Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
853/15.8T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEMNIZAÇÕES EXCLUÍDAS DA EXONERAÇÃO
Nº do Documento: RP20160707853/15.8T8STS.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 726, FLS.121-125)
Área Temática: .
Sumário: I - Os efeitos da exoneração do passivo restante estão regulados no art.º 245.º do CIRE por referência manifesta à sua concessão efectiva nos termos do artigo anterior.
II - Nos termos do referido art.º 245.º, n.º 2, al. b) a exoneração não abrange as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade.
III - Integra-se naquela alínea a indemnização paga pelo credor Fundo de Garantia Automóvel ao sinistrado de um acidente de viação de que foi responsável o devedor, enquanto condutor e proprietário de um veículo, por falta de seguro, já reconhecida por sentença transitada em julgado numa acção em que foi exercido o direito ao reembolso, por sub-rogação legal, e cujo crédito foi reclamado na insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 853/15.8T8STS.P1
Da Comarca do Porto – Instância Central de Santo Tirso – 1.ª Secção de Comércio – J2.

Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:

I. Relatório

B…, solteiro, maior, residente na …, …, …, Maia, instaurou acção com processo especial, pedindo a declaração da sua insolvência e a exoneração do passivo restante, alegando, para este efeito, que preenche todos os requisitos legais e que se compromete a observar todas as condições legalmente exigidas.
Na assembleia de credores, realizada em 5/5/2015, foi proferido despacho a declarar o encerramento do processo, por ter sido constatada a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
Ouvidos os presentes sobre o pedido de exoneração do passivo restante, foi dito:
- pelo Sr. Administrador da insolvência, que nada tinha a opor a tal pretensão e que o rendimento indisponível não devia ultrapassar o equivalente a 1 salário mínimo nacional;
- pela Sr.ª Mandatária do Insolvente, que aceitava o valor proposto;
- e pelo credor Fundo de Garantia Automóvel foi pedida a junção aos autos de um requerimento, onde sustenta que o seu crédito não está abrangido pela exoneração, por ser constituído por uma indemnização devida por factos ilícitos dolosos, pelo que requereu que tal dívida não seja abrangida pela exoneração do passivo restante.
Convidado a juntar certidão da sentença que condenou o insolvente no âmbito da acção referente ao acidente de viação donde decorre o seu alegado crédito, o Fundo de Garantia Automóvel juntou a certidão de fls. 96 a 97 v.º.
O insolvente respondeu afirmando que não se verificam os requisitos previstos para a exclusão da exoneração por não ter agido dolosamente e por desconhecer se a reclamação da indemnização foi feita nessa qualidade.
Foi solicitada certidão da petição inicial da aludida acção, a qual foi junta com os docs. anexos, constituindo fls. 116 a 155 destes autos.
Seguiu-se, em 9/3/2016, a prolação do seguinte despacho:
“Não foi apresentada em Assembleia de Credores (art. 238.º, n.º2 do CIRE) qualquer oposição ao pedido de exoneração de passivo restante que tenha o alcance fundamentado para indeferir liminarmente o mesmo, cumprindo ao tribunal proferir despacho a que alude o n.º2 do art. 239.º do CIRE.
No que ao requerimento apresentado pelo Fundo de Garantia Automóvel diz respeito, não obstante a sua apresentada posição de que os seus créditos não podem ser abrangidos pela exoneração de passivo restante em face da sentença transitada em julgado que consta de fls. 96 e ss. assente nos pressupostos que descreve na PI dessa ação e que consta de fls. 115 e ss., aqui também aqui integrados, fazendo apelo tal credora ao disposto no art. 245.º, n.º2 b) do CIRE, o certo é que a ação foi ali gizada como uma típica ação em que o fundo exerce o direito de reembolso de direito de indemnização devido por acidente de viação causado por negligência do ali réu e aqui devedor requerente do presente incidente, não constando factos donde resulte a existência de dolo, razão pela qual não tem tal situação cabimento no citado preceito que alude às indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam reclamadas nessa qualidade.
Assim, nos termos do art. 239.ºns. 1 e 2 do CIRE, o tribunal determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (art. 230.º CIRE), no presente caso, com a notificação deste despacho, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir, i.e., todos os rendimentos que advenham ao insolvente, com exclusão dos previstos nas al.s a) e b) do n.º3 do art. 239.º, se considera cedido ao sr. Administrador de Insolvência destes autos, na qualidade de fiduciário, ficando salvaguardado para o/a devedor/a, durante o período de cessão - os referidos cinco anos após o encerramento do processo-, a quantia correspondente a um salário mínimo nacional (1 s.m.n.)*14 meses, ficando o/a mesmo/a obrigado/a a observar as imposições previstas no n.º 4 do art. 239.º do CIRE.
Fica o/a devedor/a advertido/a para o facto de a exoneração do passivo ser revogada no caso de se verificarem as circunstâncias previstas nas als. b) e ss. do n.º1 do art. 238.º ou violar dolosamente as suas obrigações durante o período de cessão, e por algum desses motivos tenham prejudicado de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência.
**
Notifique o/a devedora, o/a sr/a. Administrador/a de Insolvência e os credores, e cumpra a secção o previsto nos arts. 37.º e 38.º ex vi arts. 230.º, n.º2 e 247.º do CIRE.
*
Verifique e dê-se pagamento a adiantar pelo IGFPJ das quantias devidas a título de remuneração e despesas devidas e que ainda não tenham sido pagas ao AI, sendo esse o caso.”

Inconformado com este despacho, o credor Fundo de Garantia Automóvel (doravante apenas FGA) interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1. A indemnização que deu origem ao crédito decorre do acidente de viação, em que o veículo de que o insolvente era proprietário foi interveniente, e a sua condenação solidária, com o ora credor, decorre do facto de o mesmo circular sem seguro válido e eficaz à data do acidente;
2. O crédito do FGA subsume-se à previsão legal constante no artigo 245.º n.º1 al. b) do CIRE, porquanto o mesmo emerge de um facto negligente e de um facto doloso: o facto negligente é o acidente de viação, o facto doloso é a inexistência de seguro válido e eficaz;
3. O devedor que omite o dever de celebrar ou manter um seguro válido e eficaz e que, ainda, assim, deixa circular o veículo automóvel desprovido de tal seguro, procede com dolo face à circunstância de não dispor de seguro;
4. A indemnização a que o insolvente foi condenado decorre de um facto doloso, a falta de seguro;
5. A exoneração do passivo restante não abrange a dívida do insolvente ao FGA, por se entender que a mesma é abrangida pela excepção prevista no artigo 245.º n.º1 al. b);
6. Ao não o interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou o artigo 245.º, n.º 1, alínea b) do CIRE.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima assinalados.”

O requerente/insolvente contra-alegou sustentando a confirmação do despacho recorrido.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, regime de subida e efeito que foram mantidos pelo ora relator.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa aqui dirimir consiste em saber se a exoneração não abrange o crédito do apelante.

II. Fundamentação

1. De facto

Os factos a considerar na decisão desta questão, para além do que resulta do anterior relatório, porque se mostram provados em face dos documentos juntos, são os seguintes:
1. Fundo de Garantia Automóvel intentou acção com processo ordinário contra B…, que correu termos pelo 2.º Juízo de Competência Cível do Tribunal da Póvoa de Varzim com o n.º 2599/12.0TBPVZ, pedindo que o réu fosse considerado o único e exclusivo responsável pelo acidente de viação ocorrido no dia 5 de Março de 2006, pela 1 hora, na A28, ao Km .., na localidade …, Póvoa de Varzim, e, nessa conformidade, fosse condenado a pagar ao Autor a quantia de 307.719,27 €, acrescida de juros legais, a contar da data da interpelação ocorrida a 18/8/2012, até efectivo e integral pagamento.
2. Fundamentou esta pretensão no referido acidente de viação, verificado por culpa exclusiva do réu, com o veículo de matrícula ..-..-RA, do qual era proprietário e que conduzia sem contrato de seguro válido, e na indemnização que, por essa razão, pagou pelos danos sofridos pelo passageiro daquele veículo, C…, no montante de 301.905,49 €, e pelas despesas de 4.470,75 € que teve de suportar.
3. Por sentença de 3/6/2013, transitada em julgado no dia 11/7/2013, foram considerados provados os factos articulados pelo autor, dada a falta de contestação do réu, pessoal e regularmente citado, e foi este condenado a pagar àquele a quantia de 307.719,26 €, acrescida de juros legais a contar da interpelação ocorrida a 18 de Outubro de 2012 e até efectivo e integral pagamento.
4. Este crédito foi reclamado e reconhecido, constando da respectiva lista no montante de 338.076,20 € e com a indicação de “crédito proveniente de direito de regresso (reembolso)”.

2. De direito

É sabido, e temos vindo a repeti-lo em vários acórdãos[1], que a exoneração do passivo restante é uma medida completamente inovadora, justificada no ponto 45 do preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18/3, que aprovou o actual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), assente no princípio do “fresh start” para as pessoas singulares de boa fé que se encontrem em situação de insolvência e que tem como objectivo primordial conceder-lhes uma segunda oportunidade, permitindo que se libertem do passivo que possuem e que não consigam pagar no âmbito do processo de insolvência, não visando, por conseguinte, a satisfação dos interesses dos credores, embora não os ignore na medida em que são impostos limites para a sua admissão.
Porque de um benefício se trata, está sujeito ao preenchimento de determinados requisitos, de verificação necessária ao prosseguimento do incidente, no momento inicial, podendo haver lugar ao indeferimento liminar nos termos do n.º 1 do art.º 238.º ou, não havendo motivo para esse indeferimento, à prolação do despacho a que alude o art.º 239.º, sendo que a libertação definitiva do devedor só poderá surgir com a prolação de novo despacho, no termo do período da cessão, aquando da prolação da decisão final a que se refere o art.º 244.º.
Os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante estão previstos no n.º 1 do referido art.º 238.º que contém uma enumeração taxativa, como vem sendo considerado, unanimemente, pela jurisprudência.
No presente caso, não se trata de verificar se ocorre algum dos aludidos fundamentos de indeferimento liminar, mas tão só de saber se a exoneração abrange ou não o crédito reclamado pelo credor, ora apelante.
Apesar de esta questão ter sido suscitada como oposição ao pedido de exoneração, não se trata do seu indeferimento liminar, nem o credor o pretende, na medida em que pediu que o seu crédito não fosse abrangido pela exoneração do passivo restante, invocando, para tanto, o disposto no art.º 245.º, n.º 2, al. b) do CIRE, o qual respeita aos “efeitos da exoneração”, como claramente consta da epígrafe deste artigo, o que pressupõe a sua prévia concessão.
Os efeitos da exoneração, regulados neste artigo, em face do seu texto, reportam-se à sua concessão efectiva, nos termos do artigo anterior[2], o qual prevê a decisão final do incidente de exoneração.
Estamos longe ainda desse momento, pois o despacho impugnado é o inicial, proferido nos termos do art.º 239.º do CIRE.
Apesar disso, porque nele se apreciou o requerimento do mesmo credor e se fez já um juízo antecipatório afirmando-se que o crédito reclamado não integraria uma indemnização prevista no preceito invocado, para evitar a eventual formação de caso julgado, importa apreciar, aqui e agora, a questão suscitada, não obstante ainda não haver decisão final da exoneração.
O invocado art.º 245.º, n.º 2, al. b), dispõe que a exoneração não abrange “As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade”.
Esta “formulação ampla da lei compreende tanto os ilícitos contratuais como extracontratuais”[3].
Ainda que esta formulação ampla da lei seja criticada e criticável, não vemos como seja possível sustentar o contrário, desrespeitando-a.
O crédito reclamado pelo FGA resulta do pagamento feito por ele no âmbito de um acidente de viação pelo qual foi declarado único responsável o insolvente.
Sob a epígrafe “Sub-rogação do Fundo”, o art.º 54.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, ao abrigo do qual foi pedido e reconhecido o correspondente direito, estabelece que “Satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso.”[4]
Não se trata de saber aqui se o FGA tem direito a tal sub-rogação, mas apenas de fazer valer esse direito que já lhe foi reconhecido por sentença transitada em julgado.
Nessa sentença também já foi decidido que o réu, aqui apelado, era o proprietário do único veículo interveniente no acidente, pelo que de nada lhe serve vir agora dizer que não era seu proprietário, por a propriedade se encontrar reservada para a D…, entidade que lhe concedeu o crédito para o comprar. Que era o proprietário do veículo foi dado como provado, na falta de contestação pelo réu, como bem se afirmou naquela sentença. E, ainda que se encontrasse reservada a propriedade a favor da alegada mutuante, competia-lhe sempre celebrar contrato de seguro que tivesse por objecto o mesmo veículo.
Aquela sub-rogação do FGA resultou da circunstância de o apelado não ter, à data do sinistro, um seguro válido e eficaz, o que configura uma conduta contravencional.
A sub-rogação, tal como vem regulada nos art.ºs 589.º a 594.º do Código Civil, é “uma forma de transmissão de créditos que opera a favor do terceiro que cumpra a obrigação do devedor ou com cujos meios a obrigação seja cumprida pelo próprio devedor”[5].
Num critério puramente descritivo pode definir-se a sub-rogação como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento.[6]
Tendo o Fundo de Garantia Automóvel procedido ao pagamento da indemnização devida ao sinistrado C…, passageiro do veículo ..-..-RA, ficou sub-rogado nos direitos deste lesado, nos termos do n.º 1 do citado art.º 54.º.
Por via dessa sub-rogação legal, ficou colocado na posição do lesado, passando a ser titular do crédito que a este pertencia, pelo que pode exigir o pagamento da indemnização que satisfez de quem for responsável pelo acidente, neste caso o ali Réu, aqui insolvente, único responsável enquanto proprietário e condutor e visto que agiu por forma ilícita e culposa.
Cremos não haver dúvidas de que aquela indemnização se baseou na responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, decorrente do art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil.
Como tal, ficaram demonstradas a ilicitude e a culpa dos factos praticados na condução.
A ilicitude resultou da violação objectiva das normas ali indicadas e a culpa do juízo de censura que tal violação envolve.
Aliás, quanto aos acidentes de viação, é pacífico na jurisprudência que a culpa emerge, normalmente, da violação de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária, presumindo-se (presunção juris tantum) a negligência do condutor que, por conduzir em infracção daquelas normas, dá causa ao acidente, sem prejuízo, obviamente, de o condutor infractor poder provar a concorrência de circunstâncias concretas que justifiquem a infracção cometida e que excluam a sua culpa[7], o que não foi feito no momento processual próprio.
Assim, a ilicitude e a culpa decorrem do acidente de viação que o condutor, aqui insolvente, causou, tendo sido por ele considerado o único responsável, tanto mais que nenhum outro condutor interveio no acidente.
O dolo decorre da inexistência de seguro automóvel, válido e eficaz, da responsabilidade do mesmo devedor, na qualidade de proprietário do veículo interveniente no acidente. Enquanto proprietário, ele tinha o dever não só de celebrar o contrato de seguro, mas também de não circular sem seguro. Não celebrando tal contrato e circulando com o veículo sem seguro, agiu com dolo, senão directo, pelo menos eventual.
E a indemnização foi reclamada nessa qualidade, tal como consta da lista de créditos reconhecidos elaborada nos termos do art.º 129.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE.
Concluímos, assim, que estamos perante uma indemnização que cabe na previsão do n.º 2, al. b), do art.º 245.º[8], pelo que não está a mesma abrangida pela exoneração a declarar oportunamente.
Procede, deste modo, o recurso, havendo que revogar o despacho na parte referente à exclusão da indemnização do âmbito do art.º 245.º, n.º 2, al. b), do CIRE, mantendo-se na parte restante, aliás, não questionada.

Sumariando em jeito de síntese final:
1. Os efeitos da exoneração do passivo restante estão regulados no art.º 245.º do CIRE por referência manifesta à sua concessão efectiva nos termos do artigo anterior.
2. Nos termos do referido art.º 245.º, n.º 2, al. b) a exoneração não abrange as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade.
3. Integra-se naquela alínea a indemnização paga pelo credor Fundo de Garantia Automóvel ao sinistrado de um acidente de viação de que foi responsável o devedor, enquanto condutor e proprietário de um veículo, por falta de seguro, já reconhecida por sentença transitada em julgado numa acção em que foi exercido o direito ao reembolso, por sub-rogação legal, e cujo crédito foi reclamado na insolvência.

III. Decisão

Por tudo o exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se o despacho recorrido, na parte referente à exclusão da indemnização do apelante do âmbito do art.º 245.º, n.º 2, al. b), do CIRE.
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Custas pelo apelado.
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Porto, 7 de Julho de 2016
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
__________
[1] O último dos quais de 3 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 186/13.4TBMAI.P1.
[2] Neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão de 2009, pág. 801.
[3] Cfr. os mesmos autores, obra e local citados, embora mostrem alguma relutância nessa formulação.
[4] Correspondente ao art.º 25.º do Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12, em vigor à data do acidente, de teor praticamente igual.
[5] Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II Direito das Obrigações, Tomo IV, Almedina, 2010, pág. 225 e doutrina aí citada em nota de rodapé.
[6] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., págs. 335/6.
[7] Cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 28/05/80, no BMJ n.º 297/142, de 7/11/2000, na CJ – STJ -, ano VIII, tomo III, pág. 105, de 26/06/2003, 18/09/2007, 11/12/2008 e 2/3/2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ processos n.ºs 02B2294, 07A1555, 08B2935 e 104/04.0TBMBR.L1, respectivamente; e da RP de 2/2/82, no BMJ n.º 314/370, de 7/11/91 na CJ, ano XVI, tomo V, pág. 182, de 09/12/99, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ processo n.º 9931341 e de 16/6/2009, mesmo sítio, processo n.º 2807/06.6TBVCD.P1.
[8] Neste sentido o acórdão desta Relação e Secção de 21/1/2014, proferido no processo n.º 915/13.6TBGDM-C.P1 e, ainda da mesma Relação e Secção e do mesmo colectivo, num caso em que o condutor é diferente do proprietário, o acórdão de 17/6/2014, processo n.º 2573/13.9TBVCD-C.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.