Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20692/17.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FALTA DE SEGURO
BAIXA
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REPARAÇÃO PROVISÓRIA
RENDA MENSAL
Nº do Documento: RP2018053020692/17.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º276, FLS.277-293)
Área Temática: .
Sumário: I - Desde que esteja em causa a subsistência do sinistrado (ou beneficiários) por entretanto se verem privados dos rendimentos normais obtidos pelo trabalho, não poderá deixar de haver um meio processual que dê resposta a essa situação.
II - Para os casos em que não há providência específica, o CPT admite o recurso subsidiário a todo o género de providências cautelares previstas no CPC, que se revelem adequadas a garantir a tutela eficaz de direitos emergentes da relação jurídico-laboral (art.º 32.º 1).
III - Para se saber qual o procedimento cautelar adequado para antecipar e preparar a providência ulterior, que há-de definir em termos definitivos a relação jurídica litigiosa, é necessário atender à causa de pedir, isto é, aos fundamentos em que se sustenta o efeito jurídico que se pretende assegurar antecipadamente, bem assim a esse mesmo efeito, traduzido no pedido. O objecto do procedimento cautelar é definido pela conjugação da causa de pedir com o pedido formulado, como decorrência lógica daquela.
IV - Enquanto o sinistrado está em tratamento para recuperação, a incapacidade temporária absoluta ou temporária confere-lhe o direito a indemnização, nos termos previstos no art.º 48.º da Lei 98/2009, destinada a compensá-lo (n.º1) “durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho”. Esta indemnização é calculada segundo as regras constantes, respectivamente, das alíneas d) e ), do n.º3, do mesmo artigo, bem assim do n.º1 e 3, do artigo 50.º e do art.º 70.º, relevando aqui sublinhar que é devida desde o dia seguinte ao do acidente, cabendo à entidade responsável, ou seja, à seguradora para quem está transferida a responsabilidade civil em conformidade com a obrigação imposta ao empregador pelo art.º 79.º /1, assegurar o seu pagamento mensalmente (art.º 72.º n.º3).
V - Acontece que o caso em presença não se enquadra nessa situação, desde logo em razão da requerida e recorrente entidade empregadora não ter transferido a responsabilidade infortunística, incumprindo a imposição do art.º 79.º/1, para entidade seguradora, havendo necessariamente que encontrar na lei um meio processual que dê resposta a este tipo de situações.
VI - A concreta situação de perigo que a requerente pretende acautelar é a sua subsistência até à realização da tentativa de conciliação, para tanto pedindo que a requerida, entretanto, lhe assegure provisoriamente uma valor mensal como reparação pelo dano provocado pela situação de incapacidade para prestar trabalho e auferir a correspondente retribuição.
VII - Esta situação tem enquadramento no procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, regulado no artigo 388.º, do CPC, correspondente ao art.º 403.º do pretérito diploma
VIII - A providência cautelar de arbitramento de reparação provisória prevista no artigo 388.º é aplicável em casos de responsabilidade contratual, designadamente, laboral.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 20692/17.0T8PRT-A.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 3, B…, deduziu procedimento cautelar de Arbitramento de reparação provisória contra C…, Ld.ª, pedindo que julgada procedente a providência seja condenada a pagar-lhe as indemnizações devidas pela ITA, desde 4 de Setembro de 2017, sendo as vencidas até 09 de outubro de 2017, no montante de 684, 25.
Alegou para tanto, no essencial, que no dia 04 de Setembro de 2017, cerca das 09h00m, quando exercia as suas funções de empregada de balcão, por conta e sob a direção da requerida, no interior do estabelecimento comercial “D…”, enquanto subia as escadas que dão acesso ao primeiro andar, escorregou e caiu. Por insistência da requerida manteve-se a trabalhar até à hora do almoço.
Cerca das 13h00m, deu entrada no serviço de Urgência do Hospital E… no …, onde efetuou Rx ao Joelho, ao pé e ao tornozelo, tendo-lhe sido diagnosticado entorse no tornozelo direito, joelho direito e anca direita. Foi-lhe dada alta hospitalar, com indicação de repouso e encaminhamento para os serviços da Seguradora.
Acontece que a requerida não havia transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho dos seus trabalhadores para uma qualquer Companhia de Seguros, pelo que, dirigiu-se à médica de família que a colocou de baixa, até ao dia 29 de Outubro. A requerente não está a receber qualquer indemnização pelo período de ITA. Aquando do acidente auferia a quantia de €749,44, com a qual sustentava a sua família, sendo que o agregado familiar da Requerente é constituído por si e pelo seu filho de 3 anos. A requerente está impossibilitada de trabalhar desde a data do acidente, o seu salário sempre foi a única fonte de rendimento, na sua falta a requerente pediu dinheiro a familiares e amigos próximos, o que a angustia e envergonha, tendo deixado de conviver. Não dispõe de outros rendimentos ou bens móveis.
Válida e regularmente citada a Ré deduziu oposição, alegando a inadmissibilidade do procedimento cautelar de que a Trabalhadora lançou mão, devendo, nessa medida, ser liminarmente indeferido. Exceciona a preterição do litisconsórcio necessário, porquanto, em seu entendimento, a ação também deveria ser proposta contra o FAT, cabendo-lhe o pagamento de quantias decorrentes de acidente de trabalho, enquanto se discutir quem e a entidade responsável pelo pagamento; impugna a ocorrência do evento descrito pela Requerente.
Concluiu pela improcedência do procedimento.
Por despacho já transitado em julgado foi indeferido o pedido de intervenção provocada do FAT.
Procedeu-se à produção da prova arrolada pelas partes.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Nos termos e pelas razões expostos, julgo procedente o presente procedimento cautelar e, consequentemente, condeno a Requerida a pagar à Requerente as seguintes quantias:
a) €1843,36, de indemnização pelo período de ITA, até ao dia de hoje.
b) A renda mensal de €524, 50, a título de reparação provisória, vencendo-se a primeira no próximo dia 8 de Janeiro, e as subsequentes até ao dia 8 de cada mês e até ao trânsito da sentença que vier a ser proferida na ação principal.
Custas a cargo da Requerida.
*
Valor da ação: 9.186,3 (€1843,36 + €524, 50 x12).
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta sentença, a requerida recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados.
Por despacho do aqui relator de 26 de Fevereiro de 2018, proferido no âmbito do disposto no art.º 639.º 3, do CPC, convidou-se a recorrente a apresentar conclusões reformuladas.
A recorrente cumpriu como determinado, apresentando as conclusões corrigidas que se passam a transcrever:
1) A Recorrente não se conforma com a decisão assim proferida, porquanto a mesma fez errada interpretação da matéria de facto e do direito aplicável aos presentes autos.
2) Porquanto, a testemunha F… (Ficheiro de gravação: 20171103105532_15028970_2871475, de 08:46 até 10:45), mostrou-se séria, isenta, e o seu depoimento relevante pois que, no dia em que ocorreu o alegado acidente, somente ela, a Recorrida e o gerente de loja, de nome G…, se encontravam no local.
3) A testemunha declarou, sem margem para dúvidas, que a mera utilização das escadas (em madeira oca) de acesso ao público do estabelecimento onde terá ocorrido o suposto "acidente", é audível, pelo que, por maioria de razão, ouviria se alguém caísse de tais escadas sendo que nada ouviu naquele dia quanto à suposta queda da Recorrida.
4) Afirmou que nem em tal dia soube, sequer, da ocorrência duma "queda", que nada notou na Recorrida, só a viu coxear ligeiramente.
5) Importa ainda realçar que a Recorrida nada disse quer à testemunha F… quer à testemunha G…, somente informou que iria ao Hospital, não comentou qualquer dor, a queda ou qualquer outro facto relevante, sendo que, a testemunha F… somente teve conhecimento da suposta queda no dia seguinte, quando foi informada de que nessa semana iria ficar sem folgas.
6) A testemunha: I…, Ficheiro áudio: 20171103110726_15028970_2871475, de 01:20 a 01:38 e de 10:58 até 11:10, refere somente ter notado que a Recorrida "mancava", coxeava, quando esta afirmou, pelas 13 horas, que ia ao Hospital e, quando confrontada, referiu que não sabia se voltava às 15 horas ou se não vinha.
7) A mesma testemunha I…, aos minutos de 12:25 até 13:18 afirma, perentoriamente, que nada de estranho reparou naquele dia e hora e muito menos se apercebeu duma eventual queda, aliás, não lhe notou "lentidão" no trabalho em tal dia.
8) A Testemunha: J…, ficheiro áudio 20171103112306_15028970_2871475, companheiro da Recorrida, afirmou, de 19:34 até 21:04, e apesar de, indiretamente, parte interessada nos presentes autos, alguns factos de superior relevância para a boa decisão da causa.
9) Designadamente, que ele e a Recorrida partilham despesas, existe um único orçamento (partilhado) em tal agregado familiar o que, de modo expresso, contraria o que ficou plasmado no requerimento inicial do presente procedimento, e, aliás, quando confrontado com tal pergunta é perentório na questão se é mentira ao afirmar que sim.
10) Mais acrescenta que, no agregado familiar, composto por si, pela Requerente e pelo seu filho menor, as despesas, por exemplo, das utilidades (água, eletricidade e outras) assim como a renda de casa são partilhados.
11) Afirma que, em caso algum o filho da Requerente passa necessidades, pois além de tudo o mais, ainda recebe a título de pensão de alimentos a importância de €130,00 mensais e ambos contam com a ajuda do seu salário, assumindo-se como um "apoio".
12) A Testemunha: G…, Ficheiro áudio: 20171103120657_15028970_2871475 (de 04:05 até 04:37) à semelhança da anterior e que com ele se encontrava no local, refere nada se ter apercebido quanto à suposta "queda" da Recorrida, aliás, ao falar com colegas, e em especial com a Colega presente, nada se ter apercebido, conjunta ou individualmente.
13) Refere que, para além das queixas verbais da Recorrida, nada o fez ver/notar qualquer tipo de mazela e/ou mobilidade reduzida, cambalear ou algo que, do ponto de vista físico, lhe indiciasse qualquer patologia, além de que não notou que aquela tivesse usado qualquer modo de defesa, fosse levantar a perna/pé em causa, protegê-los, ou ficar sem se mexer.
14) Acrescenta, inclusive que, na manhã da "queda", a Recorrida continuou a trabalhar, realizando as suas tarefas normais as quais implicam estar de pé junto do balcão e ir às mesas atender os respetivos clientes.
15) Acrescenta, ainda, e apesar do alegado no requerimento inicial, nada ter obstado a que a Recorrida se dirigisse ao hospital.
16) Chega, inclusivamente, a confirmar que esta lhe terá comunicado ter dores, que fez medicação, mas dá a entender, ressalvando não ser médico, que tal não lhe pareceu verossímil.
17) Dos minutos 06:50 até 07:28, aquela testemunha G…, refere que a Autora, no dia seguinte, passou na loja para entregar em mão o atestado e que de nenhuma mazela padecia (que fosse visível), ademais, aquando da entrega do atestado, lhe referiu, a Recorrente, que não mais iria ali trabalhar, o que não deixa de ser um pormenor relevante.
18) Dos minutos 08:11 até 09:12, aquela testemunha G…, refere que as escadas em questão são de madeira, que se alguém caísse se teriam apercebido da queda, que só soube do alegado pela A. porque ela lho terá dito, mas que, ainda assim, não se encontra convencido que tal seja verdade.
19) Conforme supra exposto, da análise, critica, de toda a prova produzida, impunha-se uma decisão diversa, assim o exigem os documentos juntos e, especialmente, os depoimentos e pontos concretos acima referidos para a cabal realização da justiça.
20) Com efeito, da conjugação da prova produzida outra deveria ter sido a factualidade dada como provada e não provada:
21) Assim, os factos considerados indiciariamente provados sob os pontos 5°, 6°, 8.º, 9°, 11°, 12°, e 17° deveriam ter sido julgados como não provados.
22) Em relação aos factos provados sob os pontos 2° e 3°, os mesmos deveriam ter uma redação diferente, que incluísse que tal importância é a título de rendimento bruto e não líquido.
23) Em relação ao facto provado sob o ponto 7°, o mesmo não deveria ter a menção "Não obstante".
24) Feita uma análise individual de cada facto impugnado, que foi considerado provado, mas que na ótica da Recorrente deveria ter sido considerado não provado, cumpre dizer o que se segue.
25) A Recorrente impugna o facto dado como provado n.º5, o qual se mostra como incorreto e deveria ser dado como não provado porquanto quer os depoimentos das testemunhas supra referidos e transcritos afasta a ocorrência do alegado "acidente" (não se aperceberam, ouviram ou notaram nada, apesar de ambos serem do entendimento que, a suceder, muito certamente dariam conta) como a única prova é um documento consistente com uma declaração verbal prestada perante um médico, o qual será suscetível de fazer prova da consulta mas já não quanto ao acidente. A única "prova" que existe é, pois, a declaração da Requerente prestada perante um médico, e há contra prova no sentido oposto.
26) A Recorrente impugna o facto dado como provado n.º6, o qual se mostra como incorreto e deveria ser dado como não provado porquanto não tem como se provar, pelo que não se sabe, se a Requerente sentiu dores. Da própria queda que não pode ser dada como provada tudo o demais é baseado numa declaração da Requerente cuja validade, sem prova, não pode subsistir.
27) A Recorrente impugna o facto dado como provado n.º8, o qual se mostra como incorreto e deveria ser dado como não provado, ou quanto muito, dado como provado que declarou tais sintomas e nada mais. A entorse do tornozelo, joelho e anca direita foram declarações prévias - obrigatórias de tomar nota pelo clínico responsável - mas que somente espelham as «queixas" da paciente perante si.
28) A Recorrente impugna o facto dado como provado n.º9, o qual se mostra como incorreto e deveria ser dado como não provado uma vez que, não se tendo provado o acidente, também não se pode estabelecer tal nexo de causalidade. Assim, não existe uma causalidade adequada para tal conclusão.
29) A Recorrente impugna o facto dado como provado n.º11 o qual se mostra como incorreto e deveria ser dado como não provado, porquanto, não se tendo provado o alegado "acidente" nem os "danos", maleitas que padece a Requerente não se pode falar em ITA, por desconhecimento (falta de alegação e, especialmente prova) da doença de onde decorre tal IT A. No presente ponto somente se poderá dar como provado que desde tal data e mercê de atestados sucessivos, se mantém sem trabalhar, de baixa.
30) A Recorrente impugna o facto dado como provado n.º12, o qual se mostra como incorreto e deveria ser dado como não provado em virtude de inexistir prova suficiente que o permita dar como provado.
31) A Recorrente impugna o facto dado como provado n.º17, o qual se mostra como incorreto e deveria ser dado como não provado pois não existe qualquer prova feita nesse sentido.
32) Por outro lado, deveria tal decisão ter acolhido diversa factualidade que se mostrou provada atenta a prova testemunhal produzida e que, por erro, não atendeu, nomeadamente:
1. Não se encontra (ainda que indiciariamente) provada a existência duma queda no dia e hora referidos, por conseguinte, inexiste uma causa ou nexo de causalidade adequada (indiciariamente provada) para a existência de acidente de trabalho;
2. A existir uma queda, os colegas, muito provavelmente, ter-se-iam apercebido, devido ao tamanho do estabelecimento e à natureza das escadas em madeira (oca, como disse uma testemunha), o que não foi o caso.
3. Mesmo que tenha existido tal acidente, a A. continuou a trabalhar e, até ao presente, mais de dois meses depois, não apresentou qualquer diagnóstico concreto da maleita que padece para se poder estabelecer tal nexo causalidade.
4. A A., no dia seguinte, ao entregar o atestado, referiu logo não mais ali ir trabalhar ao seu gerente de loja.
5. Para o agregado familiar da A. contribuem ela e o seu companheiro com os respetivos salários sendo certo que o filho menor da A. aufere uma pensão de alimentos do seu progenitor.
6. Não foi feita prova da necessidade pelas quais estará a passar a A, pelo contrário, e pelo depoimento do seu companheiro parece nada estar a faltar em casa, muito devido à sua economia doméstica supra.
7. Dever-se-ia ainda ter dado como provado que, por caducidade, o contrato de trabalho da A. cessou no passado dia 5 de Outubro de 2017.
33) O art.º 388.° do CPC tem exatamente o mesmo teor do art.º 403.° do CPC de 1961, cujos n.ºs 1, 3 e 4 resultaram da alteração dada pelo DL n." 329-A/95, de 12112, que criou o procedimento cautelar nominado de arbitramento de reparação provisória, resultando o n.º 2 da redação dada pelo DL n." 180/96, de 25/9, sendo que, como é sabido, aquele Código foi revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, que aprovou o Novo Código de Processo Civil, em vigor desde 1/9/2013 e aqui aplicáve1.
34) Trata-se de uma providência antecipatória que visa obviar a uma situação de carência, antecipando-se a satisfação do direito (cfr. José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 2.ª edição, pág. 114).
35) Confrontando o n.º 1 com o n.º 4 do citado normativo, constata-se que este tem um âmbito de previsão simultaneamente mais amplo, no que respeita ao tipo de dano, e mais restrito, no que se refere ao tipo de necessidade a considerar.
36) A providência de arbitramento de uma reparação provisória prevista no art.º 388." está dependente da verificação cumulativa de três requisitos fundamentais: a) existência de indícios da obrigação de indemnizar por parte do requerido; b) existência de uma situação de necessidade; c) existência de um nexo causal entre os danos sofridos e a situação de necessidade.
37) Mas esta obrigação será decorrente de fatos ilícitos (cfr. por exemplo os artigos referidos quer em tal preceito legal, como na própria sentença ora posta em crise, do capítulo do CC no que respeita à responsabilidade por fatos ilícitos) e não por mero risco e, muito menos, por responsabilidades obrigacionais,
38) Por seu turno, o Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n° 480/99, de 9 de novembro e posteriores alterações, especifica, nos termos e para os efeitos dos artigos 121-º e 122°, na situação como a dos presentes autos, mecanismos próprios (e concretos) para o trabalhador que se ache lesado poder ver este seu direito efetivado.
39) E fá-lo para duas situações: em caso de acordo (cfr. art. 121º) ou em caso de desacordo (cfr. art. 122.º), sempre que o acordo não tenha sido atingido na respetiva conferência ou se, por factos aos quais a parte responsável seja alheia, mas também não tenha dado acordo em tal conferência, seja numa fase prévia em que, necessariamente, não haja acordo, como é o caso dos autos.
40) Pelo que tal situação se encontra prevista, de forma expressa, na lei específica (Código de Processo de Trabalho).
41) Conforme determinado no Art. 7, n." 3 do Código Civil: "A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador. ", e, partindo do pressuposto que o legislador consagrou a melhor opção e a mais acertada (Art. 9°, n." 3 do CC), ao ser vedado o seu afastamento por se considerar injusto ou imoral (Art. 8.º 2 do CC) não poderia ter-se deixado de declarar a presente forma de processo como incorreta, com as legais consequências.
42) Ora, encontrando-se tal situação prevista em legislação autónoma e específica forçoso será ter de seguir a mesma, não acolhendo a utilização de outro meio processual, tanto mais que o mesmo remete para indemnizações de origem extracontratual, nem conseguindo, nesta fase, dar como provados factos que ainda estarão em discussão futura (e futura não por qualquer culpa, leviandade, desleixo ou afim da aqui Recorrente).
43) E não pode, salvo o melhor entendimento, usar, a seu belo prazer as disposições de foro laboral para estabelecer as presunções que vêm a fundamentar tal pedido e, assim, as transportar, sem mais, para o âmbito do Processo Civil, porquanto são dois direitos processuais que, apesar de acessórios, são autónomos e autossuficientes.
44) E não cuida o argumento de não estar expressamente previsto (e que poderia vingar até à entrada em vigor da atual redação dos Arts. 121.º e 122.º do Código de Processo de Trabalho), pois que também tal aí já se encontra especificadamente determinado, qualquer que seja a situação.
45) Aliás, a entender-se assim, correr-se-á o risco de existência de decisões contraditórias!
46) Não será, assim, e também, por um motivo de ordem teleológica e de unidade de sistema, de aplicar tal procedimento à presente situação, encontrando-se tal especialmente regulado nos Arts. 121.º e 122.º do Código de Processo de Trabalho, aliás da competência do presente Tribunal de Trabalho, não se pode conceber tal salto, ainda mais que já se encontra a decorrer o respetivo processo pelo acidente de trabalho e em nada podendo a Recorrente ser culpabilizada pela sua demora ou tardia comunicação.
47) Mas vejamos o primeiro pressuposto: ("a existência dum acidente, qualificado como de trabalho e que dê origem aos presentes autos"), ora, na sentença posta em crise, nada é dito a não ser "enquanto subia as escadas, a Requerente escorregou e caiu".
48) Salvo melhor entendimento tal não é necessário, e muito menos bastante (mesmo que indiciariamente) para daí fazer subsumir toda a presente situação.
49) Ou seja, mesmo que, indiciariamente, imperativo é caracterizar de alguma forma o acidente, suas possíveis causas, dinâmica, razão de ser, factos que não foram minimamente carreados para os autos, pelo que tal acidente (mesmo indiciariamente) nunca poderá ser dado como provado e como facto suficiente para a IT A da A.
50) Acresce, ainda, que por carta junta aos autos com a Oposição ao presente procedimento foi o Tribunal informado que o contrato de Trabalho cessou em 05/1 0/2017 (cfr. documento junto com a oposição) o que, erradamente, não é dado como provado na matéria de facto assente, apesar de reconhecido pela Trabalhadora acidentada.
51) Já posteriormente a tal data, a mesma continuou a apresentar atestados médicos, sendo certo que, o que pretendeu, e está a conseguir, é perpetuar tal rendimento muito para além da existência de contrato de trabalho, alegando duma suposta incapacidade para, assim, vir fundamentar tal rendimento.
52) Ora, tendo cessado o contrato de trabalho no dia 05/1012017, até tal data poder-se-ia colocar a presente questão, mas, a partir de tal data já o mesmo não encontra acolhimento, pelo menos com base na situação de necessidade, pois que tal rendimento mensal, certo e líquido teria findado.
53) Questão diversa seria atribuir um montante mensal para eventuais despesas médicas, medicamentosas ou afins, coisa que não foi pedida e muito menos provada nos presentes autos.
54) Aliás, o que a Trabalhadora pretende com o presente procedimento não é mais, se assim o formos escalpelizar, se não a utilização do presente procedimento cautelar como via de ressarcimento por um contrato de trabalho já cessado,
55) Também tal providência cautelar não é admitida nos casos de despedimento ilícito situação que, no final, é o atingido pela Requerente nos presentes autos, ainda que "provisoriamente" (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 123/12.3TTVLG-A.Pl, Relator: Maria José Costa Pinto).
56) Não coloca para já e nesta sede, a Recorrente, a questão da indemnização ser devida ou não mas coloca-se sim, e aí entra a questão da equidade do julgador, de se poder vir a declara: que, afinal, o acidente se deveu a culpa sua, que não produziu tais mazelas, que não origino; tal incapacidade ou outro motivo e, aí sim, já a entidade empregadora estará desapossada das importâncias pagas e cuja devolução provavelmente lhe será impossível.
57) Conforme decisão que resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/10/2012 proferido no processo n.º 4246/11.8TBALM-A.L1-6.
58) Ora, no caso sub iudice, tal nexo de causalidade poderia ter sido estabelecido (apesar de não se aceitar) mas até ao final do contrato, caso estivesse privada de tais rendimentos, no entanto, e a partir do momento que tal contrato cessa, o nexo causal é a caducidade do contrato (e consequente perda de salário) e não um suposto acidente anterior que, a vir a ser provado, originará, eventualmente, ao direito a uma indemnização, mas nunca a tal fixação dum quantitativo mensal, uma vez que o contrato caducou.
59) Por outro lado, o Tribunal a quo excedeu-se manifestamente o que lhe era legalmente exigível, pois que, a ser atribuído tal quantitativo, seria a partir do momento em que tal foi instaurado, e não retroagindo os seus efeitos à data do suposto acidente.
60) E, a existirem dúvidas (e conforme dispõe o Art. 389°, n." 1 do CPC) sempre tal montante será devido a partir do 1 o dia do mês subsequente à dedução do respetivo pedido - Art. 386, n.º CPC, pelo que, também aí, errou a sentença ora posta em crise.
61) Sem prejuízo de, para o deferimento do procedimento cautelar, bastar a prova da aparência da existência do direito, ou seja, a prova do indício da obrigação de indemnizar (cfr. art.º 362.°, 363.°, n." 1, 364.° e 376.", n." 1, todos do CPC) tal não obsta a que o raciocínio se mostre coerente, lógico e razoável, ou seja exigindo-se a formulação de um juízo de verosimilhança.
62) Ora, atenta a matéria de facto dada como provada, verifica-se que a Recorrida reside com o filho menor, pelo qual recebe, do progenitor, uma pensão de alimentos na quantia de €130,00, e o companheiro, o qual se encontra empregado e, alegadamente, a auferir do rendimento mínimo (a única prova foi o seu depoimento).
63) E refere a Recorrida, despender, a título de renda mensal da casa, a importância de €450,00.
64) Ora, verifica-se, desde já, uma primeira disparidade: com um rendimento de €650,00 (que seria o seu desde que se empregou a 25 de Julho de 2017) com o do seu companheiro (€557,00 conforme declarado) e uma pensão de alimentos de €130,00 como conseguiria suportar uma renda de casa de €450,00?!
65) Por outro lado, verifica-se uma segunda disparidade: ao atribuir-lhe o montante de €524,50 a título de reparação provisória ficará, a Recorrida, a auferir uma importância superior ao que auferiria (e não nos esqueçamos que o contrato cessou em 05/1012017) caso permanecesse a receber o seu vencimento.
66) A tal vencimento, no valor bruto de €650,00, forçoso é descontar as importâncias a que legalmente estava obrigada: Segurança Social (11 %) =€71,50 e IRS 1,4% (não casado com um dependente) = €9.10, o que deixará um rendimento efetivo de €569,40 mensais.
67) Por outro lado, sempre existem despesas em que esta incorria por ir trabalhar, fosse com transportes, alimentação fora de casa (daí o respetivo subsídio), ou outras pequenas despesas do dia-a-dia que, e que assim enfermam as contas elaboradas na sentença de 70% da totalidade do rendimento, ou seja €524,50.
68) Logo, e mesmo que se aceitasse como bom os referidos 70% da sentença (que sempre serão exagerados e, por prudente arbítrio e equidade nunca deveriam ultrapassar os 50%, sempre se ficaria com um valor mensal de €398,58 referentes aos tais 70% e nunca o ora determinado na sentença ora posta em crise) e, muito menos, o fazendo retroagindo, por contrariar o disposto no Art. 386, n." 2 ex vi Art. 389, n." 1 do CPC, o que, nos presentes autos também foi violado.
69) Pelo exposto, ao decidir da forma como decidiu, violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 386.º, 388.º e 389.º do CPC e 121.º e 122.º do CPT.
Conclui pugnando pela procedência do recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada.
I.4 A Recorrida não apresentou contra-alegações, antes tendo apresentado requerimento declarando prescindir do prazo para esse efeito.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, na consideração de que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve ser rejeitada por falta de cumprimento dos ónus de impugnação da al. b), do n.º1, do art.º 640.º, do CPC, nomeadamente, falta de discriminação dos documentos invocados genericamente e em razão de não existir relacionamento dos extractos dos testemunhos invocados com o respectivo facto que se visa impugnar com fundamento em cada testemunho.
I.5.1 Respondeu a recorrente para defender que cumpriu os ónus de impugnação, contrariamente ao sustentado no parecer do MP.
I.6 Determinou-se que fossem cumpridos os vistos legais e, subsequentemente, a inscrição do processo para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação, organizadas em termos de precedência lógica, são as seguintes: consistem em saber o seguinte:
i) Inadmissibilidade do procedimento cautelar de arbitramento de pensão provisória;
ii) Erro de julgamento na apreciação da prova e fixação da matéria de facto;
iii) Erro de julgamento na aplicação do direito, ao julgar-se a providência procedente;
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo julgou indiciariamente provados os factos seguintes:
1. A requerente requerida foi contratada no dia 25 de Julho de 2017, pela Requerente, para, sob as ordens direção e fiscalização da requerida, exercer as funções de empregada de balcão, no estabelecimento denominado D…, sita na Rua …, na cidade do Porto.
2. Mediante a retribuição mensal de €650,00, acrescido de subsídio de alimentação no montante de €4,52, por cada dia de trabalho completo.
3. A que corresponde o salário anual de €10.193.84 (€650x14 + 4,52 x22x11).
4. No dia 4 de Setembro de 2017, a Autora cumpria o horário 8h 30m, 13h 00m/14h 30m, 18h 00m.
5. Cerca das 9h 00m, no interior do estabelecimento comercial, D…, sito no Porto, explorado pela Requerida, no exercício das suas funções, enquanto subia as escadas para o piso superior, a Requerente escorregou e caiu.
6. Nessa sequência a Requerente sentiu dores, designadamente ao nível do tornozelo.
7. Não obstante, manteve-se a exercer as funções de empregada de balcão até às 13h 00m.
8. Após o que se dirigiu ao Serviço de Urgência do Hospital Geral E…, tendo-lhe sido diagnosticado entorse do tornozelo, joelho e anca direita.
9. O entorse do tornozelo, joelho e anca direita resultou, direta e necessariamente da queda descrita em 5.
9. Nesse mesmo dia foi-lhe dada alta hospitalar com indicação de repouso e gelo.
10. Posteriormente a requerente recorreu ao Serviço Nacional de Saúde tendo sido emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho, com inicio a 5 de Outubro de 2017 e termo a 29 de Outubro de 2017.
11. A situação de ITA tem vindo a ser sucessivamente prorrogada, mantendo-se até à presente data.
12. A requerente encontra-se de baixa pela Segurança Social, mas não recebe qualquer subsídio por estar em causa um acidente de trabalho.
13. A Requerente enviou o certificado de incapacidade temporária para a Requerida.
14. No entanto, esta não pagou à Requerente quaisquer quantias.
15. K…, nascido a 14 de Setembro de 2014, é filho de L… e de M….
16. O agregado familiar da Autora é constituído por si, pelo filho e pelo seu companheiro N….
17. Pagam de renda de casa a quantia de €450,00.
18. O companheiro aufere a título de salário a quantia mensal correspondente ao valor do salário mínimo nacional.
19. L… contribuiu com a quantia mensal de €130,00, a título de alimentos devidos ao seu filho K….
*
Dos fatos descritos nos articulados, com relevo para a decisão a proferir não se provaram quaisquer outros.
II.2 Admissibilidade do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.
A decisão recorrida inicia-se com a apreciação desta questão, constando da fundamentação o seguinte:
- «Na contestação deduzida a Requerida alegou, além do mais, a inadmissibilidade do procedimento e arbitramento de reparação provisoria, atenta a causa de pedir.
Quanto a esta matéria perfilhamos o entendimento exarado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09 de Junho de 2010, in www.dgsi.pt. no qual se lê: “Dispõe o art.º 102º, n.º 1 do CPT que “se o sinistrado ainda não estiver curado quando for recebida a participação (do acidente) e estiver sem tratamento adequado ou sem receber a indemnização devida por incapacidade temporária, o Ministério Público solicita perícia médica, seguida de tentativa de conciliação, nos termos do art. 108º; o mesmo se observa no caso de o sinistrado se não conformar com a alta, a natureza da incapacidade ou grau de desvalorização por incapacidade temporária que lhe tenha sido atribuído, ou ainda se esta se prolongar por mais de 12 meses.”
Por seu turno, o art.º 121º, n.º 1 do CPT estabelece que “se houver acordo acerca da existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho, o juiz, se o autor o requerer ou se assim resultar diretamente da lei aplicável, fixa provisoriamente a pensão ou indemnização que for devida pela morte ou pela incapacidade atribuída pelo exame médica, com base na última remuneração auferida pelo sinistrado, se outra não tiver sido reconhecida na tentativa de conciliação.”
Finalmente, o art.º 122º, n.º 1 do CPT estabelece que “quando houver desacordo sobre a existência ou a caracterização do acidente como acidente de trabalho, o juiz, a requerimento da parte interessada ou se assim resultar directamente da lei aplicável, fixa, com base nos elementos fornecidos pelo processo, pensão ou indemnização provisória nos termos do artigo anterior, se considerar tais prestações necessárias ao sinistrado, ou aos beneficiários, se do acidente tiver resultado a morte ou uma incapacidade grave ou se se verificar a situação prevista na primeira parte do n.º 1 do art.º 102º.
O procedimento previsto nos arts.º 121º e 122º do CPT, destinado à fixação de pensão ou indemnização provisória, evidencia uma clara similitude com o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, previsto no art.º 565º do Cód. Civil e regulado nos arts.º 403º a 405º do CPC e integra-se no grupo dos procedimentos cautelares respeitantes a prestações pecuniárias, ou seja, dos que conduzem, se bem que a título provisório, ao pagamento periódico de uma determinada importância em dinheiro (à semelhança do de alimentos provisórios no processo civil comum).
Contudo, apesar da latitude resultante do modo como foi regulamentada a atribuição de pensão ou de indemnização provisória, não se esgotam no leque de situações abarcadas as circunstâncias de verdadeiro perigo de insatisfação do direito que se pretende ver reconhecido. O facto de o regime de atribuições provisórias previsto nos arts. 121º e seguintes do CPT abarcar apenas as situações em que o processo de acidente de trabalho tenha entrado na fase contenciosa logo sugere a existência de uma larga margem de situações carecidas de tutela antecipada que não pode ser obtida através daquele mecanismo específico do foro laboral, possibilitando ao sinistrado ou aos seus beneficiários a satisfação antecipada de prestações pecuniárias para ocorrer a necessidades básicas.
Contra o que seria de esperar da urgência imposta na tramitação do processo especial de acidente de trabalho (art. 26º, n.º 1, al. e) do CPT), podem verificar-se situações de arrastamento anómalo da fase conciliatória, pondo seriamente em causa a subsistência do sinistrado ou dos seus beneficiários na fixação da indemnização ou da pensão, antes de o processo estar em condições de permitir o funcionamento dos mecanismos especificamente previstos nos arts. 121º e 122º do CPT.
Ora, nessas e noutras situações não abarcadas pelo mecanismo previsto nos arts. 121º e seguintes do CPT, pode justificar-se o arbitramento de uma reparação provisória, fixando-se uma prestação periódica por conta da responsabilidade efetiva a apurar na sequência do processo, quando, pelo tipo de lesão e pelos respetivos reflexos na capacidade de ganho, seja legítimo concluir pela necessidade de fixação de uma prestação pecuniária que restabeleça as condições económicas do lesado.
Não existe nenhuma razão de princípio que rejeite os benefícios que com a medida cautelar mencionada se podem obter. Tendo em conta que o processo especial de acidente de trabalho pode comportar a atribuição ao sinistrado ou aos seus familiares de uma pensão ou indemnização provisória, supostos determinados requisitos, é manifesta a familiaridade da medida provisória com as questões laborais, tornando-se por isso mais fácil estender ao foro laboral o novo instrumento de realização do direito criado pela legislação processual civil.
De facto, a expressa previsão de mecanismos de ressarcimento provisório do sinistrado ou de pessoas equiparadas assenta na constatação, que nos parece óbvia e que aqui dispensa aprofundamento, de que a perda total ou parcial da capacidade de ganho, emergente de acidente de trabalho pode arrastar consigo graves dificuldades do sinistrado não só para prover ao seu sustento e ao do seu agregado familiar, mas também para custear as despesas que o tratamento clínico das lesões resultantes do acidente acarreta. E ao atribuir ao juiz a faculdade de fixar ao sinistrado ou aos seus beneficiários, a pedido destes, dentro dos condicionalismos previstos nos arts. 121º e 122º do CPT, ou dos previstos nos arts. 565º do Cód. Civil e 403º a 405º do CPC, uma pensão ou indemnização provisória, o legislador quis acabar com a situação clamorosamente injusta que representava para o sinistrado incapacitado e necessitado, ou para os seus beneficiários, de ter de aguardar, às vezes durante anos, que lhe fosse reconhecido o direito à pensão ou à indemnização, vivendo com dificuldades económicas consideráveis que punham seriamente em causa a sua dignidade e até a sua própria subsistência.
Quer isto dizer que, no caso em apreço, o meio processual adequado para o requerente fazer valer a sua pretensão não era procedimento cautelar comum, nem o procedimento previsto nos arts. 122º, n.º 1 in fine e 102º, n.º 1 do CPT. Não é o procedimento cautelar comum, porque existe um procedimento especificado adequado para remover o periculum in mora invocado e para assegurar a efectividade do direito ameaçado. Não é o procedimento previsto nos arts. 122º, n.º 1 in fine e 102º, n.º 1 do CPT porque o processo de acidente de trabalho (a acção principal) ainda não se encontrar na fase contenciosa.
Em nosso entender, o procedimento adequado para o requerente fazer valer a sua pretensão é o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória. E para ver reconhecida essa pretensão basta-lhe demonstrar a probabilidade séria da existência do direito à indemnização reclamada (arts. 6º, n.º 1, 10º, al. b) e 17º, n.ºs 1, al. al. e) e 4 da Lei n. 100/97, de 13/9, 403º, 565º do Cód. Civil, 403º, n.º 2 do CPC e 51º, n.º 3 do DL 143/99, de 30/4) e a probabilidade séria da existência de uma situação de necessidade em consequência do acidente e dos danos nele sofridos (art.º 403º, n.º 2 do CPC).
Retomando a questão decidenda, e atendendo a que a ação relativa ao acidente se encontra na fase conciliatória, afigura-se que o procedimento de que a Requerente lançou mão é meio adequado ao fim pretendido.
Nesta conformidade julgo improcedente a exceção da inadmissibilidade do procedimento de arbitramento de reparação provisória».
Na oposição à providência a recorrente suscitou a questão da inadmissibilidade da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória com dois fundamentos, em concreto: i) não estar previsto para o direito laboral; ii) no direito processual civil, está previsto para a responsabilidade civil extracontratual, não tendo aplicação aos casos de responsabilidade contratual.
Em sede de recurso reitera este último entendimento (conclusões 33 a 37), bem assim o primeiro – não aplicabilidade do procedimento de arbitramento de reparação provisória no direito laboral -, mas agora, contrapondo à fundamentação da sentença - num percurso pouco claro, é de assinalar, visto intercalar questões que em termos lógicos não se prendem com esta questão - que o CPT prevê “mecanismos próprios” nos artigos 121.º e 122.º, pelo que “encontrando-se tal situação prevista em legislação autónoma e específica forçoso será ter de seguir a mesma, não acolhendo a utilização de outro meio processual, tanto mais que o mesmo remete para indemnizações de origem extracontratual”, mais adiante acrescentando, “ainda mais que já se encontra a decorrer o respetivo processo pelo acidente de trabalho e em nada podendo a Recorrente ser culpabilizada pela sua demora ou tardia comunicação”.
II.2.1 Vejamos se assiste razão à recorrente.
A função jurisdicional da providência cautelar é antecipar e preparar uma providência ulterior, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa.
Por isso estatui o art.º 364.º n.º1, do CPC que “Excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente da acção declarativa ou executiva”.
O que justifica o procedimento cautelar é o chamado periculum in mora. Como elucida o Professor José Alberto dos Reis, “Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo” [Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pp. 623/624].
O n.º1 do art.º 362.º do CPC, com a epígrafe “Âmbito das providências cautelares não especificadas”, determina que “[S]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Resulta dessa norma que o decretamento de uma providência cautelar depende sempre da verificação de dois requisitos cumulativos: i) a verificação da aparência de um direito; ii) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
A apreciação do primeiro requisito assenta num juízo de mera probabilidade ou verosimilhança. Já quanto ao segundo, a lei é mais exigente, “(..) pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente” [Prof. J. Alberto dos Reis, op.cit., pp.621].
O decretamento da providência apenas alcança uma composição provisória do conflito de interesses, assente no fumus iuris e no periculum in mora que tenham sido sumariamente demonstrados. A solução definitiva há-de resultar da causa de que é dependente o procedimento, isto é, que tem por fundamento o direito que se pretende acautelar através da providência.
O direito que se pretende acautelar deve ser um direito do requerente, ao qual corresponda o correspectivo dever da parte contrária.
Com o mesmo fim que caracteriza todo e qualquer procedimento cautelar, isto é, obviar ao perigo na demora da declaração e execução do direito, afastando o receio de dano jurídico, o foro laboral dispõe de procedimentos cautelares próprios, isto é, especificados, sujeitos a um modelo definido no CPT, como é o caso da providência cautelar de suspensão de despedimento - por facto imputável ao trabalhador, despedimento colectivo, extinção do posto de trabalho ou por inadaptação - regulado no art.º 34.º CPT, mas também admite o recurso subsidiário a todo o género de providências cautelares previstas no CPC, que se revelem adequadas a garantir a tutela eficaz de direitos emergentes da relação jurídico-laboral, como decorre do art.º 32.º 1, ao estabelecer que “Aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum”, com as especialidades de seguida enunciadas na mesma disposição.
Neste quadro, elucida Abrantes Geraldes o seguinte:
- «Prevendo a lei procedimentos específicos e uma forma de procedimento residual (comum) e vigorando no nosso sistema o princípio da legalidade das formas processuais, o recurso aos procedimentos cautelares deve pautar-se pelas seguintes regras:
a) Cada procedimento tem o seu âmbito de aplicação limitado à providência ou providências a que se destina;
b) Só é legítimo o recurso ao procedimento cautelar comum laboral se para a medida pretendida não houver um procedimento cautelar específico;
c) O recurso a uma determinada providência cautelar não especificada não pode servir para ultrapassar obstáculos que a própria lei coloque a determinadas medidas específicas.
[Procedimentos Cautelares Comuns no Processo do Trabalho, no Colóquio “Alterações ao Código do Processo do Trabalho”, Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, Lisboa, 3-12-2009, texto disponível em http://www.cjlp.org]
Os artigos 121.º e 122.º do CPT, consagram a possibilidade de fixação de pensão ou indemnização provisória na pendência de acção emergente de acidente de trabalho, a ter lugar em dois tipos de situações distintas: a verificação de acordo quanto à existência ou caracterização do acidente como de trabalho (art.º 121.º); em caso oposto, ou seja, na falta de acordo quanto à existência ou a caracterização do acidente como de trabalho.
Como elucida Albino Mendes Baptista, a fixação de pensão ou indemnização provisória é um meio de tutela provisória para acudir a estas situações e, como tal, uma providência cautelar específica [Código de Processo do Trabalho Anotado, QUID JURIS, 2000, p. 85 e 211].
Parafraseando ao Acórdão da Relação de Coimbra de 27-03-2014 [Proc.º 1024/04.4TTLRA.C1, Desembargador Ramalho Pinto, disponível em www.dgsi.pt] “a lei não foi insensível às preocupações de subsistência do sinistrado, que fica privado, no todo ou em parte, dos seus rendimentos do trabalho, muitas vezes a única ou principal fonte de sustento do seu agregado familiar. Estão em causa, no processo de acidente de trabalho, prestações de natureza alimentícia e de reparação de dano corporal”.
Mas como bem refere o Tribunal a quo estes procedimentos apenas têm aplicação quando o processo prossegue para a fase contenciosa. Com efeito, o acordo ou o desacordo quanto à existência ou caracterização do acidente como de trabalho a que se referem, respectivamente, os artigos 121.º e 122.º, é obtido na tentativa de conciliação regulada nos artigos 108.º e seguintes. Em caso de acordo quanto à existência ou caracterização do acidente como de trabalho, o processo prosseguirá para a fase litigiosa em razão da tentativa de conciliação se ter frustrado por não ter sido obtido o acordo quanto a outras questões, p. ex., o grau ou natureza da IPP ou o valor da retribuição. Em caso de desacordo quanto à existência ou caracterização do acidente como de trabalho a tentativa de conciliação frustra-se, desde logo, necessariamente por essa razão, havendo necessariamente que prosseguir para a fase litigiosa, podendo ainda coexistir outras questões controvertidas.
Mas se assim é, então coloca-se imediatamente a questão de saber se até à tentativa de conciliação o trabalhador (ou beneficiários, em caso de morte do sinistrado), não podem contar coma tutela provisória dos seus direitos, nomeadamente, com a fixação de uma indemnização ou pensão provisória na eventualidade de o processo, por qualquer razão, não evoluir na sua tramitação com a celeridade que é expectável e, para além disso, própria, visto estarmos perante uma acção com natureza urgente [Art.º 26.º n.º 1, al. e) CPT]).
Como parece de mediana compreensão, desde que esteja em causa a subsistência do sinistrado (ou beneficiários) por entretanto se verem privados dos rendimentos normais obtidos pelo trabalho, não poderá deixar de haver um meio processual que dê resposta a essa situação. De resto, a lei assim o impõe ao estabelecer o n.º2, do art.º 2.º, do CPC: “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação”.
Servindo-nos mais uma vez do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: “A demora do processo de acidente de trabalho é um tributo que terá de pagar-se qualquer que seja a exigência do princípio da celeridade. Se entretanto, e no decurso do processo, não se atendesse à situação da vítima, bem podia acontecer que ela ficasse privada dos meios necessários à sua subsistência ou até produzir-se uma situação de facto que tornasse ilusória a providência definitiva que com a acção se pretende atingir -cfr. Leite Ferreira, CPC Anotado, ed. 1989, pags. 477-478”.
Não é despiciendo relembrar que a Lei 98/2009, de 04 de Setembro [Regulamente o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais] evidencia a preocupação do legislador em acudir a este tipo de situações, ao prever no art.º 52.º, que “sem prejuízo do disposto no Código de Processo do Trabalho, é estabelecida uma pensão provisória por incapacidade permanente entre o dia seguinte ao da alta e o momento de fixação da pensão definitiva” (n.º1) destinando-se a mesma “(..) a garantir uma protecção atempada e adequada nos casos de incapacidade permanente sempre que haja razões determinantes do retardamento da atribuição das prestações”(n.º2), a qual é “atribuída pela entidade responsável” (n.ºs 3 e 4), ou seja, automaticamente e sem necessidade de ser requerida ou, mesmo, de determinação pelo tribunal. Dito de outro modo, nas situações de incapacidade permanente, a partir do momento em que os serviços clínicos da entidade seguradora para quem esteja transferida a responsabilidade considerem ter-se alcançado a cura clínica possível, logo, dando alta ao sinistrado, deve esta entidade estabelecer uma pensão provisória devida entre o dia seguinte ao da alta e o momento da fixação da pensão definitiva.
Por outro lado, convém não esquecer, que mesmo antes da data da alta, ou seja, enquanto o sinistrado está em tratamento para recuperação, a incapacidade temporária absoluta ou temporária confere-lhe o direito a indemnização, nos termos previstos no art.º 48.º da Lei 98/2009, destinada a compensá-lo (n.º1) “durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho”. Esta indemnização é calculada segundo as regras constantes, respectivamente, das alíneas d) e), do n.º3, do mesmo artigo, bem assim do n.º1 e 3, do artigo 50.º e do art.º 70.º , relevando aqui sublinhar que é devida desde o dia seguinte ao do acidente, cabendo à entidade responsável, ou seja, à seguradora para quem está transferida a responsabilidade civil em conformidade com a obrigação imposta ao empregador pelo art.º 79.º /1, assegurar o seu pagamento mensalmente (art.º 72.º n.º3).
Acontece que o caso em presença não se enquadra em nenhuma destas situações, desde logo em razão da requerida e recorrente entidade empregadora não ter transferido a responsabilidade infortunística, incumprindo a imposição do art.º 79.º/1, para entidade seguradora.
Por conseguinte, conforme se deixou afirmado, teremos necessariamente que encontrar na lei um meio processual que dê resposta a este tipo de situações.
Ora, como também se deixou dito, para os casos em que não há providência específica, o CPT admite o recurso subsidiário a todo o género de providências cautelares previstas no CPC, que se revelem adequadas a garantir a tutela eficaz de direitos emergentes da relação jurídico-laboral (art.º 32.º 1).
Para se saber qual o procedimento cautelar adequado para antecipar e preparar a providência ulterior, que há-de definir em termos definitivos a relação jurídica litigiosa, é necessário atender à causa de pedir, isto é, aos fundamentos em que se sustenta o efeito jurídico que se pretende assegurar antecipadamente, bem assim a esse mesmo efeito, traduzido no pedido. O objecto do procedimento cautelar é definido pela conjugação da causa de pedir com o pedido formulado, como decorrência lógica daquela.
A concreta situação de perigo que a requerente pretende acautelar é a sua subsistência até à realização da tentativa de conciliação, para tanto pedindo que a requerida, entretanto, lhe assegure provisoriamente uma valor mensal como reparação pelo dano provocado pela situação de incapacidade para prestar trabalho e auferir a correspondente retribuição.
Esta situação tem enquadramento no procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, regulado no artigo 388.º, do CPC, correspondente ao art.º 403.º do pretérito diploma, onde se estabelece o seguinte:
[1] Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.
[2] O juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.
[3] A liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
[4] O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.
Verificando-se que a situação está coberta por este procedimento cautelar especificado, fica afastada a necessidade de recorrer ao procedimento cautelar comum.
Defende a recorrente que este procedimento apenas tem aplicação às situações de responsabilidade civil extracontratual, não tendo aplicação aos casos de responsabilidade contratual.
Contudo, sem razão, não sendo despiciendo assinalar a incoerência do percurso seguido pela recorrente, dado que o acórdão desta Relação, de 12-11-2012 [proc.º 123/12.3TTVLG-A.P1, Desembargadora Maria José Costa Pinto, disponível em www.dgsi.pt], para procurar sustentar a inaplicabilidade deste procedimento ao caso, quando no mesmo se expressa claramente, desde logo no respectivo sumários, o seguinte:
- “A providência cautelar de arbitramento de reparação provisória prevista no nº 4 do art. 403º do CPC é aplicável em casos de responsabilidade contratual, designadamente, laboral”.
Acresce, que no concernente às situações de responsabilidade abrangidas, na respectiva fundamentação afirma-se expressamente o seguinte:
- “Como é defendido pela maior parte da doutrina, e obteve já o acolhimento da jurisprudência, a obrigação de indemnizar susceptível de justificar esta tutela cautelar não é exclusiva da responsabilidade extracontratual, mas abarca a responsabilidade obrigacional, podendo ter como fontes mais frequentes, entre outras, o não cumprimento e a impossibilidade imputáveis ao devedor (artigo 798.º e 801.º CC), a mora (artigo 804.º, n.º 1, CC) e o cumprimento defeituoso de qualquer obrigação contratual, desde que cause ao lesado um qualquer dano que possa colocar seriamente em causa o seu sustento ou habitação[6]».
Portanto, salvo o devido respeito, a recorrente fez uma incorreta interpretação deste arestos ou, então, não leu com a devida atenção toda a fundamentação.
No mesmo sentido pronuncia-se igualmente o acórdão da Relação de Lisboa, de 3-11-2004 [proc.º 9554/2003-4, Desembargador Duro Mateus Cardoso, disponível em www.dgsi.pt] elucidando o seguinte:
- «A introdução da nova redacção do art. 403º-4 do CPC veio trazer algumas dúvidas quanto ao alcance do preceito, designadamente no que tange à sua aplicabilidade aos casos de responsabilidade contratual.
Num dos primeiros casos em que a questão se colocou, o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 5/2/98, Col. 1998, T. 1, fols. 109, citado na decisão recorrida, veio sustentar a sua inaplicabilidade aos casos de responsabilidade contratual.
Porém, tal entendimento parece não ter tido qualquer seguimento jurisprudencial, desconhecendo-se qualquer outra decisão de Tribunal Superior no mesmo sentido.
Por outro lado, a Doutrina mais expressiva e liderante tem vindo a afirmar, uniformemente, que o entendimento sustentado naquele Aresto não será o melhor, pugnando pela aplicabilidade do art. 403º-4 do CPC aos casos de responsabilidade contratual. Assim, neste sentido podem ver-se António Santos Abrantes Geraldes, Temas da reforma do Processo Civil, 2ª ed., IV Vol., pags. 146 a 151; José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pag. 112 e Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, Dezembro de 1999, pag. 294.
Como escreve António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, pag. 150, "Por conseguinte, na falta de norma abertamente excludente, o juízo que se formula é o da inclusão no leque dos interessados abstractamente tutelados pelo arbitramento de reparação provisória daqueles cuja pretensão tenha subjacente uma relação contratual e que, por alguma das vias previstas na lei, sejam titulares de um direito de indemnização, quando as circunstâncias revelem uma situação de perigo de insatisfação dos valores fundamentais atinentes ao seu sustento e habitação, em consequência de comportamentos ilícitos do devedor".
Tendo em conta, por um lado, a vontade legislativa concretizada na reforma que entrou em vigor a 1/1/97, de ampliar o leque e o alcance das pretensões antecipatórias e, por outro, as razões aduzidas por António Santos Abrantes Geraldes na sua citada obra, que nos escusamos aqui de transcrever ainda mais, também consideramos como aplicável à responsabilidade contratual, o disposto no art. 403º-4 do CPC.».
Pois bem, partilhamos o entendimento defendido em ambos os arestos, que como sublinhado em ambos prevalece quer na doutrina quer na jurisprudência. Vale isto por dizer, que não se acolhe a fundamentação da recorrente e, logo, que quanto a este ponto prévio não merece censura a decisão recorrida.
II.3 Reapreciação da matéria de facto
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que o tribunal a quo errou o julgamento na apreciação da prova quanto aos factos considerados indiciariamente provados sob os pontos 5°, 6°, 8.º, 9°, 11°, 12°, e 17°, os quais deveriam ter sido julgados como não provados (Conclusão 21).
Para além desses, insurge-se, ainda quanto aos factos provados sob os pontos 2° e 3°, dizendo que “os mesmos deveriam ter uma redação diferente, que incluísse que tal importância é a título de rendimento bruto e não líquido” (conclusão 22).
Por outro lado, vem ainda dizer que a decisão “deveria (..) ter acolhido diversa factualidade que se mostrou provada atenta a prova testemunhal produzida e que, por erro, não atendeu, nomeadamente:
[1] Não se encontra (ainda que indiciariamente) provada a existência duma queda no dia e hora referidos, por conseguinte, inexiste uma causa ou nexo de causalidade adequada (indiciariamente provada) para a existência de acidente de trabalho;
[2] A existir uma queda, os colegas, muito provavelmente, ter-se-iam apercebido, devido ao tamanho do estabelecimento e à natureza das escadas em madeira (oca, como disse uma testemunha), o que não foi o caso.
[3] Mesmo que tenha existido tal acidente, a A. continuou a trabalhar e, até ao presente, mais de dois meses depois, não apresentou qualquer diagnóstico concreto da maleita que padece para se poder estabelecer tal nexo causalidade.
[4] A A., no dia seguinte, ao entregar o atestado, referiu logo não mais ali ir trabalhar ao seu gerente de loja.
[5] Para o agregado familiar da A. contribuem ela e o seu companheiro com os respetivos salários sendo certo que o filho menor da A. aufere uma pensão de alimentos do seu progenitor.
[6] Não foi feita prova da necessidade pelas quais estará a passar a A, pelo contrário, e pelo depoimento do seu companheiro parece nada estar a faltar em casa, muito devido à sua economia doméstica supra.
[7] Dever-se-ia ainda ter dado como provado que, por caducidade, o contrato de trabalho da A. cessou no passado dia 5 de Outubro de 2017.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222]. Contudo, como também observa o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter” [Op. cit., p. 235/236].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados[n.º1, al. a)];
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º1, al. b)];
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [n.º 1, al. c)];
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [n.º2, al. a)].
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico da jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, que as mesmas devem conter sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e, também, o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Em suma, como sintetiza o Ac. STJ de 01-10-2015 [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt], recai “sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. Cf., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual».
Tendo presentes estes princípios, impõe-se verificar se a recorrente observou os ónus de alegação referidos.
No que respeita às conclusões dir-se-á que cumprem com o que a jurisprudência entende como mínimo exigível, ou seja, sintetizam o que consta das alegações indicando os concretos pontos de facto impugnados e o sentido e termos dessa alteração, ou seja, a resposta alternativa.
Mas já o mesmo não é de dizer quanto aos demais requisitos, relevando aqui relembrar a posição assumida pelo Ministério Público no parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto por falta de cumprimento dos ónus de impugnação da al. b), do n.º1, do art.º 640.º, do CPC, nomeadamente, por não haver discriminação dos documentos invocados genericamente pela recorrente e, ainda, em razão de não existir relacionamento dos extractos dos testemunhos invocados com o respectivo facto que se visa impugnar.
O que nos leva a outra questão, em concreto, a de saber se podem ser consideradas as conclusões 25 a 32, visto constituírem uma inovação introduzida com a apresentação das conclusões reformuladas. Melhor explicando, nas conclusões iniciais a recorrente não vinha fazer, como agora anuncia na conclusão 24, “uma análise individual de cada facto impugnado, que foi considerado provado, mas que na ótica da Recorrente deveria ter sido considerado não provado (..)”, tarefa a que se dedica nas conclusões 25 a 32, reportando-se, sucessivamente, aos factos impugnados 5, 6, 8, 9, 11, 12 e 17.
Esta alteração tem uma explicação. Alertada pela posição assumida pelo Ministério Público no seu parecer, ao ser posteriormente convidada a aperfeiçoar as conclusões a recorrente aproveitou essa possibilidade para introduzir nestas conclusões matéria que não consta das alegações, para desse modo procurar suprir a deficiência que lhe foi apontada. Em poucas palavras, as conclusões 25 a 31 não têm cobertura nas alegações, antes constituindo uma construção recursiva nova.
Ora, as conclusões consistem na enunciação de proposições sintéticas que contenham, por súmula, resumidamente, as razões porque se pede o provimento do recurso, devendo ter necessariamente correspondência nas alegações, significando isso que devem resultar do que foi alegado, não podendo extravasar o conteúdo e limites do que o recorrente invocou no requerimento recursivo para sustentar as suas pretensões.
E, como parece claro, esta regra mantém-se quando é formulado ao recorrente convite ao aperfeiçoamento. O que se lhe pede é a reformulação das conclusões apresentadas, suprindo a deficiência que for apontada, sendo de assinalar que no caso o convite teve como fundamento a falta de síntese do alegado, tendo-se mencionado no despacho o seguinte:
– «(..)
Confrontando as conclusões com as alegações, verificam-se que as 104 conclusões não são, em rigor, uma síntese do alegado. Salvo o devido espeito, crê-se que não houve sequer um esforço para se proceder à síntese a que apela o art.º 630.º 1, do CPC. Não pode dizer-se que os fundamentos invocados se mostrem sintetizados.
A título de mero exemplo, cabendo ao recorrente indicar nas conclusões os factos que impugna e a resposta alternativa, na conclusão 34.ª a recorrente pronuncia-se sobre todos os factos da sentença, pretendendo que seja o Tribunal de Recurso a separar aqueles com que concorda – dizendo “correcto”- daqueles outros que não concorda, fazendo comentários ou indicado a resposta alternativa.
Mas também quando aos demais argumentos se constata a prolixidade das 104 conclusões».
Mas como se vem dizendo, o recorrente extravasou o que lhe era pedido, passando a introduzir matéria que não consta das alegações. Para que não haja dúvidas, em parte alguma das alegações a recorrente procede ao trabalho que agora fez em relação a cada um dos factos impugnados 5, 6, 8, 9, 11, 12 e 17 – que agora discrimina na conclusão 21, para dizer que não deveriam ter sido provados – dizendo, como consta sucessivamente nas conclusões 25 a 31, que “impugna o facto dado como provado n.º ..”, depois passando a enunciar as razões em que se sustenta.
Assim, não tendo estas conclusões correspondência nas alegações, devem as mesmas considerar-se não escritas.
Ultrapassada essa questão e retomando as alegações, sendo esse o aspecto fulcral que leva ao incumprimento do n.º 1 al. b), do art.º 640.º, CPC, verifica-se que a recorrente não concretiza em relação a cada um dos factos impugnados qual ou quais os meios de prova em que se sustenta para os impugnar e, no caso dos testemunhos, quais os pontos da gravação que relevam para esse mesmo efeito.
De resto, a recorrente não indica determinados extractos, antes transcrevendo por completo as declarações prestadas por todas as testemunhas que foram ouvidas em audiência – O…, I… e J… (arroladas pela requerente); e, Dr.ª P…, G… e Dr. Q… (arroladas pela requerida/recorrente) – na parte que responderem ao ilustre mandatário da recorrente, ou seja, as primeiras durante o contra interrogatório e as segundas durante a sua instância, sendo que de permeio constam também todas as intervenções do Tribunal a quo e as respectivas respostas das testemunhas.
Após essas 39 páginas de transcrições, em que se seguiu exactamente a ordem pela qual foram ouvidas as testemunhas, a recorrente remata nos termos seguintes:
- «Da análise (crítica de toda a prova produzida) impunha-se decisão diversa.
Assim o exigem os documentos juntos e, especialmente, os depoimentos e pontos concretos acima referidos para a cabal realização da justiça.
Com efeito, dos factos dados como provados, impunha-se (e segundo a sua numeração e partindo do aí elencado) a seguinte resposta:




Segue, logo abaixo, alegando que “Por outro lado, deveria tal decisão ter acolhido pontos que, por erro, não atendeu e que seriam importantes terem sido dados como provados, porque o foram, e que são os seguintes”, enunciando os “factos” que nestas alegações constam na conclusão 32.
Portanto, como bem se vê, a recorrente não cuidou de indicar quais os meios de prova em que concretamente se sustenta para impugnar cada um dos factos. No caso dos documentos, remete para todos os documentos juntos; quanto aos testemunhos, não especifica quais as partes em que se apoia para pôr em causa cada um dos factos, fazendo uma indicação individualizada como lhe era exigível, antes fazendo apelo à globalidade de todos os testemunhos na parte em que responderam ao ilustre mandatário da requeria/recorrente.
Significa isto, pois, que a recorrente não observou integralmente os ónus de impugnação que lhe eram impostos, devendo ser rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no seu todo.
Nesse sentido, afirma-se no Acórdão de 20-12-2017 [proc.º 299/13.2TTVRL.G1.S2, Conselheiro Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt] o seguinte:
I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Na verdade, a recorrente procedeu a um segundo julgamento da causa e através do recurso pretende que este Tribunal ad quem o acolha.
Concluindo, rejeita-se a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.4 Alteração da matéria de facto por iniciativa deste Tribunal de recurso
Impõe-se alterar a matéria de facto fixada, mas por iniciativa desta Relação no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe (art.º 662.º 1, CPC), em razão de se encontrarem provados factos alegados pela requerente, não impugnados pela requerida, que são relevantes para a apreciação da causa.
Alegou a requerente que “por insistência da Requerida, ainda que com dores insuportáveis, manteve-se a trabalhar até ao período da sua pausa para almoço [art.º 15.], que “foi-lhe comunicado pelo Legal Representante da Requerida que a Requerente não estava abrangida pela apólice de Seguros de Trabalho” [art.º 21.º] e, ainda, que “a Requerida furtou-se à obrigação legal de contratar um seguro obrigatório através do qual transferisse a responsabilidade infortunística de um determinado acidente de trabalho para uma Seguradora” [art.º 25.º].
A requerida veio pôr em causa a existência de um acidente de trabalho, dizendo desconhecer que a requerente tenha sofrido a queda que alega, ocorrida no tempo e local de trabalho; impugna, também, que por sua insistência a autora tenha permanecido a trabalhar após a alegada queda [artigos 35.º a 44.º, da oposição]. Contudo, aceita que a requerente lhe tenha feito essa comunicação, como se vê das alegações que constam da oposição, designadamente, nos artigos que seguem:
- [art.º 38] “Portanto, a requerente não apresentou qualquer queixa à entidade empregadora, a não ser nesse dia à hora do almoço”.
- [art.º 40.º] “A requerida, só à hora do almoço é que tomou conhecimento da suposta queda da requerente”.
E, no que concerne ao alegado pela requente nos acima transcritos artigos 21.º e 25.º do seu requerimento inicial, nem se encontra impugnação específica ao longo da oposição, nem tão pouco a requerida se lhes refere nos artigos 51 e 52.º, onde vem dizer, respectivamente:
- “A requerida impugna o alegado pela requerente em 15.º, 20.º 22.º 27.º (..) da pi por não corresponder à realidade (..)”.
-“A requerida desconhece, sem obrigação de conhecer, se o alegado pela requerente em (..) 19.º. 23.º, 24.º, 26.º (..).“
Dispõe o art.º 574.º [Ónus de impugnação] do CPC, no que aqui interessa:
1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.
3 - Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
4 – (..).
Assim, em primeiro lugar verifica-se que a Requerida aceita que, pelo menos ”à hora do almoço (..) tomou conhecimento da suposta queda da requerente”, ou, seja, que aquela alegou que enquanto subia as escadas para o piso superior, escorregou e caiu.
E, em segundo lugar, constata-se que a requerida não tomou posição definida sobre o alegado pela requerente nos artigos 21.º e 25.º, bem assim que a sua defesa, vista no conjunto, também não as põe em causa.
Por conseguinte, pode e deve considerar-se provado - expurgando as alegações da formulação conclusiva - porque relevante para a causa, o seguinte:
- A Requerida, pelo menos à hora do almoço tomou conhecimento da que a requerente alegou enquanto subia as escadas para o piso superior, escorregou e caiu.
- Pelo Legal Representante da Requerida foi comunicado à Requerente que não estava abrangida por seguro de acidentes de trabalho celebrado com segurado.
Decide-se, pois, aditar esses factos ao elenco da matéria provada, sob os números, respectivamente, 20 e 21.
II.5 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Na vertente da impugnação da sentença por alegado erro de direito aos factos, esgrime a recorrente os argumentos seguintes:
i) O acidente, mesmo que indiciariamente, nunca poderá ser dado como provado e como facto suficiente para a ITA (Conclusões 47 a 49);
ii) Tendo cessado o contrato de trabalho a no dia 05/10/2017, até tal data poder-se-ia colocar a presente questão, mas a partir de tal data já o mesmo não encontra colhimento, pelo menos na situação de necessidade, pois que tal rendimento mensal, certo e ilíquido teria findado (conclusões 50 a 58);
iii) A ser atribuído tal quantitativo, seria a partir do momento em que foi instaurado o procedimento e não retroagindo os seus efeitos à data do suposto acidente; e, a existirem dúvidas, seria devido a partir do 1.º dia do mês subsequente à dedução do respectivo pedido, por aplicação do n.º1, do art.º 389.º (conclusões 59 e 60);
iv) Atenta a matéria dada como provada quanto aos rendimentos e despesas do agregado familiar, a indemnização não deveria ser a correspondente 70% da retribuição que era auferida pela autora, dado que fica a auferir retribuição superior ao que auferiria se permanecesse a receber o vencimento, posto haver que descontar 11% para a segurança social e 1,5 de IRS e não haverem despesas com transportes e alimentação (conclusões 61 a 68).
Começamos pelo segundo argumento, ou seja, a alegada cessação do contrato de trabalho.
Percorrida a oposição apresentada pela recorrente verifica-se que dela não resulta estar a ser suscitada a questão relativa a alegados efeitos em razão de alegada cessação do contrato de trabalho. Encontra-se um título “IV – Da inexistência da situação de necessidade”, que compreende os artigos 50.º a 55.º, mas nos mesmos a requerente apenas vem dizer que “Em relação à denúncia do contrato durante o período experimental por parte da requerida, a mesma foi feita de acordo com o contrato e com a lei, pelo que são totalmente infundadas as insinuações da Requerente” (art. 50).º, seguindo-se a impugnação genérica de factos, por não corresponderem à realidade ou por alegado desconhecimento (art.ºs 51 e 52.º), a declaração de aceitação relativamente a factos alegados pela requerente (art.º 53.º), a impugnação de documentos “juntos com a pi” (art.º 54.º) e, por fim, a conclusão de que “A providência cautelar deve improceder com as legais consequências” (art.º 55.º).
Nesse quadro, não se pronunciou o Tribunal a quo sobre a questão agora invocada, nem de resto o deveria fazer visto nada ter sido alegado a esse propósito pela parte para confrontar o Tribunal com uma questão de direito. Relembra-se que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” [art.º 5.º/1 do CPC], em regra só podendo o Tribunal atender à factualidade alegada e provada, bem assim que o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” [art.º 608.º/2 CPC], sob pena de nulidade da decisão [art.º 615.º/1/d), CPC].
Constata-se, pois, que o recorrente vem aqui procurar uma suscitar uma questão que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância.
Assim sendo, estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos [cfr. artigo 665º/2, 608º/ 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Delimitados os argumentos da recorrente que apreciaremos, para prosseguirmos cabe deixar nota da fundamentação do Tribunal a quo, dela constando o seguinte:
- «No procedimento cautelar que instaurou contra a requerida, a requerente pediu a condenação daquela no pagamento da indemnização devida pela ITA fixada pelo Serviço Nacional de Saúde, já vencida, no montante de €684,25, bem como na que se vencer até que lhe seja atribuída alta.
Dispõe o art.º 388º, n.º 2, do C.P.C. que “ o Juiz defere a providência requerida desde que se verifique uma situação necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido.”
Assim, em face da lei são quatro os requisitos deste tipo de providência:
a) a existência de um direito de indemnização pela produção de um dano;
b) a situação de necessidade económica do lesado;
c) o nexo de causalidade entre a situação de necessidade verificada e o dano;
d) a existência da obrigação de indemnizar.
“Impende sobre a requerente o ónus de alegar e provar os referidos requisitos, descrevendo o circunstancialismo que a faz titular de um dos direitos de indemnização em questão, expor a situação de necessidade que justifica a intervenção cautelar antecipatória daquele direito de indemnização, alegar o nexo de causalidade entre o descrito circunstancialismo e a sua situação de necessidade e concluir pelo pedido de pagamento de indemnização provisória.
Porém, e porque se está no âmbito de um procedimento cautelar, apenas se exige uma prova meramente indiciária/sumária dos referidos requisitos, com base em juízos de verosimilhança. Assim, longe de se exigir uma prova cabal, completa, da situação de necessidade, bastará que a mesma se mostre suficientemente fundamentada. Do mesmo modo, quanto à prova do direito, basta a probabilidade séria da sua existência.
No que concerne à fixação do montante da indemnização, a lei manda fixá-la com base em critérios de equidade (n.º 3 do artigo 388.º do CPC):
“A equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente dos critérios normativos fixados na lei” devendo o julgador “ter em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Como observa acertadamente Cura Mariano, “… apesar de não existir qualquer norma que imponha critérios objectivos de quantificação desta indemnização, o julgador não poderá deixar de se orientar pelos princípios gerais que regem a indemnização em dinheiro e a finalidade visada por esta providência cautelar. Em primeiro lugar, a renda mensal a fixar deverá procurar igualar o valor dos rendimentos do lesado ao montante das suas despesas consideradas imprescindíveis, calculados mensalmente, uma vez que ela visa pôr termo ao estado de necessidade daquele provocado ou agravado pelo dano sofrido. A indemnização cautelar nunca deverá ultrapassar em caso algum este valor, sob pena de exceder a sua finalidade. Em segundo lugar, ela também deve ter como limite a diminuição de rendimentos e o acréscimo de despesas causados pelo dano a indemnizar, calculados mensalmente, dado que a indemnização cautelar é uma simples antecipação da indemnização definitiva desses danos patrimoniais, não se destinando a satisfazer necessidades que não tenham sido por ele provocadas. Em terceiro lugar, a fixação deste montante indemnizatório deverá considerar a existência de todos os elementos que possam influir no montante da indemnização definitiva, fazendo repercutir proporcionalmente essas influências, de modo a evitar que a indemnização provisória possa ser superior à indemnização definitiva” (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Fevereiro de 2016, in www.dgsi.pt.).
Revertendo ao caso em apreciação, e quanto ao primeiro requisito – a existência de um direito de indemnização – diremos que este se mostra fundamentado na matéria descrita sob os números quatro, cinco, seis, oito, nove e onze.
Na verdade, a matéria de fato em causa é claramente subsumível no conceito de acidente de trabalho, porquanto verificou-se no local e tempo de trabalho da Requerente, produzindo-lhe lesão corporal, de que resultou redução da capacidade de trabalho (art.º 8º, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, regendo, quanto ao conceito de local e tempo de trabalho, o n.º 2, al. a) e b), da mesma lei).
O art.º 1º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro estabelece que os trabalhadores têm direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, importando ainda considerar o disposto no art.º 10º da mesma lei, segundo o qual se presumem como consequência de acidente de trabalho as lesões constatadas no local e tempo de trabalho, presunção que fundamenta o nexo causal também estabelecido na matéria de fato.
Estão pois demonstrados a existência do direito de indemnizar pela ocorrência de dano, o nexo causal entre a lesão e o dano bem como a obrigação de indemnizar, fundada naquele dano.
A obrigação de indemnizar recai sobre a Requerida nos termos estabelecidos no art.º 7º, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, uma vez que este não a havia transferido para uma qualquer Companhia Seguradora.
Quanto ao segundo requisito (situação de necessidade económica do lesado), considerando o que se deu como provado nos pontos 11, 15, 16, 17, 18 e 19, encontra-se igualmente sumariamente demonstrado.
Na verdade, não podemos deixar de concluir pela necessidade económica da Autora, considerando o número de pessoas que integram o agregado familiar e as despesas inerentes à satisfação das necessidades básicas, como habitação e alimentação, para o que os ganhos dados como provados são manifestamente insuficientes. De referir que o companheiro da Requerente é estranho à obrigação de alimentação do filho desta, pelo que, nesta parte o valor pro si auferido não deverá considerar-se, pese embora aquele não se tenha furtado a suprir a alimentação devida pela Requerente.
Resta, assim, fixar o valor da renda mensal, segundo critérios de equidade, levando em conta os parâmetros acima referidos.
A autora formula um pedido de €586, 50 mensais.
Em face dos elementos disponíveis, servindo o valor do rendimento auferido antes do acidente como guia para a fixação do valor da renda.
Aqui, porém, julgamos adequado fazer intervir no valor a fixar o critério estabelecido na lei para a determinação da indemnização por ITA, ou seja de 70% da retribuição, nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente (art.º 48º, n.º 3, al. d) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.
Assim, fixa-se o valor da renda mensal €524, 50 (70% do valor da retribuição).
Usando o mesmo critério, considerando o valor de 70% da retribuição e o tempo de incapacidade desde a data do acidente até ao dia de hoje – 93 dias – deve a Requerida pagar à Requerente a quantia de € 1843, 36».
Avança-se já concordar-se com a fundamentação do tribunal a quo, por se mostrar clara, suficiente e correcta, bem assim com o decidido como decorrência lógica daquela. Não obstante a afirmada concordância com o decidido e apesar da fundamentação transcrita dar resposta, com suficiente clareza, às questões colocadas pela recorrente, importa que se justifique aquela asserção.
Quanto à questão da prova do acidente cabe ter presente que foi rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, logo, que permanece intacto o elenco factual fixado pelo Tribunal a quo, nomeadamente os factos invocados na fundamentação, em face dos quais é de concluir, com segurança, estar indiciariamente provado que ocorreu um acidente qualificável como acidente de trabalho à luz da Lei 98/2009, em consequência do qual a requerente sofreu lesões que lhe vieram a determinar a incapacidade temporária para o trabalho, situação que se mantinha à data da decisão.
Provado está, após a alteração que se introduziu à matéria de facto, que a requerida teve conhecimento do alegado acidente e que não tinha a responsabilidade por acidente de trabalho relativamente à autora transferida por contrato de seguro para qualquer seguradora.
Sendo de referir que o tribunal a quo, embora não tenha levado esses factos ao elenco da matéria provada, assumiu que os mesmos estavam provados, resultando tal da fundamentação considerada no seu todo, mas também da afirmação que segue: “A obrigação de indemnizar recai sobre a Requerida nos termos estabelecidos no art.º 7º, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, uma vez que este não a havia transferido para uma qualquer Companhia Seguradora”.
Caso a requerente tivesse a responsabilidade infortunística relativamente à autora transferida para seguradora, como era seu dever (art.º 79.º 1, da Lei 98/2009), certamente teria participado o acidente, ainda que tivesse dúvidas sobre a sua ocorrência. Mas se assim não fosse, sempre podia a requerida fazê-lo, se necessário através da participação em juízo, para ser encaminhada para a seguradora.
Em qualquer dos casos, a requerente poderia então beneficiar do acompanhamento médico e clínico proporcionado pela seguradora com vista à recuperação, bem assim do pagamento da indemnização por incapacidade temporária prevista no art.º 48.º da Lei 98/2009, a cargo dessa entidade responsável, conforme explicou na apreciação da questão inicial, para onde se remete. E, se porventura a seguradora pusesse em causa a existência do facto qualificável como acidente de trabalho, em qualquer das hipóteses a lei proporciona mecanismos para assegurar os eventuais direitos do trabalhador.
Releva ainda assinalar que o certificado de baixa por incapacidade temporária emitido pelos serviços públicos de assistência na saúde foi entregue pela requerente à requerida, mas que esta não lhe pagou quaisquer quantias (factos 13 e 14).
Para que uma providência cautelar seja decretada é necessário, desde logo, a verificação da aparência de um direito, aferida num juízo de mera probabilidade ou verosimilhança, na designação da doutrina o fumus iuris.
Ora, em face a que se vem dizendo é de concluir que esse requisito está preenchido.
Mas para além disso, é também necessário que se demonstre o perigo de insatisfação desse direito aparente, aferido segundo “um juízo senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente” [Prof. J. Alberto dos Reis, op.cit., pp.621].
Para este ponto relevam os factos apontados na decisão recorrida, para com a fundamentação ai expendida, que se acolhe, se concluir pela sua verificação, em concreto, reportando-se à situação de necessidade económica da requerente.
Importa reter, como se disse já, que a providência apenas proporciona uma composição provisória do conflito de interesses, assente no fumus iuris e no periculum in mora que tenham sido sumariamente demonstrados. A solução definitiva há-de resultar da causa de que é dependente o procedimento, isto é, que tem por fundamento o direito que se pretende acautelar através da providência.
Por último, sublinha-se que a argumentação da recorrente sobre este ponto nem tão pouco assentava em fundamento verdadeiramente sólido ou lógico que impressionasse, reconduzindo-se, no essencial, a alegação da falta de prova do facto qualificável como acidente de trabalho e do nexo causal entre ele e as lesões. Dito de outro modo, para além disso a recorrente não colocou perante este tribunal verdadeiras questões jurídicas para questionar a verificação dos requisitos de que depende o decretamento da providência.
Por conseguinte, sucumbe também esta linha de argumentação.
As duas questões seguintes serão apreciadas conjuntamente, visto terem como propósito comum pôr em causa o decidido quanto à fixação da renda provisória, por um lado quanto à data a partir de qual é devida a renda, por outro quanto ao seu quantitativo. Dito por outras palavras, a recorrente põe em causa a decisão do tribunal a quo ao fixar equitativamente a renda mensal fixada a título de reparação provisória do dano (art.º 388.º 1 e 3, CPC), para tanto socorrendo-se, como critério para a determinação da mesma segundo as regras da equidade, ao disposto no art.º 48.º n.º3, al. d), da Lei 98/2009.
Em suma, insurge-se contra esta parte do decidido:
- «(..) julgamos adequado fazer intervir no valor a fixar o critério estabelecido na lei para a determinação da indemnização por ITA, ou seja de 70% da retribuição, nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente (art.º 48º, n.º 3, al. d) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.
Assim, fixa-se o valor da renda mensal €524,50 (70% do valor da retribuição).
Usando o mesmo critério, considerando o valor de 70% da retribuição e o tempo de incapacidade desde a data do acidente até ao dia de hoje – 93 dias – deve a Requerida pagar à Requerente a quantia de €1.843, 36».
Defende a recorrente que a atribuir a renda fixada, esta apenas seria devida em que foi instaurado o procedimento, não retroagindo os seus efeitos à data do suposto acidente; e, a existirem dúvidas, seria devida a partir do 1.º dia do mês subsequente à dedução do respectivo pedido, por aplicação do n.º1, do art.º 389.º (conclusões 59 e 60). Recorrendo às alegações não se encontra outra fundamentação para alicerçar aquelas considerações.
Não se acolhe este entendimento.
Comecemos pela alegada violação do disposto no art.º 386.º n.º 1, do CPC, onde se dispõe que [1] “Os alimentos são devidos a partir do 1.º dia do mês subsequente à data da dedução do respetivo pedido”.
A presente providência não visa a atribuição de alimentos provisórios, nos termos regulados nos artigos 384.º a 387.º do CPC. A providência que aqui está em causa visa antes a atribuição de reparação provisória, a qual passa pela atribuição de “quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano”, sendo a mesma fixada “equitativamente pelo tribunal” [n.ºs 1 e 3, do art.º 388.º, CPC].
Não se vê, pois, qual a razão que justificaria a aplicação ao caso da norma cuja violação é invocada. O Tribunal a quo aplicou a norma que cabia, fixando a reparação equitativamente, como lhe impunha o n.º3, do art.º 388.º.
Quanto à fixação retroactiva, não limita a lei a partir de quando é que o tribunal atende para fixar a renda mensal, como reparação provisória do dano, não se vislumbrando regras impeditiva de que seja reportada a momento anterior ao do requerimento da providência, nomeadamente, atendendo à data a partir da qual se consubstanciou a situação de necessidade em consequência dos danos sofridos (n.º2, do art.º 388, CPC).
Em segundo lugar, vem a recorrente defender que atenta a matéria dada como provada quanto aos rendimentos e despesas do agregado familiar, a indemnização não deveria ser a correspondente 70% da retribuição que era auferida pela autora, por no seu entender lhe parecer que assim fica a auferir retribuição superior ao que auferiria se permanecesse a receber o vencimento, posto que nesse caso teria que descontar 11% para a segurança social e 1,5 de IRS, acrescendo que agora não existem despesas com transportes e alimentação (conclusões 61 a 68). Conclui que o valor mais acertado, mesmo considerando os 70% da retribuição referidos na sentença, sempre conduziriam a um valor de €398,58.
Mostra-se necessário recorrer às alegações para compreender a linha de raciocino da recorrente. Delas consta o seguinte:
- «Segunda disparidade: ao atribuir-lhe o montante de €524,50 a título de reparação provisória ficará a recorrida a auferir uma importância superior ao que auferiria (..) caso permanecesse a receber o seu vencimento.
A tal vencimento forçoso é descontar as importâncias a que legalmente estava obrigada: Segurança Social e IRS.
Por outro lado, sempre existem despesas em que esta está incorrida por ir trabalhar, fosse com transportes, alimentação fora de casa (daí o respectivo subsídio), ou outras despesas do dia-a-dia que, e que assim enferma as contas elaboradas na sentença de 70% da totalidade do rendimento, ou seja €524,50.
Desde logo será de atender tão somente ao seu salário de €650,00.
O Subsídio de alimentação, como é sobejamente sabido e apesar de legalmente previsto e contabilizado como remuneração / salário destina-se a suportar os custos de alimentação decorrentes do exercício do trabalho, o que neste caso não se verifica.
Por outro lado, de tal importância de €650,00 há que descontar:
- IRS: 1,4% (não casado com um dependente) = €9,10.
- Seg. Social (115) = e 71,50.
O que deixará um rendimento de €569,40 mensais.
Logo, mesmo que se aceitasse como bom os referidos 70% da sentença sempre se ficaria com um valor mensal de € 398,58 e nunca o ora determinado na sentença ora posta em crise”.
Convenhamos, é uma construção esforçada, mas sem fundamento.
Por ser evidente, começaremos por apontar que parte desta argumentação falha logo por não assentar em factos provados. Com efeito, não há qualquer facto provado de onde possa retirar-se que a requerente suportava despesas com deslocação para ir trabalhar, nem que por essa razão suportasse “outras despesas do dia-a-dia”, que a recorrente nem especifica.
Por outro lado, salvo o devido respeito, o argumento que assenta nas deduções para IRS e para a segurança social não é coerente em termos lógicos. Quanto ao IRS, se em face do rendimento anual da autora for devida contribuição superior ao dos valores retidos, é sobre a autora que recai a obrigação de pagamento, não havendo por isso razão que justifique que no caso se aplicasse a retenção, nos mesmos termos em que tal é devido pela entidade empregadora quando paga a retribuição. Aqui não se está perante o pagamento de retribuição mensal em contrapartida da prestação de trabalho, mas antes a impor à requerida/recorrente, enquanto entidade responsável pelo dano – por não ter transferida a responsabilidade infortunística relativamente à autora - que suporte uma renda, a título de reparação provisória. O mesmo raciocínio aplica-se quanto à TSU, acrescendo que se sobre a requerida não recai a obrigação de neste caso a suportar na parte que é da sua responsabilidade – visto não se estar perante o pagamento de retribuição – por identidade de razões também não deverá haver a retenção de qualquer valor a esse título pela requerida. Aliás, em qualquer das situações, se fosse considerado válido o raciocino da recorrente, tal significaria conceder-lhe um benefício injustificado, pois estar-se-ia a partir do pressuposto que retinha valores para entrega à autoridade tributária e à segurança social, quando na verdade assim não iria acontecer, por não ser devido.
Por último, no que concerne ao subsídio de refeição, a recorrente não levou em linha de conta que a noção de retribuição no âmbito do regime de reparação dos acidentes de trabalho é mais ampla que a dada pelo CT, entendendo-se por retribuição mensal, com base na qual se procede ao cálculo das indemnizações e pensões devidas, “todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” (n.º 2 do art.º 71.º da Lei 98/2009), sendo consensual a consideração de que a mesma abrange o subsídio de refeição.
Assim, se o Tribunal a quo entendeu aplicar como critério para a fixação da renda provisória, as regras estabelecidas no regime de reparação de acidentes de trabalho para as situações de incapacidade temporária, entendimento que nem é posto em causa pela recorrente, então em coerência não poderia deixar de considerar o valor do subsídio de refeição como integrante da retribuição mensal normalmente auferida pela requerente à data em que ocorreu o acidente de trabalho.
Concluindo, improcede o recurso, não merecendo censura a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 30 de Maio de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira