Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ÉLIA SÃO PEDRO | ||
Descritores: | JUSTIFICAÇÃO DA FALTA ATESTADO MÉDICO | ||
Nº do Documento: | RP201411262973/10.6tamts-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/26/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Para justificar a falta de comparência nos termos do artº 117º CPP, nem o atestado médico é sempre, só por si, um meio bastante de justificação, como a falta pode ser justificada sem atestado médico II - Importante é que a autoridade judiciária (o julgador), fique convencida de que o documento apresentado é idóneo e o facto que se pretende provar através dele (doença ou impossibilidade de comparência) é exacto (verdadeiro). | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso Penal 2973/10.6tamts-A.P1 1ª Secção Criminal Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos recorreu para este Tribunal da Relação do despacho (proferido a fls. 628 dos autos) que julgou justificadas as faltas da arguida B… e da testemunha C… à audiência de julgamento de 4 de Outubro de 2012. Terminou a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): 1 – Quando confrontado com o despacho ora recorrido com a factualidade que recaiu, afigura-se-nos clara a sua não conformidade com a letra e a intencionalidade normativa do art. 117º do Código de Processo Penal, não devendo as justificações apresentadas por ambos os faltosos ter sido aceites, Senão vejamos: 2 – De acordo com o preceito legal acima indicado, as faltas só poderiam ser justificadas se da comunicação constasse a indicação do respectivo motivo, a duração prevista para o impedimento e, também, o local onde os faltosos poderiam ser encontrados; 3 – Todavia, da comunicação efectuada e dos elementos juntos, nada resulta quanto ao local onde os faltosos poderiam ser encontrados; 4 – Desde logo, esta simples omissão seria bastante para se considerar injustificadas tais faltas, pois que o legislador expressamente fez constar como requisito da justificação da falta aquela concreta indicação, querendo condicional a justificação da falta á sua verificação; 5 – E diga-se ainda que ambos os faltosos indicaram nos autos residência na área deste distrito judicial e agora fazem chegar ao tribunal elementos de onde se infere que os mesmos se encontram a Sul do Tejo e de onde pretendem retirar que não podem ou não devem ausentar-se do domicílio; 6 - Pertinentemente e oportuno será então recordar que o STJ, em Acórdão de 30-11-2000 (cfr. processo 2091/100 da 5ª Secção), decidiu até que “não basta que o faltoso tenha o seu domicílio certo, que trabalhe em determinado departamento, que estando doente aguarde no leito ou esteja retido na sua residência e que possa, presuntivamente, ser encontrado em qualquer desses locais. A lei é determinante em exigir a especificação concreta do local onde o faltoso se encontra e a omissão da sua justifica a não relevação da falta”; 7- Acresce ainda que, alegando doença, o faltoso deverá ainda apresentar atestado médico onde conste a enunciação expressa da impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento em tribunal. Tal menção é igualmente omissa. 8 – Os autos espelham uma situação em que a pretensão de ambos ausentes, de verem justificadas as suas faltas, à luz do direito actualmente vigente e aplicável aos factos em causa, não é, de todo, legalmente possível, pois não satisfizeram os requisitos exigidos pelo texto legal, omitindo elementos ali prescritos – não de forma, mas quanto ao seu conteúdo; 9 – Em suma, resulta pois patente a dissintonia da decisão ora recorrida não só com o teor mas também com as intencionalidades normativas do artigo 117º do Código de processo penal, o qual não teve, no caso em apreço, a sua devida aplicação, tendo sido violado. * O Ex.mo Procurador-geral nesta Relação apôs apenas visto. Por não terem sido notificados os sujeitos processuais a quem o recurso poderia afectar (arguida e testemunha faltosas, cuja justificação da falta foi objecto do recurso), determinou-se tal notificação, nos termos dos artigos 411º,6 e 413º,1 do CPP. Efectuada tal notificação, nem a arguida nem a testemunha em causa responderam ao recurso do MP. Colhidos os vistos legais, foi o recurso submetido à conferência para julgamento. 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto São relevantes para o julgamento do presente recurso os seguintes factos e ocorrências processuais: a) Da acta de audiência de discussão e julgamento de 04-10-2012, (processo comum nº. 2973/10.6TAMTS, tribunal singular) consta, além do mais, o seguinte: “(…) Aberta a audiência, pelo Ilustre mandatário da arguida foi pedida apalavra o que o Mm. Juiz concedeu tendo no uso dela requerido a junção aos autos de fax dos documentos comprovativos de falta da arguida e testemunha C… a esta audiência, sendo que os originais foram enviados pelo correio no dia de ontem. Dada a palavra ao Digno Procurador Adjunto, o mesmo disse: Os documentos apresentados não cumprem os trâmites procedimentais e requisitos exigidos no art. 116º e 117º do Código de Processo Penal (CPP), pelo que se opõe à pretensão da justificação de falta, quer da arguida quer da testemunha. Após, pelo Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho: Julgam-se justificadas as faltas da arguida e testemunha atento os comprovativos juntos (informação clínica de cardiologia e atestado de doença e incapacidade com obrigação de permanência no domicilio da testemunha, salvo indicação médica, e com o atestado da necessidade de cuidados inadiáveis da esposa aqui arguida, entendendo o Tribunal que tais documentos são suficientes para justificar a impossibilidade de comparência da testemunha e da arguida nos termos do disposto no art. 117º do CPP, sendo manifestamente desproporcionado exigir quaisquer outros para o efeito pretendido. Notifique.” b) Do atestado de doença junto a fls. 2 deste recurso consta (além do mais) o seguinte: “ D… (…) médica, portadora da cédula profissional n.º ….., atesta por sua honra profissional que C… (…) se encontra doente, com incapacidade laboral desde o dia 01-10-2012, necessitando dos cuidados inadiáveis da esposa: B…, por um período previsível de 10 (dez) dias. (…)”; c) Do “Certificado de Incapacidade Temporária Para o Trabalho Por Estado de Doença”, junto a fls. 6 deste recurso, consta que o beneficiário C… se encontra incapacitado desde do dia 01-10-2012 até 12-10-2012 com a seguinte menção: “Permanência no domicílio para tratamento. Em casos devidamente fundamentados o médico pode autorizar a ausência no período das 11 às 15H e das 18 às 21H. AUTORIZAÇÃO. Pode sair”; 2.2. Matéria de direito É objecto do presente recurso, o despacho proferido na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 04.10.2012, (acima integralmente transcrito, alínea a) da matéria de facto) julgando justificadas as faltas da arguida B… e da testemunha C… à audiência de discussão e julgamento. O despacho recorrido considerou que o atestado médico, bem como o “certificado de incapacidade temporária para o trabalho por doença” e a informação clínica de fls. 5, juntos como documentos comprovativos da impossibilidade de comparência (da arguida e da testemunha) à audiência de discussão e julgamento do dia 04.10.2012, eram bastantes para a sua justificação e, por isso (não obstante a oposição do MP), considerou justificadas as respectivas faltas. Entende todavia o MP/recorrente que os documentos juntos não cumpriam os requisitos legais e, portanto, tais faltas deveriam ter sido consideradas injustificadas. Vejamos. O n.º 1 do art. 117º do CPP refere que se considera justificada a falta “por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado”. Por seu turno, o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que, se for alegada doença, será apresentado “atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento”. Refere ainda o mesmo n.º 4 que “a autoridade judiciária pode ordenar o comparecimento do médico que subscreveu o atestado ou fazer verificar por outro médico a veracidade da alegação da doença”. Finalmente, o n.º 5 do artigo refere que, “se for impossível obter atestado médico, é admissível qualquer outro meio de prova”. Do referido preceito legal resulta que a observância dos requisitos formais de justificação da doença (fundamento da falta) não determina, por si só, a justificação imediata da falta, do mesmo modo que a inobservância estrita de tais requisitos não determina a sua não justificação. Tanto é assim que, se for impossível obter atestado médico, é possível fazer prova da impossibilidade de comparência por qualquer outro meio. Por outro lado, ainda que seja apresentado um documento com todas as formalidades legalmente exigidas, ainda assim a autoridade judiciária pode “ordenar a comparência do médico que subscreveu o atestado e fazer verificar por outro médico a veracidade da alegação da doença” (nº. 4). Ou seja, nem o atestado médico - ainda que formalmente preenchido – é sempre, só por si, um meio bastante de justificação da falta, como a falta pode ser justificada sem atestado médico. O que releva, para este efeito, é que a autoridade judiciária (o julgador) fique convencida de que o documento apresentado é idóneo e o facto que se pretende provar através dele (doença ou impossibilidade de comparência) é exacto (verdadeiro). A nosso ver, os documentos juntos em audiência de discussão e julgamento pelo mandatário da arguida eram bastantes para o julgador formar a convicção sobre a veracidade do motivo justificativo (nada indicava que os documentos apresentados ou o respectivo conteúdo não fossem verdadeiros) e, assim, considerar justificadas em faltas em questão. Nestes termos, não existe qualquer razão para censurar a decisão recorrida, pois o facto impeditivo da comparência (da arguida e da testemunha) à audiência de julgamento estava suficientemente comprovado. Impõe-se, assim, negar provimento ao recurso. 3. Decisão Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal acordam em negar provimento ao recurso. Sem custas. Porto, 26/11/2014 Élia São Pedro Donas Botto |