Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
262/16.1GAILH-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: PERDÃO
Nº do Documento: RP20201028262/16.1GAILH-A.P1
Data do Acordão: 10/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: LEI 9/2020
Sumário: Perante uma situação de reclusão, posterior à data de entrada em vigor da Lei 9/2020, mas no decurso da sua vigência, deve a pena do recluso ser objeto de apreciação por parte do tribunal de execução de penas para aferir da aplicabilidade do perdão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

1 Relatório
Nos autos nº 262/16.1GAILH-A.P1, que corre na Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, Juiz 1, foi proferido o seguinte despacho:
“I - O arguido B… veio requerer que este Tribunal declare extinta, por perdão, a pena em que o mesmo foi condenando no âmbito dos presentes autos, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril.
O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido por inexistência de fundamento legal para o efeito.
II - Cumpre apreciar e decidir.
A Lei n.º 9/2020, de 10 de abril veio prever um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID -19, prevendo o seu artigo 1.º, n.º 1, al. a) um perdão parcial de penas de prisão, que concretamente se mostra positivado no artigo 2.º da predita Lei.
Na verdade, se analisarmos o regime de exceção assinalado, sem necessidade de grande esforço hermenêutico, concluiremos que o regime de perdão das penas de prisão só tem cabimento relativamente aos condenados que se encontrem em situação de reclusão, o que, objetivamente, não é a situação do arguido nestes autos.
Cremos que só esta interpretação converge com o escopo da previsão legislativa que se centra em impedir a propagação – apressada, insidiosa e imprevisível – do vírus denominado de Coronavírus – COVID19, que originou já o decretamento pela OMS de pandemia por COVID19, nos estabelecimentos prisionais, estando-lhe subjacente evidentes razões de ordem sanitária e de saúde públicas.
Pelo que, não tendo o arguido dado início à pena de prisão em que foi condenando nestes autos não se encontra acoberto da previsão legislativa supra enunciada, deverá, nessa medida, ser indeferida a sua pretensão por falta de fundamento legal.
O que decidirei.
*
III - Pelo exposto, por manifesta falta de fundamento legal, indefiro a pretensão do arguido.
Notifique.”
Não conformado, veio o arguido interpor recurso, concluindo nos seguintes termos:
A/ Tendo o espírito que presidiu à Lei 9/2020 de 10 de Abril sido evitar a propagação do vírus “Covid-19” no meio prisional, o perdão nela consagrado aplica-se a condenados por sentença transitada em julgado à data da sua entrada em vigor, quer estejam ou não recluídos, sendo, como se sabe, de menos risco um recluso estar infetado do que um condenado que entre após a sua entrada em vigor (dada a dimensão da propagação mundial da doença a essa data) para a prisão;
B/ Caso fosse intenção do legislador restringir a sua aplicação, apenas, a reclusos (o que, como se disse, dada o objetivo que se pretende – erradicar a entrada e propagação da doença no meio prisional, jamais se alcançaria com a sua aplicação, apenas, a esses) a Lei tê-lo-ia previsto. Não o tendo feito, não se vê porque razão se possa o aplicador da lei afastar do regime legal consagrado para os indultos e perdões de penas estabelecido na Lei geral;
C/ De modo a evitar a entrada e propagação da doença no meio prisional, esta interpretação é a única possível, padecendo, pois, de inconstitucionalidade a sua aplicação, apenas, a condenados reclusos;
D/ Beneficia, pois, o recorrente condenado, mas não recluído, do regime excecional do perdão consagrado na Lei 9/2020 de 10 de Abril, por a sua condenação não ultrapassar a pena de 2 anos e, igualmente, por à data da entrada em vigor daquela a decisão de condenação já estar transitada em julgado.
Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do Tribunal de 1ª Instância tendo concluído nos seguintes termos:
1) Nos presentes autos, por decisão de 16-04-2020 foi indeferida a pretensão do arguido em que fosse declarada extinta a pena por perdão, por aplicação do regime previsto no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020 de 10/04.
2) Nos autos, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º do C.P., na pena de 5 (cinco) meses de prisão efectiva, por sentença transitada em julgado a 12- 06-2017.
3) Até agora o arguido não se apresentou para cumprimento da pena que lhe foi aplicada, tendo sido citado editalmente para se apresentar em juízo, no prazo de 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz.
4) O perdão de penas consagrado no citado diploma legal não se aplica a condenados não recluídos e, em consequência, o perdão de penas requerido pelo arguido não lhe é aplicável.
3) O princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente.
4) É manifestamente evidente que um arguido condenado e um recluso são condições formal e materialmente distintas, que impõem tratamentos distintos.
5) Não foram violadas quaisquer normas ou princípios pela decisão recorrida não merecendo reparos.
Neste Tribunal, o Digno Procurar Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da rejeição sumária do recurso por ser manifestamente improcedente.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação
Atentas as conclusões do recuso, sendo estas que balizam o seu objecto, a única questão colocada a este Tribunal é o saber se o regime do perdão da pena previsto no artigo 2º da Lei nº 9/2020 de 10 de Abril é aplicável a condenados ainda não reclusos.
Compulsados os autos, podemos concluir que o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º do C.P., na pena de 5 (cinco) meses de prisão efectiva, por sentença transitada em julgado a 12-06-2017.
Até agora o arguido não se apresentou para cumprimento da pena que lhe foi aplicada, tendo sido citado editalmente para se apresentar em juízo, no prazo de 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz.
Ou seja, o arguido, embora condenado por sentença transitada em julgado ainda não iniciou o cumprimento da pena de prisão efectiva, não sendo recluso.
A lei Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, veio estabelecer um regime excepcional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, dispondo, no que agora interessa o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
1 - A presente lei estabelece, excepcionalmente, no âmbito da emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19, as seguintes medidas:
a) Um perdão parcial de penas de prisão;
(…)
Artigo 2.º
Perdão
1 - São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos.
(…)
7 - O perdão a que se referem os n.ºs 1 e 2 é concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente lei e sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acresce a pena perdoada.
8 - Compete aos tribunais de execução de penas territorialmente competentes proceder à aplicação do perdão estabelecido na presente lei e emitir os respectivos mandados com carácter urgente.
Sobre esta Lei, embora recente, foram já produzidos diversos estudos e pareceres, e foi já proferida alguma jurisprudência, sendo de destacar:
1) Ac da RL de 9/09/2020, processo 1430/12.0TXLSB-Q.L1-3, in www.dgsi.pt
- O perdão, para além da medida concreta da pena em si, só tem aplicação, e bem, a ilícitos penais cujos bens jurídicos não sejam de particular relevância jurídico-criminal e social.
- As penas diferentes e o perdão de penas aplicadas pela prática de certos crimes e não a outros têm na sua génese razões relacionadas com a valoração e hierarquia dos bens jurídicos protegidos.
- Trata a lei de forma igual todos os reclusos que se encontram na mesma situação, prevendo perdão para determinados crimes e não outros consoante a diversidade de importância dos bens jurídicos protegidos. Ou seja, consagrando e observando de forma exemplar o princípio da igualdade.
2) Ac da RL de 16/09/2020, processo 1896/10.3TXCBR-AB-3, in www.dgsi.pt
- A concessão do perdão, nos termos em que se encontra previsto no artº 2º da lei 9/2020 de 10 de Abril tem um propósito claro: o de evitar a propagação do contágio por Covid 19, através da libertação de reclusos que, em atenção ao tempo de prisão já cumprido e/ou remanescente por cumprir e à natureza do crime ou crimes por que hajam sido condenados, suscitem menores preocupações ao nível das razões de prevenção geral e especial positiva e negativa.
- Trata-se de uma medida de excepção que não contempla, nem interpretação extensiva, nem restritiva, nem aplicação analógica, devendo ser interpretadas de acordo com o seu teor literal, sob pena de conduzir a resultados metodologicamente incorrectos e totalmente desvirtuados o pensamento legislativo e a razão de ser da lei.
- E por isso é que o perdão incide sobre a totalidade do tempo de prisão, seja o da pena única resultante de cúmulo jurídico, seja o da soma material das penas, nos casos de cumprimento sucessivo e a sua aplicação é excluída se alguma dessas condenações tiver sido proferida por algum dos crimes enumerados no nº 6 do art. 2º da Lei 9/2020.
3) Ac da RC de 30/09/2020, processo 744/13.7TXCBR-P.C1, in www.dgsi.pt
O perdão previsto no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, verificados que sejam os demais requisitos legais, pode ser aplicado tanto a condenados que sejam reclusos à data da entrada em vigor daquele diploma (11-04-2020), como a condenados que, no decurso da vigência da mesma Lei, venham a estar na situação de reclusão.
4) Ac da RC de 30/09/2020, processo 47/20.0TXCBR-B.C1, in www.dgsi.pt
O perdão de penas consagrado no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só é concedido a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor daquele diploma legal, ficando excluídos, consequentemente, da medida de graça referida os condenados que não tenham ingressado fisicamente em estabelecimento prisional.
5) Ac da RC de 7/10/2020, processo 719/16.4TXPRT-F.C1, in www.dgsi.pt
I. O perdão de pena previsto no artigo 2º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, só pode ser concedido a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional.
II. Todavia, o perdão do artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, verificados que sejam os demais requisitos substantivos legais, pode ser igualmente aplicado a condenados que, no decurso da vigência daquela Lei, venham a estar na situação de reclusão.
6) “A libertação de reclusos em tempos de COVID-19. Um primeiro olhar sobre a Lei n.º 9/2020, de 10/4”, na revista Julgar online de Abril 2020, por Nuno Brandão, no qual o autor conclui que “De fora deste perdão ficarão ainda aqueles que hajam sido condenados por decisão já transitada em julgado aquando do início de vigência da Lei n.º 9/2020, 11.04.2020, mas que nessa data ainda não haviam ingressado num estabelecimento penitenciário para iniciar a execução da pena de prisão que lhes foi aplicada.”
7) “O perdão previsto no art.º 2.º da Lei n.º 9/2020”, estudo publicado por Vítor Pereira Pinto de 13/04/2020, no SIMP em que se defende que “parece claro dever interpretar-se o art.º 2.º, n.ºs 1, 2, 4 e 7 da Lei aqui em causa como aplicável apenas a “reclusos”, ou seja, a condenados por decisão transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor desta lei (n.º 7 do art.º 2.º e art.º 11.º - até 10/04/2020, portanto) que se encontrem em cumprimento da pena de prisão à data da sua entrada em vigor (11/04/2020).”
8) Parecer n.º 10/20 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República reitera esta mesma tese, concluindo que “Em todos os casos, é pressuposto desta medida de graça que o beneficiário seja recluso e esteja condenado por sentença transitada em julgado, ou seja que esteja em cumprimento de pena. A linha de fronteira, entre quem beneficia do perdão e quem está excluído do mesmo, passa, portanto, pela condição de recluso na sequência de uma sentença transitada em julgado à data da entrada em vigor da lei (11 de abril de 2020). Apenas aqueles que ingressaram no estabelecimento prisional e aí se mantém coartados da sua liberdade, em consequência da condenação, por sentença transitada em julgado, estão incluídos”.
9) José Quaresma, in e-book do CEJ, artigo de 22 de Abril de 2020, site do CEJ, que defende dever a lei aplicar-se a todos os condenados com decisão transitada em julgado em data anterior à entrada em vigor da lei independentemente de serem já reclusos.
Conforme se pode então verificar encontram-se argumentos para uma posição mais restrita e literal, que recusa pura e simplesmente a aplicação do perdão a quem não for recluso à data da entrada em vigor da lei, passando por uma posição intermédia que admite a aplicação do perdão a quem na vigência da lei inicie o cumprimento da pena e passe a ter o estatuto de recluso, e a posição mais ampla que admite a aplicação do perdão a quem estiver na condição de poder iniciar a reclusão, ainda sem estar em cumprimento da pena.
Com todo o respeito pelas posições acima descritas, entendemos que será de afastar a última pois não é possível esquecer que estamos no âmbito de uma lei de excepção sendo incontornável nesta matéria o Ac. de fixação de jurisprudência de 25 de Outubro de 2001, processo nº P00P3209, in www.dgsi.pt que retirou qualquer tipo de interpretação analógica, extensiva ou restritiva às normas com aquele tipo de natureza, “devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas”.
“Recluso”, na economia do diploma que estamos a analisar é aquele que viu a sua liberdade confinada a um estabelecimento prisional, e nenhumas dúvidas se poderão colocar a este respeito atento, entre outras, à razão de ser da excepcionalidade da lei 9/2020, encontrada na sua exposição de motivos (exposição de motivos da proposta de lei 23/XIV) onde claramente se refere que face ao estado de emergência de saúde pública face à doença denominada COVID-19, decretado por S. Exa. o Sr. Presidente da República e as condições específicas do meio prisional, pretende a lei em causa a adopção de medidas excepcionais de redução e de flexibilização da execução da pena de prisão, tudo com vista a minimizar o risco de surgimento de focos de infecção nos estabelecimentos prisionais e se previna o risco do seu alastramento mediante a diminuição de pessoas no interior dos equipamentos prisionais.
Também, não deixa de ser indicativo da necessidade de o beneficiário do perdão ser já recluso o facto de ter sido atribuída competência ao Tribunal de Execução de Penas para a aplicação dos perdões que agora cuidamos.
Um condenado em pena de prisão efectiva mediante decisão já transitada em julgado que ainda não iniciou o cumprimento da sua pena, não é um recluso, e até pode nunca o vir a ser, pois a pena pode extinguir-se pelo decurso do tempo (artigo 122º do C.P.) ou pela morte do condenado (artigo 127º do C.P.).
Também a primeira das teses apontadas – a aplicação do perdão somente a quem já detiver a condição de recluso à data da entrada em vigor da lei 9/2020 – com o devido respeito, afigura-se inconsistente com os objectivos pretendidos pelo legislador.
Na verdade, se o regime excepcional justificativo da preocupação do legislador foi o evitar a concentração de população prisional, tudo de molde a prevenir e evitar o risco de surgimento de focos de doença COVID -19 e a sua propagação em meio prisional, doença essa que não encontrou ainda qualquer tipo de cura e que é potencialmente fatal, e que se mantém activa no seio da comunidade, a aplicação do perdão a todos aqueles que estivessem já em reclusão no momento de entrada em vigor da lei, única e exclusivamente, deixaria sem protecção a população prisional e os todos aqueles que integram o sistema prisional e que se mantivessem nesse ambiente nos dias posteriores, pois diariamente surgiriam novos reclusos em condições de beneficiarem do perdão e que o não podiam fazer por terem iniciado o cumprimento da sua pena em data posterior ao da entrada em vigor da lei.
E não se diga, em favor dessa tese, que estando os prazos suspensos durante o estado de emergência decretado, não haveria esse risco pois não seriam emitidos mandados de condução aos estabelecimentos prisionais para cumprimento da pena.
Como é sabido, o cumprimento de uma pena pode iniciar-se pela apresentação voluntária do condenado no estabelecimento prisional, sem qualquer preocupação quanto às suspensão dos prazos processuais, ou pela sua detenção e condução ao estabelecimento prisional mediante mandado emitido, podendo este ter sido emitido em data anterior ao da suspensão dos actos processuais decretado, e de cumprimento obrigatório para as autoridades, igualmente sem qualquer preocupação quanto à suspensão dos prazos processuais vigentes.
Ou seja, nos dias seguintes ao da entrada em vigor da lei 9/2020 seria para o legislador previsível que viessem a adquirir o estatuto de reclusos cidadãos cujas penas seriam susceptíveis de beneficiar do mesmo perdão que beneficiou aqueles que haviam acabado de ser colocados em liberdade.
Não é sustentável, face à ideia de “Legislador” que deve presidir à interpretação da lei num Estado de Direito democrático, sugerir sequer que este tivesse ignorado tal possibilidade, que não a tivesse previsto ou até que a não tivesse pretendido.
Assim, afigura-se-nos também não ser de seguir a tese que defende a aplicação da medida de graça unicamente aos cidadãos com o estatuto de reclusos à data da entrada em vigor da Lei 9/2020.
Afastada a possibilidade de aplicação do perdão estabelecido na lei 9/2020 a quem não se encontre em cumprimento de pena à data da sua entrada em vigor, e afastada a possibilidade de aplicação do perdão a quem não tiver ainda o estatuto de recluso, restará saber se o mesmo é aplicável a quem, durante a vigência de lei, iniciar o cumprimento de pena de prisão, ingressando num Estabelecimento Prisional e passar a ter o estatuto de recluso.
Perante uma situação de reclusão, posterior à data de entrada em vigor da lei 9/2020, mas no decurso da sua vigência, dúvidas não temos que as razões que determinaram o legislador a criar as normas de excepção, mantém a sua plenitude, devendo a pena do recluso ser objecto de apreciação por parte do tribunal de execução de penas para aferir da aplicabilidade do regime de perdão.
Somente assim – e sem qualquer afastamento interpretativo do regime excepcional – é possível salvaguardar os fins pretendidos pelo legislador de minimizar os riscos provenientes da concentração de pessoas em equipamentos prisionais face às características de disseminação e contágio da doença COVID-19.

No caso dos autos o recorrente está sem paradeiro conhecido, sendo incerto o momento em que estará em condições de iniciar o cumprimento da pena em que foi condenado, pelo que hoje, será tudo menos um recluso.
Não tendo tal estatuto, não lhe é aplicável o perdão previsto na lei 9/2020, pelo que, e pelas razões expostas, o recurso interposto haverá de ter-se como não provido.
3 Decisão
Julga-se não provido o recurso, mantendo-se nos seus precisos termos o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente

Porto, 28 de Outubro de 2020
Raul Esteves
Victor Morgado