Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22656/18.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP2021092022656/18.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido.
II - Não litiga com má-fé quem se apresenta a exercer um direito com tutela legal e não decorre dos factos apurados que tenha agido no convencimento da falta de fundamento da sua pretensão, violando os deveres de boa fé processual, alterando a verdade dos factos e omitindo outros relevantes para a decisão da causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Arrd-RMF-Cessação-22656/18.8T8PRT.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTOR: B…, solteiro, maior, portador do Cartão de Cidadão n.º …….., NIF ………, residente na Rua …, nº .. – Cave – Dtº - ….-… COIMBRA; e
- : C…, solteira, maior, portadora do Cartão de Cidadão n.º…….., NIF ………, residente na Rua …, n.º …, ….-… SANTO TIRSO,
veio o autor pedir a condenação da Ré na entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens; na eventualidade de se considerar existir contrato de arrendamento válido e eficaz, pediu ainda o Autor se declare o mesmo resolvido, com a consequente entrega do mesmo, livre de pessoas e bens.
Alegou para o efeito e em síntese que é dono e legítimo proprietário do prédio sito à Rua …, n.ºs …, 1.º Dto, na freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo n.º 9467 e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4504, com o alvará de licença de utilização n.º …, emitido em 4 de Julho de 1967 pela Câmara Municipal ….
Durante os anos 60, o pai da Ré tomou o referido imóvel de arrendamento a D… e a E… – mãe e tia do aqui A.
Em 08 de Julho de 2013, as então senhorias, mediante carta registada com aviso de receção, propuseram ao Réu a fixação do valor anual da renda para € 2.700,00 e a alteração do contrato para termo certo com prazo de 1 ano. A referida missiva veio devolvida, e, em face disso e em cumprimento do disposto no n.º 3 do art. 10º do NRAU, no dia 16 de Agosto de 2013 foi endereçada nova carta ao Réu, a qual, também foi devolvida.
Mais alegou, face ao disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 10º do NRAU, não só o valor da renda foi atualizado para o montante anual de € 2.700,00, como o contrato passou a ser um contrato com prazo certo de um ano, tendo iniciado o seu período de vigência em 01 de Novembro de 2013.
Em 08 de Outubro de 2013, a arrendatária D… faleceu, tendo-lhe sucedido o seu filho, aqui Autor, o que, foi comunicado ao pai da aqui Ré.
Em 16 de Setembro de 2015, o novo arrendatário (o aqui A.) endereçou carta registada com aviso de receção ao Réu, mediante a qual comunicou ao último a sua intenção de não renovação do contrato de arrendamento que os vinculava e, desde logo o informou de que deveria proceder à entrega do locado livre de pessoas e bens até 31 de Outubro de 2016.
O réu não procedeu à entrega do imóvel, o qual passou a estar ocupado pela filha C…, aqui Ré, que continuou a proceder ao pagamento do valor da renda anteriormente fixado.
Após ter sido informado da morte do inquilino originário, foram encetadas uma série de negociações com vista à celebração de um novo contrato de arrendamento entre o aqui A. e a filha do Inquilino, aqui Ré, as quais, nunca se efetivaram e, nesses termos, não foi assinado qualquer contrato de arrendamento.
O contrato cessou os seus efeitos em 31/10/2016, pelo que, a partir dessa data estava a Ré obrigada a proceder à entrega do imóvel e com a morte do inquilino o contrato caducou.
Mais alegou que na hipótese de se considerar que existe um contrato de arrendamento válido e eficaz, invocou a sua resolução com fundamento subarrendamento do imóvel por parte da ré e pelo facto de se opor à realização de reparações urgentes no imóvel, motivadas por infiltração de água, com origem na casa de banho do imóvel objeto do contrato de arrendamento.
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Citada a ré, contestou, defendendo-se por impugnação e por exceção.
Termina por pedir a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Alega, em síntese, que celebrou com o autor um contrato de arrendamento, o que justifica a ocupação do local e impugna os demais factos alegados, alegando que ocupa o local arrendado para descansar quando termina os seus turnos de trabalho no hospital.
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Proferiu-se despacho saneador, com fixação do valor da causa, do objeto do litígio e dos temas da prova.
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Realizou-se o julgamento, com observância do legal formalismo.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Ante o exposto, julga-se a presente ação procedente, por provada e, em consequência, condena-se a Ré C… a entregar ao Autor B… o locado sito na rua …, nº …, 1º direito, freguesia …, Porto, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 9467 e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº 4504.
Decide-se ainda não haver lugar à condenação do Autor como litigante de má-fé.
Custas da ação a cargo da Ré, porque vencida – cfr. o artigo 527º do Código de Processo Civil.
Quanto ao pedido de condenação da parte contrária como litigante de má-fé, as respetivas custas são a cargo da parte vencida, ou seja, a Ré – cfr. a última disposição legal citada”.
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A ré veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termos em que deve a presente Apelação ser julgada procedente e por via disso ser a Sentença revogada na totalidade do seu decisório, ser a Ré absolvida dos pedidos formulados pelo Autor e ser o Autor condenado como litigante de má-fé nos termos indicados na contestação.
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O Autor veio apresentar resposta ao recurso, concluindo que a decisão de facto e de direito não merece censura.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova;
- mérito da causa;
- litigância de má-fé.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1.O Autor B… é dono e legítimo proprietário do prédio sito à rua …, nº …, 1º direito, na freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo nº 9467 e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº 4504, com o alvará de licença de utilização nº …, emitido em 4JUL1967 pela Câmara Municipal … (artigo 1º da petição inicial).
2. Ainda nos anos 60, o pai da Ré C… tomou o referido imóvel de arrendamento a D… e E… – mãe e tia do Autor ().
3. As então senhorias enviaram a F… a missiva registada e com aviso de receção datada de 8JUL2013, junta a folhas 9 dos autos, com o seguinte teor:
Assunto: Contrato de Arrendamento – Transição para o NRAU e Atualização da Renda
Exm.º Senhor, Nos termos do artº. 30º do NRAU, na versão aprovada pela Lei nº. 31/2012 de 14 de Agosto, em representação de D… e E…, na qualidade de senhorias do local arrendado por V.Exªa, sito à Rua …, nº. … – 1º Dtº, freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artº. Nº. 9467, serve a presente para comunicar a V. Exª. que é n/intenção das senhorias, o seguinte:
1. Propor o valor anual da renda - € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), ou seja, a renda mensal de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros);
2. E que o contrato de arrendamento passe a ser um contrato com prazo certo, de duração anual;
3. O valor do locado avaliado nos termos do artº. 38º do CIMI, é de € 40.340,00;
4. Junto remetemos a cópia da caderneta predial, emitida em 18/06/2013;
5. Cópia autenticada da procuração forense.” (resposta explicativa ao artigo 3º da petição
inicial).
5.A referida missiva veio devolvida e, em face disso, no dia 16AGO2013 foi enviada nova missiva a F…, registada e com aviso de receção, junta a folhas 10 verso e com o seguinte teor:
Assunto: Contrato de Arrendamento – Transição para o NRAU e Atualização da Renda
Exm.º Senhor,
Em virtude da carta remetida a V. Exª., no passado dia 08/07/2013, ter sido devolvida (por não ter sido levantada nos CTT), vimos pela presente e em cumprimento do disposto no n.º 3 do artº. 10º do NRAU, remeter a V. exª. uma nova carta.
Assim, nos termos do artº. 30º do NRAU, na versão aprovada pela Lei nº. 31/2012 de 14 de Agosto, em representação de D… e E…, na qualidade de senhorias do local arrendado por V.Exªa, sito à Rua …, nº. … – 1º Dtº, freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artº. Nº. 9467, serve a presente para comunicar a V. Exª. que é n/intenção das senhorias, o seguinte:
1.Propor o valor anual da renda - € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), ou seja, a renda mensal de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros);
2. E que o contrato de arrendamento passe a ser um contrato com prazo certo, de duração anual;
3. O valor do locado avaliado nos termos do artº. 38º do CIMI, é de € 40.340,00;
4. Junto remetemos a cópia da caderneta predial, emitida em 18/06/2013;
5. Cópia autenticada da procuração forense” (resposta explicativa ao artigo 4º da petição inicial).
5. Que também foi devolvida ().
6. Em 8AGO2013 faleceu D…, mãe do Autor (resposta parcial ao artigo 7º).
7. Provado apenas que o Autor enviou a F… missiva datada de 25OUT2013 e junta a folhas 13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a dar conta do descrito em 6) ().
8. O Autor endereçou carta registada com aviso de receção a F…, datada de 16SET2015, junta a folhas 13 verso e com o seguinte teor:
Assunto: Oposição à Renovação do Contrato de Arrendamento Exmº. Senhor
Em nome do n/Constituinte – B…, e na qualidade de senhorio, serve a presente para comunicar a V. Exª., nos termos e para os efeitos do previsto na alínea b) do nº 1 do artº. 1.097º do Código Civil, a sua intenção de não renovação do contrato de arrendamento da habitação sita à Rua …, nº … – 1º Dtº, freguesia …, Porto.
Assim, deverá V.Exª até ao próximo dia 31/10/2016, entregar as chaves e o local arrendado livre de pessoas e bens.” ().
9. O aviso de receção foi assinado pela Ré, filha daquele F… (facto por nós aditado ao abrigo do disposto no artigo 607º, nºs 4 e 5 do Código de
Processo Civil e com base no documento de folhas 14 verso).
10. A Ré, após a morte do seu pai, continuou a proceder ao pagamento do valor da renda anteriormente fixado e não entregou o locado (resposta parcial e conjunta aos artigos 10º, 11º, 12º e 13º da petição inicial).
11. O Autor, após ter sido informado da morte do pai da Ré, encetou negociações com a Ré com vista à celebração de um novo arrendamento com a Ré (14º).
12. Não foi celebrado entre as partes novo contrato (resposta parcial e explicativa aos artigos 15º e 19º da petição inicial).
13. Provado apenas que G…, residente na rua …, nº …, rés-do-chão, Porto solicitou à Câmara Municipal …, em 22OUT2018, a realização de uma vistoria (resposta parcial ao artigo 30º).
14. Provado apenas que a Ré, por ter conhecimento da missiva a que se refere o ponto 8) dos factos provados, iniciou conversações com o Autor, através dos respetivos advogados (resposta conjunta mas restritiva aos artigos 15º a 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 34º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º (até “paga”), 43º, 44º, 45º, 48º, 54º, 65º, 71º, 72º, 75º, 81º, 83º, 87º, 88º, 90º, 91º, 92º, 93º e 94º da contestação).
15. O pai da Ré faleceu em 15AGO2017 (79º).
16. A Ré é enfermeira no hospital … – Porto, há cerca de 18 anos (100º).
17. Antes, foi estudante de Enfermagem, também no Porto (101º).
18. O imóvel descrito em 1) dos factos provados situa-se a dois quilómetros (20 minutos a pé) do hospital … (103º).
19. A Ré pernoita, faz a sua higiene, confeciona e toma as suas refeições no imóvel descrito em 1) dos factos provados (105º).
20. E dorme aí quando os turnos isso impõem (105º).
21. O descrito em 19) e 20) dos factos provados sucede diariamente ou várias vezes por semana, consoante os seus horários e conveniências (106º).
22. A Ré também reside em Santo Tirso, a cerca de trinta quilómetros do seu
local de trabalho (107º).
23. Quando era estudante de enfermagem, ia à residência de Santo Tirso aos fins de semana (108º).
24. Quando começou a trabalhar, utilizou o imóvel descrito em 1) dos factos provados, como atualmente continua a fazê-lo, consoante as conveniências dos turnos e dos seus horários de trabalho, tendo utilizado e habitado o imóvel desde logo pela conveniência de se situar a cerca de 20 minutos a pé do local de trabalho, o que sempre lhe facilitou e continua a facilitar a vida, desde logo pelas dificuldades de horários impostas pela sua atividade profissional como enfermeira no hospital … (109º).
25. A Ré reside também em Santo Tirso, com a sua mãe e filha, beneficiando aí do apoio da primeira e sendo também aí que a sua filha menor frequenta a escola (110º).
26. Provado apenas que colegas de trabalho da Ré pernoitam no locado (113º).
27. A Ré passa mais tempo no imóvel descrito em 1) do que em Santo Tirso (191º, parte final).
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Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados, designadamente a factualidade alegada nos artigos 22º, 23º, 26º, 27º, 28º e 29º da petição inicial e 112º, primeira parte, 114º, 115º, 116º e 122º da contestação.
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3. O direito
- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 46, suscita a apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto à concreta matéria dos pontos 10, 11, 12 e 14 dos factos provados.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - , motivar o seu recurso - fundamentação – com indicação dos meios de prova a reapreciar e quando envolve a reapreciação de prova gravada, indicar por transcrição as passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, indicando os concretos factos e prova a reapreciar (transcrevendo na motivação do recurso as passagens relevantes do depoimento testemunhal), bem como, a decisão que sugere.
Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[3].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[4].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[5].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[6].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[7].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[8].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[9].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova - testemunhal, documental e prestada por declarações da ré -, face aos argumentos apresentados pela apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto.
Procedeu-se à audição da prova através do sistemas Citius e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos juntos aos autos, justifica-se, em parte, alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.
A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos:
10. A Ré, após a morte do seu pai, continuou a proceder ao pagamento do valor da renda anteriormente fixado e não entregou o locado (resposta parcial e conjunta aos artigos 10º, 11º, 12º e 13º da petição inicial).
11. O Autor, após ter sido informado da morte do pai da Ré, encetou negociações com a Ré com vista à celebração de um novo arrendamento com a Ré (14ºda petição inicial).
12. Não foi celebrado entre as partes novo contrato (resposta parcial e explicativa aos artigos 15º e 19º da petição inicial).
14. Provado apenas que a Ré, por ter conhecimento da missiva a que se refere o ponto 8) dos factos provados, iniciou conversações com o Autor, através dos respetivos advogados (resposta conjunta mas restritiva aos artigos 15º a 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 34º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º (até “paga”), 43º, 44º, 45º, 48º, 54º, 65º, 71º, 72º, 75º, 81º, 83º, 87º, 88º, 90º, 91º, 92º, 93º e 94º da contestação).
Em sede de fundamentação considerou-se:
“No que diz respeito ao ponto 10), atendeu o Tribunal à posição processual da Ré, quer em sede de contestação quer em sede de audiência de julgamento, designadamente com o seu depoimento de parte, em que reconheceu tal factualidade.
Idem, quanto ao ponto 11).
No que diz respeito ao ponto 12), optamos por explicar a convicção do Tribunal em simultâneo com o ponto 14), por facilidade de exposição e por estar em causa a mesma matéria de facto.
[…]
Vejamos agora os pontos 12) e 14):
Desde logo, não foi apresentado pelo Autor nem foi apresentado pela Ré qualquer novo contrato de arrendamento que as partes tenham celebrado.
Por outro lado, a documentação apresentada pela Ré consubstancia apenas troca de correspondência entre as partes e mandatários, que não pode assumir qualquer relevo probatório, já que se trata de diligências preparatórias típicas com vista à interposição de uma ação.
Daí a resposta do Tribunal, nos termos em que o foi, a esta factualidade.
[…]
Quanto ao depoimento testemunhal de H…, advogado de profissão, não pode assumir qualquer relevo probatório, na medida em que abordou a sua intervenção, enquanto mandatário da Ré, nas negociações prévias à instauração da presente ação mantidas com o mandatário do Autor.
[…]
Resta dizer que todos os depoimentos foram acolhidos e compulsados na medida em que emergentes do conhecimento pessoal e direto da realidade dos factos que indiciaram.
A par-e-passo o convencimento incutido teve em linha de conta a pormenorização da narração, a convicção mostrada, a certeza e não hesitação e, de um modo geral, a coerência dos raciocínios.
Seja como for, teve-se em conta que a prova nunca é certeza lógica, mas tão só o (alto) grau de probabilidade, tido por suficiente para as necessidades práticas da vida.
Por isso que, quando houve, quanto à realidade de alguns factos, divergências nos diversos depoimentos produzidos, e quando não mereceu maior credibilidade um que outro, suscitando-se assim uma dúvida relevante, houve que fazer recurso ao critério estabelecido no artigo 414º do Código de Processo Civil.
Enfim, todos os “meios de prova” foram, a par-e-passo, entrecruzados e confrontados entre si, fazendo-se sobrelevar os seus pontos de coerência e, da sua ponderação global, se retirando – sempre que adequado – as inerentes ilações e pertinentes presunções judiciais”.
A apelante insurge-se contra a decisão por considerar que foram preteridos elementos de prova relevantes que devidamente ponderados impunham decisão diversa sugerindo a alteração da decisão nos seguintes termos:
- Ponto 10: A Ré, desde NOVEMBRO DE 2016, data da entrada em vigor do contrato de arrendamento por ela e pelo Autor assinado, passou a pagar a renda de €300,00 e não a renda de €225,00 do anterior contrato.
- Ponto 11: As negociações iniciaram-se cerca de um ano e meio antes da morte do pai da Ré!
- Ponto 12: Não provado.
- Ponto 14: Provados os artigos 13º, 14º, 15º a 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 34º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 48º, 54º, 61º, 65º, 71º, 72º, 75º, 81º, 83º, 87º, 88º, 90º, 91º, 92º, 93º e 94º da contestação.
Sustenta a alteração no depoimento da testemunha Dr. H…, anterior advogado da ré-apelante e nos documentos juntos aos autos com o requerimento apresentado em 25 de setembro de 2019 (ref. Citius 23662211).
Os documentos em causa constituem um conjunto de comunicações eletrónicas, carta e minutas de contratos de arrendamento, correspondência que a partir de junho de 2016 foi trocada entre advogados, mandatário do autor e o então mandatário da ré, Dr H…. Inclui-se, ainda, nesse conjunto de documentos, o despacho proferido pela Ordem dos Advogados a dispensar do sigilo profissional em relação ao advogado Dr. H…, indicado como testemunha e a sancionar nessa vertente a junção dos documentos.
A testemunha Dr. H… veio confirmar no seu depoimento as diligências efetuadas tendo por base a dita correspondência junta aos autos. Fez ainda referência a contactos telefónicos entre os advogados, mas que versavam sobre a matéria que constava de tais comunicações eletrónicas.
No confronto do depoimento da testemunha com o teor dos documentos resulta que a ré tinha conhecimento que o contrato de arrendamento celebrado entre o autor e o pai da ré cessou, por denúncia do senhorio e havia interesse da parte da ré em celebrar um novo contrato de arrendamento, por ser a pessoa que continuava a ocupar o prédio objeto do primitivo contrato de arrendamento. Nesse sentido, os respetivos advogados iniciaram um conjunto de contactos, alguns dos quais formalizados nas comunicações eletrónicas que constam dos documentos juntos aos autos. Apesar de tais contactos e de se ter redigido mais do que uma minuta do contrato, o contrato nunca chegou a ser celebrado, nem consta dos autos qualquer documento que contenha a assinatura de qualquer das partes.
Efetivamente, resulta do documento junto a página 182 a 187 do processo eletrónico (datado de 11 de outubro de 2016), o envio da primeira minuta do contrato. Depois, a página 193, consta a carta expedida pelo Dr. H…, sem data e sem registo (como foi referido pelo próprio) com cópia de mais uma minuta do contrato, sem qualquer assinatura. A página 198, consta a receção da minuta do contrato (comunicação eletrónica de 02 de março de 2017).
A apelante dá particular relevo à comunicação eletrónica junta a página 203, datada de 15 de novembro de 2017, com o seguinte teor:
“E: B… https://wwwi.oa.pt/webmail/....
Data: 15-11-2017 [14:45:07]
De: I… <I1…@adv.oa.pt
Para: H1…@adv.oa.pt
Assunto: RE: Gustavo Barrote

Caro Colega,

Já tenho o contrato assinado em m/poder.
Porém, e para m/surpresa, o cliente colocou agora dois “problemas”:
1. Diz que a renda de Nov/16 não foi paga, pelo que agradeço que o Exmº Colega verifique com a S/Cliente;
2. Por outro lado, informou-me que é necessário verificarem o (mau) estado da banheira, já que o vizinho de baixo está a ter problemas de humidade no tecto.

Certo da S/melhor atenção, e ficando a aguardar, sou

O colego ao S/dispor

I…
Advogado”

Cumpre referir que a comunicação eletrónica constitui um documento, um meio de prova, cujo teor se destina a fazer prova dos factos alegados. O facto a provar consiste na efetiva celebração de um contrato de arrendamento entre as partes na ação. O teor do documento releva como facto instrumental ou probatório.
Apesar da referência que se faz à assinatura do contrato, por parte do autor, o certo é que tal contrato nunca chegou a ser remetido à ré, nem consta dos autos uma cópia, ainda que assinada por apenas uma das partes. A declaração negocial só está perfeita quando rececionada pela contraparte, pois só assim está em condições de ter conhecimento do seu conteúdo (art. 224º/1 CC). A mera informação e o conhecimento da assinatura de um documento, não satisfaz tais requisitos de eficácia da declaração, porque tal informação não foi acompanhada do teor e texto do contrato.
Das comunicações eletrónicas posteriores em confronto com o depoimento da testemunha Dr. H… decorre que o contrato nunca chegou a ser formalizado.
Por outro lado, decorre de tais elementos de prova que as diligências no sentido de ser celebrado um novo contrato se iniciaram em meados do ano de 2016, por iniciativa da ré-apelante, mas sempre através do respetivo advogado, por ter conhecimento da cessação do anterior contrato, ainda que, sem um conhecimento perfeito da efetiva causa, como aliás a própria ré o referiu no seu depoimento e foi confirmado pela testemunha H…. Refira-se, ainda, que da análise dos documentos decorre, ainda, que existia da parte da ré interesse na aquisição de outras frações do prédio.
Os elementos de prova indicados pela apelante apenas permitem concluir com a certeza que se exige na apreciação da prova, que os advogados das partes (autor e ré) desenvolveram negociações no sentido de ser celebrado um novo contrato de arrendamento, no qual figuraria como arrendatária, a ré-apelante, mas tais diligencias não conseguiram levar à concretização do contrato.
Os documentos juntos e o depoimento da testemunha Dr. H… não permitem concluir que a renda paga pela ré correspondia ao valor de € 300,00. Nos documentos nada consta e a testemunha nada referiu nesse sentido, sendo certo que o alegado contrato de arrendamento onde se previa o pagamento da renda de € 300,00, nunca se chegou a celebrar.
Neste contexto justifica-se alterar a resposta aos pontos 11 e 14 dos factos provados que passam a ter a seguinte redação:
- ponto 11: Provado apenas que a partir de meados de maio de 2016 a ré através do seu advogado encetou negociações com o advogado do autor com vista à celebração de um novo contrato de arrendamento com a própria ré (art. 14º da petição inicial).
- ponto 14: Provado apenas que a ré, por ter conhecimento da missiva a que se refere o ponto 8 dos factos provados, iniciou conversações com o autor, através dos respetivos advogados, chegando o então advogado da ré a elaborar uma minuta do contrato de arrendamento que remeteu por correio eletrónico ao advogado do autor e por este foi rececionada.
Procedem, em parte, as conclusões de recurso. sob os pontos 1 a 46.
-
Na apreciação das restantes questões, cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados, com as alterações introduzidas por efeito da reapreciação da decisão de facto, as quais passam a constar em itálico:
1.O Autor B… é dono e legítimo proprietário do prédio sito à rua …, nº …, 1º direito, na freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo nº 9467 e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº 4504, com o alvará de licença de utilização nº …, emitido em 4JUL1967 pela Câmara Municipal … (artigo 1º da petição inicial).
2. Ainda nos anos 60, o pai da Ré C… tomou o referido imóvel de arrendamento a D… e E… – mãe e tia do Autor ().
3. As então senhorias enviaram a F… a missiva registada e com aviso de receção datada de 8JUL2013, junta a folhas 9 dos autos, com o seguinte teor:
Assunto: Contrato de Arrendamento – Transição para o NRAU e Atualização da Renda
Exm.º Senhor, Nos termos do artº. 30º do NRAU, na versão aprovada pela Lei nº. 31/2012 de 14 de Agosto, em representação de D… e E…, na qualidade de senhorias do local arrendado por V.Exªa, sito à Rua …, nº. … – 1º Dtº, freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artº. Nº. 9467, serve a presente para comunicar a V. Exª. que é n/intenção das senhorias, o seguinte:
1. Propor o valor anual da renda - € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), ou seja, a renda mensal de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros);
2. E que o contrato de arrendamento passe a ser um contrato com prazo certo, de duração anual;
3. O valor do locado avaliado nos termos do artº. 38º do CIMI, é de € 40.340,00;
4. Junto remetemos a cópia da caderneta predial, emitida em 18/06/2013;
5. Cópia autenticada da procuração forense.” (resposta explicativa ao artigo 3º da petição inicial).
5.A referida missiva veio devolvida e, em face disso, no dia 16AGO2013 foi enviada nova missiva a F…, registada e com aviso de receção, junta a folhas 10 verso e com o seguinte teor:
Assunto: Contrato de Arrendamento – Transição para o NRAU e Atualização da Renda
Exm.º Senhor,
Em virtude da carta remetida a V. Exª., no passado dia 08/07/2013, ter sido devolvida (por não ter sido levantada nos CTT), vimos pela presente e em cumprimento do disposto no n.º 3 do artº. 10º do NRAU, remeter a V. exª. uma nova carta.
Assim, nos termos do artº. 30º do NRAU, na versão aprovada pela Lei nº. 31/2012 de 14 de Agosto, em representação de D… e E…, na qualidade de senhorias do local arrendado por V.Exªa, sito à Rua …, nº. … – 1º Dtº, freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artº. Nº. 9467, serve a presente para comunicar a V. Exª. que é n/intenção das senhorias, o seguinte:
1.Propor o valor anual da renda - € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), ou seja, a renda mensal de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros);
2. E que o contrato de arrendamento passe a ser um contrato com prazo certo, de duração anual;
3. O valor do locado avaliado nos termos do artº. 38º do CIMI, é de € 40.340,00;
4. Junto remetemos a cópia da caderneta predial, emitida em 18/06/2013;
5. Cópia autenticada da procuração forense” (resposta explicativa ao artigo 4º da petição inicial).
5. Que também foi devolvida ().
6. Em 8AGO2013 faleceu D…, mãe do Autor (resposta parcial ao artigo 7º).
7. Provado apenas que o Autor enviou a F… missiva datada de 25OUT2013 e junta a folhas 13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a dar conta do descrito em 6) ().
8. O Autor endereçou carta registada com aviso de receção a F…, datada de 16SET2015, junta a folhas 13 verso e com o seguinte teor:
Assunto: Oposição à Renovação do Contrato de Arrendamento Exmº. Senhor
Em nome do n/Constituinte – B…, e na qualidade de senhorio, serve a presente para comunicar a V. Exª., nos termos e para os efeitos do previsto na alínea b) do nº 1 do artº. 1.097º do Código Civil, a sua intenção de não renovação do contrato de arrendamento da habitação sita à Rua …, nº … – 1º Dtº, freguesia …, Porto.
Assim, deverá V.Exª até ao próximo dia 31/10/2016, entregar as chaves e o local arrendado livre de pessoas e bens.” ().
9. O aviso de receção foi assinado pela Ré, filha daquele F… (facto por nós aditado ao abrigo do disposto no artigo 607º, nºs 4 e 5 do Código de
Processo Civil e com base no documento de folhas 14 verso).
10. A Ré, após a morte do seu pai, continuou a proceder ao pagamento do valor da renda anteriormente fixado e não entregou o locado (resposta parcial e conjunta aos artigos 10º, 11º, 12º e 13º da petição inicial).
11. Provado apenas que a partir de meados de maio de 2016 a ré através do seu advogado encetou negociações com o advogado do autor com vista à celebração de um novo contrato de arrendamento com a própria ré (art. 14º da petição inicial).
12. Não foi celebrado entre as partes novo contrato (resposta parcial e explicativa aos artigos 15º e 19º da petição inicial).
13. Provado apenas que G…, residente na rua …, nº …, rés do chão, Porto solicitou à Câmara Municipal …, em 22OUT2018, a realização de uma vistoria (resposta parcial ao artigo 30º).
14. Provado apenas que a ré, por ter conhecimento da missiva a que se refere o ponto 8 dos factos provados, iniciou conversações com o autor, através dos respetivos advogados, chegando o então advogado da ré a elaborar uma minuta do contrato de arrendamento que remeteu por correio eletrónico ao advogado do autor e por este foi rececionada (resposta conjunta mas restritiva aos artigos 15º a 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 34º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º (até “paga”), 43º, 44º, 45º, 48º, 54º, 65º, 71º, 72º, 75º, 81º, 83º, 87º, 88º, 90º, 91º, 92º, 93º e 94º da contestação).
15. O pai da Ré faleceu em 15AGO2017 (79º).
16. A Ré é enfermeira no hospital … – Porto, há cerca de 18 anos (100º).
17. Antes, foi estudante de Enfermagem, também no Porto (101º).
18. O imóvel descrito em 1) dos factos provados situa-se a dois quilómetros (20 minutos a pé) do hospital … (103º).
19. A Ré pernoita, faz a sua higiene, confeciona e toma as suas refeições no imóvel descrito em 1) dos factos provados (105º).
20. E dorme aí quando os turnos isso impõem (105º).
21. O descrito em 19) e 20) dos factos provados sucede diariamente ou várias vezes por semana, consoante os seus horários e conveniências (106º).
22. A Ré também reside em Santo Tirso, a cerca de trinta quilómetros do seu
local de trabalho (107º).
23. Quando era estudante de enfermagem, ia à residência de Santo Tirso aos fins de semana (108º).
24. Quando começou a trabalhar, utilizou o imóvel descrito em 1) dos factos provados, como atualmente continua a fazê-lo, consoante as conveniências dos turnos e dos seus horários de trabalho, tendo utilizado e habitado o imóvel desde logo pela conveniência de se situar a cerca de 20 minutos a pé do local de trabalho, o que sempre lhe facilitou e continua a facilitar a vida, desde logo pelas dificuldades de horários impostas pela sua atividade profissional como enfermeira no hospital … (109º).
25. A Ré reside também em Santo Tirso, com a sua mãe e filha, beneficiando aí do apoio da primeira e sendo também aí que a sua filha menor frequenta a escola (110º).
26. Provado apenas que colegas de trabalho da Ré pernoitam no locado (113º).
27. A Ré passa mais tempo no imóvel descrito em 1) do que em Santo Tirso (191º, parte final).
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Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados, designadamente a factualidade alegada nos artigos 22º, 23º, 26º, 27º, 28º e 29º da petição inicial e 112º, primeira parte, 114º, 115º, 116º e 122º da contestação.
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- Mérito da causa -
Nas conclusões de recurso a apelante não se insurge contra a decisão de direito e apesar da parcial alteração da decisão de facto, não se justifica reapreciar a decisão de direito, pois os factos essenciais e que sustentam a decisão mantêm-se inalterados.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.
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- Litigância de má-fé -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 47 e 48, insurge-se a apelante contra a decisão que julgou improcedente o incidente de litigância de má-fé, pretendendo a condenação do autor como litigante de má-fé, face à prova produzida.
Na análise da questão não podemos deixar de ter presente o enquadramento e inserção no sistema do instituto em causa - litigância de má-fé -, no sentido de conseguir conciliar a faculdade de usar dos meios judiciais para fazer valer os “supostos“ direitos, com a responsabilidade por lide temerária.
O Professor ALBERTO DOS REIS referia a este respeito:
“Dizemos “supostos“[direitos], porque nunca se pôs, nem poderia pôr, como condição para o exercício do direito de ação ou de defesa que o autor ou o réu seja realmente titular do direito substancial que se arroga. Seria, na verdade, absurdo que se enunciasse esta regra: só pode demandar ou defender-se em juízo “ quem tem razão “; ou, por outras palavras, só é lícito deduzir no tribunal pedidos ou contestações objetivamente fundados.
Só na altura em que o tribunal emite a sentença, é que vem a saber-se se a pretensão do autor é fundada, se a defesa do réu é conforme ao direito. De modo que exigir, como requisito prévio para a admissibilidade da ação ou da defesa, a demonstração da existência do direito substancial, equivalia, ou a cair numa petição de princípio, ou a fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm razão e aos que a têm.
O Estado tem, pois, de abrir o pretório a toda a gente, tem de pôr os seus órgãos jurisdicionais à disposição de quem quer que se arrogue um direito, corresponda ou não a pretensão à verdade e à justiça”[10].
E na análise do instituto, nas considerações gerais, referia ainda, com mais propriedade: “[…] uma coisa é o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer atividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão”[11].
PEDRO DE ALBUQUERQUE no seu estudo sobre litigância de má fé, salienta que:“[a] proibição de litigância de má fé apresenta-se, assim, como um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas. Também não se circunscreve a uma violação sem mais do dever geral de atuar de boa-fé. A virtualidade específica da má-fé processual é outra diversa e mais grave: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial”[12].
A lei enuncia no art. 542º CPC as situações que qualifica como litigância de má-fé, considerando para esse efeito que litiga de má-fé, quem com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A lei especifica, assim, os comportamentos processuais suscetíveis de infringir os deveres de boa-fé processual e de cooperação. Integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
Trata-se de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo[13].
Os comportamentos processuais são sancionados quer sejam dolosos, quer se devam a negligência grave da parte ou do seu representante ou mandatário, podendo por isso fundar-se em erro grosseiro ou culpa grave[14].
Repetidamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “a litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta”[15], porque a lei impõe que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
No caso presente a apelante entra em consideração com factos que não se provaram (ponto 48 das conclusões de recurso).
Como se referiu integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
O autor apresentou-se a exercer um direito com tutela legal e não decorre dos factos apurados que tenha agido no convencimento da falta de fundamento da sua pretensão. A sua pretensão foi acolhida face aos factos apurados.
Desta forma, não decorre dos factos apurados que o autor violando os deveres de boa fé processual, alterou a verdade dos factos e omitiu outros relevantes para a decisão da causa.
Conclui-se que não estão reunidos os pressupostos para condenar o autor, com fundamento em litigância de má-fé e por isso, a sentença não merece censura quando julgou improcedente o incidente.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 47 e 48.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante e apelado na proporção do decaimento, que se fixa em 4/5 e 1/5, respetivamente.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e nessa conformidade:
- julgar, em parte, procedente a impugnação da decisão de facto, com a alteração dos seguintes factos:
> ponto 11: Provado apenas que a partir de meados de maio de 2016 a ré através do seu advogado encetou negociações com o advogado do autor com vista à celebração de um novo contrato de arrendamento com a própria ré (art. 14º da petição incial).
> ponto 14: Provado apenas que a ré, por ter conhecimento da missiva a que se refere o ponto 8 dos factos provados, iniciou conversações com o autor, através dos respetivos advogados, chegando o então advogado da ré a elaborar uma minuta do contrato de arrendamento que remeteu por correio eletrónico ao advogado do autor e por este foi rececionada.
- confirmar a decisão da ação e do incidente de litigância de má-fé.
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Custas a cargo da apelante e apelado, na proporção do decaimento, que se fixa em 4/5 e 1/5, respetivamente.
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Porto, 20 de setembro de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
_______________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272.
[5] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569.
[6] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[7] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt.
[8] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[9] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt).
[10] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil- Anotado, vol.II, pag. 258-259.
[11] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil- Anotado, vol.II, pag. 261.
[12] PEDRO DE ALBUQUERQUE Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Atos Praticados no Processo, ed. Almedina, Coimbra, 2006, pag. 56.
[13] PEDRO DE ALBUQUERQUE Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Atos Praticados no Processo, ob. cit., pag. 52
[14] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1999, pag. 308
[15] Ac. STJ 18 de fevereiro de 2015, Proc. 1120/11.1TBPFR.P1.S1, www.dgsi.pt; Ac. STJ 11Fev 2015, Proc. 1392/05.0TBMCN.P1.S1, www.dgsi.pt.