Agosto de 2011, só haja pedido o orçamento junto aos autos em 30 de Outubro de 2011 e apresentado a queixa em 29/11/2011. Porquê todo este ritmo de “tartaruga” para quem se disse tão zeloso para com o tratamento do seu veículo e que ainda não terá reparado?
27 - Não se tendo nunca provado e com o devido respeito, que os factos hajam ocorrido no dia 11 de Agosto de 2011.
28 - O assistente, C…, no seu depoimento gravado e aqui reproduzido, com o nº 20130123153039_78569_64227 em todo o mesmo…”engole” palavras e raciocínios e nada diz sobre a data. Diz ter sido LAPSO e após confrontado com as certidões policiais e depoimentos em inquérito.
Ao minuto 22:10 do seu depoimento diz “ainda não ter reparado o carro”.
29 - No seu depoimento esclarece, a perguntas da Meritíssima Juiz e da Senhora Procuradora, a forma como procedeu à gravação através da câmara do PC.
30 - Já no depoimento global da testemunha e sogra do assistente, D…, e gravado com o nº 210302208101156_78569_64227, aqui transcrito integralmente, nunca e em momento algum refere a data de 11 de Agosto de 2011.
Nem uma única vez, só diz e depois de várias insistências e em síntese…”foi nesse dia”, “foi no dia do filme que eu vi e também me lá vejo…”
A partir do início do depoimento e até final – a VERDADE e a JUSTIÇA impõem a audição do depoimento gravado e concluir-se que NUNCA esta testemunha referiu o dia 11 de Agosto de 2011. E esta testemunha mereceu a maior credibilidade para a convicção da Meritíssima Juíza.
Só diz saber porque viu a gravação – minuto 08:08 da gravação.
Minuto 08:16 da gravação – “foi o meu genro que me contou”.
Ouvindo os depoimentos desde os minutos 00:09:23, só diz “não saber o dia”, “é o dia em questão…nem o mês sabe…
E como se pôde concluir que esta testemunha disse ter sido dia 11 de Agosto de 2011?
Este depoimento tem a dignidade em nome da honra de um homem com 81 anos, para ser ouvido e reouvido…pois se trata de um depoimento confuso, incoerente e tendencioso…nada trazendo para a realização do direito. Assim se requer Ilustres Juízes Desembargadores…o que certamente farão, não se duvida.
O depoimento desta testemunha, convocada pelo Ministério Público tem ainda gravada a prova sob o nº 20130208105543_78569_64227, com transcrição que se junta.
31 - depoimento da testemunha E…, gravado e aqui transcrito, com depoimentos no CD 20130123165851_78569_64227, contrariamente ao que disse em sede de inquérito na PSP e ao que disse em sede de instrução, foi logo peremptório, dizendo ter sido dia 11 de Agosto, sem se lembrar de mais nada. Todo o demais depoimento feito é duma confusão atroz e apenas para justificar a defesa do amigo.
Contradições que passam por contradizer o vestuário do arguido – 00:05:07.
Depoimento relativamente curto prestado com silêncios e incongruências tendenciosas.
32 - O arguido desde início que refutou que os factos pudessem ter acontecido dia 11 de Agosto de 2011, porque nesse fim de tarde foi jantar com um grupo de amigos a …. Apresentou todas as provas testemunhais e até documentais para rebater as dúvidas levantadas sobre a existência ou não do jantar nesse fim de tarde de 11 de Agosto de 2011.
Foram ouvidas testemunhas de várias áreas de atividade – advogado (com escritório no Porto), Técnicos superiores da administração, do comércio, da contabilidade e outros – que foram que unânimes que estiveram no jantar, que aconteceu dia 11 de Agosto de 2011, que o arguido esteve presente e de lá saíu por volta da meia noite – logo não estava em sua casa à hora em que os danos senão denunciados – em segunda versão de data – pelo assistente.
33 - A sentença acredita que o jantar se realizou …e estranho, “que poderia ter sido noutro dia e que se foi no dia 11 de Agosto, ou o arguido não foi e/ou regressou mais cedo” – Vide douta sentença.
34 - Todas as testemunhas afirmaram que o arguido esteve presente e terá regressado, com a partida de … para …, por volta da meia noite. Logo, impossível estar em casa como acredito o Tribunal no depoimento da testemunha e sogra do assistente, D….
A ter vindo mais cedo, não teria jantado e, na interpretação da sentença, apenas veio para fazer as “patifarias” que inconsistentemente o levam a recorrer desta decisão. Porque, não cabe em qualquer sentido de vida prática dum homem médio, estar em jantar com amigos e filho e abandonar para vir Riscar um carro à sua porta!!!.
Quando todas as testemunhas por si arroladas e foram seis, afirmam e consta da gravação e referenciam com elementos de ciência, o dia 11 de Agosto como o dia preciso da realização do jantar em … no dia 11 de Agosto de 2011.
Será pertinente que se ouçam e sejam lidos os depoimentos das testemunhas, H…, Dr I…, J…, K… e L…, que depuseram sobre a realização do jantar no dia 11 de Agosto de 2011 em …, com a presença do arguido.
35 - Acreditar no depoimento da testemunha D… que nada diz e nem refere sobre o dia 11 de Agosto de 2011 e em desfavor de sua tia G…, que tudo esclareceu, considera o arguido uma decisão injusta e com a qual se não conforma, em nome da sua honra e dignidade pessoal e respeito pela sua idade de 81 anos e de ser pessoa muito considerada na cidade e concelho de Bragança e incapaz sequer de admitir andar envolvido nesta “garotice”, o que lhe tem causado graves prejuízos de saúde, como o declarou no seu depoimento, com seriedade e sem vacilar, a sua médica de família desde há mais de 30 anos e cujos depoimentos transcritos devem ser tidos em conta e com respeito.
Porque em momento algum a testemunha e médica, M…, demonstrou estar a ser tendenciosa e que pudesse merecer o apontamento escrito na douta sentença recorrida de que este depoimento, que não foi dito, ter “deduzido” : “ ou se calhar, até podemos, mas no sentido inverso ao pretendido, atenta a sua idade, as ligações familiares e a vergonha de ter sido “apanhado” em flagrante!”
36 - O assistente DENUNCIOU CALUNIOSAMENTE o arguido e pese a condenação de que recorre, continua a denúncia caluniosa e a difamação, pois na participação que apresentou relacionou danos e um orçamento dos mesmo que sabia serem falsos e que queria imputar ao arguido,
Nunca durante o julgamento mostrou arrependimento ou quis corrigir por sua livre iniciativa e vontade o orçamento inicial, sempre querendo receber para além dos danos que disse ter presenciado e filmado.
Foi por diligências da Meritíssima Juiza que aparece o segundo orçamento só para o lado direito do carro – embora para riscos que já lá estavam, como consta da descrição do dia 06/07/2013.
37 - Orçamento que o arguido recusou ter a haver com os presentes autos, uma vez o assistente, desde início, ter sustentado que o arguido lhe fizera aqueles danos no dia 12 de Agosto de 2011.
Logo os riscos do lado direito e conforme ao valor da condenação ter-se-ão relacionado com outros factos.
38 - As imagens vistas não mostram a matricula, marca e outras referências do veículo.
Portanto não identificável e nem o seu legítimo proprietário.
39 - Apesar da ilegalidade das gravações e dos fotogramas, requer o arguido que o filme seja visionado nos momentos temporais atrás descritos – e serão escassos 10 minutos – para se poder CONCLUIR que, em momento algum se pode ver que o arguido nem sequer se abeira do veículo inidentificável. Apenas permanece e entra sua porta.
40 - A prova do supra-alegado consta de todos os depoimentos testemunhais referidos e de que se juntam as respectivas transcrições, de onde resulta e como aliás refere a douta sentença recorrida, de que NINGUÉM das testemunhas de acusação disse TER VISTO RISCAR O CARRO – SÓ GESTOS.
41 - Ao atender e motivar questões de que não podia tomar conhecimento o Tribunal recorrido, como foi o caso de se ter suportado nas imagens ilegais e que bem repete a sua convicção ao longo da sentença condenatória, provocam com que a presente sentença seja de considerar NULA, nos termos do artº 379º, 1, al. b) do CPP.
42 - Ao ter considerado um segundo orçamento sobre os danos – oficiosamente pedido – sem que o assistente nunca haja admitido que esse orçamento se referissem aos factos da participação, acusação e pronúncia …considera o arguido que terá sido condenado por factos diversos dos descritos na pronúncia – cfr. artº 379º nº 1, c) do CPP.
43 - Perante a prova prestada e sem se considerar a ilegalidade da prova gravada – apenas atendendo aos documentos referidos e depoimentos das testemunhas referidas, o que se conclui é que:
- NADA PROVA – documentos e depoimentos testemunhais – que os factos denunciados pelo assistente hajam ocorrido dia 11 de Agosto de 2011.
Nem o filme e nem a testemunha e sogra D….
Nem todo os histórico formal do processo, que não deve ser considerado coisa inútil e vir a ser “salva” com a desculpa de lapsos do assistente.
44 – Como, considerada que seja a ilegalidade da prova, deve também ter sido em conta que, face à factualidade alegada e confrontada co os documentos e depoimentos prestados e aqui transcritos, irrefutável se evidencia que dia 11 de Agosto de 2011 o arguido esteve no jantar em … e nada prova que o filme – ilegal – não seja uma montagem e que não foi feita a filmagem em 11 de Agosto de 2011. Apenas se viram cópias gravadas…com datas diferentes e à vontade do assistente. Mas ele tem o PC e o ficheiro original…
45 - Com o devido respeito, considera também o arguido existir erro notório na apreciação da prova.
Termina pedindo o provimento do recurso, alterando-se a sentença, com a sua consequente absolvição, devendo as provas das gravações e fotos ser declaradas nulas.
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3. O Demandante civel C… comunicou que não pretendia responder ao recurso (fls. 697).
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4. Também na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento (fls. 698 a 715).
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5. Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer (fls. 724 a 727 do 3º volume), concluindo pela procedência do recurso, por considerar nula a prova consistente na gravação de imagens por particular.
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6. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
Respondeu o demandante cível nos termos que constam de fls. 731 a 733, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
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7. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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8. Na sentença sob recurso:
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 11 de Agosto de 2011, a hora não concretamente apurada mas antes das 21h30m, C… estacionou, como habitualmente, o seu veículo automóvel de marca BMW, modelo .. e matrícula ..-OJ-.., de cor preta, sensivelmente em frente da sua residência, sita na Rua …, n.º .., nesta cidade de Bragança.
2. Cerca das 21h30m C… recebeu em sua casa a visita de dois amigos, E… e F….
3. Cerca das 23h00m, quando C… ainda se encontrava na companhia dos referidos amigos, o arguido, que reside em frente da sua residência, no lado oposto da rua, saiu de casa e aproximou-se do dito BMW ..-OJ-.., tendo-se imobilizado por instantes junto à traseira do mesmo, após o que, utilizando um objecto não concretamente apurado, riscou a parte lateral do veículo.
4. Depois disso, o arguido regressou à sua residência, tendo voltado a sair cerca de uma hora após, trazendo numa mão um saco que foi introduzir num contentor do lixo existente nas traseiras do BMW ..-OJ-.. e, ao voltar para casa, aproximou-se novamente do dito veículo e, ao chegar junto dele, mais uma vez, com um objecto não concretamente apurado, efectuou mais uns riscos na sua parte lateral direita, após o que regressou a casa.
5. Em consequência do descrito em 3. e 4., o veículo de C… ficou com riscos acentuados na sua parte lateral direita, visíveis nas fotografias n.ºs 11 e 12 que se encontram juntas a fls. 11 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. O custo de reparação do veículo é de € 471,44, incluindo I.V.A..
7. Ao agir da forma descrita, o arguido fê-lo deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de danificar o veículo de C…, bem sabendo que o fazia contra a vontade do seu legítimo proprietário e que lhe causava um prejuízo patrimonial.
8. O arguido tinha ainda perfeito conhecimento de que esta sua conduta era proibida e criminalmente punida.
Mais se provou que:
9. Com tal actuação, o arguido causou a C… aborrecimentos, preocupações, vexame e revolta por ter sido danificado o seu veículo, adquirido em estado novo em Julho de 2010.
10. Em 6 de Julho de 2011, C… denunciou na PSP de Bragança que, desde há quatro meses, vinha sofrendo danos no seu veículo.
11. O arguido é tio da sogra de C… e com amizade de mais de 50 anos e almoços que, até ao conhecimento familiar dos factos ocorridos no dia 11 de Agosto de 2011, eram semanais.
12. O arguido e o demandante civil não têm qualquer relacionamento pessoal desde o ano de 1998 por ocasião de uma discussão havida entre o primeiro e a esposa do segundo a propósito de questões relacionadas com as eleições dos membros da Câmara Municipal ….
13. Desde o ano de 2010, o demandante civil reside na casa de habitação dos seus sogros sita na Rua …, n.º .., em Bragança.
14. Desde Março de 2011 que o veículo descrito em 1. aparecia sucessivamente riscado e com outros danos.
15. O arguido vive com a esposa em casa própria.
16. Aufere uma pensão de reforma no valor mensal de € 400,00 e rendimentos da “O…” que explora com o seu filho na ordem dos € 500,00 mensais.
17. A sua esposa também se encontra reformada, auferindo uma pensão mensal de € 250,00.
18. O arguido suporta mensalmente quantia não concretamente apurada a título de despesa de saúde, para além das despesas normais do dia-a-dia.
19. O arguido tem como habilitações literárias o antigo 3.º ano industrial.
20. Não tem antecedentes criminais.
21. O arguido é pessoa considerada e respeitada por todas as pessoas que o conhecem e consigo privam.

Quanto à matéria de facto não provada consignou-se:
Com pertinência para a decisão da causa, não se provaram os demais factos constantes da acusação pública, do pedido de indemnização civil e da contestação, nomeadamente que:
- nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o arguido efectuou riscos na parte posterior e frontal do veículo;
- o arguido partiu o farolim do lado direito traseiro do veículo;
- a reparação do veículo ascende a € 1.514,14;
- nas circunstâncias de tempo referidas em 1., o arguido esteve fora da cidade de Bragança.

Na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mencionou-se:
O Tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade ínsita nos factos provados com base na análise, crítica e global, de toda a prova produzida em audiência, incluindo documentos que se encontram juntos aos autos, com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do artigo 127.º do C.P.P..
Os factos considerados provados resultaram da conjugação das declarações prestadas pelo demandante civil e pelo arguido e dos depoimentos prestados pelas testemunhas que, de uma forma ou de outra, presenciaram os factos ou deles tiveram conhecimento com os demais elementos constantes dos autos, desde logo as fotografias de fls. 6-11, os orçamentos de fls. 12 e 292, os videogramas de fls. 57-60, 279-283 e 295-300, a informação de fls. 104, a participação de fls. 105/105v, a certidão do inquérito n.º 84/12.9TABGC de fls. 214-220, informações da CM de … de fls. 227-232, os mapas de férias e documentos fiscais juntos na última sessão de julgamento.
Desde logo, o Tribunal atendeu às declarações do demandante, o qual, de uma forma clara, objectiva e segura, descreveu o modo como os factos se precipitaram, logrando convencer da veracidade do que relatou pelo modo absolutamente esclarecedor, pormenorizado, sincero e expressivo com que o fez, principalmente quando conjugado com os depoimentos prestados pelas testemunhas E… e F… as quais relataram com seriedade, objectividade e isenção o que viram e ouviram acontecer na sua presença, sendo absolutamente coincidentes na descrição que fizeram do modo como, primeiramente, ouviram o demandante a comentar que acabara de ver o arguido a riscar o seu veículo automóvel e como, cerca de uma hora mais tarde, viram o arguido riscar novamente o veículo quando por ele passou quer quando foi em direcção aos contentores do lixo despejar um saco que trazia na mão esquerda e quando daí regressou a casa.
Com efeito, para além de ser em si mesmo absolutamente imparcial e verosímil, porque espontâneo, circunstanciado, temporal e espacialmente descrito e consistente, o relato feito pelo demandante civil mostra-se totalmente corroborado pelos depoimentos das referidas testemunhas, que asseguraram que ouviram aquele comentar, bastante espantado e incrédulo, que estava a acabar de ver, da janela da sala onde os três se encontravam, o arguido a riscar o seu veículo quando passou junto dele, explicando que desde que haviam chegado a casa do demandante viram-no bastante inquieto, indo frequentemente à janela, e que, atendendo a esse primeiro momento, resolveram ficar os três à janela, quando cerca de uma hora depois viram, juntamente com o demandante, o segundo momento em que o arguido, quando se dirigiu ao contentor do lixo, passou junto do veículo e voltou a riscar.
No que diz respeito concretamente aos riscos, refira-se que o demandante civil e as testemunhas explicaram que da janela da sala onde se encontravam viram apenas os gestos do arguido que denotam o acto de riscar, não podendo, obviamente, ver exactamente o que se passava na parte lateral direita do carro, que estava virada para o lado oposto, concretamente para o lado do passeio existente em frente à casa do arguido. E naturalmente não conseguiram percepcionar com que objecto tais riscos foram feitos, assegurando, porém, o demandante civil que tais riscos não existiam quando estacionou o carro e que verificou juntamente com as referidas testemunhas cerca de meia noite, quando estas se foram embora e os três foram junto ao veículo confirmar o que haviam visto da janela.
Ora, se tais declarações e depoimentos, de per si, eram suficientes para o Tribunal considerar demonstrada a conduta levada a cabo pelo arguido na noite do dia 11 de Agosto de 2011, o certo é que o demandante civil juntou ao processo uma gravação de imagens dessa mesma noite, com cerca de 2 horas e meia de duração, explicando que, devido ao facto de, desde há uns meses, o seu veículo automóvel aparecer sucessivamente “vandalizado”, durante a noite, conforme sugerido por um amigo seu, resolveu colocar uma câmara de vídeo direccionada para o seu veículo automóvel para tentar descobrir o autor dos danos verificados. Segundo esclareceu, havia colocado essa câmara de vídeo cerca de uma semana antes do dia em questão. Ora, o visionamento de tal gravação, efectuada em audiência de julgamento ocorrida no dia 20 de Fevereiro de 2012, permite confirmar a versão do demandante civil e das referidas testemunhas.
Escalpelizemos os dois momentos em que o arguido surge nas imagens gravadas correspondentes aos momentos descritos pelo demandante, estando o primeiro compreendido entre as 01h22m43s e as 01h22m58s e o segundo entre as 02h23m16s e as 02h23m56s.
Antes do primeiro momento, existe um outro ocorrido entre os 46m08s e os 46m41s em que o arguido revela já um comportamento algo suspeito. Assim, vemos o arguido a sair de casa. Logo que abre a porta, depara-se com o vizinho da casa ao lado, que o cumprimenta com um aperto de mão e se dirige à porta da sua residência, que é mesmo a do lado direito da porta do arguido (para quem olha de frente para a casa), ficando ambos a falar durante os segundos em que o vizinho abre a sua porta e o arguido fecha a dele. Nota-se que o arguido fica uns segundos à espera que o vizinho abra a porta de casa e, quando este se dirige para o seu interior, aquele segue apeado para o lado direito da rua (para quem sai de casa do arguido) para, logo que se apercebe que o vizinho fecha a porta da sua casa, inverter a marcha para o lado oposto, precisamente o lado onde está estacionado o veículo automóvel do demandante civil, passando junto ao dito veículo. Todavia, não é neste momento que o arguido pratica qualquer acto ilícito contra o veículo do demandante, pois que, como adiante veremos, não corresponde ao momento temporal em que aquele referiu tê-lo visto a riscar a sua viatura.
Vejamos agora os dois momentos em causa.
No primeiro momento, na sequência do anteriormente descrito, às 01h20m34s vemos o arguido a vir do lado direito para quem sai da porta da sua casa, o lado oposto àquele para onde seguiu depois de passar naqueloutro momento junto do veículo do demandante. O arguido segue no passeio, aproximando-se da porta de entrada da sua residência, abranda o passo como quem pretende ouvir algo do interior e retoma o passo ligeiro, indo sempre em frente no passeio, passando ao lado do veículo estacionado mas, desta vez, afastado do mesmo. Decorridos cerca de dois minutos, vemos o arguido a regressar desse lado do passeio, sendo evidente o desvio e a aproximação propositados que faz ao veículo, trazendo na mão esquerda um objecto que, depois de passar junto do veículo e desviar-se em direcção à sua porta de entrada, passou para a mão direita, presumindo tratar-se da chave, pela sequência lógica dos movimentos.
No segundo momento, o arguido sai novamente de casa com um saco na mão direita e fecha a porta com a mão esquerda. Logo de seguida, muda o saco para a mão esquerda, segue em frente para junto da via pública e, com a mão direita, tira algo que tem na boca (adiante veremos que era um cigarro) e atira para a rua junto à parte dianteira do veículo, logo de seguida buscando com essa mão um objecto que, juntamente com o saco, está na mão esquerda e seguindo para o lado oposto (ou seja, para quem vai na direcção do lado traseiro do veículo), passando mesmo junto à parte lateral direita do veículo, sendo perceptível pelo seu braço um gesto suspeito. Decorridos alguns segundos, e após passarem três veículos na via pública, surge o arguido a fazer o mesmo percurso em sentido contrário, com o mesmo gesto suspeito, junto ao dito veículo, indo novamente à sua parte dianteira junto à via pública, olhando para o chão e dando um pontapé a algo, após o que entra em casa, verificando-se que havia deixado a porta encostada.
Ora, o que se visiona nos referidos momentos é totalmente compatível com a descrição que o demandante fez dos mesmos, concretamente todos os movimentos e gestos que viu o arguido fazer a partir da janela de sua casa, sendo que quanto ao segundo momento, como vimos, é confirmada pelas duas testemunhas que estavam presentes.
Assim, quanto ao primeiro momento, o demandante referiu que, quando eram cerca de 23h00m, estando na companhia das referidas testemunhas, numa das várias vezes em que se levantou e foi à janela espreitar o seu veículo, viu o arguido apeado no passeio, vindo do lado do …, aproximando-se da dita viatura, a qual riscou com um objecto que julga ser uma chave pois reparou que o arguido mudou o objecto que trazia na mão esquerda para mão direita e com ele abriu a porta de casa. Mais referiu que, quando se deparou com essa cena, ficou tão estupefacto que comentou logo com os seus amigos o que estava a acontecer, o que foi confirmado pelas testemunhas E… e F… que asseguraram que acorreram à janela e acabaram por ver o arguido a entrar em casa.
Quanto ao segundo momento, o demandante civil e, agora, também as ditas testemunhas referiram que, cerca de uma hora depois, estando agora os três a vigiar à janela, viram que o arguido saiu de casa a fumar um cigarro, atirou com o mesmo para o chão e, ao fazer o percurso em direcção ao contentor do lixo existente no lado traseiro do veículo do demandante, aproximou-se do mesmo e fez o gesto próprio de quem está a riscar, após o que depositou no contentor o saco que levava na mão e, no trajecto inverso, após aguardar que os veículos da via pública passassem, fez o mesmo gesto, tendo de seguida entrado em casa.
Tais relatos são, pois, a descrição fiel das imagens que acima reproduzimos. Acresce que, cerca de meia hora depois do sucedido, quando abandonaram a casa do demandante, as testemunhas foram com este até junto do veículo e verificaram a existência de riscos acentuados na parte lateral direita da viatura, tendo o demandante assegurado que não existiam quando o estacionou.
A versão do demandante e das referidas testemunhas é igualmente confirmada pelo depoimento da testemunha D…, sogra do primeiro, que assegurou que no dia em questão, como era seu hábito na altura, foi para junto da sua tia, mulher do arguido, cerca das 22h00m (estamos em crer que já deveria passar dessa hora, porque nas imagens, aos 30m10s, vemos a testemunha a sair de um veículo que parou na rua mesmo ao lado do BMW .. do demandante e só meia hora depois é que a vemos a entrar em casa da tia, para além de o demandante e as testemunhas E… e F… terem referido que o primeiro momento terá ocorrido por volta das 23h00m) e com ela esteve até cerca das 24h00m, tendo estado também com o arguido. Ora, na gravação supra referida vemos o momento em que a testemunha D… entra na casa do arguido, precisamente aos 58m20s, dela tendo saído às 02h02m37s, o que permite confirmar, grosso modo, as horas a que o demandante e as testemunhas referiram ter visto o arguido: se a testemunha D… foi a casa da tia por volta das 22h00m (mais precisamente, como vimos, entre as 22h00m e as 22h30m), percebemos pelas imagens que o arguido saiu de casa para protagonizar o primeiro acto da noite cerca de meia hora depois, o que está perfeitamente dentro do primeiro arco temporal relatado por aqueles; pelas imagens vemos também que foi cerca de uma hora depois, quando a testemunha D… já se tinha ido embora (às 02h02h38s), que o arguido voltou a sair de casa para realizar o segundo acto, o que também é confirmado por aqueles.
Que os factos ocorreram na noite do dia 11 de Agosto de 2011, quinta-feira, assegurou-nos não só o demandante civil e as testemunhas E…, F… e D…, justificando com o facto de o primeiro ir de férias no sábado seguinte para o Algarve (a informação junta pela CM de … também o confirma porque, no ano de 2011, o demandante gozou férias a partir do dia 16 de Agosto, sabendo que o feriado de 15 foi numa segunda-feira) e nessa altura estar a decorrer a P…, encontrando-se a rua enfeitada com adereços do evento, mas também demonstrou-nos o depoimento da testemunha Q…, Comissário da P.S.P. de Bragança, que esteve com o demandante no dia 12 de Agosto que lhe contou que na noite anterior alguém lhe riscara o carro e lhe pediu para fotografar o veículo, sendo tal confirmado pelo teor da a informação de fls. 104. A testemunha S…, esposa da testemunha E…, também assegurou, com bastante espontaneidade, distanciamento e objectividade, que numa determinada noite em que o marido esteve com o demandante e a testemunha F…, quando chegou a casa, contou-lhe que ele e os restantes viram o Sr. B… a riscar o carro do demandante, acrescentando que não se recorda do dia nem da hora pois não ligou muita importância a esse facto (como é de esperar de uma pessoa “normal”, que nada tem a ver com o assunto).
Por seu turno, as declarações do arguido não lograram descredibilizar por qualquer forma aqueloutra versão, já que se limitou a negar os factos que lhe estão imputados e até a negar o óbvio, documentado nas imagens gravadas, alegando que na noite do dia 11 de Agosto de 2011 esteve num jantar em … organizado pelo seu filho. Sublinhe-se: dúvidas não há de que os factos ocorreram na noite de 11 de Agosto de 2011 e estão documentados na gravação feita pelo demandante civil, cuja primeira reprodução foi feita precisamente no dia seguinte, conforme se verifica pela análise das propriedades do ficheiro constante do último CD junto aos autos. Acresce que, contrariamente ao que o arguido também quis fazer querer, com o apoio (insustentado, diga-se) de alguns depoimentos testemunhais, a testemunha D… assegurou que o demandante civil, à data dos factos, residia na sua casa desde o ano 2010 e que disso o arguido e a tia sabiam perfeitamente, pois que aquela comentava frequentemente com a sua tia algumas situações familiares, para não falar em inúmeras refeições que o arguido e a tia fizeram em sua casa; por essa razão, e pelo facto de o dois lugares de estacionamento existentes em frente à casa do arguido serem utilizados pela testemunha D… e pelo demandante quando o arguido não estacionava ali um dos seus veículos automóveis, o arguido também tinha de saber que o BMW .. pertencia ao demandante.
A maioria das testemunhas arroladas pelo arguido, tentando confirmar a versão do arguido, não lograram afastar o que, para nós, é a fortaleza do testemunho presencial do demandante e das testemunhas E… e F…, a confirmação dos depoimentos das testemunhas D…, S… e Q… e de alguma documentação e a clarividência das imagens gravadas visionadas. Com efeito, as testemunhas T…, I…, K… (genro do arguido), J…, U… (nora do arguido), L… (contabilista da oficina do arguido) e V… (pai da testemunha U…) asseguraram que estiveram presentes num jantar organizado pelo filho do arguido no “W…”, sito em …, e onde também esteve o arguido.
Desde logo, as imagens gravadas mostram-nos que naquele dia o arguido não esteve no dito jantar ou, pelo menos, não esteve no período de tempo mencionado por todas aquelas testemunhas: claramente vemos o arguido a sair de casa pouco antes da sobrinha chegar (aos 46m10s, pouco antes das 22h00m/22h30m, portanto), a surgir no passeio da sua casa mas sem nela entrar (às 01h20m34s, cerca de meia hora depois, portanto), a regressar a casa, depois de riscar o carro (entre as 01h22m43s e as 01h22m58s, cerca de dois minutos depois, portanto), e a sair de casa para despejar o lixo no contentor ao mesmo tempo que aproveita para fazer mais uns riscos até entrar definitivamente em casa (entre as 02h23m16s e as 02h23m56s, cerca de uma hora depois, portanto). Quando muito, o arguido terá estado nesse jantar em …, no máximo, até por volta das 21h30m, porquanto, segundo o que uma das referidas testemunhas disse, de … a … serão aí uns 20 minutos de viagem (embora a testemunha U… tenha referido que o arguido conduz muito devagar) e vemo-lo a sair de casa pouco antes da sobrinha entrar em sua casa, momento que se verificou entre as 22h00m e as 22h30m.
O Tribunal acreditou que esse jantar ocorreu efectivamente. As referidas testemunhas foram totalmente coincidentes em alguns pormenores como sejam as pessoas que estavam presentes, o local onde algumas estavam sentadas, as iguarias com que se banquetearam, a hora a que o jantar terá terminado e as pessoas que terão ficado para o fim. Agora, três hipóteses se colocam: ou o jantar não ocorreu no dia 11 de Agosto de 2011 ou, tendo ocorrido nessa data, seguramente que o arguido não esteve nesse jantar ou, tendo estado, regressou a casa antes de a testemunha D… ter ido visitar a sua tia G…, esposa do arguido. As imagens falam por si, embora apenas confirmem o que o Tribunal já dera por assente só com base nas declarações do demandante civil e nos depoimentos das únicas testemunhas presenciais dos factos. Acresce que, no que se refere à hora em que o arguido terá ido embora do jantar, nenhuma das testemunhas que também ali estiveram presentes conseguiu ser esclarecedora, denotando-se, isso sim, uma preocupação em garantir que as pessoas ter-se-ão ido embora mais ou menos ao mesmo tempo, por volta das 00h00m/00h30m, e, inclusivamente, que o Sr. B… terá sido uma das últimas pessoas a ir-se embora, exceptuando a testemunha V… que referiu que foi-se embora por volta das 23h00m.
Acresce que a testemunha D… assegurou que, nesse dia 11 de Agosto de 2011 -sendo que, repita-se, as imagens provam que esteve efectivamente em casa do arguido-, a sua tia não comentou consigo que o arguido teria ido ao tal jantar, o que seria normal que fizesse, desde logo para não ficar sozinha.
Quanto à testemunha G…, esposa do arguido, o seu depoimento foi bastante confrangedor pois foi nítida a tristeza e sofrimento que a situação lhe provoca, sendo também evidente para o Tribunal a incongruência e parcialidade com que depôs, desde logo quando assegurou que nessa noite a sobrinha D… não esteve consigo e que não foi ao jantar com o marido por estar adoentada e porque à sexta-feira tem uma empregada em casa e tem de regar o jardim à quinta-feira à noite. A mesma testemunha não conseguiu esclarecer a razão de ser de se lembrar do jantar do dia 11 de Agosto quando, segundo confirmou, durante esse mês há muitas festas em …, referindo sempre aquela circunstância da rega do jardim à quinta-feira à noite. Para além das apontadas incongruências, não se olvide que a testemunha é esposa do arguido e o seu depoimento foi requerido pelo mesmo, pondo-se em causa a sua credibilidade e isenção também pelo modo artificial como quis fazer querer ao Tribunal que naquele dia 11 de Agosto de 2011 não esteve com a sobrinha (desta forma querendo descredibilizar o depoimento da testemunha D…) e o arguido não esteve consigo em casa por ter ido ao dito jantar em …. Mais uma vez dizemos, as imagens falam por si.
No que se refere à testemunha M…, médica de família do arguido há 30 anos, o seu depoimento foi absolutamente inócuo, porquanto apenas referenciou que desde Fevereiro de 2012 ele tem ido a várias consultas, o que até à data não era habitual, e diagnosticou-lhe uma depressão ansiosa reactiva e emagrecimento acentuado devido a este processo. Da sintomatologia observada pela referida testemunha e da verbalização do arguido de que está angustiado e inquieto por causa da acusação que lhe foi feita de ter riscado o veículo do demandante não podemos retirar absolutamente nada quanto à culpa ou não do arguido. Ou, se calhar, até podemos, mas no sentido inverso ao pretendido, atenta a sua idade, as ligações familiares e a vergonha de ter sido “apanhado” em flagrante!
Relativamente ao vídeo e aos videogramas juntos aos autos, cuja licitude é posta em causa pelo arguido, Tribunal considerou-os pelas razões que se seguem. A utilização dos vídeos feitos por particulares como meio de prova em tribunal é muito controversa. Há quem entenda que a sua utilização é legítima e quem defenda que são prova proibida. GERMANO MARQUES DA SILVA diz não ter dúvidas de que os vídeos particulares feitos sem consentimento dos participantes são prova proibida. «O registo de imagens só pode ser feito com autorização prévia de um juiz ou com o consentimento dos visados», sustenta. O penalista admite apenas uma excepção. «O próprio filme só pode ser utilizado como prova do crime de gravações e fotografias ilícitas», defende. MARIA JOSÉ MORGADO considera que os vídeos particulares podem ser utilizados como prova, quando interesses de valor superior estão em causa. «Quando há direitos em colisão, a Constituição consagra que prevalece o mais importante. Ora, o direito à vida e à integridade física sobrepõe-se ao direito à imagem», sustenta. E exemplifica: «Se tivéssemos a imagem de um homicídio e não a pudéssemos utilizar seria um absurdo». MANUEL COSTA ANDRADE discorda. «Ninguém pode fotografar ou filmar ninguém sem o seu consentimento. A lei diz que as gravações obtidas sem consentimento são ilícitas», realça. Quanto ao conflito de direitos aqui existente, o docente defende que ele acontece «não entre o direito à imagem e a integridade física (que já foi lesada), mas entre o direito à imagem e a perseguição criminal». E remata: «Ora, nestes casos, por expressa determinação da lei, o direito à imagem prevalece». MAIA COSTA não vê qualquer obstáculo na utilização de vídeos particulares como meio de prova, essencialmente quando o mesmo é gravado no espaço público - o que exclui, na sua opinião, qualquer intromissão na vida privada. «O princípio geral é o de que todas as provas são permitidas a não ser que sejam prova proibida e os vídeos feitos por particulares no espaço público não creio que façam parte desse grupo», diz. O referido magistrado do Supremo Tribunal de Justiça acrescenta que, tratando-se de um normal meio de prova, o vídeo vai ser livremente avaliado pelo juiz do caso, em conjunto com a restante prova[1].
Ora, foi sufragando esse entendimento jurisprudencial, de que vários acórdãos recentes são exemplo, que este Tribunal valorou os tais videogramas.
No que respeita à matéria do pedido de indemnização civil, consideraram-se igualmente as declarações do demandante civil, que também nessa parte se revelaram absolutamente credíveis, e os depoimentos das testemunhas E…, F… e X… (consultora de serviços da empresa Y…, S.A.), tendo as duas primeiras confirmado que o demandante ficou muito aborrecido pelo facto de o autor dos danos ser um familiar seu e por ter muita estima no seu veículo automóvel, que tinha sido comprado novo um ano antes, e tendo a terceira referido que foi quem elaborou os dois orçamentos que se encontram juntos aos autos (tendo sido um a pedido do demandante e outro por ordem do Tribunal), confirmando tratar-se de riscos bastante profundos e acentuados, em conjugação com as regras da experiência e do senso comum.
Tomaram-se em linha de conta as declarações prestadas pelo arguido relativamente às suas condições pessoais e situação económica, as quais nessa parte se revelaram absolutamente credíveis e espontâneas.
O Tribunal considerou ainda os depoimentos prestados pelas testemunhas abonatórias do arguido, T…, I…, J…, L… e V…, na parte em que, de forma desinteressada, afirmaram que aquela é uma pessoa respeitadora, educada e respeitada por todos.
Atendeu-se ao teor do certificado de registo criminal que se encontra junto aos autos.
Quanto à factualidade considerada não provada, resultou a mesma da convicção de prova supra exposta e da circunstância de inexistir qualquer prova de que o arguido foi o autor de outros danos que apareceram no veículo do demandante anteriormente ao dia 11 de Agosto de 2011. Por essa razão, o Tribunal apenas considerou o orçamento de fls. 292, restrito aos riscos existentes na parte lateral direita do veículo.

No enquadramento jurídico-penal consignou-se:
Dispõe o artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, relativo ao crime de dano, que “[q]uem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
O bem jurídico protegido pelo tipo legal é a propriedade. A incriminação do dano protege a propriedade (alheia) contra agressões que atingem directamente a existência ou a integridade do estado da coisa. Deve, contudo, precisar-se que – salvo nos casos extremados de destruição da coisa – o direito de propriedade qua tale não é atingido. O que é atingida é apenas a dimensão ou direito decorrente daquele: o domínio exclusivo sobre a coisa, isto é, o direito reconhecido ao proprietário de fazer da coisa o que quiser, retirando dela, em todo ou em parte, as utilidades que ela pode oferecer.
São, deste modo, elementos objectivos do tipo de ilícito ora em análise a destruição, total ou parcial, a danificação, a desfiguração ou o tornar não utilizável coisa alheia.
O conceito de coisa é aqui mais restrito do que em direito civil (cfr. artigo 202.º do Código Civil), uma vez que só as coisas corpóreas podem ser objecto de dano.
A “corporeidade” deve entender-se no sentido de coisa materialmente apreensível.
Para além de corpórea, terá de tratar-se de coisa autónoma, isto é, terá de constituir objecto autónomo de relação jurídica.
A qualificação da coisa como alheia é determinada pelos princípios, categorias e normas da lei civil. A exigência de se tratar de coisa alheia exclui as coisas insusceptíveis de apropriação e as coisas de propriedade exclusiva do agente.
A incriminação prevê quatro modalidades de acção típica:
- destruir: neste caso, a coisa, mesmo quando não desaparece a matéria de que é composta, deixa de manter a sua individualidade anterior. A destruição parcial é equiparada à destruição total, quando acarrete a completa imprestabilidade da coisa;
- danificar: uma coisa danifica-se quando, sem perder totalmente a sua integridade, sofre um estrago substancial com a consequente diminuição do seu valor económico ou da sua utilidade específica (cfr. LEAL HENRIQUES/SIMAS SANTOS, Código Penal Anotado, Volume 2.º, p. 510);
- desfigurar: consiste em ofender irremediavelmente a estética da coisa;
- tornar não utilizável: é tornar uma coisa, mesmo que temporariamente, inadequada ao fim a que estava destinada, sem que perca a sua individualidade.
Vejamos se se encontram preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime de dano. Para tanto, é necessária que ocorra uma das situações previstas na lei, quais sejam a destruição, total ou parcial, a danificação, a desfiguração ou o tornar não utilizável coisa alheia.
No caso em apreço, encontra-se dado como provado que, no dia 11 de Agosto de 2011, em dois momentos temporais distintos, um por volta das 23h00m e outro cerca de uma hora depois, o arguido efectuou na parte lateral direita do veículo automóvel de C… os riscos visíveis nas fotografias n.ºs 11 e 12 que se encontram juntas a fls. 11, cuja reparação importa a quantia de € 471,44, incluindo I.V.A.. Assim, temos verificados os elementos objectivos do tipo em análise, na modalidade de danificação de coisa alheia.
Já o tipo subjectivo deste crime exige o dolo em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal. Com efeito, o crime de dano só é punível sob a forma de dolo, sendo bastante o dolo eventual. Para haver dolo, o agente tem, nos termos gerais, de representar que a sua acção sacrifica coisa alheia. Por vias disso, só são imputáveis ao dolo do agente os efeitos nocivos que são do seu conhecimento.
No caso em apreço, encontra-se dado como provado que o arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de danificar coisa que lhe não pertencia. Encontra-se, assim, provado que a arguida agiu com dolo directo e, por conseguinte, verificado o tipo subjectivo.
Finalmente, provou-se que o arguido conhecia o carácter ilícito e proibido da sua conduta.
Nesta decorrência, perante o preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do ilícito e a inexistência de causas de exclusão da ilicitude e de exculpação, há, pois, que concluir que a matéria de facto que ficou provada permite, na realidade, subsumir a conduta do arguido ao crime previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, que deverá ser condenada pela sua prática.

Na fundamentação da espécie e medida da pena escreveu-se o seguinte:
Depois de apurados e enquadrados jurídico-penalmente os factos, importa agora proceder à escolha e dosimetria da pena a aplicar ao arguido tendo em conta os critérios dos artigos 70.º e 71.º, do Código Penal, levando em linha de conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo (para que não haja violação do princípio ne bis in ibidem), deponham a favor do arguido ou mesmo contra ele.
O crime de dano simples é punido, em abstracto, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O artigo 70.º do Código Penal sintetiza toda a filosofia subjacente ao sistema punitivo do Código Penal. Aí determina-se claramente que a pena de prisão só deverá ser aplicada quando outra pena, não privativa de liberdade, não consiga realizar, de modo adequado e eficaz, as finalidades da punição. Tais finalidades encontram-se consagradas no n.º 1, do artigo 40.º, do Código Penal, o qual determina que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Essas finalidades consistirão na prevenção geral, ou seja, a estabilização das expectativas comunitárias da validade da norma violada, e na prevenção especial, ou seja, a necessidade de socialização que o arguido demonstra.
Traduz uma reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais.
Significa que o Tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização daquelas finalidades.
A necessidade de protecção de bens jurídicos traduz-se «na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida» (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, p. 228). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
No caso vertente, são acentuadas as necessidades de prevenção geral, atento o bem jurídico em causa, a propriedade, não podendo condutas que o violem deixar de ser punidas, havendo por isso necessidade de tutelar as expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico.
De qualquer forma, não se afigura que a necessidade de assegurar a confiança da comunidade nas normas violadas aconselhe a opção pela pena privativa da liberdade.
As circunstâncias apuradas permitem formular um juízo favorável no que toca à prevenção de futuros crimes. Tendo em conta que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, afigura-se suficiente a aplicação de uma pena de multa, não só como forma de melhor permitir a reinserção do agente na sociedade, como para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
*
Decidida a natureza da pena a aplicar ao caso concreto, cumpre agora determinar o quantum de pena em que o arguido deverá ser condenado.
Como se disse, o crime de dano simples é punido com pena de multa até 360 dias (cfr. artigo 47.º, n.º 1, do Código Penal).
Uma vez que o Código Penal adoptou o sistema dos dias-de-multa, a fixação da medida concreta da pena de multa, nos termos do artigo 47.º, cinde-se em dois momentos:
- num primeiro momento, determinam-se os dias de multa, atendendo aos critérios estabelecidos no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, ou seja, em função da culpa e das exigências de prevenção;
- num segundo momento, procede-se à determinação do quantitativo diário da pena de multa, a fixar em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais.
Cabe proceder, primeiramente, à determinação do quantum de pena de multa em que o arguido deverá ser condenado.
Segundo o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
A prevenção geral positiva fornece-nos uma «moldura de prevenção»: o limite máximo é constituído pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é efectivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos –, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Este deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.
A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, «a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas» (Figueiredo Dias, ob.cit., p. 230). O limite máximo de pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado sob pena de pôr em causa a dignitas humana do delinquente (cfr. o artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Estabelecida a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena e qual a função que uma e outra cumprem naquele processo, importa eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e para a prevenção. FIGUEIREDO DIAS chama a esta tarefa «a determinação do substrato da medida da pena» e àquelas circunstâncias «os factores da medida da pena» (ob. cit., p. 232).
Na prossecução desta tarefa é o juiz auxiliado pelo disposto no artigo 71.º, n.º 2, do C.P., o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes factores de medida da pena de carácter geral, isto é, que podem ser tomados em consideração relativamente a qualquer disposição da Parte Especial do Código Penal.
No caso presente, há que ponderar o facto de o arguido ter actuado com dolo directo, sendo acentuado o grau de intensidade da vontade criminosa, atento o modo de actuação, perverso, malévolo e insidioso, e os fins ou motivos fúteis que o determinaram, embora sejam reduzidas as consequências da sua conduta; também as exigências de prevenção geral são cada vez maiores atendendo à banalização da propriedade das pessoas e à consequente necessidade de desencorajar a prática deste tipo de comportamentos, de forma a repor a confiança dos cidadãos no direito. Também releva o facto de o arguido não ter colaborado com o Tribunal na descoberta da verdade material, confessando os factos que lhe estão imputados, o que denota falta de arrependimento e de responsabilização criminal.
A favor do arguido pesa tão-somente a circunstância de não ter antecedentes criminais e a sua idade, bem como a circunstância de ser uma pessoa considerada e respeitada no meio em que se insere.
Tudo ponderado, e atenta a moldura abstracta das penas de multa - entre 10 e 360 dias (cfr. artigos 47.º, n.º 1, e 212.º, n.º 1, do Código Penal)-, bem como todas as circunstâncias acima referenciadas, pondo o acento tónico no modo de actuação do arguido e a ausência de qualquer motivo, não obstante a sua idade avançada, afigura-se adequado e necessário fixar a pena de 85 dias de multa.
Em segundo lugar, e nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, importa determinar o quantitativo diário da pena de multa, atendendo à condição pessoal e situação económica e financeira da arguida. Entende-se que, de forma a assegurar as finalidades da pena, esta deve fixar-se em termos de constituir um sacrifício real para o arguido.
Considerando a situação económica e pessoal do arguido, que vive com a esposa em casa própria, auferindo o agregado familiar rendimentos mensais que se cifram em € 1.150,00 e suportando mensalmente despesas a título de gastos domésticos, médicos e medicação, afigura-se mais adequado fixar o quantitativo diário devido em € 7,00 (sete euros), atentos os limites mínimo e máximo legalmente previstos.

Na fundamentação da condenação cível consta:
Importa agora apreciar a pretensão indemnizatória formulada pelo demandante, que reclama a quantia de € 2.014,14 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Nos termos do disposto no artigo 71.º do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal há-de fundar-se na prática de um crime, a que se reduz o facto ilícito, por parte do lesante. No entanto, para sabermos se o demandado tem ou não a obrigação de indemnizar devemos recorrer aos conceitos da lei civil. De harmonia com o disposto no artigo 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, pelo que aquela pretensão terá de ser apreciada e decidida em função da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos enunciados no artigo 483.º do Código Civil, nos termos do qual “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Como pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, costumam ser apontados o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante a título de culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano ocorrido.
Interessa salientar que a lei civil (cfr. artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil) consagra a “teoria da diferença”, como critério normativo de avaliação da indemnização pecuniária. Tal critério vale, porém, apenas para a avaliação dos danos patrimoniais, onde se impõe uma avaliação concreta do dano de cálculo (cfr. ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, 4.ª Edição, Coimbra, 1984, pp. 390-391 e 529), pela qual se estabeleça a diferença entre a situação patrimonial actual (isto é, no último momento processualmente admissível) do lesado e a que ele teria se não tivesse ocorrido o facto lesivo. Para o cálculo desta indemnização são abrangidos os prejuízos causados e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, bem como os danos futuros que sejam determináveis (cfr. artigo 564.º do Código Civil).
O tribunal pode fixar livremente os valores parcelares da indemnização, mas, relativamente ao pedido global, não pode condenar em quantidade superior à pedida (cfr. artigos 661.º, n.º 1, e 668.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil).
Ora, em face da factualidade em concreto apurada, entendemos que os requisitos da constituição do arguido na obrigação de indemnizar aqueles se mostram integralmente preenchidos: a sua conduta consubstancia um facto ilícito, na medida em que constitui a prática de um crime; além disso, o demandado agiu de forma dolosa, conforme se referiu já, e tal conduta foi consequência dos danos sofridos.
Assim sendo, preenchendo-se todos os pressupostos para operar a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, a demandada constituiu-se na obrigação de indemnizar o lesado.
Importa, antes de mais, dizer que os danos podem ser patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros são «os prejuízos que sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária)», e os segundos são aqueles prejuízos que, «sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (...) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação (...) do que uma indemnização» (vide ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, pp. 622-623).
Relativamente aos danos de natureza patrimonial, ao agir do modo descrito nos factos provados, o arguido violou, de modo ilícito, também direitos patrimoniais do demandante, daí resultando prejuízos materiais consubstanciados na quantia de € 471,44 correspondente ao custo da reparação da parte lateral direita do veículo, incluída da taxa de I.V.A., uma vez que apenas logrou demonstrar-se que o arguido foi autor dos danos causados no dia 11 de Agosto de 2011.
Deste modo, de acordo com o disposto no artigo 562.º do Código Civil, deve a arguida ser condenada a repor a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, ou seja, deve ser condenada a entregar aos demandantes a quantia que estes não teriam de despender se o arguido não tivesse danificado o veículo automóvel com os riscos nele feitos.
Àquela quantia acrescerão juros de mora a contar da data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 804.º, n.º 1, 805.º, n.º 2, alínea b), e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil).
Quanto aos danos não patrimoniais, preceitua o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização se deve atender “aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, o que implica que a gravidade do dano se deve medir por padrões objectivos, sendo que na sua fixação se deve atender, nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo preceito, à equidade.
Este último preceito determina, ainda, que, além do grau de culpabilidade do agente e da situação económica do lesante e do lesado, se tomem em consideração as demais circunstâncias do caso (vg. padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, flutuações do valor da moeda).
Atendendo ao modo de actuação do demandado, às ligações familiares com o demandante, ao apreço que este tinha pelo seu veículo que adquirira no estado de novo cerca de um ano antes, à grande visibilidade dos danos no veículo, ao grau de culpa do agente, à reduzida gravidade das consequências da conduta levada a cabo pelo demandado, à diferença etária entre o demandante e o demandado, à situação económica de ambos e aos padrões de indemnização utilizados na jurisprudência, parece-nos perfeitamente equitativa e adequada, pecando até por defeito, a quantia de € 500,00 peticionada.
À referida quantia acrescerá juros de mora a contar da data da presente sentença até efectivo e integral pagamento, visto que se trata de um montante actualizado (cfr. artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil).
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso, interposto pelo arguido, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), suscita a apreciação das seguintes questões:
1ª- Quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, por um lado verificar se há erro de julgamento relativamente aos pontos que impugna (na perspectiva do recorrente o tribunal baseou a sua convicção em prova ilegal, consistente na gravação de imagens por particular que, tal como os fotogramas dela retirados, não podiam ser valorados, para além de ter avaliado incorrectamente as provas que indica) e, por outro lado, ver se existe erro notório na apreciação da prova;
2ª- Analisar se a sentença é nula nos termos do artigo 379º, nº 1, alíneas b) e c) do CPP.
Passemos então a apreciar as diferentes questões suscitadas.
1ª Questão
Quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, invoca o recorrente por um lado que existe erro de julgamento quanto aos factos dados como provados nos pontos 1 a 14 e, por outro lado, que ocorre o vício do erro notório na apreciação da prova.
Para tanto, cita alguns extractos de declarações e depoimentos prestados em julgamento (juntando com o recurso transcrição de declarações e depoimentos produzidos em julgamento), recorre a prova documental que indica, considera que o tribunal assentou a sua convicção em prova ilegal (consistente na gravação de imagens por particular e em fotogramas dela retirados), que não podia ser valorada, fazendo a sua apreciação pessoal de parte das provas produzidas em julgamento e de segmentos da sentença sob recurso, acrescentando que existe o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. c), do CPP, concluindo pela sua absolvição.
Vejamos então.
Como se verifica dos autos, procedeu-se à documentação (por meio de gravação) das declarações e depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento, encontrando-se junto aos autos o respectivo suporte técnico.
Embora de forma pouco modelar, consideramos que o recorrente cumpriu minimamente os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, indicados no art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP.
Atentos os poderes de cognição das Relações (art. 428º, nº 1, do CPP), uma vez que a prova oral produzida em audiência de 1ª instância foi gravada, constando dos autos o respectivo suporte técnico (art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP), pode este tribunal conhecer da decisão proferida sobre a matéria de facto.
No entanto, convém aqui lembrar que “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.”[2]
A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto[3].
Apesar dos seus poderes de sindicância quanto à matéria de facto, a verdade é que não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas.
O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é «colhido directamente e ao vivo», como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª instância.
Posto isto, tendo presente que o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) também se aplica ao tribunal da 2ª instância, importa “saber se existe ou não sustentabilidade na prova produzida para a factualidade dada como assente, e que é impugnada, sendo que tal sustentabilidade há-de ser aferida através da verificação da existência de prova vinculada, da verificação da existência de erros sobre a identificação da prova relevante e da constatação da inconsistência mínima de certo facto perante uma revelada fonte que o suporta”[4].
E, claro, como sabido com as provas “pretende-se comprovar a realidade dos factos”, ou seja, pretende-se “comprovar a verdade ou a falsidade de uma proposição concreta ou fáctica”[5], criar no juiz um determinado convencimento.
Produzidas as provas em audiência de julgamento, o julgador (seja o tribunal singular, seja o tribunal colectivo) terá de as apreciar, com vista à sua valoração.
Quando procede à apreciação das provas, o julgador está sujeito a determinados limites que tem de respeitar, nomeadamente, decorrentes da vinculação temática e do funcionamento do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), bem como das respectivas “excepções” ou limitações.
A ideia da livre apreciação da prova, «uma liberdade de acordo com um dever»[6], assenta nas regras da experiência[7] e na livre convicção do julgador.
A decisão sobre a matéria de facto é “o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz”[8].
De lembrar que, a impugnação da matéria de facto em sentido amplo, não se pode confundir com a invocação dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP.
Os vícios do art. 410º, nº 2, do CPP terão de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[9].
Particularmente o erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[10]
Feitas estas considerações teóricas vejamos agora o caso concreto.
Começa o recorrente por considerar que o tribunal assentou a sua convicção em prova ilegal (consistente na gravação de imagens feita por particular e em fotogramas dela retirados), que é nula e, como tal, não podia ser valorada.
O que aqui está em causa é por um lado a filmagem feita por particular (pelo ofendido/demandante cível) com vista a descobrir quem seria o autor dos danos (riscos e outros estragos) que vinham aparecendo desde Março de 2011 no seu veículo automóvel de marca BMW, matrícula ..-OJ-.., que estacionava na rua, perto da casa onde vive e, por outro lado, a reprodução de imagens em papel (rotuladas de fotogramas) dela retiradas, provas essas que foram juntas aos autos pelo ofendido e às quais o julgador se referiu na fundamentação de facto da sentença sob recurso.
Sobre essas questões colocadas pelo recorrente (que tanto se reconhece em algumas imagens que pretendem identificar o autor do crime de dano em questão nos autos, como, simultânea e contraditoriamente, alega que não se consegue identificar a pessoa que está próxima da viatura do ofendido e no dia e hora dos factos nem estava no local por se encontrar a jantar com amigos e familiares fora da cidade de Bragança), podemos dizer que, na actualidade, a jurisprudência portuguesa tem sido praticamente uniforme, no sentido de considerar que não constituem provas ilegais e, portanto, podem ser valoradas pelo tribunal (não constituindo métodos proibidos de prova) quer a gravação de imagens (no caso filmagem) por privados em locais públicos ou acessíveis ao público, v.g. para protecção de bens, desde que “exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas)»”[11], quer a reprodução (v.g. em suporte de papel) de imagens que dessa gravação ou filmagem sejam retirados.
Neste caso está em causa a filmagem de imagens (gravação com cerca de 2h30 de duração), feita por câmara de videovigilância do ofendido (um particular, que havia instalado aquela câmara cerca de uma semana antes da noite de 11.8.2011, no 1º andar da sua residência, dirigida e direccionada para um local público, particularmente dirigida para o seu veículo automóvel, estacionado na Rua …, em Bragança, sensivelmente em frente à sua residência sita no nº ..), apenas com vista a apurar quem era o autor dos danos (consistentes em sucessivos e repetidos riscos e outros estragos, como seja, o feito no farolim do lado direito da traseiro) que desde Março de 2011 vinham sendo causados no seu veículo automóvel de marca BMW, modelo .., matricula ..-OJ-.., quando o estacionava na via pública, próximo da sua residência, bem como a reprodução, em suporte de papel, de imagens dessa filmagem retiradas.
Adiante-se que entendemos ser válida a prova que assenta em gravação de imagens nas circunstâncias descritas no caso destes autos, em que são captadas (por câmara de videovigilância) imagens de local público (por factos ocorridos em via pública), sem conhecimento do visionado, tendo como única finalidade a identificação do autor do crime (neste caso crime de dano que atinge o património, veículo automóvel, estacionado em via publica, do particular que fez essa filmagem), que veio a ser denunciado às autoridades competentes, mesmo que não haja prévio licenciamento pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, por neste caso existir justa causa para essa captação de imagens (desde logo documentar a prática de infracção criminal que atenta contra o património do autor da filmagem, que depois apresentou a respectiva queixa crime) e por não serem atingidos dados sensíveis da pessoa visionada e nem ser necessário o seu consentimento até olhando para as exigências de justiça.
A imagem captada, em local público, por factos ocorridos em via pública, do suposto autor do crime por um lado não constitui nenhuma violação do “núcleo duro da sua vida privada”, nem do seu direito à imagem, não sendo necessário o seu consentimento para essa gravação, tal como decorre do art. 79º, nº 2, do CC[12] (estando a filmagem do suspeito justificada por exigências de justiça) e, por outro lado, aquela conduta do particular que fez a filmagem de imagens em local público não constitui a prática do crime de “gravações e fotografias ilícitas” p. e p. no art. 199º, nº 2, do CP[13], nem tão pouco integra a prática de qualquer ilícito culposo segundo o ordenamento jurídico, mesmo considerado este globalmente.
Não sendo ilícita, nos termos da lei penal, essa filmagem de imagens em local público, feita por particular, nas circunstâncias acima descritas, também a reprodução mecânica dessa filmagem (através da junção ao processo, quer do CD contendo a dita gravação de imagens, quer da reprodução em papel de imagens dela retiradas) é permitida, tal como decorre do art. 167º[14], nº 1, do CPP.
Aliás, como é referido no citado Ac. do STJ de 28.9.2011, “Na intima relação que coexiste entre o regime de admissibilidade de prova por reprodução mecânica - artigo 167 do Código de Processo Penal e o crime de gravação e fotografia ilícita - artigo 199 do Código Penal pode-se dizer, de forma redutora, que a gravação, ou fotografia, que não é crime, é admissível como prova”, adiantando que “o direito á palavra e o direito á imagem não são, nem devem ser, sacralizados como núcleo essenciais da vivência pessoal, e da comunidade, que se sobreponham a todo e qualquer tipo de ponderação de outros valores” e, acrescentando-se ainda que “age no exercício de um direito e, portanto vê excluída a ilicitude do seu comportamento, o agente cuja conduta é autorizada por uma disposição de qualquer ramo de direito”, o que está de acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica.
Essa ausência de ilicitude resulta do facto do particular que fez a dita filmagem de imagens visar unicamente a prevenção da prática de crimes contra o seu património (veículo que estava na via pública e que vinha sendo alvo de vários danos dolosos desde Março de 2011, tendo o ofendido antes de efectuar a referida filmagem apresentado queixa na PSP em 6.7.2011, como resulta de fls. 105) e bem assim a descoberta do autor de crime de dano, portanto, tendo em vista a satisfação de interesses públicos que até deviam ser previamente assegurados pelo próprio Estado.
Nas concretas circunstâncias em causa nestes autos, como ficaram intocados os dados sensíveis[15] das pessoas visionadas, apesar de desconhecerem que estavam a ser filmados naquele local público, quando se aproximavam do local onde a viatura do ofendido estava estacionada, aquela filmagem não carecia de prévio licenciamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados, como decorre dos arts. 4º, nº 4, 7º, nº 2 e 28º da Lei nº 67/98, de 27.10 (sendo certo que, mesmo que assim não fosse, quando muito o que poderia existir era uma mera contra-ordenação, o que de qualquer modo não interferia com a validade daquela prova em processo penal, tanto mais que nem a Lei da Protecção de Dados Pessoais, a referida Lei nº 67/98, estabelece qualquer proibição daquele tipo de prova aqui em causa).
Essas provas, consistentes na filmagem de imagens em local público e reprodução em papel de imagens dessa filmagem, porque foram feitas nas circunstâncias acima descritas, podem ser juntas aos autos e ser apreciadas/valoradas pelo julgador uma vez que, como resulta do já exposto, não foram obtidas por métodos proibidos de prova (art. 126º do CPP).
Nestas particulares circunstâncias, em que foi feita a referida filmagem de imagens e depois a sua reprodução mecanográfica (quer através da gravação da filmagem em CD, quer através da reprodução em papel de imagens dessa filmagem, juntas ao processo pelo ofendido e visionadas em julgamento), mesmo tendo em atenção o disposto no art. 18º, nº 2, da CRP a conclusão era a mesma, uma vez que perante a colisão de direitos em confronto (por um lado o direito à imagem do visionado protegido no art. 26º, nº 1, da CRP e, por outro lado, o direito à tutela jurisdicional efectiva, na vertente do acesso à justiça célere e eficaz e o direito de propriedade do ofendido tutelados nos arts. 20º e 62º da CRP) estava justificada a restrição do direito à imagem do visionado para minimamente salvaguardar os referidos direitos a uma tutela jurisdicional efectiva e de propriedade do ofendido.
Diríamos que esta nova forma de “privatização da investigação” (expressão usada por Costa Andrade[16] a propósito, entre outros casos, de gravação de imagens por agentes privados, por eles trazidas ao processo) tem de ser analisada caso a caso, tendo em vista a salvaguarda daquele «núcleo duro» da vida privada da pessoa visionada (que abrange os dados sensíveis tal como definidos pela Lei de Protecção de Dados Pessoais), o qual assume uma multiplicidade de vertentes, mas que seguramente não abrange a situação em causa nestes autos.
Podemos, assim, concluir que neste caso são válidas (cf. também art. 125º do CPP) e, como tal, podiam ser valoradas pelo tribunal as provas consistentes na gravação de imagens (através de filmagem) feita pelo ofendido, bem como as reproduções em papel de imagens dela retirados, independentemente do tempo da gravação da filmagem junta aos autos não corresponder à filmagem integral (considerando que a gravação foi feita no período de tempo indicado pelo ofendido) e também sendo indiferente que não tivesse sido facultado o computador e disco onde ficaram registadas as imagens originais daquela forma gravadas.
Neste caso, o controlo daquelas provas trazidas ao processo pelo ofendido visando apenas sustentar o crime que denunciara, foi feito pelo julgador quando as considerou válidas, pelos motivos que indicou, decisão essa que não merece censura como já se explicou.
Improcede, pois, a argumentação do recorrente quando sustenta o contrário e pede que se declarem nulas as gravações (filmagem) e imagens impressas referidas (e isso apesar de ser contraditório no seu raciocínio quando, apesar de considerar aquelas provas ilegais, pretende ao mesmo tempo que sejam visionadas por este Tribunal da Relação).
Sendo válidas as ditas provas, diferente já é a questão de saber se o conteúdo da filmagem permite ou não identificar o autor dos danos provocados na viatura do ofendido/demandante cível (questão que o recorrente coloca, apesar de simultânea e contraditoriamente invocar que essa prova é nula e não podia ser valorada).
O arguido, apesar de sustentar que aquela prova (filmagem e impressão de imagens dela retirada) é nula, alega que visionando essa filmagem não é possível identificar quem danificou o veículo do ofendido, para além de se desconhecer se aquela filmagem foi ou não manipulada e alterada e em que data foi feita (v.g. se foi manipulada por recurso a “habilidades”, a montagens, até por os Cd`s com a gravação da filmagem, quer a que lhe foi facultada, quer a junta ao processo, apresentarem datas diversas).
Apesar da opinião pessoal do recorrente (quanto ao que vê, nas milhares ou centenas de vezes que diz ter olhado para a dita filmagem efectuada pelo ofendido/demandante cível) não se impor, nem se sobrepor à do julgador que também visionou a mesma filmagem, em audiência, o certo é que, como resulta da fundamentação de facto da sentença, neste caso até é irrelevante para a decisão proferida sobre a matéria de facto, na parte questionada pelo arguido, proceder à análise da dita filmagem e das imagens reproduzidas em papel dela extraídos.
Não obstante se reconhecer que, as reproduções em papel de algumas das imagens não são nítidas, a verdade é que este tribunal não pode identificar os visionados, designadamente se algum deles é o arguido, tanto mais que o julgamento na 1ª instância não foi filmado e também não temos acesso à imagem do arguido, v.g. à data dos factos aqui em questão.
Assim, na apreciação que iremos fazer não vamos atender (e, portanto, não vamos ver ou visionar) ao teor da dita filmagem, nem às imagens impressas (até porque desconhecemos quem são as pessoas visionadas) dela retiradas, sendo por isso irrelevante apurar se o dito CD com a gravação visionada em audiência (ou mesmo qualquer outro CD) foi ou não manipulado, sendo igualmente indiferente que não tivesse sido apresentado o computador com o disco onde o ofendido fez a gravação original (mesmo para verificar, v.g. a data da sua realização) e que não tivessem sido juntas as demais gravações efectuadas com a câmara utilizada pelo ofendido durante o período de tempo anterior a 11.8.2011 (cerca de uma semana), em que esteve a funcionar.
De resto, como o recorrente bem sabe, se pretende agir ou reagir contra o demandante e sogra deste, terá de accionar os meios adequados, razão pela qual a argumentação que no recurso utiliza nessa matéria (sobre o que fez ou vai fazer contra o ofendido/demandante cível e contra a sogra do mesmo) não pode ser aqui apreciada ou decidida.
Acresce que, ao contrário do que o recorrente alega, a condenação do recorrente não ocorreu por a Srª. Juiz se ter baseado na dita filmagem e imagens impressas; o que sucedeu antes foi que a Srª. Juiz entendeu que as declarações do demandante C… e os depoimentos das testemunhas E… e F… eram por si suficientes, pelos motivos que indicou, “para considerar demonstrada a conduta levada a cabo pelo arguido na noite do dia 11.8.2011” mas, como o demandante cível juntou a gravação de imagens dessa mesma noite, para além de imagens impressas retiradas dessa gravação (que eram provas válidas) passou a analisar essas mesmas imagens (quer as relativas ao filme, quer as impressas), chegando à conclusão que também elas mostravam que não errara na apreciação que fez das declarações do ofendido/demandante e dos depoimentos das referidas testemunhas.
Lendo a motivação de facto da sentença sob recurso, no que interessa à decisão das questões colocadas pelo recorrente (portanto excluindo o teor da filmagem, as imagens impressas dela retirados e outra documentação sem interesse), o que determinou a convicção no sentido do arguido ter sido o autor dos factos dados como provados, impugnados pelo recorrente, foi a apreciação crítica que o julgador fez das declarações do demandante cível C… (que descreveu o modo como os factos ocorreram, os quais presenciou de uma das duas janelas da sala da sua casa, quando se encontrava no seu interior com os amigos que o foram visitar, E… e F…) articuladas com os depoimentos das testemunhas E…, F… (os dois amigos do ofendido/demandante que então estavam com ele no interior da sua casa, tendo descrito o que viram e ouviram), D… (sogra do ofendido/demandante e sobrinha do arguido e mulher, que além do mais confirmou ter estado com estes na casa deles, nos termos que relatou) EQ… (comissário da PSP de Bragança que confirmou ter estado com o ofendido em 12.8.2011, tendo este lhe contado que na noite anterior alguém lhe tinha riscado o carro, pedindo que fossem tiradas fotografias ao veículo, o que foi feito pelo chefe Z…), S… (mulher da testemunha E…, que referiu recordar-se de uma dada noite, quando o marido chegou a casa, lhe contar que ele, o ofendido e a testemunha F… viram o arguido a riscar o carro do ofendido) e X… (consultora de serviços da empresa Y…, SA, que foi quem elaborou os dois orçamentos que constam dos autos a fls. 12 e 290 respectivamente, tendo-se pronunciado sobre essa matéria), com o teor das fotografias de fls. 6 a 11 (relativas ao veículo em questão do ofendido, onde se vêem vários danos, particularmente riscos e estragos), dos orçamentos de fls. 12 e 290 (relativo a custos de reparação de danos causados na viatura do ofendido, tendo sido o primeiro junto pelo próprio ofendido com a queixa que apresentou ao Ministério Público em 29.11.2011 e, o segundo, solicitado pelo tribunal, em audiência, após inquirição da testemunha X…), da informação da PSP de fls. 104 (relativa à data da deslocação do ofendido à PSP, levando o dito BMW para ali tirarem fotografias, apesar do lapso quanto à indicação do ano) e da participação de fls. 105 (teor da participação apresentada pelo ofendido na PSP em 6.7.2011) provas essas que o convenceram, pelos motivos que indicou.
Igualmente na motivação da sentença o julgador explicou a razão pela qual não acreditou na versão apresentada pelo arguido em julgamento (que negou os factos que lhe eram imputados, alegando que na noite de 11.8.2011 esteve num jantar em …, organizado pelo filho) e pelas testemunhas T…, I…, K…, J…, U…, L…, V… (que se pronunciaram sobre o jantar em …, na casa do filho do arguido, onde este também se encontrava) e G… (mulher do arguido que procurou credibilizar a versão do marido, embora entrando em várias contradições e em incoerências) todas ouvidas em julgamento, quando sustentaram que o jantar a que o arguido se referiu ocorreu na noite de 11.8.2011.
O tribunal explicou a razão pela qual a versão do arguido e das testemunhas T…, I…, K…, J…, U…, L…, V… e G… o não convenceram, bem como indicou o motivo pelo qual o depoimento da testemunha M… era irrelevante para a decisão da causa.
Ouvindo integralmente toda a prova oral produzida em julgamento podemos concluir que o tribunal da 1ª instância podia formar a sua convicção no sentido dos factos que deu como provados.
Da articulação das declarações demandante cível C…, com os depoimentos das testemunhas E… e F… podia o julgador concluir que foi o arguido o autor dos riscos efectuados na parte lateral direita do dito BMW, nas circunstâncias que deu como provadas.
Esses riscos foram produzidos em dois momentos distintos, tal como resulta do que se fez constar dos pontos 3 e 4 dos factos provados, sendo certo que no primeiro momento quem viu a actuação do arguido foi o ofendido/demandante civel (que ficou estupefacto e logo comentou em voz alta o que acabara de ver, o que foi ouvido pelas testemunhas E… e F… que então estavam com ele na mesma sala) e, no segundo momento foram os três, ou seja, o ofendido/demandante cível e as testemunhas E… e F… que viram a actuação do arguido.
Obviamente que do local onde se encontravam os três (o ofendido e as testemunhas E… e F…) não tinham visibilidade directa para a parte lateral direita do referido BMW, mas pela atitude, movimentos e gestos que viram ao arguido, podiam deduzir e perceber o que ele estava a fazer (precisamente a fazer riscos naquela parte lateral direita da dita viatura, com um objecto que não conseguiram identificar, apesar do ofendido e da testemunha F… terem admitido a possibilidade de poder ser uma chave).
Como é lógico, estando fechadas as janelas daquela sala onde se encontravam os três, não podiam ouvir qualquer ruído que tivesse sido produzido na altura em que foram feitos os ditos riscos.
Nunca as referidas testemunhas, nem o ofendido, disseram que viram o arguido directamente a riscar aquela parte do dito BMW.
Mas isso não significa (como parece pretender o recorrente) que pelos gestos, movimentos e atitudes que viram, não pudessem ter percebido e deduzido que o que o arguido estava a fazer era a riscar a parte lateral direita daquele veículo, o que, aliás, acabaram por confirmar, quando saíram e foram ver o dito BMW.
Ou seja, o relato feito, quer pelo demandante, quer pelas referidas testemunhas permitiam ao tribunal formar a sua convicção no sentido de ser o arguido o autor dos factos descritos nos referidos pontos 3 e 4 dados como provados.
De ouvir também o depoimento prestado pela testemunha S… (mulher da testemunha E…) em julgamento, que referiu recordar-se de uma dada noite (embora, como é lógico e natural não conseguisse indicar a data), quando o marido chegou a casa, lhe contar que ele, o ofendido/demandante e a testemunha F… viram o arguido a riscar o carro do ofendido.
São irrelevantes as apreciações feitas pelo recorrente quanto às declarações do ofendido/demandante e depoimentos das testemunhas E… e F….
Quanto ao dia e hora dessas ocorrências podia o tribunal convencer-se no sentido dos factos que deu como provados não só tendo em atenção essas declarações (do ofendido e testemunhas que então o acompanhavam) como também o depoimento da testemunha Q… (comissário da PSP de Bragança).
Ouvindo integralmente o depoimento desta última referida testemunha, Q…, que se referiu à conversa que teve com o ofendido quando este se deslocou à esquadra, levando o dito BMW para serem ali tiradas fotografias dos danos causados (fotografias essas que foram tiradas pelo elemento da PSP de nome Z…), não há dúvidas que aquele relatou o que tinha ocorrido na noite de 11.8.2011.
O facto da testemunha Q… ter ficado com a ideia de que todos os riscos que a viatura apresentava tinham sido feitos na mesma ocasião, ou seja, na noite de 11.8.2011, não impedia que o tribunal tivesse dado como provado apenas o que fez constar dos factos provados.
A propósito da data (29.11.2011) em que deu entrada a participação criminal e de por duas vezes nela se mencionar o dia de 12 de Agosto de 2011 e deste último dia igualmente constar do pedido cível apenas se pode remeter o recorrente para a audição integral das declarações prestadas pelo demandante cível em julgamento, nas quais o mesmo explica a razão pela qual só apresentou a queixa em 29.11.2011 e considera serem erros, lapsos, a menção a 12.8.2011 (sendo certo que aquelas peças, ou seja, a queixa e o pedido cível foram subscritas pelo respectivo Mandatário do ofendido/demandante cível).
Conferindo a informação prestada pela PSP de fls. 104 (relativa à comparência do denunciante no Comando da PSP com o veículo para ser fotografado em 12.8.2012, cerca das 15h, apesar de haver lapso quanto à indicação do ano) e articulando-a com o depoimento da testemunha Q… também se pode concluir, como o fez o tribunal da 1ª instância, no sentido dos factos em questão terem ocorrido na noite de 11.8.2011, o que está de acordo com o que foi verbalizado pelo demandante cível e pelas testemunhas E… e F… em julgamento.
Não se pode é confundir o que é alegado numa participação criminal e no pedido cível com o que resulta da apreciação crítica das provas produzidas em julgamento.
Pelo teor da participação (fls. 105) apresentada na PSP pelo mesmo ofendido em 6.7.2011 (onde já se queixa de vários danos, v.g. riscos feitos em várias partes da mesma viatura BMW) não se pode deduzir que os danos aí descritos sejam os mesmos que verbalizou em julgamento, ainda que nesse momento (em julgamento) não tivesse confirmado integralmente o que consta da participação criminal de fls. 2 a 5.
Não é por o ofendido, quando apresentou queixa em 29.11.2011, estar convencido que todos os riscos existentes na sua viatura e quebra do farolim traseiro (portanto, mesmo parte dos que foram feitos anteriormente e a que já se referira na participação à PSP feita em 6.7.2011) haviam sido feitos pelo arguido (razão pela qual o orçamento de 31.10.2011 se reporta à reparação de todos os danos) que essa sua opinião se impunha ao tribunal.
Até perante o que foi verbalizado em julgamento pelo ofendido e pelas testemunhas E… e F…, percebe-se que o tribunal não podia concluir de forma diferente daquela que deu como provada.
Por isso é que o julgador, acautelando a hipótese de vir a provar-se menos do que o que havia sido alegado na pronúncia (tendo em atenção v.g. o que fora dito em julgamento pelo ofendido) solicitou em audiência à testemunha X… (funcionária da Y…, que fez o estudo e orçamento datado de 31.10.2011, apresentado com a queixa) que fizesse novo orçamento considerando apenas a necessidade de reparar os danos causados na parte lateral direita do referido BMW.
Vendo as fotografias juntas com a participação criminal verifica-se que efectivamente o dito BMW apresentava diferentes e variados riscos na pintura, uns mais profundos do que outros, em locais distintos, v.g. nas portas e zonas laterais.
Obviamente que o arguido não podia ser responsabilizado, como não foi, pelos outros riscos ou danos que o dito BMW já tinha quando o ofendido apresentou queixa em 6.7.2011.
Daí que não mereça censura a convicção formada pelo julgador quando, considerando as declarações do ofendido/demandante civel e os depoimentos das testemunhas E… e F…, apenas deu como provado que os riscos feitos pelo arguido apenas tinham sido feitos na parte lateral direita do BMW.
Os riscos que o julgador considerou terem sido efectuados pelo arguido naquela noite de 11.8.2011 foram os acentuados que se vêem nas fotografias nºs 11 e 12 de fls. 11 (e não, portanto, os demais riscos que também se vêem nessa parte lateral, mas que não são acentuados, como se pode verificar até pelas demais fotografias juntas com a participação criminal, relativas a essa parte lateral direita da mesma viatura).
Daí que não se possa concluir (como o faz o recorrente) que há coincidência entre os riscos aludidos de forma genérica na participação de fls. 105 e os que foram dados como provados na sentença.
O facto de poder haver divergência quanto ao momento (se de manhã ou de tarde) do dia 12.8.2011 em que o ofendido foi à PSP com o seu veículo para o mesmo ser fotografado não significa que tivesse havido erro quanto à data em que o crime aqui em questão foi cometido pelo arguido.
De resto, como o recorrente bem sabe, no caso destes autos, não pode recorrer ao que terá sido dito pelo ofendido ou por testemunhas em fase de inquérito ou de instrução para tentar contrariar o que foi dado como provado na sentença.
A circunstância do primeiro orçamento de reparação estar datado de 31.10.2011 e da queixa só ter sido apresentada em 29.11.2011 também não impediam o julgador de convencer-se, com base na prova oral que indicou, articulada com o teor da informação policial de fls. 104 que os factos em questão ocorreram na noite de 11.8.2011, nos momentos assinalados nos factos provados.
Note-se que foi com base no 2º orçamento (solicitado pelo tribunal) que foi determinado o valor da reparação dos estragos causado, o que não merece censura.
Os riscos acentuados naquela parte lateral direita da viatura do ofendido, visíveis nas fotografias nºs 11 e 12 de fls. 11, impunham (como é do conhecimento comum de qualquer cidadão médio) e foram a causa directa da necessidade de reparação de toda aquela parte lateral direita do mesmo veículo (e isso independentemente de não se ter apurado em julgamento que o arguido tivesse sido o autor dos outros riscos não acentuados também visíveis nessa mesmo lado do BMW).
Por isso, podia o tribunal convencer-se desse valor dos danos causados pelo arguido.
É irrelevante a apreciação pessoal e subjectiva que o recorrente faz das declarações do demandante C… e dos depoimentos das testemunhas D…, F… e E…, todos prestados em julgamento, dos quais cita algumas segmentos ou frases por eles ditas, de forma descontextualizada e por apelo ao que antes teriam dito em fase de inquérito (sendo certo que, como bem sabe, essas declarações e depoimentos prestados em fase de inquérito não podem ser utilizados, por não se verificarem os pressupostos legais para o efeito).
O facto do arguido negar os factos que lhe eram imputados ocorridos em 11.8.2011 (alegando que nesse dia, ao final da tarde, foi para … participar em jantar organizado pelo filho, de lá saindo por volta da meia noite) não impedia o tribunal de formar a sua convicção no sentido dos factos que deu como provados.
Ouvindo integralmente todos os depoimentos das testemunhas de defesa verifica-se que apesar de poder admitir-se que o arguido jantou em …, com família e alguns amigos (como sucedeu com o Dr. H… e o Dr. I… que então se faziam acompanhar dos respectivos cônjuges), não se pode concluir que essa confraternização tivesse ocorrido naquela noite de 11.8.2011.
Essa data concreta não foi confirmada, com um mínimo de segurança, pelas testemunhas Dr. H… e o Dr. I….
A forma como as demais testemunhas, que disseram ter estado nesse jantar em …, mencionaram recordar-se da data exacta (noite de 11.8.2011) do mesmo, também não convence, atentas as incoerências e algumas contradições que desses relatos resultam, quando analisados entre si, como facilmente qualquer pessoa se apercebe quando os ouve integralmente.
Aliás, os depoimentos das testemunhas K… (genro do arguido), J… (vendedor da AB… e amigo do arguido e filho), M… (nora do arguido), L… (que foi contabilista do arguido na firma dele e que continua a fazer essa contabilidade), V… (pai da referida nora do arguido) e G… (mulher do arguido) mostraram-se claramente parciais, na tentativa de credibilizar a versão do arguido, quanto ao dito jantar ter ocorrido naquela noite de 11.8.2011.
Por exemplo: o depoimento da testemunha J… apresenta-se em parte contraditório com o que foi verbalizado pela testemunha Drª. U…; o depoimento da testemunha L…, quando refere que não houve corridas de kart é contraditório v.g. com o depoimento do Dr. I…; o depoimento da testemunha V…, quando se refere ao período em que disse que a filha (Drª. U…) entrou de férias é contraditório com o que foi por ela verbalizado (cf. também fls. 307), o mesmo se passando com o depoimento da testemunha G… nessa matéria; o depoimento da testemunha Dr. I…, quando coloca a hipótese do arguido ter ficado a dormir em … é contraditório com o que os demais referiram nesse aspecto, inclusive o arguido; o Dr. T…, quando se refere ao dito jantar refere sempre em Agosto de 2011, mas eventualmente em 11 (ou seja, não dá a certeza do dia 11); o arquitecto K… prestou um depoimento claramente parcial, procurando convencer, v.g. que o ofendido continuou a ser seu vizinho até pelo menos Julho, Agosto de 2011 (apesar de simultaneamente não saber v.g. quando o ofendido começou a dormir na casa da sogra), alegando que via lá na … o carro dele estacionado, o qual tinha vários riscos, como já tinha reparado desde a Páscoa de 2011 e que o jantar teria sido em 11 por ser dia de feira no dia seguinte, apesar de afinal nem sequer ir à feira.
Como foi bem explicado na sentença, o julgador acreditou que tivesse havido jantar entre aquelas pessoas que disseram lá ter estado em …, inclusive com o arguido; o que não acreditou (e, por isso, colocou 3 hipóteses) é que esse jantar tivesse ocorrido em 11.8.2011.
Ora esse raciocínio que o julgador fez é lógico considerando, de forma articulada, as declarações e depoimentos de todos aqueles que se referiram a esse jantar em ….
Ou seja, ouvindo integralmente o depoimento daquelas testemunhas que disseram ter estado nesse jantar em … e, no qual também esteve presente o arguido, entendemos que não se podia concluir que o mesmo ocorrera na noite de 11.8.2011 (e isso independentemente do nº de testemunhas que em julgamento sustentaram ter estado no jantar em … em 11 de Agosto de 2011).
Portanto, nada impedia o tribunal de acreditar na versão da testemunha D… (apesar de contrariado pelo depoimento da testemunha G…, o qual contudo não mereceu crédito pelos motivos indicados na fundamentação da sentença, que não merecem censura), quando se pronunciou sobre a visita que fez à tia G…, como habitualmente, também naquele dia 11.8.2011, tendo então visto o arguido, sobre a data aproximada em que o genro foi viver para o 1º andar da sua casa e sobre o conhecimento que o arguido e mulher tinham desse facto (do genro estar lá a viver na sua casa).
E isso não obstante o depoimento da testemunha D… nem ser necessário para credibilizar a versão do ofendido quanto à actuação do arguido ocorrida naquela noite de 11.8.2011 (tanto mais que aquela testemunha nem sequer viu o arguido a danificar o dito BMW do seu genro).
Também ouvindo o depoimento da testemunha M… (médica de família do arguido) é manifesto que o mesmo se mostra irrelevante para a decisão da matéria de facto impugnada pelo recorrente.
Ainda que a referida médica não acreditasse que o arguido fosse capaz de riscar o carro do ofendido propositadamente, o certo é que não assistiu aos factos em questão, sendo certo que a sua opinião não abala a credibilidade que foi conferida às declarações do demandante e das testemunhas que naquela noite de 11.8.2011 o acompanhavam, bem como ao teor das fotografias juntas com a participação criminal.
A circunstância do arguido ter apresentado queixa por denúncia caluniosa contra o aqui ofendido, também não tem virtualidade para infirmar a convicção do julgador.
O facto de no lado direito do BMW já haver outros riscos na pintura, também não impedia que, naquela noite de 11.8.2011, o arguido tivesse feito os riscos acentuados que se vêem nas fotografias nº 11 e 12, juntas a fls. 11.
Nem é para admirar (desde logo tendo em atenção que o arguido e o ofendido não se falavam, apesar da relação de parentesco) que o ofendido, apesar de ter visto o arguido a fazer os riscos na sua viatura nas ocasiões que descreveu da referida noite de 11.8.2011, não tivesse chamado (ou gritado) para o arguido, nem tivesse chamado a polícia ao local (aliás, como resulta das declarações do ofendido, por estar em causa um familiar, que tinha relações próximas com os sogros há anos, é que não apresentou logo a queixa, ficando à espera que as coisas se compusessem e, como tal não sucedeu, acabou por ter de apresentar a denuncia criminal).
A idade do arguido (nasceu em 23.1.1932) e mesmo o facto de ter bom comportamento e ser considerado e estimado por aqueles que o conhecem também não o impedia de praticar os factos que impugna.
Portanto, da audição integral de toda a prova oral produzida em julgamento (incluindo o que foi relatado pelo arguido, pelas testemunhas de defesa e por aquelas que foram ouvidas oficiosamente) e da análise crítica feita das declarações e depoimentos prestados, podia o tribunal da 1ª instância formar a sua convicção no sentido dos factos que deu como provados, não se vendo que o julgador tivesse errado na avaliação que fez das provas em questão (mesmo excluindo o “conforto” que encontrou no visionamento da filmagem e imagens impressas dela retirados).
As provas indicadas pelo recorrente e apreciação que faz dos depoimentos que convenceram o julgador não impunham decisão diversa daquela que foi proferida sobre os factos.
De notar também que os depoimentos prestados são meios de prova autónomos em relação à filmagem efectuada e às imagens impressas dela retiradas.
E que não se suscitaram dúvidas ao tribunal, resulta da própria motivação da sentença sob recurso.
Não foi violado o princípio in dubio pro reo, visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados, como se verifica do texto da fundamentação da decisão recorrida.
Não se evidencia que tivesse havido errada interpretação ou incorrecta avaliação das provas produzidas em julgamento, mesmo excluindo a prova consistente na gravação das imagens e na impressão de algumas delas.
As questões suscitadas pelo recorrente apenas se explicam por o mesmo querer impor a sua apreciação subjectiva e parcial de parte das provas, o que não pode ser, sendo a sua divergência carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente[17].
Por isso, não há qualquer surpresa quanto ao teor da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Improcede, pois, a argumentação do recorrente.
De resto, ao contrário do que alega o recorrente (quando invoca erro notório na apreciação da prova), não resulta do texto da decisão sob recurso a existência de qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, que são de conhecimento oficioso.
A sentença sob recurso, nesse aspecto, sendo de evidente clareza, mostra coerência lógica entre factos provados e a fundamentação/motivação e a decisão, os factos apurados são suficientes e suportam a decisão condenatória e, para além disso, não está patenteado qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
O tribunal a quo explicitou o processo lógico e racional que seguiu na apreciação das provas que fez e, a forma como fundamentou a sua convicção, satisfaz a exigência que decorre do n.º 2 do artigo 374.º do CPP.
Além disso, a apreciação objectiva feita pelo julgador, que consubstancia o exame crítico das provas produzidas em julgamento, não contraria as regras da experiência comum, baseando-se em opção aceite na imediação e oralidade.
Nem sequer há distorções de ordem lógica e tão pouco foi feita qualquer apreciação que seja ilógica, arbitrária, incongruente ou insustentável, não patenteando a decisão sob recurso qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Portanto, improcede igualmente a argumentação do recorrente quando invoca erro notório na apreciação da prova, nada obstando a que fosse dada como provada a matéria por si impugnada.
Assim, não ocorrendo qualquer erro de julgamento, não se verificando os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, nem tão pouco existindo qualquer nulidade, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
2ª Questão
Invoca o recorrente que a sentença é nula por o tribunal se ter pronunciado sobre matéria que não podia conhecer, referindo-se dessa forma às imagens gravadas e impressas que foram analisadas pelo julgador.
Como já tivemos oportunidade de esclarecer, nada impedia o julgador de avaliar essas provas trazidas ao processo pelo ofendido/demandante.
Daí que não ocorra a apontada (art. 379º, nº 1, al. b), do CPP) nulidade da sentença.
Argumenta, ainda o recorrente, que por o tribunal ter considerado o 2º orçamento relativo ao custo de reparação de danos, solicitado em audiência (distinto, portanto, daquele que foi apresentado pelo ofendido na altura em que apresentou a queixa), condenou-o por factos diversos dos descritos na pronúncia, ocorrendo assim a nulidade da sentença prevista no art. 379º, nº 1, al. c), do CPP.
Porém, não assiste razão ao recorrente.
O que sucedeu foi que, em julgamento, não se provaram todos os factos alegados na pronúncia.
O orçamento a que se refere o recorrente apenas serviu para o tribunal saber o valor dos danos causados pelo arguido que se provaram.
Esses danos que se provaram, haviam sido também alegados na pronúncia, onde consta além do mais:
(…)
3º - Cerca das 23h00m, quando o ofendido ainda se encontrava na companhia das visitas, apercebeu-se que o arguido, que reside em frente da sua habitação, no lado oposto da rua, se aproximava do seu veículo automóvel, tendo-se imobilizado por instantes junto à traseira do mesmo, após o que, utilizando um objecto que não conseguiu identificar, efectuou vários riscos na parte lateral do veículo.
4º - Depois disto, o arguido regressou à sua residência, tendo voltado a sair cerca de uma hora mais tarde, trazendo numa mão um saco que foi introduzir num recipiente do lixo existente ali perto e, ao voltar para casa, aproximou-se novamente do veículo do ofendido e, ao chegar junto do mesmo, mais uma vez, com um objecto que não foi possível percepcionar, fez mais uns riscos no veículo, após o que regressou finalmente a casa.
5º - Em consequência do referido em 3º e 4º, o veículo do ofendido ficou com riscos acentuados nas portas laterais, na parte posterior e na parte frontal.
6º - O veículo do ofendido apresentava ainda o farolim do lado direito traseiro partido.
7º - Em consequência do referido em 5º e 6º, o ofendido sofreu um prejuízo patrimonial de € 1.514,14, correspondente ao preço da reparação dos estragos ali mencionados.
(…)
Assim, não podemos concluir que o arguido tivesse sido condenado por factos diversos, razão pela qual não ocorre a apontada (art. 379º, nº 1, al. c), do CPP) nulidade da sentença.
Improcede, pois, a argumentação do recorrente quanto às alegadas nulidades da sentença.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B….
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 23/10/2013
Maria do Carmo Silva Dias (relatora)
Ernesto Nascimento (Adjunto)
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[1] Vide http://www.inverbis.net/actualidade/utilizacao-videos-divide-especialistas.html.
[2] Cf. Ac. do STJ de 15/12/2005, proferido no proc. nº 2951/05 e Ac. STJ de 9/3/2006, proferido no proc. nº 461/06, relatados por Simas Santos (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais). Aliás, como se diz no Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), a admissibilidade da alteração da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação “mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.”
[3] Assim, cit. Ac. do STJ de 21/1/2003.
[4] Assim, Ac. do TRG proferido no recurso nº 1016/2005, relatado por Nazaré Saraiva.
[5] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo I, 2ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, p. 65. Mais à frente, o mesmo Autor, ob. cit., p. 78, nota 64, citando K. Engisch, diz que “o objectivo da actividade probatória é «criar no juiz o convencimento da existência de certos factos»”.
[6] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Coimbra: Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-89, p. 139, refere que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo» (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)».
[7] Regra de experiência que, como diz Paolo Tonini, A prova no processo penal italiano (trad. de Alexandra Martins e Daniela Mróz, de La prova penale, 4ª ed., publicado em Pádua, pela Cedam – Casa Editrice Dott. António Milani, em 2000 e posterior actualização de Setembro de 2001), São Paulo, Brasil: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2002, pp. 55 e 56, “expressa aquilo que acontece na maioria dos casos”, sendo “extraída de casos similares”, gerando “um juízo de probabilidade”, de um “idêntico comportamento humano”, devendo o juiz formular “um raciocínio de tipo indutivo” e sucessivamente “um raciocínio dedutivo”.
[8] Assim, Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), chamando à atenção para o que se escreveu em Ac. de 8/2/99, em recurso de apelação do proc. nº 1/99 do Tribunal de Círculo de Chaves.
[9] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 19/12/1990, BMJ nº 402/232ss.
[10] Ibidem.
[11] Assim, entre muitos outros, Ac. do STJ de 28.09.2011 (relator Santos Cabral), proferido no processo nº 22/09.6YGLSB.S2, Acs. do TRP de 23.11.2011 (relator Mouraz Lopes) proferido no processo nº 1373/08.2PSPRT.P1, de 16.1.2013 (relator Ernesto Nascimento), proferido no processo nº 201/10.3GAMCD.P1, Ac. do TRL de 28.5.2009 (relatora Fátima Mata-Mouros) proferido no processo nº 10210/2008-9 e Ac. do TRE de 24.4.2012 (relatora Maria Filomena Soares) proferido no processo nº 932/10.8PAOLH.E1.
[12] Artigo 79º (Direito à imagem) do Código Civil
1 - O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo a ordem nele indicada.
2 - Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.
[13] Artigo 199º (Gravações e fotografias ilícitas) do Código Penal
1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197º e 198º.
[14] Artigo 167º (Valor probatório das reproduções mecânicas) do Código de Processo Penal
1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
2 - Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro.
[15] Artigo 7.º (Tratamento de dados sensíveis) da Lei nº 67/98, de 26.10 (Lei de Protecção de Dados Pessoais)
1 - É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.
2 - Mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no número anterior quando por motivos de interesse público importante esse tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15.º
[16] Manuel da Costa Andrade, “Bruscamente no Verão Passado” a reforma do Código de Processo Penal, observações críticas sobre uma Lei que podia e devia ter sido diferente, Coimbra Editora, 2009, p. 127.
[17] Aliás, como tem vindo a ser decidido por esta Relação “o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação (…) e também não pode destinar-se a substituir a convicção formada pelo tribunal recorrido, objectivamente motivada, plausível segundo as regras da lógica, da experiência da vida e do senso comum e coerente com o sentido das provas produzidas” (assim, Ac. proferido no proc. nº 4133/05-1, relatado por Guerra Banha, citando outra jurisprudência).