Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13857/14.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
SECÇÕES DE FAMÍLIA E MENORES
Nº do Documento: RP2015020513857/14.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As “outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família” da competência material dos tribunais de família e menores são aquelas que correspondem às condições ou qualidades pessoais e que têm como fonte as relações jurídicas familiares, de modo a individualizar ou a concretizar a situação jurídica pessoal e familiar.
II - Os tribunais ou as secções de família e menores não são competentes, em razão da matéria, para conhecer das acções de alimentos movidas pelos progenitores contra os seus descendentes.
III - A competência em razão da matéria dos tribunais e agora das suas secções para a preparação e julgamento de uma acção deve ser aferida em concreto, tendo em atenção o respectivo regime legal, e a natureza da relação substancial em causa, a partir dos seus sujeitos, causa de pedir e pedido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 13857/14.9T8PRT.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos: Pedro Lima da Costa; José Manuel de Araújo Barros

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.- RELATÓRIO
1.- No processo n.º 13857/14.9T8PRT da Comarca do Porto, Instância Central, 1.ª Secção de Família e Menores, em que são:

Recorrente/Autora: B…

Recorridos/Réus: C… e D…
Ministério Público

foi proferido despacho em 17/dez./2014 a fls. que julgou incompetente, em razão da matéria, o referenciado tribunal, absolvendo os requeridos da instância, porquanto a providência cautelar visa a prestação de alimentos devidos a ascendentes, sendo as seções de família e menores unicamente competentes para as matérias enunciadas nos artigos 122.º, 123.º e 124.º da lei n.º 62/2013, de 26/ago.
2. A autora interpôs recurso em 06/jan./2015 a fls. pedindo a revogação daquela decisão, declarando-se a competência daquela seção de família e menores para preparar e julgar a presente providência cautelar, apresentando conclusões que se resumem no seguinte:
1.º) O disposto do artigo 165.º do NCPC remete para as leis da organização judiciária quando está em causa as competências dos tribunais em razão da matéria, estabelecendo-se no artigo 130.º, n.º 1, al. a) da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26/ago.) que a competência do tribunal comum em razão da matéria é determinada por exclusão, sendo a mesma a regra e a competência das seções especializadas a exceção (2-4);
2.º) No caso da presente providência cautelar é forçoso concluir que a mesma respeita a direitos fundados, originariamente, na relação familiar intercedente entre demandante e demandados, tratando-se de ação relativa à família e das competência das seções especializadas de família e menores, como decorre dos artigos 122.º, n.º 1, al. g) em conjugação com os artigos 79.º, 20.º, 81.º e 130.º, n.º 1, todos da LOSJ (5-8);
3.º) O tribunal recorrido ao entender o contrário, violou as citadas disposições legais (1-9)
3. Admitido o recurso em 19/jan./2015 – por mero lapso escreveu-se 2014 –, foi o mesmo remetido por transferência electrónica para esta Relação em 20/jan./2015, tendo aqui sido autuado em 26/jan./2015, não existindo questões prévia ou incidentais que obstem ao seu conhecimento, tendo-se cumprido os vistos legais.
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A única questão suscitada em recurso diz respeito à competência material do tribunal recorrido para conhecer desta ação de pedido de alimentos a descendentes, ainda que com caráter cautelar.
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II. FUNDAMENTOS
Os tribunais judiciais no exercício da sua função jurisdicional de administração da justiça, têm a sua competência regulada primacialmente pela Constituição, de acordo com a sua categoria e as suas instâncias, podendo estas ser especializadas por matérias (202.º, n.º 1; 209.º; 210.º, 211.º - 214.º Const.) e ainda pela lei ordinária, com destaque para a Lei n.º 62/2013, de 26/ago. (LOSJ) e, no âmbito da jurisdição de família e menores, também pelo Novo Código de Processo Civil (NCPC), que faz, como sucedia anteriormente, a correspondente repartição atenta a matéria, o valor, a hierarquia e o território (64.º, 66.º, 67.º - 69.º, 70.º - 95.º NCPC), mas dando primazia àquela LOSJ no caso de infração das regras de competência material (65.º NCPC).
No que concerne às agora designadas secções de família e menores estas têm competência, face ao estabelecido na atual LOSJ, para as questões respeitantes ao estado civil das pessoas e família (122.º), relativas a menores e filhos maiores (123.º) e ainda em relação a matéria tutelar educativa e de proteção (124.º). No que diz respeito ao preceituado no artigo 122.º especifica-se no seu n.º 1 que tal abrange a preparação e julgamento dos processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges (a) e a situações de união de facto ou economia comum (b), de ações de separação de pessoas e bens e de divórcio (c), de declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (d), dos efeitos do casamento putativo (e), e como, passamos a transcrever, a “ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges” (f), bem como a “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família”. Acrescenta-se no subsequente n.º 2 que a competência das secções de família e menores abrange ainda os casos em que a lei confere competência aos tribunais na generalidade dos processos de inventário na sequência de separação judicial de pessoas e bens ou só de bens, bem como na seguimento da dissolução do casamento, em qualquer das suas modalidades. Será de salientar que no citado artigo 123.º, se faz alusão, entre outras situações, à competência para se “fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil, ..., e preparar e julgar as execuções por alimentos” que se reporta a despesas com o sustento, segurança, saúde e educação daqueles. E estes alimentos devidos pelos pais aos filhos menores ou então aos maiores e emancipados têm sempre uma natureza temporária. Os primeiros enquanto não atingirem a maioridade ou forem emancipados (122.º, 130.º, 132.º, 1877.º, Código Civil), os segundos enquanto não tiverem completado a sua educação ou formação profissional e pelo tempo ajustado para o efeito. E isto porque, quanto a estes últimos e como se alude no citado artigo 1880.º, “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete” – sendo nosso o negrito. No sentido desta transitoriedade tem se manifestado a generalidade da jurisprudência, com destaque para os Ac. do STJ de 02/out./2008 (Cons. Maria Beleza), 22/abr./2008 (Cons. Pereira da Silva), 31/mai./2007 (Cons. Salvador da Costa) e 27/jun./2003 (Cons. Dionísio Correia), todos acessíveis em www.dgsi.pt, assim como os demais a que se fizer referência sem indicação da sua origem.
A atual LOSJ, através do seu artigo 187.º, al. a), revogou quase totalmente a anterior Lei n.º 52/2008, de 28/fev., mais precisamente o disposto nos artigos 1.º a 159.º, que dizia respeito à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ). Nesta última, conforme resultava do então artigo 114.º, o qual tinha apenas um corpo único – pois prescindia da integração de um segmento normativo semelhante ao n.º 2 do atual artigo 122.º da LOSJ –, a atribuição das competências quando dizia respeito ao estado civil das pessoas e família era praticamente idêntica ao regime atual, salvo o agora previsto para os mencionados processos de inventário. A mesma quase plena correspondência de circunstâncias atributivas de competência em razão da matéria existia, como resultava do subsequente artigo 115.º, da então LOFTJ, em relação às questões relativas a filhos menores ou maiores ou emancipados. Só não existia uma completa identidade porque atualmente se alargou a competência material aos novos institutos jurídicos de promoção para futura adoção e apadrinhamento civil. Assim, conferia-se igualmente competência aos então juízos de família e menores para “Fixar alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por alimentos” (115.º, n.º 1, al. e) LOFTJ).
Por sua vez, na versão que antecedeu esta penúltima LOFTJ e que resultava da Lei 3/99, de 13/jan., a competência dos tribunais de família dizia respeito a questões relativas a cônjuges e ex-cônjuges (artigo 81.º), que compreendiam os processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges (a), ações de separação de pessoas e bens (b), inventários na sequência ações de separação de pessoas e bens e de divórcio (c), de declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, efeitos do casamento putativo (e) e “Acções e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges” (f). E no que concerne à competência referente a menores e filhos maiores (artigo 82.º), preceituava-se, entre outras coisas, que os tribunais de família eram competentes para “Fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por alimentos” (al. e)). A propósito, a jurisprudência alinhava no entendimento de que tratando-se de ações movidas pelos filhos contra os seus progenitores, para fixação de alimentos que extravasam a sua natureza temporária, por dizerem respeito a uma incapacidade permanente de prover ao seu sustento (Ac. TRL de 15/nov./2011, Des. Maria João Areias) ou a uma situação de interdição de um maior (Ac. TRP de 13/jan./2005, Des. José Ferraz), os tribunais de família eram para o efeito destituídos de competência material, sendo antes competentes os tribunais cíveis ou de competência genérica.
Como se pode constatar, o legislador de 2013 e de 2008 veio sucessivamente ampliando a competência material dos tribunais de família, tendo pleno conhecimento destas leituras jurisprudenciais excludentes dessa mesma competência quando estavam em causa a prestação de alimentos que não tinham a tal natureza transitória, ainda que pedidos por filhos maiores aos seus progenitores e muito menos se fossem estes as peticionar daqueles. E nessas consecutivas reformulações legislativas não veio a ser especificamente consagrado a competência dos tribunais de família para essas matérias de alimentos até então excluídas.
O mais que se fez foi estabelecer uma cláusula geral sobre “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família” como resulta da atual alínea f) do n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ, a que já fizemos referência, pelo que importa estabelecer o conteúdo e sentido desta disposição. Este segmento normativo foi introduzido pela citada Lei n.º 52/2008, de 28/fev. (LOFTJ), através do seu artigo 114.º, al. h). No entanto, nenhum dos trabalhos preparatórios possibilita qualquer leitura desta disposição. E isto porque a respetiva Proposta de Lei n.º 187/X e a sua Exposição de Motivos nada nos diz a propósito – a única coisa que podemos extrair e é muito pouco, reside nas linhas de orientação traçadas, mais precisamente na sua alínea g) ao enunciar estar a “Apostar no reforço da justiça especializada no tratamento de matérias específicas, como sejam a família e menores, ...”. Aliás, no Parecer que a propósito foi emitido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ficou em nota de rodapé o seguinte: “De referir que se atribui aos juízos de família e menores a competência para preparar e julgar processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou economia comum – cfr. Artigo 113.º, alínea b) – e acções de investigação da maternidade e paternidade – cfr. Artigo 114.º, n.º 1 alínea l) –, competências que não se encontram actualmente acometidas aos Tribunais de Família e Menores”, (DAR II-A, n.º 91, de 03/mai./2008, X Legislatura, 3.ª Sessão Legislativa (2007-2008), p. 31, nota 5). Mas nada nos diz sobre aquela outra igualmente inovadora cláusula geral de atribuição de competência dos tribunais de família e menores. Também a Proposta de Lei n.º 114/XII, que está na antecâmara da atual LOSJ, não avança qualquer pista para extroverter o conteúdo e o sentido da anterior inovação legislativa. O mesmo sucede com o subsequente parecer emitido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pois apenas aí se dá conta que uma das linhas centrais da reorganização dos tribunais judiciais de 1.ª instância seria “A promoção de um acentuado aumento da especialização dos tribunais” (DAR II-A, n.º 53, de 19/dez./2012, XII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa (2012-2013),p. 99). Pelos vistos o legislador de 2013, com a preocupação de estabelecer a reorganização judiciária, deu por adquirido o conceito de “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família”, sem que este antes tenha sido precisado, não observando, em nenhum daqueles momentos de aprovação legislativa, as condições mínimas para se vir a respeitar o princípio da confiança no ato legislativo (9.º, n.º 3 do Código Civil), uma vez que declinou as regras básicas de concisão, simplicidade e clareza instituída pelas boas práticas legislativas, as quais, a nosso ver, implicam uma comunicação prévia ou contemporânea das inovações legislativas, designadamente, a sua razão de ser, o seu conteúdo e sentido (Lei 75/98, de 11/nov., alterada e republicada pela Lei n.º 42/2007, de 24/ago., artigo 13.º, n.º 1 ao exigir uma exposição de motivos; Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/2011 (DR I, n.º 131, 11/jul.), Anexo II, artigos 3.º, n.º 1, 2 e 3; 14.º, n.º 1, 3, 5, 17.º, Regras de Legística a Observar na Elaboração de Actos Normativos da Assembleia da República, Edição A. R., Lisboa: 2008, pp. 24, 25). Tanto foi assim, que logo começaram a surgir divergências sobre a competência dos tribunais de família e menores para preparar e julgar as ações de interdição, pois havia quem lhe conferisse a mesma (Ac. TRL de 31/mai./2012, Des. Jorge Leal) e quem a negasse (Ac. TRL de 12/jul./2012, Des. Manuel Marques). De resto este último aresto acabou por considerar que a expressão “estado civil” resultante do disposto no citado artigo 114.º, al h) da Lei n.º 52/2008, está utilizada em sentido estrito, onde cabem, por exemplo, as ações de reconhecimento ou não das decisões de divórcio, separação ou anulação do casamento proferidas pelas autoridades competentes dos Estados da União Europeia.
Assim, para determinar o conteúdo e sentido do segmento normativo sobre “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família”, iremos recorrer à leitura que a jurisprudência tem efetuado sobre esses conceitos jurídicos. A propósito o então designado assento do STJ n.º 1/92 (DR n.º 134, de 11/jun./1996), seguindo uma posição aí expendida pelo Ministério Público, considera que “o estado das pessoas restringe-se ao complexo jurídico determinado por qualidades ou atributos inerentes à pessoa”, precisando ser aquelas que se projetam sobre o seu estado civil, como sucede, por exemplo, com o divórcio, a separação de pessoas e bens, a investigação da paternidade, a impugnação dos impedimentos para o casamento, a autorização para o casamento, aquisição ou perda de nacionalidade, ratificação do casamento in articulo mortis, retificação de registos de atos relativos ao estado civil da pessoa, declaração de objetor de consciência e aí por diante. Mais recentemente e através do Ac. do STJ de 13/nov./2012 (Cons. João Camilo) considerou-se que “a referência na parte final à palavra família se tem de entender como referida às acções sobre o estado civil das pessoas, ou seja, fazendo qualificar o conceito de estado civil no seu uso restrito”. Por sua vez, o legislador terá certamente pretendido abranger o caráter fluído e flexível que hoje carateriza a vida familiar, uma vez que esta não se restringe ao laços decorrentes do casamento, como sucede quando os progenitores não estão casados entre si, podendo essa relação ser ou não estável, e sabido que as relações familiares não acabam com o divórcio dos progenitores. Até pode inexistir quaisquer laços sanguíneos entre as pessoas maiores e os menores que estão a seu cargo ou haver a necessidade destes últimos preservarem os laços familiares para além daquele núcleo central, como sucede com os seus avós ou tios. Ainda se podem colocar novas questões como as decorrentes da maternidade de substituição quando esta é reconhecida em países estrangeiros e não no país de que os “pais não biológicos” são nacionais, como sucede em Portugal (Lei 32/2006, de 26/jul., artigo 8.º). Estamos assim perante uma diversidade constitutiva da família e de distintos níveis de relacionamento da vida em família, que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem vindo a reconhecer a partir do artigo 8.º da CEDH (Ac. TEDH Marckx v. Bélgica, 13/jun./1979; Jolie & Lebrun v. Bélgica, 14/mai./1986; Johnston v. Irlanda de 18/dez./1986; Berrehab v. Holanda de 21/jun./1988; Boyle v. Reino Unido, 9/fev./1993; Keegan v. Irlanda, 26/mai./1994; Kroon e Outros v. Holanda, de 27/out./1994; Boughanemi v. França 24/abr./1996; X, Y & Z v. Reino Unido, 22/abr./1997; Söderbäck v. Suécia, 28/out./1998; Wagner v. Luxemburgo, 28/jun./2007). Daí que a leitura mais consistente do segmento normativo em causa ao referir-se a “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família” se reporta às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto (1576.º Código Civil; Lei 23/2010, de 30/ago. e as alterações legislativas daí decorrentes, com destaque para a Lei 7/2001, de 11/mai.), de modo a individualizar ou a concretizar a situação jurídica pessoal familiar, tendo em atenção a natureza complexa e multinível que atualmente tem a família.
Por sua vez, a prestação de alimentos entre pessoas maiores visa essencialmente possibilitar a subsistência do alimentado (2004.º, n.º 2 Código Civil), tendo neste caso uma fonte legal, que é centrada nas relações familiares no seu sentido mais lato (2009.º Código Civil), mas pode também advir de uma relação contratual, sem quaisquer raízes familiares (2014.º, Código Civil). Tais direitos têm uma vocação de permanência (2013.º), ao contrário da natureza provisória dos alimentos prestados pelos progenitores aos seus filhos, sejam estes menores ou então maiores ou emancipados a necessitarem de formação profissional e enquanto esta se complete (122.º, 130.º, 132.º, 1877.º e 1880.º Código Civil). Tanto uma como outra são uma manifestação do dever de solidariedade, seja legalmente imposto, seja contratualmente assumido, visando-se a preservação da dignidade da pessoa humana (1.º Const.). E esta gera igualmente a obrigação de prestações sociais por parte do Estado, na sua vertente de um direito fundamental a um mínimo vital de subsistência, mormente quando se está numa posição de vulnerabilidade (1.º, 2.º, 63.º, n.º 1 e 3 da Const.; Ac. TC 232/91 (atualização pensões de trabalho), 349/91, 411/93, 130/95, 318/99, 62/02, 177/02 (impenhorabilidade de certas prestações sociais); 509/02 (restrição ao rendimento mínimo garantido), todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Como podemos constatar o direito a alimentos, muito embora tenha essencialmente uma génese legal e familiar, não retrata qualquer questão que possa ser enquadrada com o “estado civil das pessoas e família”.
A competência em razão da matéria dos tribunais e agora das suas secções para a preparação e julgamento de uma ação deve ser aferida em concreto e a partir da natureza da relação substancial em causa (Ac. STJ de 31/mai./2011, Cons. Moreira Alves). Nesta conformidade, deve-se atender à regulação legal da específica competência material, de acordo com os pressupostos objetivos e positivos de fixação dessa atribuição (i), verificando-se se esta comporta a lide apresentada pelo demandante (ii), face aos pressupostos subjetivos decorrentes da qualidades das partes, do pedido e da causa de pedir.
Em suma, podemos concluir o seguinte: 1. as “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família” da competência material dos tribunais de família e menores são aquelas que correspondem às condições ou qualidades pessoais e que têm como fonte as relações jurídicas familiares, de modo a individualizar ou a concretizar a situação jurídica pessoal e familiar; 2. Os tribunais ou as secções de família e menores não são competentes, em razão da matéria, para conhecer das ações de alimentos movidas pelos progenitores contras os seus descendentes; 3. A competência em razão da matéria dos tribunais e agora das suas secções para a preparação e julgamento de uma ação deve ser aferida em concreto, tendo em atenção o respetivo regime legal (i) e a natureza da relação substancial em causa, a partir dos seus sujeitos, causa de pedir e pedido (ii).
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No caso em apreço a recorrente interpôs contra os recorridos um procedimento cautelar no qual pede, a título provisório, a fixação da quantia mensal de 1.500 € a prestar pelos segundos e na proporção das respetivas quotas, alegando que os mesmos são seus filhos e do falecido marido, a primeira apenas tem rendimentos resultantes de uma pensão de sobrevivência auferida ao Centro Nacional de Pensões e da sua reforma, os quais não lhe possibilitam suportar as suas despesas correntes, sejam as fixas, sejam as outras. Como se pode constatar esta ação cautelar de prestação de alimentos não se enquadra em nenhuma das regras de competência das seções de família e menores da LOSJ, pelo que não existe nenhuma censura a fazer ao despacho recorrido.
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III.- DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pela autora B… e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, por ser a parte vencida (527.º, n.º 2 C. P. Civil)

Porto, 05 de fevereiro de 2015
Joaquim Correia Gomes
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros