Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23/17.0T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: ERRO NA FORMA DO PROCESSO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
ACÇÃO EXECUTIVA
Nº do Documento: RP2019061323/17.0T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO COMUM
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 177, FLS. 22-29 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - O recurso extraordinário de revisão é o meio processual através do qual se procura afastar o efeito do caso julgado formado por uma sentença que tenha conhecido do mérito de uma relação jurídica.
II - Desde a reforma da acção executiva não há lugar, neste tipo de acções, lugar à prolação de uma sentença a julgar extinta a execução.
III - Pretendendo um terceiro, além do mais, arguir a invalidade do negócio jurídico a que respeita o título executivo dado à execução, por simulação, e da própria execução, por simulação processual, o meio processual adequado para o fazer não é o recurso de revisão mas sim a acção declarativa autónoma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2019:23/17.0T8PVZ.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B…, contribuinte fiscal n.º ………, residente em …, …, Vila do Conde, instaurou acção judicial contra I- C…, contribuinte fiscal n.º ………, e marido D, contribuinte fiscal n.º …….., residentes em …, Vila do Conde, II- E…, contribuinte fiscal n.º ………., e marido F…, contribuinte fiscal n.º ………, residentes em , Matosinhos; II- G…, contribuinte fiscal n.º ………, e mulher H…, contribuinte fiscal n.º ………, Vila do Conde; IV- I…, contribuinte fiscal n.º ………, residente na …, Vila do Conde; V- J…, contribuinte fiscal n.º ………, e marido K…, contribuinte fiscal n.º ………, residentes em …, Vila do Conde; VI- L… contribuinte fiscal n.º ………., e marido M…, contribuinte fiscal n.º ………., residentes em …, Vila Nova de Famalicão; todos por si e na qualidade de herdeiros de N… e de O…; VII- Massa Insolvente de G… e de H…, contribuinte fiscal n.º ……….; VIII- P…, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Póvoa de Varzim; IX- Q… Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em Vila do Conde, e X- S…, contribuinte fiscal n.º ………, residente na Póvoa de Varzim, formulando contra estes os pedidos de condenação seguintes:
I – I a VI e X Réus:
A) A verem declarado e a reconhecerem que o processo n.º 1150/05.2TBVCD, que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial de Vila do Conde, 2.ª Juízo Cível, assenta num litígio simulado e, como tal, seja declarado nulo e de nenhum efeito o que nele foi processado;
B) Se assim se não entender – e/ou com tal abrangência - a verem declarado e a reconhecerem que o título de transmissão, e/ou despacho que sobre ele incidiu, a favor da I Ré, elaborado no âmbito do processo n.º 1150/05.2TBVCD, assenta num negócio simulado, fraudulento e/ou nulo, de nenhum efeito e/ou ineficaz relativamente ao A. e/ou outros credores do Réu G…, hoje massa insolvente deste, VII Ré;
C) A verem declarado e a reconhecerem que, no que concerne, pelo menos, ao prédio rústico “Campo T… ou Campo U…”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 618/20120127, a aquisição da meação e quinhão da O…, mãe e sogra dos I a VI RR., na herança de N…, pela I Ré, não contemplou ou abrangeu qualquer direito sobre o mesmo;
D) Sem prejuízo, se se entender que a aquisição pela I Ré abrange direitos sobre o dito prédio, devem os RR. ser condenados a verem declarado e a reconhecerem que a venda é nula, por representar venda de bens alheios - porque mais abrangente que o direito que, sobre o mesmo, cabia à dita O… no que concerne ao direito do III Réu, G…, herdeiro e legatário dessas mesmas heranças;
E) A absterem-se de todo e qualquer comportamento que ponha em causa o direito das heranças ilíquida e indivisas abertas por óbito de N… e de O…, em especial, sobre o referido prédio, “T… ou U…”, identificado na al. B) do pedido supra;
F) A cancelar-se os respectivos registos de aquisição já efectuados ou que se venham a efectuar a favor da Ré C… e/ou de quaisquer ónus, como hipotecas.
II – A I Ré:
G) A ver declarado e a restituir às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbitos de N… e O… o prédio “T… ou U…”, identificado na al. B) do pedido supra;
III - Os I, II, III a VII e X Réus:
H) Devem ainda ser condenados solidariamente a pagar ao A. justa compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos, que se reputa justa e adequada, na quantia de 10.000,00€;
I) Devem ser condenados solidariamente a pagar ao A. indemnização pelos demais danos, patrimoniais, por ele sofridos e que venha a sofrer, nomeadamente, as despesas com este processo, in casu, a liquidar em sentença.
IV - Os VII a IX Réus:
J) Devem ser condenados nos pedidos formulados em I, al. B) a D).
K) Devem ser condenados a ver declarado e a reconhecer a favor da massa insolvente dos III Réus, G… e mulher, direito, nas ditas heranças, sobre o dito prédio “T… ou U…”.
Subsidiariamente, caso se entenda que o “Auto de transmissão”, e/ou o Douto Despacho, emitido(s) a favor da I Ré C…, no âmbito da execução referida em I A) a D), compreende direitos sobre todos os bens/prédios que pertenciam ao inventariado N…, (…), deve decretar-se, e os RR., todos eles, serem condenados, além dos pedidos F) e G), a ver declarado e a reconhecer:
L) Que, no que concerne, pelo menos, ao título de transmissão referido no pedido I B) a D), seja declarado que a aquisição da meação e quinhão da O… na herança de N…, não contemplou ou abrangeu qualquer direito sobre o “T… ou U…”;
M) Que esse título, bem como o douto despacho judicial que se seguiu, é nulo e/ou ineficaz relativamente ao A. e/ou à massa insolvente dos Réu G… e mulher, aqui VII Ré, com as devidas consequências legais.
Alegou para o efeito que os VI primeiros réus são herdeiros universais de N… e mulher O… de cuja herança fazia parte um imóvel o denominado “T…” ou “U…”, a X ré era cunhada da O… e tia dos demais réus e o autor é credor do filho dos de cujus e insolvente G…. A O… declarou dever à ré S…, sua cunhada, a quantia de 19.268,38€ e com base nisso esta instaurou contra aquela uma execução na qual foi designada hora para a abertura de propostas para venda do direito à meação e do quinhão hereditário da O… na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do marido, sem que na execução se indicasse que a herança incluía o aludido T… ou da porta, tendo a ré C… exercido o direito de remição e adquirido aqueles direitos. Só depois disso a ré C… foi ao inventário aditar à relação de bens um prédio rústico que identificou como sendo o “Campo da figueira” ou “Campo U…”, dizendo que o mesmo estava omisso. Esse comportamento foi praticado com fraude processual já que se o autor ou outro credor ou interessado na aquisição da meação e quota na herança soubesse que delas faziam parte direitos sobre este prédio teriam tido outro comportamento face ao enorme valor do bem (não inferior a 1.000.000,00€). Ao agirem do modo descrito os aqui I a VI e X réus enganaram os credores, como o solicitador/agente de execução, o próprio tribunal, e o Administrador da Insolvência do réu G… e mulher, havendo forte convicção que a própria execução instaurada pela tia dos I a VI RR., a X ré S…, também tenha sido simulada e com intuito de obter a emissão de “título de transmissão” a favor da ré C… do “património” da mãe, O…, em prejuízo dos credores do ré G… e da respectiva massa insolvente.
Findos os articulados da acção e realizada audiência prévia, as partes foram ouvidas «sobre a propriedade e adequação da presente acção como meio para a satisfação da pretensão do autor», após o que foi proferida a seguinte decisão:
«[…] Através da presente acção, alegando a inexistência da dívida que O…, mãe dos aqui primeiros cinco RR., havia falsamente reconhecido a favor da aqui última R. S…, o A., enquanto credor de um desses RR. G…, pretende a nulidade da execução n.º 1150/05.2TBVCD instaurada pela primeira contra a dita R. S… com base no respectivo falso reconhecimento de dívida, ou pelo menos da remissão aí operada por parte de C…, aqui primeira R., conhecedora daquela falsidade, e do subsequente título de transmissão, datado de 21/02/2011, para a mesma do quinhão hereditário da aí executada O… na herança aberta por óbito do marido N…, falecido a 16/06/1998, e do respectivo direito à meação do bens comuns que constavam do competente inventário n.º 3280/07TBVCD, aos quais, propositadamente, só a 23/03/2011, veio a ser aditado o prédio denominado “T… ou U…”.
Por consequência, pede o A. a condenação da primeira R. a restituir aquele prédio à herança aberta por óbito N… e da identificada O…, sua esposa, de que é herdeiro, além do mais, G…, casado com H…, sobre quem já então tinha um crédito reconhecido no processo de insolvência destes últimos.
Do mesmo passo, pede a condenação, além do mais, da primeira e últimas RR. a pagarem-lhe os danos patrimoniais, a liquidar ulteriormente, e não patrimoniais que sofreu em consequência do comportamento das mesmas que se destinou a evitar o pagamento do seu crédito por parte dos RR. G… e C….
Pede ainda, a título subsidiário, o reconhecimento da falta de determinados efeitos e a nulidade/ineficácia de actos processuais praticados no âmbito do identificado processo executivo.
Decidindo.
Podendo a simulação processual servir de fundamento a uma acção de responsabilidade civil, certo é que não se nos afigura possível que a força obrigatória do julgado exequendo possa ser abalada, como pretende o A., por via da presente acção cuja essência dos pedidos (inclusive dos subsidiários) de que os demais, como o indemnizatório, dependem, consiste justamente na destruição de determinados actos processuais praticados no âmbito de um distinto processo.
Na verdade, a alteração de uma decisão já transitada alcança-se por via do recurso extraordinário de revisão, designadamente com o fundamento em litígio assente sobre acto simulado (anterior oposição de terceiro) nos termos do art. 696.º, al. g) do CPC.
A respeito da simulação das partes a que se refere este preceito legal, o Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 13/09/2016 relatado pelo Exm.º Desembargador Igreja de Matos escreveu que “Resta a apreciação da alínea g) do art. 696.º quanto à demonstração de que estaremos perante um litígio assente sobre acto simulado das partes Nas palavras de Lebre de Freitas (C. Proc. Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed. p. 695 e 696) “Tem lugar a simulação processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si. Tem lugar a fraude processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio para obter uma sentença cujo efeito pretendem, mas que lesa um direito de terceiro ou viola uma lei imperativa predisposta no interesse geral”. (no mesmo sentido vide Ac. do TRC de 20/11/2012 relatado pelo Exm.º Desembargador Moreira do Carmo (in www.dgsi.pt).
Como explicam os autores citados por Abílio Neto “O recurso de oposição de terceiro depende da verificação de uma tríplice condição: existência de simulação processual bilateral na acção em que é proferida a decisão; que a simulação seja causa de um prejuízo para o recorrente, embora não tenha sido praticada com o intuito especial ou específico de o prejudicar; que o recorrente seja terceiro” (in “Novo Código de Processo Civil” Anotado, 2.ª Edição Revista e Ampliada, Janeiro/2014, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda., pág. 852).
Igualmente em anotação ao art. 696.º do CPC, e citando o Supremo Tribunal da Justiça, pode ler-se que “Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, pelo que após esse seu trânsito já não pode afastar-se essa força obrigatória por qualquer decisão que viesse a ser Tribunal Judicial da Comarca do Porto proferida sobre agravo de despacho interlocutório: só no caso de recurso extraordinário de revisão (art. 771.º do CPC) ou de oposição de terceiro (art. 778.º do CPC) é que ela podia ser afastada (in loc. cit., pág. 852).
No mesmo sentido, desta feita citando o Tribunal da Relação do Porto, esclarece-se que “A instância executiva não pode suspender-se nos termos do art. 279.º do CPC com fundamento na suspeita de que a sentença exequenda foi obtida com fraude à lei, em processo declaratório simulado, apoiando-se agora a suspensão no art. 665.º do mesmo diploma legal. O julgado exequendo só pode ver abalada a sua força executória, em tal óptica, após resolução do mecanismo processual adequado: recurso extraordinário de oposição de terceiros” (in loc. cit., pág. 852).
Do que vem de se dizer, resulta, pois, que os pedidos aqui formulados no sentido de declarar a nulidade ou determinar a anulação os actos praticados numa acção executiva e de destruir os efeitos das decisões aí proferidas não podem ser conseguidos por via de uma acção comum mas antes por via do recurso de revisão. Não sendo, pois, a presente acção o meio próprio para a obtenção do efeito jurídico pretendido pelo A., há que concluir pela verificação de uma excepção dilatória inominada que conduz à absolvição dos RR. da instância (arts. 577.º e 278.º, n.º 1, al. e) do CPC).
Quanto ao pedido reconvencional da R. Q…, porque dependente do pedido formulado pelo A., ao abrigo do art. 266.º, n.º 6 do CPC, não é viável o conhecimento do mesmo.
Pelo exposto, por verificação de excepção dilatória inominada absolvo os RR. da instância.»
Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª- O presente recurso resulta do inconformismo do Recorrente/Apelante quanto à douta decisão que absolveu os RR. da instância pela verificação de excepção dilatória inominada por não considerar a acção instaurada o meio próprio para a obtenção do efeito jurídico pretendido pelo Recorrente/Apelante.
2.ª- A acção cuja sentença se encontra em crise foi instaurada para obter decisão que permita instruir esse mesmo recurso de revisão.
3.º- O recurso de revisão, fundado em simulação processual, continua a ter de ser instruído com sentença a declarar a existência de simulação e o prejuízo daí resultante para o recorrente.
4.º- É precisamente essa sentença declaratória de simulação que se pretende com a propositura da acção cuja sentença se encontra em crise, consubstanciando a mesma meio processual adequado para a obtenção do efeito jurídico pretendido pelo Recorrente/Apelante.
5.º- O Recorrente/Apelante alicerçou o litígio que está na base do presente recurso, grosso modo, no instituto jurídico da simulação, mais propriamente na simulação de acto jurídico.
6.º- Não é alheio ao tribunal a quo que a causa de pedir e os pedidos efectuados pelo Recorrente/ Apelante poderiam, em abstracto, revestir, ainda, o instituto jurídico da simulação processual.
7.º- Esteve mal o tribunal a quo ao não convidar o Recorrente/ Apelante ao aperfeiçoamento da P.I. com vista ao aproveitamento dos autos, o que poderia/ deveria ter feito, com fundamento no princípio da adequação formal e/ou no princípio da economia processual.
8.º- Estamos perante uma acção que visa repor a Justiça, uma vez que a mesma não foi alcançada, antes pelo contrário, no âmbito do processo que esteve na base dos negócios jurídicos que o Recorrente/ Apelante pretende ver declarados nulos por fundamento em simulação.
9.º- Não o tendo sido também no processo de insolvência de G…, em sede do qual os então credores da massa Insolvente chamaram a atenção, nomeadamente ao Sr. Administrador de Insolvência e ao próprio Tribunal, dos actos nulos praticados no âmbito de processo executivo, tendo, inclusive, deliberado no sentido de reagirem.
10.º- Não assegurar o recurso aos tribunais a quem vê afectados os seus direitos e interesses, em acção que correu à sua revelia e com o seu desconhecimento, é violar a “proibição da indefesa” consagrada no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa e, também, o princípio do contraditório.
Termos em que, com o vosso mui douto suprimento, se requer a Vossas Excelências seja julgado procedente o presente recurso e revogada a decisão proferida, prosseguindo os autos os ulteriores termos, assim se fazendo inteira Justiça.
Os recorridos C… e marido e S… responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se o meio processual adequado para o julgamento da pretensão do autor é o recurso de revisão ou a acção declarativa com processo comum.
III. Os factos:
Os factos que relevam para a decisão a proferir são os constantes do relatório que antecede.
IV. O mérito do recurso:
Na decisão recorrida foi decidido que o meio processual através do qual o autor poderá questionar a validade e afastar os efeitos dos actos jurídicos praticados no processo executivo onde a ré C… adquiriu o direito à meação e ao quinhão hereditário de O… na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu marido N…, designadamente a venda executiva que operou essa transmissão dos direitos, é o recurso de revisão, pelo que a escolha da acção declarativa com processo comum constitui um erro na forma do processo.
O recorrente questiona esta leitura sustentando que a acção foi instaurada para obter uma sentença que declare a existência de simulação e o prejuízo daí resultante para o recorrente e possa permitir depois instruir o recurso de revisão fundado em simulação processual, uma vez que este continua a ter de ser instruído com aquela sentença.
Pese embora a multiplicidade de pedidos formulados, o autor configurou o litígio fundando-o essencialmente no instituto jurídico da simulação de acto jurídico e subsidiariamente na figura da simulação processual.
O artigo 696.º do Código de Processo Civil define os fundamentos possíveis do recurso de revisão. Entre estes conta-se a situação de o litigio ter assentado em acto simulado das partes e o tribunal não se ter apercebido da fraude e não ter obstado ao objectivo anormal prosseguido pelas partes – alínea g) -.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2017, proc. n.º 2226/13.8TJVNF-B.G1.S1, Tomé Gomes, in www.dgsi.pt,
«O recurso extraordinário de oposição de terceiro destinado a impugnar sentença já transitada em julgado, com fundamento em simulação processual, foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil de 1939 [..].
Não obstante o princípio da relatividade do caso julgado material, visou-se com tal mecanismo facultar a terceiros um meio de tutela judicial específico contra actos revestidos de autoridade de caso julgado entre as partes, mas que fossem, ainda assim, susceptíveis de prejudicar interesses de terceiro, embora não alcançados pelo âmbito do julgado. Através dele, provada que fosse a simulação processual, obter-se-ia, pois, a anulação de decisão desse modo lograda e já transitada.
Para tanto, a simulação processual ocorrerá “quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si”[..], podendo, nomeadamente, consistir num conluio entre autor e réu no sentido de ser deduzida por aquele determinada pretensão para não ser contraditada ou só ficticiamente contraditada por este, de modo a obter, por essa via, uma decisão judicial tendente a prejudicar terceiro.[..]
Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis [..], o referido meio de impugnação por via recursória extraordinária, a interpor perante o tribunal que proferiu a decisão impugnada, comportava a seguinte tramitação: a) uma fase de admissão, integrada pelo requerimento de interposição e pelo despacho de indeferimento ou de admissão liminar do recurso (artigos 780.º e 781.º do CPC/39); b) uma fase de seguimento, desencadeada logo após o despacho liminar de admissão, comportando, sucessivamente, a notificação pessoal do recorrido, a resposta que o mesmo entendesse deduzir, as subsequentes alegações das partes, eventuais diligências de prova sumária sobre os fundamentos alegados e a decisão sobre a viabilidade do recurso, determinativa ou não do seu seguimento (art.º 782.º, 1.ª parte, CPC/39); c) por fim, em caso de seguimento do recurso, uma fase de instrução, discussão e julgamento, de contraditório mais desenvolvido, seguindo, como se findassem os articulados, os termos do processo correspondente à acção em que fora proferida a decisão impugnada, culminando em sentença final, a julgar a pretensão procedente ou improcedente, declarando, respectivamente, insubsistente a sentença impugnada ou negando provimento ao recurso (art.º 782.º, 2.ª parte, CPC/39).
Nessa configuração, o recurso extraordinário de oposição de terceiro equivalia, substancialmente, a uma acção de simulação instaurada pelo terceiro recorrente contra as partes na acção em que ocorrera a simulação processual, agora como recorridos, recaindo sobre aquele o ónus de alegar os factos tendentes a inferir que o processo encobria o ato simulado e que teve por fim obter uma sentença que lhe causasse prejuízo (art.º 780.º do CPC/ 39) [..]. Não se exigia, pois, que fosse obtida previamente, em processo declarativo comum, uma sentença de simples apreciação de reconhecimento dessa simulação processual.
Posteriormente, por se considerar que o regime de tal recurso não permitia uma adequada investigação do vício em causa, a Reforma do CPC operada pelo Dec.-Lei n.º 44.129, de 28/12/1961 (CPC/61) introduziu a exigência de instauração de uma acção prévia ou preparatória da anulação com vista a obter sentença de reconhecimento da simulação e do envolvimento de prejuízo para terceiro, que então servisse de base ao referido recurso extraordinário, como decorria do preceituado no artigo 779.º daquele Código [..]. Em consonância com esta solução, o artigo 780.º do mesmo diploma estabeleceu, para a interposição do recurso, o prazo de três meses a contar do trânsito em julgado da decisão final da acção de simulação, a qual deveria, por sua vez, ser intentada dentro dos cinco anos subsequentes ao trânsito da sentença que se pretendia impugnar por via do recurso extraordinário de oposição de terceiro. No respeitante à tramitação, o artigo 781.º suprimiu a precedente decisão interlocutória de seguimento do recurso, passando a seguir-se, após a resposta dos recorridos ou o termo do respectivo prazo, a realização de diligências probatórias, a produção de alegações e a decisão final.
Nessa conformidade, o terceiro prejudicado por sentença transitada em julgado obtida mediante simulação processual teria de instaurar, previamente, uma acção declarativa comum de simples apreciação com vista à obtenção de sentença de reconhecimento dessa simulação e do prejuízo para ele dela decorrente, e só com base nesta sentença transitada é que lhe era facultado lançar mão do recurso extraordinário de oposição de terceiro destinado à prolação de decisão rescisória da sentença afectada pela simulação processual, nos termos dos artigos 779.º a 781.º do CPC/61.
Este regime foi mantido, no essencial, pela Revisão do CPC introduzida pelos Dec.-Leis n.º 329-A/95, de 12-12, e n.º 180/96, de 25-09, tendo também ficado incólume no quadro das alterações editadas pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08/03, em que, no entanto, se eliminou a exigência de acção prévia nos casos previstos nas alíneas b) e d) do artigo 771.º do CPC, no âmbito do recurso extraordinário de revisão de sentença.
Sucede que o Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24/08, em vigor desde 01/01/2008, que alterou profundamente o regime dos recursos cíveis, integrou o recurso extraordinário de oposição de terceiro no recurso extraordinário de revisão de sentença, com a transposição do respectivo fundamento para a alínea g) do artigo 771.º e as adaptações inseridas nos artigos 680.º, n.º 3, 772.º, n.º 2, alínea c), 773.º, 775.º, n.º 2, e 776.º, n.º 2, todos do CPC na versão então dada.
Além disso, segundo alteração do artigo 771.º operada por aquele diploma, deixou de se exigir como dantes, para efeitos de revisão de sentença, a prévia instauração de acção para obtenção de sentença transitada nos casos previstos nas alíneas b) e d) do mesmo normativo, mantendo-se essa exigência apenas quanto aos casos previstos na alínea a). Porém, ainda assim, segundo o disposto no n.º 2 do então artigo 301.º do CPC, a sentença homologatória transitada em julgado sobre confissão, desistência ou transacção poderia ser impugnada, com fundamento em nulidade ou anulabilidade, alternativamente, mediante prévia acção declarativa seguida de recurso de revisão ou pela via de interposição directa deste recurso, nos termos da alínea d) do artigo 771.º.
Assim, no que aqui releva, o citado artigo 771.º, preceitua que: A decisão transitada em julgado (…) pode ser objecto de revisão quando: g) – O litígio assente sobre acto simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 665.º, por se não ter apercebido da fraude.
E o artigo 772.º prescreve que: 2. O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados: c) – No caso da alínea g) do artigo 771.º, desde que o recorrente teve conhecimento da sentença.
Por sua vez, o artigo 773.º, sob a epígrafe Instrução do requerimento, dispõe o seguinte: 1 - No requerimento de interposição, que é autuado por apenso, o recorrente alega os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g) do artigo 771º, o prejuízo resultante da simulação processual. 2 – Nos casos das alíneas a), c), f) e g) do artigo 771.º, o recorrente, com o requerimento de interposição, apresenta certidão, consoante os casos, da decisão ou do documento em que se funda o pedido.
No que respeita ao julgamento da revisão, diversamente da tramitação simplificada prevista no n.º 1 do artigo 775.º, aplicável aos casos configurados nas alíneas a), c), e) e f) do artigo 771.º, o n.º 2 daquele artigo determina, para os casos previstos nas alíneas b), d) e g) deste artigo 771.º, a tramitação do processo sumário. E o n.º 2 do artigo 776.º prescreve que: no caso da alínea g) do artigo 771.º, se o fundamento da revisão for julgado procedente anula-se a decisão recorrida.
De todo este quadro normativo, especialmente face ao disposto no artigo 771.º, alínea g) – em que, diferentemente dos casos previstos da alínea a), não se exige sentença transitada em julgado sobre o fundamento da revisão -, ao preceituado no artigo 772.º, n.º 2, alínea c) – em que o prazo de 60 dias para a interposição do recurso se conta a partir do conhecimento da sentença revidenda, por parte do recorrente, suprimindo desse modo o prazo de caducidade da acção de simulação anteriormente previsto no artigo 780.º, n.º 2 -, ao prescrito no artigo 773.º, n.º 1 – em que se exige que o recorrente alegue os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g) do artigo 771.º, o prejuízo resultante da simulação processual – e, por fim, ao estatuído nos artigos 775.º, n.º 2, e 776.º, n.º 2 – segundo os quais, no caso de revisão fundada em simulação processual, se seguem, em vez da tramitação mais simplificada prevista no n.º 1 do artigo 775.º, os termos do processo sumário para o julgamento desse fundamento com vista à anulação da sentença revidenda -, impõe-se concluir que se deixou de exigir a prévia instauração de acção declarativa comum para o reconhecimento da simulação processual.
É certo que, estranhamente, o n.º 2 do artigo 773.º, referindo-se incluso aos casos da alínea g), exige que o recorrente apresente com o requerimento de interposição de recurso certidão comprovativa da decisão em que se funda o pedido, mas, perante o quadro inequívoco acima traçado e a revogação dos precedentes artigos 779.º e 780.º, n.º 2, do CPC, não restará senão inferir que aquela referência se deverá a mero lapso legislativo, por se mostrar inconciliável com o novo modelo do recurso de revisão, ao eliminar a exigência de instauração acção prévia para a generalidade dos casos previstos no artigo 771.º.
Nesta linha de entendimento, Lebre de Freitas e outros [..], embora tendo por duvidosa a bondade da solução de eliminação da propositura de acção prévia, observam que: «A grande novidade do novo regime é que deixa de se exigir uma sentença transitada em julgado que tenha reconhecido a existência de simulação, diferentemente do que se previa no artigo 779.º-1 revogado. A questão da simulação passa a ser discutida na fase rescindente do recurso de revisão. É, por isso, enigmático o art. 773 – 2 quando exige a apresentação, também neste caso, “da decisão ou do documento em que se funda o pedido”, na medida em que parece apontar para a solução anterior da propositura de uma acção autónoma para apreciar a simulação.»
Também V… e W… [..], questionando a bondade da solução de fundir num só os recursos de revisão e de oposição de terceiro, consideram que: «A maior inovação estrutural introduzida pelo novo regime consiste em se ter deixado de exigir uma sentença transitada em julgado que reconheça a existência de simulação. Impõe-se, por isso, uma interpretação apagógica do artigo 773.º, n.º 2, isto é que exclua o significado interpretativo menos razoável ou mais absurdo da exigência da apresentação “da decisão ou do documento em que se funda o pedido.”»
Em sentido algo diferente, X…, apoiando-se exclusivamente no n.º 2 do artigo 773.º, inclina-se para o entendimento de que daquele normativo decorrerá a exigência da prévia acção de simulação, ficando apenas ressalvada a prova do prejuízo para o recorrente a produzir no próprio recurso [..].
Também parece apontar nesse sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/04/2011, proferido no processo n.º 1081/08. 4TBTVD. L1-2 [..], (…), embora versando sobre um caso em que o pedido ali formulado iria para além do mero reconhecimento da simulação invocada como fundamento daquele, o que diverge, de certo modo, do caso aqui em apreço, em que os pedidos deduzidos nas alíneas c) e d) do petitório, com fundamento em simulação processual, envolvendo apenas a A. e dos 3.ºs e 4.º R.R., têm exclusivamente por finalidade a anulação da sentença já transitada que decretou a execução específica do contrato-promessa em referência.
Todavia, salvo o devido respeito por este último entendimento, afigura-se que o apelo ao n.º 2 do artigo 773.º se revela, por si só, frágil, em face das demais alterações substanciais acima enunciadas, em especial perante a ideia de concentrar o julgamento do fundamento do recurso no quadro da sua própria tramitação relativamente à generalidade dos casos previstos no artigo 771.º, com a ressalva da hipótese da alínea a), ideia que parece subjacente não só a este artigo, mas também aos artigos 775.º, n.º 2, e 776.º, n.º 2, para além da própria eliminação do prazo de caducidade da acção de simulação anteriormente estabelecido no artigo 780.º, n.º 2, do CPC/95/96. Do igual modo, a admitir a exigência de prévia instauração da acção de simulação não se revele muito coerente que se deixe para o recurso apenas a apreciação do prejuízo que dela decorre para o recorrente, face ao disposto na parte final do n.º 1 do artigo 773.º, já que o prejuízo de terceiro é um dos pressupostos do vício da simulação processual.
De realçar que, se o recurso de revisão fundado em simulação processual não comportasse o julgamento desse fundamento, não se encontraria então razão plausível que justificasse seguir a tramitação mais solene prescrita no n.º 2 do artigo 775.º correspondente ao n.º 2 do actual artigo 700.º do CPC, em vez da tramitação simplificada preconizada no n.º 1 do mesmo artigo, nomeadamente quanto aos casos previstos na alínea a) do artigo 771.º correspondente ao actual artigo 696.º daquele Código.
Em suma, pelas razões expostas, conclui-se que, segundo o modelo do recurso extraordinário de revisão de sentença regulado nos artigos 771.º a 777.º do CPC, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, (…), em que se integra a revisão de sentença transitada com fundamento em simulação processual, o julgamento deste fundamento, pelo menos quando circunscrito à anulação da decisão revidenda, deve ser promovido no âmbito desse recurso, sem necessidade de prévia instauração de acção de simulação.
Tal regime foi mantido nos mesmos termos pela Reforma do CPC introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-04, como se alcança do disposto nos atuais artigos 631.º, n.º 3, e 696.º a 702.º do CPC, sendo que agora tramitação do recurso, nos casos das alíneas b), d) e g) do artigo 696.º, passou a seguir, após a resposta dos recorridos ou o termo do respectivo prazo, os termos do processo comum declarativo (art.º 700.º, n.º 2), o que veio até reforçar as garantias do contraditório.»
Sendo este o regime legal do recurso de revisão, conforme nos parece também, numa primeira análise seríamos levados a supor que que a decisão recorrida, ao considerar ser esse afinal o meio processual adequado à suscitação da simulação de acto jurídico e/ou simulação processual, está correcta e deve ser confirmada.
Sucede, contudo, que a decisão recorrida não levou na devida conta um aspecto relevante para esta discussão, qual seja, o de que a instância na qual esse vício terá sido cometido e não detectado pelo juiz não é a de uma acção declarativa que haja terminado com uma sentença sobre o mérito da causa, situação analisada naquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, mas sim a de uma acção executiva instaurada já depois da chamada da reforma da acção executiva.
Esta particularidade obrigava a equacionar até que ponto o fundamento do recurso de revisão previsto na alínea g) do artigo 696.º do Código de Processo Civil é aplicável à própria acção executiva quando nesta não é proferida qualquer sentença a declarar a extinção da execução e quando o objectivo do demandante é a anulação da própria acção executiva como um todo e não, por exemplo, o decidido em algum dos eventuais apensos declarativos de uma acção executiva nos quais já há lugar à prolação de uma sentença que conheça do respectivo mérito.
Basta atentar que nos termos do n.º 2 do artigo 701.º do Código de Processo Civil, quando o recurso de revisão fundado na alínea g) do artigo 696.º do mesmo diploma seja procedente, o desfecho é a «anulação da decisão recorrida» para duvidar que o mesmo possa ser aplicado em relação a uma execução na qual não foi proferida … decisão que possa ser anulada.
Segundo Lebre de Freitas, in A acção executiva à luz do código de processo civil de 2013, 6.ª edição, pág. 415, «[…] atentas a estrutura e a função da acção executiva e a circunscrição do atributo de caso julgado às decisões sobre a relação material controvertida (art. 619-1), as quais, por sua vez, pressupõem uma actividade processual desenvolvida em contraditoriedade (..) defendi, nas edições desta obra anteriores à reforma da acção executiva, que a sentença de extinção da execução não era dotada da eficácia de caso julgado material (..). Por ela era tão-só verificado o termo da acção executiva e, mesmo quando tal ocorresse por extinção da obrigação exequenda, a sua estrutura continuava a ser a duma providência da esfera executiva, cuja característica de definitividade se colocava tão-só no plano da relação processual, por ela extinta com a mera eficácia de caso julgado formal (art. 620). A sentença de extinção da execução não surtia, pois, eficácia fora do processo executivo. Com a reforma da acção executiva, deixou de ter lugar essa sentença, produzindo-se automaticamente o efeito extintivo da instância (art. 849-1) (..) A questão da formação de caso julgado no processo executivo deixou, pois, de se poder pôr. Mas, hoje como ontem, o efeito de direito substantivo do facto extintivo da obrigação exequenda (pagamento ou outro) invocado na acção executiva (..) não deixa de se produzir, obstando ao êxito duma nova acção executiva (..) mas não impedindo a propositura, pelo executado, duma acção de restituição do indevido (..).»
A questão de saber se a sentença que declarava extinta a execução produzia caso julgado, formal ou material, era controversa na doutrina. Diferentemente de Lebre de Freitas[1], havia autores que entendiam que uma vez que o executado podia recorrer aos embargos de executado para impedir a execução coerciva da prestação documentada no título executivo, a circunstância de ele não ter usado esse meio de oposição ou não ter deduzido nele uma excepção peremptória tinha como consequência a preclusão dum eventual direito à repetição do indevido, bem como a inadmissibilidade de nova execução com o mesmo objecto, pelo que a sentença que punha termo à execução constituía caso julgado material sempre que por ela se julgasse extinta a execução por extinção da obrigação exequenda – cf. Castro Mendes, in Acção executiva, pág. 203, Pessoa Jorge, in Lições de direito Processual Civil, a acção executiva, Lisboa, 1972, págs. 280, ou Gonçalves Sampaio, in A acção executiva e a problemática das execuções injustas, 2.ª edição, 2008, pág. 468 -.
Como quer que seja, depois da reforma da acção executiva de 2003 a extinção da execução opera de forma automática uma vez verificada uma das situações a que a lei atribui esse efeito, devendo o agente de execução uma vez verificada uma dessas situações notificar as partes da extinção da execução e informar o tribunal dessa extinção.
Não havendo mais sentença que declare a extinção da execução, cremos, tal como Lebre de Freitas, não ser mais possível discutir se a extinção da execução forma caso julgado material (ou sequer formal) uma vez que nos termos do artigo 621.º do Código de Processo Civil esse efeito pressupõe uma sentença que aprecie o mérito da causa e ela não existe.
Ora o recurso de revisão é precisamente o meio processual de atacar e afastar o efeito do caso julgado material formado por uma sentença que haja apreciado o mérito de uma determinada relação material controvertida. É o que resulta claro do texto do artigo 696.º do Código de Processo Civil quando nele se afirma que «a decisão transitada em julgado [só] pode ser objecto de revisão».
Como escreve Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pág. 566, «[…] ao invés de qualquer recurso ordinário, cuja finalidade é a de obstar ao trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, com o recurso extraordinário de revisão visa-se (em última ratio) corrigir os erros de julgamento de que enferme uma decisão judicial já transitada em julgado (insusceptível, pois, de impugnação pela via ordinária contenciosa). […] O expediente ou remédio processual da revisão visa a substituição da decisão revidenda por outra não inquinada dos vícios subjacentes à sua impugnação ou anulação. No fundo, uma erupção de uma certa relatividade do princípio da autoridade ou da força do caso julgado, traduzida na prevalência das «exigências da justiça, face à necessidade da segurança e da certeza jurídicas imanentes a uma decisão judicial dotada da firmeza, força e autoridade do respectivo trânsito em julgado [nota: citação de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. VI., pp. 336 -337.].»
Por estes motivos, somos a entender que de facto o meio processual para o autor deduzir as pretensões que formula na acção (e que, note-se, ultrapassam de facto o mero objectivo da anulação da execução, pois existem pedidos cuja procedência pode prescindir do vício da simulação de acto jurídico e/ou processual e passar somente pela interpretação e fixação do objecto específico de determinados actos praticados na execução: v.g. a publicitação da venda) não é o recurso de revisão, nem este se afigurava aplicável à situação em apreço em que não existe uma decisão sobre o mérito de uma relação material sobre a qual se haja formado caso julgado material que por essa via houvesse (só pudesse) ser sindicado.
Cabe então perguntar se o meio processual adequado é a acção declarativa com processo comum. A resposta é, cremos, afirmativa.
Para o efeito, acompanhamos o decidido no Acórdão da Relação de Guimarães, de 28-09-2017, proc. 4200/07.4TBGMR-A.G1, in www.dgsi.pt. Conforme anotado no respectivo sumário entendeu-se neste aresto que «pretendendo o requerente/terceiro anular o negócio jurídico subjacente ao título exequendo (declaração confessória de dívida) com fundamento em vício de vontade (simulação absoluta), o meio adequado tendente a obter esse efeito jurídico é a dedução de acção autónoma de declaração de anulação a intentar contra os (alegados) simuladores, e não a dedução em sede de acção executiva do incidente de uso anormal do processo previsto no art. 612º do Código de processo Civil».
Na fundamentação deste Acórdão afirma-se que a acção executiva não se destina a declarar um direito, mas antes a realizar o direito a uma prestação, e que enquanto o processo declaratório se destina a obter a declaração judicial da solução concreta resultante da lei para a situação concreta trazida a juízo pelo demandante, as acções executivas, pressupondo a violação do direito, são utilizadas com vista à realização coactiva de uma obrigação que é devida.
Fundando-se a acção executiva numa declaração confessória de dívida, na execução o tribunal não irá declarar que a executada é devedora desse montante, com a sua consequente condenação no seu pagamento, antes irá limitar-se a adoptar os mecanismos legais tendentes à cobrança coerciva do crédito titulado na referida confissão de dívida. Pretendendo um terceiro questionar a validade do negócio jurídico subjacente à declaração confessória, o meio processual adequado para fazer valer essa pretensão não se compagina com a dedução do incidente de uso anormal do processo estabelecido no artigo 612º do Código de Processo Civil.
Refira-se que no Acórdão da Relação de Lisboa de 08-02-2018, proc. n.º 2495/14.6.T8OER.L1-6, in www.dgsi.pt, se analisou precisamente o meio processual para reagir contra a extinção de uma execução ocorrida pela junção de instrumento no qual exequente e executado declaram por termo à execução por acordo e em face do pagamento pelo segundo de uma determinada quantia.
Entendeu-se aí que junto aos autos de execução um instrumento com a desistência do pedido ou uma transacção, e dispondo ambos na acção executiva da mesma natureza de negócio de direito privado que têm na acção declarativa, se produzem de imediato os respectivos efeitos de direito civil (como sucede na acção declarativa) e também o efeito processual de extinção da instância executiva, não carecendo de homologação por sentença judicial. Por isso, decidiu-se que «invocando o exequente, em momento posterior, padecer o instrumento referido de vício substantivo susceptível de permitir a respectiva anulação, para tanto carece a referida parte de intentar a competente acção, não podendo a referida questão ser dirimida no âmbito da própria acção executiva».
Em conclusão: o recurso extraordinário de revisão não é o meio processual adequado para um terceiro reagir contra os efeitos jurídicos dos actos praticados numa acção executiva já extinta com fundamento em que a execução se funda num negócio jurídico simulado por exequente e executada e foi ela mesma objecto de simulação processual bilateral. Tal pretensão, independentemente da sua viabilidade, deverá ser formulada numa acção declarativa com processo comum, como aqui sucedeu, pelo que não se verifica o vício do erro na forma.
Procede pois o recurso.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento da lide se a isso não obstar outra razão.
Custas do recurso pelos recorridos.
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Porto, 13 de Junho de 2019.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 503)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
[a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas]
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[1] Ao qual se juntavam Oliveira Soares, in O Caso Julgado na Acção Executiva, THEMIS, 2003, pág. 243 e segs., para quem a sentença que declarava extinta a execução tinha sempre um conteúdo processual, independentemente da causa dessa extinção, não podendo formar caso julgado material, e Anselmo de Castro, in A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 296 e segs., para quem a acção executiva existia para realizar o direito, com tanto se bastando, e não para o declarar, pelo que a sentença que declarava extinta a execução não podia formar caso julgado material, mesmo no caso de oposição à execução, nada impedindo que, após a extinção da mesma pelo pagamento voluntário, possa ser pedida a restituição do indevido.