Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2020/14.9JAPRT-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ARRESTO PREVENTIVO
Nº do Documento: RP201511052020/14.9JAPRT-A.P2
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECIDIDO O CONFLITO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A competência material para tramitar/decretar o pedido de arresto preventivo em processo penal é funcionalmente sucessiva, consoante a fase processual em que é requerido.
II - Na fase de inquérito e instrução a competência é do JIC, remetido o processo para julgamento, a competência cabe ao juiz do processo ou julgamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2020/14.9JAPRT-A.P2

Importa a resolução do conflito negativo de competência entre os Ex.mos juízes da 2ª Secção Criminal J-5 da Instância Central de Vila do Conde e a 2ª Secção de Instrução Criminal J2, Instância Central de Matosinhos, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
Os magistrados atribuem-se reciprocamente a competência, negando a própria, para tramitar o pedido de arresto preventivo.
Os despachos em que assim foi entendido transitaram em julgado.
Esta Relação, concretamente o presidente da secção criminal, é legalmente competente para conhecer do conflito e decidi-lo, art.º 12º, n.º5º, al. a) do Código de Processo Penal.

A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência pertence à 2ª Secção Criminal – J5 da Instância Central de Vila do Conde.

Dos autos colhem-se os seguintes factos relevantes:
Na pendência do inquérito o assistente alegando, entre o mais, ter deduzido pedido de indemnização, requereu arresto preventivo contra o arguido.
Por decisão de 27 de Abril de 2015 a Ex.ma JIC indeferiu liminarmente o arresto preventivo.
Interposto recurso do indeferimento do arresto foi o mesmo recebido pelo Ex.mo juiz da 2ª Secção Criminal J-5 da Instância Central de Vila do Conde. Entretanto procedeu-se a julgamento tendo sido proferido Acórdão na 2ª Secção Criminal J-5 da Instância Central de Vila do Conde que condenou o arguido em sede penal mas absolveu-o do pedido de indemnização civil.
Pronunciando-se sobre o indeferimento liminar do arresto preventivo o Tribunal da Relação do Porto decidiu, no provimento do recurso, a substituição do despacho recorrido por outro que não indefira liminarmente a pretendida providência cautelar.
Regressado o “apenso” à na 2ª Secção Criminal J-5 da Instância Central de Vila do Conde foi entendido que “a competência para dar cumprimento à decisão do Tribunal da Relação do Porto pertence ao TIC J2”. Por sua vez a Ex.ma juíza da 2ª Secção de Instrução Criminal J2, Instância Central de Matosinhos declinou a competência que lhe foi atribuída afirmando competente a 2ª Secção Criminal J-5 da Instância Central de Vila do Conde

Quid iuris?
A questão a responder prende-se com a competência para a prática de actos jurisdicionais em matéria de arresto preventivo. Sendo o arresto preventivo uma medida de garantia patrimonial restritiva de direitos relativamente à qual está consagrada reserva judicial a questão concreta é a de saber se a competência para a prática desses actos jurisdicionais – tramitar/decretar, ou não, o arresto preventivo – cabe ao JIC ou ao juiz.
Como a disciplina normativa do caso em apreço não consta de qualquer legislação especial, a resposta que se nos pede deve ser procurada no Código de Processo Penal.
Dispõe-se no art.º 17º do Código de Processo Penal que compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código.
Possibilitando e explicitando a competência concorrencial interna, entre secções de uma mesma comarca, diz artigo 119.ºda LOSJ:
1 - Compete às secções de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, salvo nas situações previstas na lei, em que as funções jurisdicionais relativas ao inquérito podem ser exercidas pelas secções de competência genérica da instância local.
No caso não estamos perante um caso de competência concorrencial interna de funções jurisdicionais relativas ao inquérito, mas de competência material sucessiva.
Encontrando-se o processo em fase de inquérito, cuja direcção cabe ao Ministério Público, art.º 263.º do Código de Processo Penal, resulta de uma leitura sistemática e funcional do Código de Processo Penal que todos os actos jurisdicionais que naquela fase têm de ser praticados cabem ao Juiz de Instrução e não ao juiz de julgamento. Este só intervém com a prolação do despacho do art.º 311º e a partir dele.
O JIC tem assim competência para todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos no Código de Processo Penal e uma delas é o “poder” de decretar o arresto preventivo verificados os respectivos pressupostos. A competência do JIC finda quando o processo é remetido para julgamento, iniciando-se a competência do juiz do processo ou do julgamento. Claro clarinho para militar entender, como dizia ANTUNES VARELA, pondo a ênfase no sentido inequívoco e indiscutível da solução legal.

O direito processual e concretamente o processo desenvolve-se com um encadeamento de actos, um conjunto de procedimentos funcionalmente ordenados a dizer, em tempo oportuno, o direito, algo de vivo e dinâmico, e não estático: Em abstracto o juiz começa por ser o JIC, depois é o juiz do julgamento, pode ser também o da execução (TEP), o juiz Desembargador, o juiz Conselheiro do STJ, do Tribunal Constitucional, em casos mais restritos o juiz do TJUE, o juiz do TEDH…
Voltando ao concreto, fixar a atenção no JIC, por ter sido o primeiro a intervir, é um atavismo que a dinâmica processual não consente.
A apreciação inicial do pedido de arresto preventivo foi levada a cabo pelo JIC porque a pretensão foi formulada durante o inquérito antes da remessa do processo para julgamento. Durante o inquérito essa é uma competência exclusiva do juiz de instrução, art.º 268º, n.º1 al. b) do Código de Processo Penal. Depois do inquérito a apreciação inicial do pedido de arresto preventivo continua a ser um acto da competência de um juiz, mas já não do JIC. Os actos sujeitos a reserva judicial são praticados durante o inquérito e instrução pelo JIC e depois da prolação do despacho a que alude o art.º 311º do Código de Processo Penal pelo juiz do processo, que é em regra o juiz do julgamento (neste sentido Acórdãos do TRL de 22.5.2007 [José Adriano] e do TRC de 25.9.2013 [Cacilda Sena]). Tal ocorre não só com a apreciação do pedido de arresto preventivo mas também com outros v.g. a aplicação de medidas de coacção, declarações para memória futura, art.º 271º, 294º e 320º do Código de Processo Penal.
Bem ponderado o sistema subjacente ao Código de Processo Penal temos em matéria de competência uma distribuição funcional sucessiva: durante o inquérito e instrução as funções judiciais são asseguradas pelo JIC, depois da prolação do despacho do art.º 311º pelo juiz do processo/julgamento, v.g. art.º 320º, art.º 375º n.º 4 do Código de Processo Penal.
Conclui-se que a competência material para tramitar/decretar o pedido de arresto preventivo em processo penal é funcionalmente sucessiva, consoante a fase processual em que é requerido.
Na fase de inquérito e instrução a competência é do JIC; remetido o processo para julgamento, a competência cabe ao juiz do processo ou julgamento.

No caso compete ao juiz que tramita o processo na primeira instância o cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação do Porto.

DECISÃO:

Declara-se competente a 2ª Secção Criminal J-5 da Instância Central de Vila do Conde.
Observe de imediato o disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código de Processo Penal.
Não há lugar a tributação.
Envie cópia aos Ex.mos Presidentes das Comarcas do Porto, Porto Este e Aveiro.

Porto, 5 de Novembro de 2015.
António Gama