Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11695/15.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULAS LESIVAS DOS ADERENTES
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL NULA
Nº do Documento: RP2017050411695/15.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º94, FLS.264-280 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - É matéria de direito a análise interpretativa das cláusulas contratuais gerais, em sede de ação inibitória, efetuada ao abrigo do art.º 10º do RJCCG e do art.º 236º, nº 1, do Código Civil.
II - É nula a cláusula contratual geral integrante de contrato de depósito bancário pela qual o Banco afasta toda a sua responsabilidade por avarias e outras eventualidades prejudiciais, designadamente nos meios de comunicação, a que é alheio, por excluir também, sem que o diga expressamente, a responsabilidade pelo risco por facto devido a caso fortuito ou de força maior.
III - Tal cláusula, tal como está redigida, pode levar o declaratário normal a admitir a exclusão da responsabilidade do Banco apenas quando o dano resulta de facto imputável a terceiro, quando, na realidade, de forma ambígua e encoberta, o Banco coloca o cliente a aceitar a sua irresponsabilidade sempre que não se verifique a sua culpa.
IV - É nula a cláusula contratual geral que, sendo parte integrante de um contrato de depósito bancário, prevê a compensação de crédito do Banco sobre o aderente por débito noutras contas de depósito à ordem em que ele seja cotitular, tanto no regime de conta solidária como no regime de conta conjunta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 11695/15.0T8PRT.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Instância Local - Secção Cível

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, ao abrigo do disposto nos artigos 25º e 26º, nº 1, al. c), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais[1], instituído pelo Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de outubro (com as alterações introduzidas pelos Decretos-leis nºs 220/95, de 31/8, 249/99, de 07/7 e 323/2001, de 17/12), instaurou ação inibitória, com processo declarativo comum, contra BANCO B…, S.A., com sede …, nº .., Porto, alegando essencialmente que o R. tem celebrado com a pluralidade dos seus clientes um determinado contrato de adesão, denominado “Depósito à Ordem – Pessoas Singulares” que contém cláusulas lesivas dos interesses daqueles aderentes e que não são aceitáveis, antes proibidas, face ao direito constituído.
Com efeito, invocando a sua legitimidade para a instauração da ação inibitória, deduziu o seguinte pedido:
«1) Serem declaradas nulas as seguintes cláusulas do Contrato de “Depósito à Ordem – Pessoas Singulares”, cujas condições gerais constituem o doc. nº 2:
a) Cláusula 14ª, nº 1 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem);
b) Cláusula 15ª (sob a epígrafe “Compensação de créditos”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem);
c) Cláusula 4ª, nº 9 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento D - Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância);
d) Cláusula 12ª (sob a epígrafe “Autorização de débito”, referente ao segmento E - Condições gerais de crédito).
2) Ser o Réu condenado a abster-se de utilizar tais cláusulas em contratos que venha a celebrar no futuro, com as especificações previstas no art.º 30º, nº 1, e com as consequências previstas no art.º 32º do RCCG.
3) Ser o Réu condenado a dar publicidade à decisão (art.º 30º, nº 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efetuada em anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a ¼ (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos, bem como em anúncio a publicar na página da internet do réu.
4) Proceder-se à comunicação prevista no art.º 34º do RCCG.» (sic).
Citado, o R. contestou a ação no sentido de que as quatro cláusulas postas em causa pelo Ministério Público são válidas, mesmo à luz do RJCCG. Ainda negou parcialmente os factos alegados na petição inicial, defendendo a total improcedência da ação.
Teve lugar a audiência prévia, com prolação de despacho saneador tabelar, indicação do objeto do litígio e especificação dos temas de prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença como seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, julga-se a acção integralmente procedente e em consequência:
1) Declaro nulas as seguintes cláusulas do Contrato de «Depósitos à Ordem- Pessoas singulares, condições gerais, Doc.2):
a) Cláusula 14ª, nº 1 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem);
b) Cláusula 15ª (sob a epígrafe “Compensação de créditos”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem);
c) Cláusula 4ª, nº 9 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento D - Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância);
d) Cláusula 12ª (sob a epígrafe “Autorização de débito”, referente ao segmento E - Condições gerais de crédito).
2) Condena-se o Réu a abster-se de utilizar tais cláusulas em contratos que venha a celebrar no futuro, e que sejam do mesmo tipo dos acima referidos, com as especificações previstas no art.º 30º, nº 1, ficando sujeito em caso de incumprimento da proibição à sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 32º do RCCG.
3) Condena-se o réu a dar publicidade à decisão (art.º 30º, nº 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de dez dias, mediante anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a ¼ (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos, bem como em anúncio a publicar na página da internet do réu.
4) Após trânsito, cumpra o disposto no artigo º 34º do RCCG (DL 446/85 de 25-10) remetendo-se ao gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da sentença para os efeitos previstos na Portaria nº 1093/95 de 6 de Setembro.
Sem custas.».
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Inconformado com a decisão sentenciada, o R. interpôs recurso de apelação em cujas alegações formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª) O presente recurso tem por objecto reapreciar a decisão proferida pelo Tribunal a quo que fulminou de nulidade as quatro cláusulas gerais insertas em diversos capítulos das denominadas Condições Gerais de Depósito à Ordem – Pessoas Singulares que integram os Contratos de Depósito à Ordem que o Banco celebra com pessoas singulares, suas clientes;
2ª) As cláusulas declaradas nulas na sentença recorrida podem ser agrupadas em dois grupos, sendo que duas relacionam-se com as denominadas “interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias designadamente em consequência de avarias, sobrecargas ou outras eventualidades em relação às quais o Banco é completamente alheio” e outras duas com a faculdade conferida ao Banco de “fazer extinguir por compensação, total ou parcialmente, o crédito que detenha sobre o titular da conta ou qualquer um dois seus contitulares, procedendo ao débito, sem necessidade de aviso prévio, das importâncias que lhe sejam devidas por qualquer um dos referidos titulares em qualquer conta em que qualquer deles seja titular único ou contitular”;
3ª) Mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado o que consta nos pontos 9, 10, 17 e 18 da matéria de facto, devendo dele ser excluídos e integrados os factos alegados nos arts. 20, 21, 22 e 54 da contestação: é isto que resulta da prova produzida em audiência de julgamento realizada no dia 07.12.2016, a saber, do depoimento das testemunhas C… (Min. 02:09 a 03:58) e D… (Min. 02:38 a 06:28);
4ª) Entende o Recorrente que também os pontos 13 e 14 da matéria de facto foram incorrectamente julgados, devendo o ponto 14 ser excluído e o ponto 13 conter a seguinte redação “A compensação pré-estabelecida na referida condição geral permite ao Banco atingir o património presumido do devedor cotitular da conta solidária”: a fundamentar a proclamada alteração à matéria de facto temos os depoimentos prestados por aquelas mesmas testemunhas C… (Min. 05:08 a 07:09 e Min. 10:33 a 10:40) e D… (Min. 10:38 a 12:14);
5ª) O facto 54 alegado na contestação do Banco também deveria ter sido considerado provado, posto que foi comprovado pelo depoimento das testemunhas C… (Min. 07:09 a 08:00) e D… Min. 06:28 a 08:56; Sem prescindir,
6ª) As cláusulas 14º nº 1 segmento A e 4º nº 9 segmento D não são nulas: basta atentar no conteúdo literal das mesmas para concluir que são claras no sentido de que essa desresponsabilização se limita – e limita-se apenas – aos casos em que ocorrem interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias nos serviços de comunicação à distância disponibilizados pelo Banco aos seus clientes, na produção dos quais o Banco é “completamente alheio”, quer por acção de terceiro, quer por casos de força maior.
7ª) Porque o Banco não dispõe, nem pode dispor, de controlo sobre as actividades nelas previstas, não assumindo qualquer cabimento que lhe sejam assacadas responsabilidades neste âmbito e perante estas circunstâncias, caso esta cláusula não existisse, o Banco ficaria à mercê de responder por danos decorrentes de actividades que não controla, em clara violação de regras estruturantes do regime jurídico da responsabilidade civil;
8ª) Na hipótese (rara ou absolutamente improvável) de a produção destas anomalias serem imputáveis a acção ou omissão do Banco, este responde e responde nos termos gerais perante o seu cliente, responsabilidade esta que as cláusulas sobre escrutínio Cláusula anulanda não exclui e até inculca;
9ª) O entendimento vertido na sentença recorrida é tanto mais surpreendente se atentarmos que o acórdão em que se louva para fulminar de nulidade as cláusulas aqui em apreço sufraga do entendimento por nós acolhido de que “VI – Não desrespeita o regime das clausulas contratuais gerais a cláusula em que a instituição de crédito se exime da responsabilidade resultante de acções ou omissões de terceiros determinante da interrupção do funcionamento de serviços informáticos e de telecomunicações cuja detenção e controlo pertence a terceiros e que a instituição de crédito não controla nem pode controlar”. Por outro lado,
10ª) As cláusulas 15ª segmento A e 12ª segmento E e que respeitam à compensação entre contas de que o devedor seja titular solidário são válidas e não violam o disposto na al. d) do art. 19º do DL 446/85, nem tão pouco o disposto no art. 15 do mesmo Diploma Legal.
11ª) Os depositantes, aquando da abertura da conta de depósito à ordem com mais de um titular, são livres de escolher qualquer um dos regimes de movimentação e uma vez feita essa escolha, e caso ela corresponda ao regime da solidariedade, os depositantes têm de se sujeitar às vantagens e desvantagens que o mesmo comporta.
12ª) Como colossal vantagem decorrente deste regime temos que cada depositante tem a faculdade de movimentar sozinho o saldo e até esgotá-lo, independentemente de a propriedade dos fundos depositados serem seus, estando o banco obrigado a fazer essa entrega, sendo que a sujeição a este regime importa, pois, a assumpção por cada uma delas de um risco: o risco de qualquer delas, traindo porventura a confiança dos demais, proceder ao levantamento do que se mostrar depositado.
13ª) E tal como resultou da prova produzida o Banco, na execução desta cláusula, até faz sempre operar a presunção de titularidade de comparticipação em partes iguais no crédito prevista no art. 516º do Cód. Civil, não atingindo sequer a totalidade do depósito.
14ª) Não ignora que esta questão que trazemos à reapreciação de V. Exas tem sido alvo de inúmeras decisões, quer no sentido por nós pugnado, quer no sentido pugnado na sentença recorrida, da mesma forma que também não se ignora que foi tirado por decisão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdão Uniformizador sobre o tema, sendo certo que, caso se quisesse dele prevalecer, então o Tribunal a quo deveria ter limitado a nulidade das duas cláusulas dos autos à parte em que nas mesmas se rege a compensação entre a conta do devedor com a conta de que este seja titular solidário – e só com esta – não fazendo qualquer sentido que se atinja também as contas singulares.
15ª) Decidindo como decidiu o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos arts. 516 do Cód. Civil e arts. 12, 15, 18, 21 do DL 446/85.» (sic)
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O A. respondeu em contra-alegações que sintetizou assim:
«1° - Não tem razão o recorrente.
2° - A fundamentação de facto da douta sentença recorrida corresponde à prova efetivamente produzida em julgamento.
3° - As referidas cláusulas 14, n° l, e 4° n° 9 que integram o Contrato de Depósito à Ordem – Pessoas Singulares em causa, que é utilizado pela Ré violam os dispositivos dos arts. 12°, 15°, 17°, 18º, c), 20°, 21º, f) e g) do RCCG – Decreto-Lei 446/85, de 25/10.
4° - As cláusulas 15ª e 12ª que integram o contrato de Depósito à Ordem - Pessoas Singulares em causa e que é utilizado pela ré violam os dispositivos dos arts. 15 °, e 19° d), por força do art° 20° do RCCG – Decreto-Lei 446/85, de 25/10.
5° - Motivo pelo qual as mencionadas cláusulas são nulas, como muito bem decidiu a sentença a quo.
6° - Assim, tal decisão não merece qualquer censura.
7° - Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, como é de inteira justiça.» (sic)
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
Com exceção do que for do conhecimento oficioso, as questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da apelação do R., acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).

Estão para apreciar e decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento em matéria de facto;
2. Nulidade e inibição de utilização de determinadas (quatro) cláusulas contratuais pelo Banco R. no âmbito da relação com os seus clientes aderentes ao “Contrato de depósito à Ordem – Pessoas Singulares”.
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III.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância :
1- O réu Banco B…, S. A. (doravante B…) é uma sociedade comercial que tem por objeto social o exercício da atividade bancária (doc. nº 1).
2- No exercício da sua atividade, o Réu tem vindo a celebrar em Portugal, com múltiplos clientes seus, contratos cujas cláusulas são as constantes do documento junto, cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido (doc. nº 2).
3- Trata-se do seguinte contrato: Contrato de “Depósito à Ordem – Pessoas Singulares”, cujas condições gerais constituem o doc. nº 2.
4- Para tanto, o Réu apresenta aos interessados que com ele pretendam contratar um clausulado previamente elaborado por si, o qual não é objeto de qualquer negociação individual.
5- Àqueles apenas é concedido aceitar ou não as cláusulas gerais insertas no referido contrato, estando-lhes vedado alterá-las de qualquer forma através da negociação.
6- Tal contrato destina-se à utilização futura por parte do Réu, tendo em vista uma pluralidade de clientes.
7- No que concerne às condições gerais do referido contrato o mesmo é - composto pelos seguintes segmentos: A) Condições gerais de contas de depósitos à ordem; B) Condições gerais de prestação de serviços de pagamento; C) Condições gerais de contas de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira; D) Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância; E) Condições gerais de crédito; F) Condições gerais de depósito a prazo; G) Preçário (doc. 1).
8- A - Cláusula 14ª, nº 1 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem), a referida clausula estabelece, no seu ponto 1, que- “O Cliente reconhece que os serviços e/ou operações disponibilizados pelo Banco estão sujeitos a interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, designadamente em consequência de avarias, sobrecargas ou outras eventualidades às quais o Banco é completamente alheio, aceitando expressamente o Cliente que o Banco não será responsável pelos danos ou prejuízos, atuais ou potenciais e incluindo lucros cessantes, que possam resultar, direta ou indiretamente, de tais eventos para os clientes.”
9- Assim, o banco predisponente impõe a adesão do cliente ao entendimento de que fica excluído de qualquer responsabilidade por falhas de equipamento, serviços informáticos ou sistemas de telecomunicações.
10- Na medida em que permite ao réu eximir-se antecipadamente, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco, nas situações contempladas nas ditas condições.
11- A - Cláusula 15ª (sob a epígrafe “Compensação de créditos”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem), a referida cláusula estabelece que - “Sem prejuízo da faculdade de exercer a compensação de créditos nos termos legalmente previstos, é expressamente reconhecida ao Banco a possibilidade de extinguir, total ou parcialmente, o crédito que detenha sobre o titular da conta ou qualquer um dos contitulares, procedendo ao débito, sem necessidade de aviso prévio, das importâncias que lhe sejam devidas por qualquer um dos referidos titulares da conta ou contitulares, em qualquer conta em que qualquer deles seja titular único ou contitular».
12- A referida cláusula estabelece a possibilidade de compensação de créditos entre os contratantes recorrendo a outras contas do titular, inclusive a contas das quais o cliente não é o único titular.
13- A compensação pré-estabelecida na referida condição geral permite ao Banco atingir o património de cotitulares noutras contas.
14- Esta cláusula que admite uma compensação automática, determinando a sujeição irrestrita de cotitulares de outra conta, alheios ao contrato, ao eventual pagamento de uma dívida que não contraíram e que, podendo atingir a totalidade do depósito.
15- Esta cláusula permite ao banco predisponente efetuar o débito da contra do cliente através do saldo de contas solidárias de que o mesmo é contitular.
16- A Cláusula 4ª, nº 9 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento D - Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância), a referida cláusula estabelece que - “Considerando que os serviços ou operações disponibilizados pelo Banco Através dos meios de comunicação à distância), a referida cláusula estabelece que - “Considerando que os serviços ou operações disponibilizados pelo Banco Através dos meios de comunicação à distância estão sujeitos a interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, designadamente em consequência de avarias, sobrecargas, cargas de linha ou outras eventualidades às quais o Banco é alheio, o Cliente reconhece expressamente que nenhuma responsabilidade poderá ser imputada ao Banco relativamente aos danos, potenciais ou atuais que, direta ou indiretamente, possam resultar para o Cliente por força da ocorrência de tais eventos.”
17- No caso desta cláusula o banco predisponente impõe a adesão do cliente ao entendimento de que fica excluído de qualquer responsabilidade por falhas de equipamento, serviços informáticos ou sistemas de telecomunicações.
18- Na medida em que permite ao réu eximir-se antecipadamente, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco, nas situações contempladas nas ditas condições.
19- A Cláusula 12ª (sob a epígrafe “Autorização de débito”, referente ao segmento E –(Condições gerais de crédito) a referida cláusula estabelece que - - “O Banco, em ordem à liquidação integral ou parcial dos seus créditos poderá, sem necessidade de aviso prévio, debitar qualquer conta de depósito à ordem de que o titular seja ou venha a ser titular ou contitular solidário, para pagamento de quaisquer dívidas que qualquer um dos contitulares seja responsável perante o Banco.”
20- Esta cláusula 12ª permite ao banco predisponente efetuar o débito através do saldo de contas solidárias de que o cliente é contitular.
21- O Banco B…, como a generalidade das demais instituições de crédito a operar, quer em Portugal, quer no resto do Mundo, apresenta aos interessados que com ele pretendam contratar as condições gerais que regulam a abertura de uma conta sob a forma de cláusulas contratuais gerais.
22- O teor das condições a que a abertura de uma conta pode ficar sujeita varia consoante os casos, nomeadamente em função do concreto tipo de serviço solicitado pelo cliente que se apresenta a contratar com o Banco e o seu próprio perfil enquanto tal.
23- Por exemplo, a abertura de uma conta a pessoa singular está sujeita a condições diversas da abertura de uma conta a pessoas colectivas e de entre este leque e as condições variam em função de uma multiplicidade de situações, a que não é alheio o número e tipo de serviços bancários que o cliente contrate.
24- As condições gerais de abertura de uma conta na rede mais exclusiva do Banco Réu – a rede B1… – está sujeita a condições diferentes daquelas que regulamentam a abertura de uma conta na rede de retalho.
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Quanto à matéria não provada, o tribunal recorrido exarou o seguinte texto na sentença:[2]
(…)
Com relevo para a decisão da causa não se provou mais nenhuma matéria relevante para a decisão da causa, nem nenhum facto instrumental, nem nenhum fundamento para determinar a reabertura da audiência nos termos do artigo 607 do NCPC.
Não se provaram mais nenhuns factos para a descoberta da verdade que estejam em contradição com os dados como provados, sendo designadamente factos não provados a matéria constante dos artigos: 4, 12, 20, 21, 22, 54, da contestação e a interpretação alegada das preditas cláusulas.
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IV.
Descritos os factos dados como provados, debrucemo-nos sobre o thema decidendum do recurso.
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1 - A impugnação da decisão em matéria de facto
Pretende-se que:
- Os pontos 9, 10, 14, 17 e 18 da sentença passem a ser considerados matéria não provada;
- Os art.ºs 20, 21, 22 e 54 da contestação sejam considerados factos provados; e
- O ponto 13 da sentença seja alterado para o seguinte teor: A compensação pré-estabelecida na referida condição geral permite ao Banco atingir o património presumido do devedor cotitular da conta solidária.
Para o efeito, o recorrente apela a determinadas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais de C… e de D….
O recorrente cumpriu adequadamente o ónus de impugnação a que se refere o art.º 640º do Código de Processo Civil.
O recorrido defende a importância primordial ou mesmo exclusiva, da prova documental, designadamente o texto e a interpretação das cláusulas contratuais em causa.
A este propósito, refere-se na motivação da sentença: “(…) Igualmente essas testemunhas apesar de terem prestado um depoimento que se nos afigurou isento não lograram demonstrar a interpretação quanto às cláusulas que é feita na contestação dado o teor dessas cláusulas que afasta as interpretações dessas testemunhas”.
É o seguinte o teor dos pontos e dos artigos chamados à colação:
Da sentença:
Ponto 9- Assim, o banco predisponente impõe a adesão do cliente ao entendimento de que fica excluído de qualquer responsabilidade por falhas de equipamento, serviços informáticos ou sistemas de telecomunicações.
Ponto 10- Na medida em que permite ao réu eximir-se antecipadamente, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco, nas situações contempladas nas ditas condições.
Ponto 13- A compensação pré-estabelecida na referida condição geral permite ao Banco atingir o património de cotitulares noutras contas.
Ponto 14- Esta cláusula que admite uma compensação automática, determinando a sujeição irrestrita de cotitulares de outra conta, alheios ao contrato, ao eventual pagamento de uma dívida que não contraíram e que, podendo atingir a totalidade do depósito.
Ponto 17- No caso desta cláusula o banco predisponente impõe a adesão do cliente ao entendimento de que fica excluído de qualquer responsabilidade por falhas de equipamento, serviços informáticos ou sistemas de telecomunicações.
Ponto 18- Na medida em que permite ao réu eximir-se antecipadamente, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco, nas situações contempladas nas ditas condições.

Da contestação:
Artigo 20- Decerto que esta afirmação teve origem em lapso, naturalmente involuntário, por parte do Autor, na medida em que as cláusulas anulandas não comportam, nem na sua letra, nem no seu espírito, qualquer hipótese de desresponsabilização do banco em situação emergente de culpa sua.
Artigo 21- Antes pelo contrário: ambas as cláusulas são claras no sentido de que essa desresponsabilização se limita – e limita-se apenas – aos casos em que ocorrem interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias nos serviços de comunicação à distância disponibilizados pelo Banco aos seus clientes, na produção dos quais o Banco é “completamente alheio”, quer por acção de terceiro, quer por casos de força maior.
Artigo 22- Por outras palavras: nos casos em que o Banco não teve qualquer intervenção na produção das anomalias.
Artigo 54- Feito este breve, mas necessário, enquadramento conceptual, resta-nos descer ao caso dos autos e concluir que as cláusulas anulandas que conferem ao Banco a possibilidade de este compensar o crédito que detenha sobre o titular da conta ou qualquer um dos contitulares procedendo ao débito, sem necessidade de aviso prévio, das importâncias que lhe sejam devidas por qualquer um dos referidos titulares da conta ou contitulares, em qualquer conta em que qualquer deles seja titular único ou contitular estão absolutamente conformes com o regime da solidariedade a que as partes quiseram sujeitar a movimentação das suas contas.
Vejamos então!
Concretizando mais a análise da questão, discute-se a interpretação de determinadas cláusulas contratuais, mais concretamente, quatro cláusulas de um contrato que o Banco R. celebra com uma pluralidade dos seus clientes, denominado de “Contrato de depósito à ordem – Pessoas singulares”, todas elas cláusulas gerais, na designação do demandado.
O art.º 10º do RJCCG, sob a epígrafe Princípio geral, determina que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, (…).
Para tal interpretação, o art.º 236º, nº 1, do Código Civil, dispõe que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Interpretar um negócio jurídico --- isto é, a declaração ou declarações de vontade que o integram --- equivale a determinar o sentido com que ele há de valer, se valer puder.[3]
No mesmo sentido, Mota Pinto defende que “a interpretação de um contrato consiste em determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações”.[4]
Atualmente, tem-se comummente aceite a doutrina objetivista da interpretação, temperada “por uma salutar restrição de inspiração subjectivista”, como referem P. de Lima e A. Varela[5].
No âmbito interpretativo, haverá que ter em conta os seguintes princípios:
- A declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se ela for conhecida do declaratário – art.º 236°, n° 2;
- Não o sendo, valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – art.º 236°, n° 1;
- Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto – art.º 238°, n° 1;
- Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e essa validade – art.º 238°, n° 2.
Consagrou-se, assim, a chamada teoria da impressão do destinatário, com adaptação objetiva no caso dos negócios formais. Nestes, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, a não ser que tal sentido corresponda à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Manuel de Andrade[6] destaca a teoria objetivista da interpretação cujo sentido resulta da análise da declaração por um “declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo”, devendo tomar-se “(…) este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias. (…) parte-se do princípio de que o declaratário teve conhecimento das circunstâncias que na verdade conheceu, e ainda de todas aquelas outras que uma pessoa razoável, posta na sua situação, teria conhecido; e figura-se também que ele ajuizou dessas circunstâncias, para entender a declaração, tal como teria ajuizado uma pessoa razoável”. (teoria da impressão do destinatário).
São elementos interpretativos indispensáveis na fixação do sentido da declaração “a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos”.[7]
A normalidade do declaratário legalmente apontada implica, por um lado, a capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, e, por outro lado, o zelo para acolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, contribuam para a descoberta da vontade real do declarante.
Para além destes elementos, também releva a posição assumida pelas partes na concretização do negócio. Esta não pode, na verdade, deixar de, razoavelmente corresponder ao que as partes entendem ser os direitos e as vinculações que para cada uma delas emergem do negócio.
Quando a interpretação leve a um resultado duvidoso, equívoco ou ambíguo, nos negócios gratuitos deve prevalecer o sentido menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Assim, na atividade intelectiva da interpretação há de procurar-se também “o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo, como acção de autonomia privada e como globalidade da matéria negociada ou contratada”.[8]
A interpretação das declarações negociais não se dirige, salvo no caso do art.º 236°, n° 2, a fixar um facto simples --- o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração ---, mas o sentido jurídico, normativo, da declaração[9]. A interpretação de uma declaração negocial é matéria de direito quando tenha de ser feita segundo critério ou critérios legais (interpretação normativa, a que se refere o art.º 236º, nº 1, ou a interpretação de negócios formais, conforme art.º 238º) e é matéria de facto quando efetuada de harmonia com a vontade real do declarante, isto é, quando se prove que o declaratário conhecia a vontade real do declarante. É matéria de facto a indagação da vontade real do declarante e matéria de direito a interpretação efetuada segundo o critério legal do art.º 236°, n° l, do Código Civil.
Feito este excurso jurídico, mas não querendo antecipar a apreciação do aspeto jurídico da causa, deve dizer-se que tendo as cláusulas em causa a natureza de cláusulas contratuais gerais --- por serem elaboradas pelo Banco, sem qualquer intervenção dos clientes que a elas se limitam a aderir em bloco, sem possibilidade de as discutirem ou negociar, como está provado, sem impugnação recursiva (pontos 3, 4 e 5 dos factos provados) ----, elas funcionam como normas que têm por destinatário um número indeterminado de indivíduos que a elas podem aderir, por isso, a sua interpretação visa, não a determinação da vontade real das partes, mas a indagação do sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, delas possa retirar, nos termos do nº 1 do art.º 236º, sendo, por isso, matéria de direito.
Aqui chegados, que dizer?
A interpretação normativa das referidas cláusulas cabe ao tribunal fazer; não às testemunhas. Não compete a estas analisar e interpretar as cláusulas contratuais e fornecer ao tribunal o sentido da sua interpretação. Assim, por exemplo:
- Quanto à cláusula 14ª, se deve ser ou não deve ser interpretada no sentido de que o Banco fica excluído de qualquer responsabilidade por falhas de equipamento, serviços informáticos ou sistemas de telecomunicações e se lhe permite, ou não, eximir-se antecipadamente, de um modo genérico, da responsabilidade emergente da sua culpa, ou do risco, nas situações contempladas nas ditas condições; e
- Quanto à cláusula 15ª, se a compensação pré-estabelecida na referida condição geral permite ao Banco atingir o património de cotitulares noutras contas (como se deu por provado), do património presumido do devedor cotitular da conta subsidiária (como pretende o recorrente que se dê por provado) ou qualquer outro sentido normativo, ou ainda que tal cláusula admite, ou não, compensação automática, determinando a sujeição irrestrita de cotitulares de outra conta, alheios ao contrato, ao eventual pagamento de uma dívida que não contraíram e que, pode atingir a totalidade do depósito; são aspetos conclusivos, normativos, que não podem deixar de ficar para a discussão do aspeto jurídico da causa. É nesse âmbito que aquelas cláusulas podem e devem ser discutidas.
E se até agora nos referimos aos pontos 9, 10, 13 e 14, igual raciocínio se exige na análise dos factos dados como provados sob os pontos 17 e 18, que também foram impugnados na apelação, e ainda quanto ao ponto 20, que devem ser considerados conclusivos e, por efeito, não escritos em sede de matéria de facto, ficando prejudicada a análise da prova testemunhal e a modificação visada pelo recorrente.
O Banco pretende ainda que os artigos 20, 21, 22 e 54 sejam considerados provados, com assento probatória nos mesmos dois depoimentos.
Manifestamente, tal alegação --- já acima reproduzida ---, tendo um sentido normativo, é também interpretativa e conclusiva, por isso insuscetível de ser conduzida à matéria de facto.
Importa saber se:
- Duas das cláusulas comportam, ou não, na sua letra e no seu espírito qualquer hipótese de desresponsabilização do Banco por anomalias em situação emergente de culpa e risco;
- É possível a compensação de créditos prevista nas outras duas cláusulas através de débitos sobre contas em que o devedor não é o único titular.
Por conseguinte, excluem-se dos factos provados e da possibilidade de a eles serem levados, respetivamente, os pontos da sentença que o R. impugnou e a ela não se levam os artigos 20, 21, 22 e 54 da contestação, ficando prejudicado o conhecimento do recurso da decisão em matéria de facto.
Passam a ser os seguintes os factos provados relevantes para a decisão a causa:
1- O Réu Banco B…, S. A. (doravante B…) é uma sociedade comercial que tem por objeto social o exercício da atividade bancária (doc. nº 1).
2- No exercício da sua atividade, o Réu tem vindo a celebrar em Portugal, com múltiplos clientes seus, contratos cujas cláusulas são as constantes do documento junto, cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido (doc. nº 2).
3- Trata-se do seguinte contrato: Contrato de “Depósito à Ordem – Pessoas Singulares”, cujas condições gerais constituem o doc. nº 2.
4- Para tanto, o Réu apresenta aos interessados que com ele pretendam contratar um clausulado previamente elaborado por si, o qual não é objeto de qualquer negociação individual.
5- Àqueles apenas é concedido aceitar ou não as cláusulas gerais insertas no referido contrato, estando-lhes vedado alterá-las de qualquer forma através da negociação.
6- Tal contrato destina-se à utilização futura por parte do Réu, tendo em vista uma pluralidade de clientes.
7- No que concerne às condições gerais do referido contrato o mesmo é - composto pelos seguintes segmentos: A) Condições gerais de contas de depósitos à ordem; B) Condições gerais de prestação de serviços de pagamento; C) Condições gerais de contas de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira; D) Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância; E) Condições gerais de crédito; F) Condições gerais de depósito a prazo; G) Preçário (doc. 1).
8- A - Cláusula 14ª, nº 1 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem), a referida clausula estabelece, no seu ponto 1, que- “O Cliente reconhece que os serviços e/ou operações disponibilizados pelo Banco estão sujeitos a interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, designadamente em consequência de avarias, sobrecargas ou outras eventualidades às quais o Banco é completamente alheio, aceitando expressamente o Cliente que o Banco não será responsável pelos danos ou prejuízos, atuais ou potenciais e incluindo lucros cessantes, que possam resultar, direta ou indiretamente, de tais eventos para os clientes.”
9- (...)
10- (…)
11- A - Cláusula 15ª (sob a epígrafe “Compensação de créditos”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem), a referida cláusula estabelece que - “Sem prejuízo da faculdade de exercer a compensação de créditos nos termos legalmente previstos, é expressamente reconhecida ao Banco a possibilidade de extinguir, total ou parcialmente, o crédito que detenha sobre o titular da conta ou qualquer um dos contitulares, procedendo ao débito, sem necessidade de aviso prévio, das importâncias que lhe sejam devidas por qualquer um dos referidos titulares da conta ou contitulares, em qualquer conta em que qualquer deles seja titular único ou contitular».
12- A referida cláusula estabelece a possibilidade de compensação de créditos entre os contratantes recorrendo a outras contas do titular, inclusive a contas das quais o cliente não é o único titular.
13- (…)
14- (…)
15- Esta cláusula permite ao banco predisponente efetuar o débito da contra do cliente através do saldo de contas solidárias de que o mesmo é contitular.
16- A Cláusula 4ª, nº 9 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento D - Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância), a referida cláusula estabelece que - “Considerando que os serviços ou operações disponibilizados pelo Banco Através dos meios de comunicação à distância estão sujeitos a interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, designadamente em consequência de avarias, sobrecargas, cargas de linha ou outras eventualidades às quais o Banco é alheio, o Cliente reconhece expressamente que nenhuma responsabilidade poderá ser imputada ao Banco relativamente aos danos, potenciais ou atuais que, direta ou indiretamente, possam resultar para o Cliente por força da ocorrência de tais eventos.”
17- (...)
18- (…)
19- A Cláusula 12ª (sob a epígrafe “Autorização de débito”, referente ao segmento E – (Condições gerais de crédito) a referida cláusula estabelece que “O Banco, em ordem à liquidação integral ou parcial dos seus créditos poderá, sem necessidade de aviso prévio, debitar qualquer conta de depósito à ordem de que o titular seja ou venha a ser titular ou contitular solidário, para pagamento de quaisquer dívidas que qualquer um dos contitulares seja responsável perante o Banco.”
20- (…)
21- O Banco B…, como a generalidade das demais instituições de crédito a operar, quer em Portugal, quer no resto do Mundo, apresenta aos interessados que com ele pretendam contratar as condições gerais que regulam a abertura de uma conta sob a forma de cláusulas contratuais gerais.
22- O teor das condições a que a abertura de uma conta pode ficar sujeita varia consoante os casos, nomeadamente em função do concreto tipo de serviço solicitado pelo cliente que se apresenta a contratar com o Banco e o seu próprio perfil enquanto tal.
23- Por exemplo, a abertura de uma conta a pessoa singular está sujeita a condições diversas da abertura de uma conta a pessoas coletivas e de entre este leque e as condições variam em função de uma multiplicidade de situações, a que não é alheio o número e tipo de serviços bancários que o cliente contrate.
24- As condições gerais de abertura de uma conta na rede mais exclusiva do Banco Réu – a rede B1… – está sujeita a condições diferentes daquelas que regulamentam a abertura de uma conta na rede de retalho.
*
2. Nulidade e inibição de utilização de determinadas (quatro) cláusulas contratuais pelo Banco R. no âmbito da relação com os seus clientes aderentes ao “Contrato de depósito à Ordem – Pessoas Singulares”
Eis a questão essencial. Divide-se em dois grupos de análise (A e B), assim se justificando pelas diferenças e semelhanças detetadas:
A- De um lado, a cláusula 14ª, nº 1, das “Condições gerais de contas de depósitos à ordem” e a cláusula 4ª, nº 9, das “Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância”, relativamente às quais o Banco previu solução idêntica, em sede de responsabilidade, relativamente à existência de interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, por avarias, sobrecargas, cargas de linha ou outras eventualidades às quais o Banco é alheio (pontos 8 e 16 dos factos provados); e
B- De outro lado, a cláusula 15ª das Condições gerais de contas de depósitos à ordem, e a Cláusula 12ª das Condições gerais de crédito, quanto à possibilidade de compensação de crédito do Banco por débito em qualquer conta de depósito à ordem de que o cliente seja titular ou cotitular (solidário, no caso da referida cláusula 12º), sem qualquer aviso prévio.
O recorrente não questiona a natureza daquelas cláusulas, sendo elas, sem dúvida, cláusulas contratuais gerais, parte de um contrato de adesão em que o Banco é proponente e os aceitantes são seus clientes (cf. pontos 1 a 7 da sentença e art.º 1º, nº 1, do RJCCG.
As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição daquele regime jurídico são nulas nos termos nele previstos (art.º 12º).
De acordo com o respetivo art.º 15º, “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
O subsequente art.º 16º determina:
«Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.»
Entende o A. que as duas cláusulas identificadas em A são proibidas por violarem as disposições conjugadas dos art.ºs 12º, 15º, 17º, 18º, al. c), 20º, 21º, al.s f) e g), do RJCCG, no essencial, por excluírem ou limitarem, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave ou alterarem as regras respeitantes à distribuição do risco, e que as duas cláusulas identificadas em B são proibidas por desrespeitarem o disposto nos art.ºs 15º e 19.º, al. d), esta última aplicável por força do art.º 20º do RJCCG, assim, por imporem ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes.
O tribunal considerou verificados aqueles fundamentos legais de proibição, a que acrescentou ainda, quanto às cláusulas do grupo A, a violação da al. g) do citado art.º 21º, por modificarem os critérios de repartição do ónus da prova ou restringirem a utilização de meios probatórios legalmente admitidos.

A. A responsabilidade do Banco e a existência de interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, por avarias, sobrecargas, cargas de linha ou outras eventualidades às quais o Banco é alheio
As duas cláusulas:
Cláusula 14ª, nº 1 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem): “O Cliente reconhece que os serviços e/ou operações disponibilizados pelo Banco estão sujeitos a interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, designadamente em consequência de avarias, sobrecargas ou outras eventualidades às quais o Banco é completamente alheio, aceitando expressamente o Cliente que o Banco não será responsável pelos danos ou prejuízos, atuais ou potenciais e incluindo lucros cessantes, que possam resultar, direta ou indiretamente, de tais eventos para os clientes.”.
Cláusula 4ª, nº 9 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento D - Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância: “Considerando que os serviços ou operações disponibilizados pelo Banco através dos meios de comunicação à distância estão sujeitos a interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias, designadamente em consequência de avarias, sobrecargas, cargas de linha ou outras eventualidades às quais o Banco é alheio, o Cliente reconhece expressamente que nenhuma responsabilidade poderá ser imputada ao Banco relativamente aos danos, potenciais ou atuais que, direta ou indiretamente, possam resultar para o Cliente por força da ocorrência de tais eventos.”.
Estas cláusulas são cláusulas contratuais gerais, como tal, estão submetidas ao regime fixado pelo Decreto-lei nº 446/85, de 25 de outubro, na redação introduzida pelos Decreto-lei nº 220/95, de 31 de janeiro, nº 249/99, de 7 de julho e de 323/2001, de 17 de dezembro, e enquadram-se “em situações típicas do tráfego negocial de massas em que as declarações negociais de uma das partes se caracterizam pela pré-elaboração, generalidade e rigidez (…) em que uma das partes elabora a sua declaração negocial previamente à entrada em negociações (pré-elaboração), a qual aplica genericamente a todos os seus contraentes (generalidade), sem que a estes seja concedida outra possibilidade que não seja a da sua aceitação ou rejeição, estando-lhes por isso vedada a possibilidade de discutir o conteúdo do contrato (rigidez)”[10].
Devendo as cláusulas contratuais gerais ser interpretadas (…) de harmonia com as regras relativas à interpretação (…) dos negócio jurídicos, como resulta do art.º 10º do RJCCG, a que atrás já fizemos referência, devemos abordar o assunto com o sentido que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído, razoável e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, excetuando-se, apenas, os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido.
Precisamente por se destinarem a regular relações jurídicas de uma forma padronizada, num mercado massificado, tais cláusulas devem ser, tanto quanto possível, precisas, rigorosas e claras, prestando-se a uma interpretação uniforme, sem ambiguidade.
Quando sejam ambíguas, as cláusulas contratuais gerais têm o sentido que lhes daria o contraente indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real. Na dúvida, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente, por ser a parte mais fraca no contrato de adesão (art.º 11º do RJCCG).
Porém, quando está em causa a ação inibitória, por as cláusulas gerais violarem a boa fé, não tem aplicação o critério da dúvida. O legislador entende que, nestas situações, não deve ser contemplada a interpretação mais favorável aos aderentes, antes deve prevalecer o critério da proibição da cláusula e a declaração da sua nulidade, fazendo cessar definitivamente a sua aplicação e a situação de incerteza (art.ºs 15º e seg.s do RJCCG), mais uma vez em nome do rigor e da clareza das cláusulas desta natureza.
O controlo do conteúdo mais não é, assim, do que a verificação do modo como esse contraente respeitou, na redação das cláusulas, o especial dever, que a boa fé lhe impõe, de considerar os interesses dos parceiros contratuais. E, para emitir esse juízo, basta atentar no teor objetivo dos termos contratuais e na forma como eles se projetam na posição do aderente. O desequilíbrio normativamente relevante é o que se coloca em contraste com a boa fé. O que interessa, à luz do princípio da boa fé, para além da aparente simetria dos efeitos jurídicos, é a efetiva incidência da cláusula nos interesses reais das partes. A contrariedade à boa fé consiste no afastamento da regulamentação legal sem outra razão que não o interesse exclusivo do predisponente. Protege-se a confiança institucional legítima, a confiança de que a ordem jurídica não abandonará o interesse do consumidor ao arbítrio do predisponente e salvaguardará a necessidade abstrata de o consumidor contratar sem se submeter a regras arbitrárias.[11]
Com efeito, as proibições de conteúdo são proibições de fixar, em contratos de adesão, estipulações que se desviem dos padrões objetivos de uma justa conformação de interesses, com prejuízo apreciável para o aderente.[12]
Não há dúvida de que o Banco não é responsável a título de culpa pelas deficiências de comunicação com origem em atividades que não domina ou sobre as quais não tenha nem possa exercer qualquer controlo e de que dependa para viabilizar a sua ação bancária diligente. Todavia, podem ocorrer danos resultantes de caso fortuito ou de força maior em que se justifica uma repartição do risco, assim como danos cuja origem esteja nos equipamentos do próprio Banco, em mecanismos que o R. domina e tem o dever de controlar, como se defende no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.11.2014.[13]
Há, de facto, avarias e outras eventualidades --- para usar, intencionalmente, expressões utilizadas nas cláusulas em apreciação --- que não são imputáveis a terceiro, mas ao próprio Banco, pelas quais deve responder se não afastar a presunção de culpa a que se refere o art.º 799º, nº 1, do Código Civil. Estando em causa responsabilidade contratual relacionada com o cumprimento do contrato de depósito bancário, é ao Banco que compete alegar e provar que a avaria (causadora de danos) não resulta de ação ou omissão culposa da sua parte, sendo imputável a terceiro ou devida a motivo de força maior, nos termos do art.º 799º, nº 1, do Código Civil.
Para além disso, o Banco deve responder, com repartição do risco, em caso fortuito ou de força maior[14], e não pode eximir-se dessa responsabilidade através de uma cláusula que afasta toda a sua responsabilidade não apenas quando o facto seja imputado a terceiro, mas em todas as situações que lhe sejam alheias.
As cláusulas em referência podem levar o declaratário normal a admitir a exclusão da responsabilidade do Banco apenas quando o dano resulta de facto imputável a terceiro, quando, na realidade, de forma ambígua, o Banco coloca o cliente a aceitar a sua irresponsabilidade sempre que esteja afastada a sua culpa, assim, mesmo quando haja lugar a repartição do risco, em caso fortuito ou de força maior, sem que o diga expressamente, o que contraria o princípio da boa fé, violando o art.º 15º e o art.º 21º, al. f), do RJCCG.
Assim não aconteceria --- e as cláusulas seriam válidas --- se, simplesmente previssem, de forma clara, a irresponsabilidade do Banco nas situações em que o facto lesivo fosse imputável a terceiro.
Com efeito, a cláusula 14ª, nº 1 relativa ao capítulo do Tratamento das Instruções do Cliente, referente ao segmento A e a cláusula 4ª, nº 9, respeitante ao capítulo do Tratamento das Instruções do Cliente, referente ao segmento D devem qualificar-se como proibidas e, por isso, nulas.
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B. A validade da cláusula 15ª das Condições gerais de contas de depósitos à ordem, e da cláusula 12ª das Condições gerais de crédito, quanto à possibilidade de compensação de crédito do Banco por débito em qualquer conta de depósito à ordem de que o cliente seja titular ou cotitular (solidário, no caso da referida cláusula 12ª), sem qualquer aviso prévio
As duas cláusulas do contrato:
Cláusula 15ª, denominada “Compensação de créditos”, referente ao segmento A – Condições gerais de contas de depósitos à ordem: «Sem prejuízo da faculdade de exercer a compensação de créditos nos termos legalmente previstos, é expressamente reconhecida ao Banco a possibilidade de extinguir, total ou parcialmente, o crédito que detenha sobre o titular da conta ou qualquer um dos contitulares, procedendo ao débito, sem necessidade de aviso prévio, das importâncias que lhe sejam devidas por qualquer um dos referidos titulares da conta ou contitulares, em qualquer conta em que qualquer deles seja titular único ou contitular».
Cláusula 12ª, denominada “Autorização de débito”, referente ao segmento E – Condições gerais de crédito: «O Banco, em ordem à liquidação integral ou parcial dos seus créditos poderá, sem necessidade de aviso prévio, debitar qualquer conta de depósito à ordem de que o titular seja ou venha a ser titular ou contitular solidário, para pagamento de quaisquer dívidas que qualquer um dos contitulares seja responsável perante o Banco».
Sobre o thema foi tirado o acórdão uniformizador de jurisprudência de 13.11.2015[15] que reza assim:
«É proibida, nos termos do preceituado pelo art°. 15° da LCCG, por contrária à boa-fé, a cláusula contratual geral que autoriza o banco predisponente a compensar o seu crédito sobre um cliente com o saldo de conta colectiva solidária, de que o mesmo cliente seja ou venha a ser contitular.»
Extrai-se dos fundamentos deste aresto uniformizador:
A conta colectiva solidária tem como característica marcante a possibilidade de cada contitular movimentar livremente a conta, sem autorização dos restantes titulares.
Este regime de solidariedade parte da “fídutia” entre os contitulares e é escolhido por estes para facilitar a movimentação da conta em ordem a prosseguir um objectivo comum.
São os contitulares que optam pelo regime da solidariedade, no sentido de melhor darem satisfação à necessidade de facilmente movimentarem a conta (Acórdão do STJ de 6.05.2004, proferido no processo 1180/04, relatado pelo Exmo. Conselheiro Moitinho de Almeida).
O regime solidário não foi escolhido para facilitar a vida ao Banco na cobrança dos respectivos créditos, mas no interesse exclusivo dos titulares da conta. A confiança recíproca dos contitulares em que nenhum deles usará o respectivo saldo em seu exclusivo proveito não permite inferir que aceitam que o Banco compense o crédito que detém sobre um deles com o saldo existente na conta solidária. O regime estabelecido nos depósitos bancários colectivos é de solidariedade imprópria de credores e não de devedores.
Qualquer um dos contitulares pode esgotar o saldo, mas o Banco não pode tomar a iniciativa de escolher unilateralmente o contitular a quem o entregar, para se desonerar da sua obrigação.
A autorização dada ao Banco para compensar o seu crédito com o saldo da conta em que o seu devedor é contitular, no regime da solidariedade, transforma os restantes contitulares em seus devedores e no regime de solidariedade. Esta autorização é dada ao Banco para operar a compensação também sobre contas colectivas solidárias futuras.
A imposição desta cláusula aos aderentes do contrato de depósito colectivo em regime de solidariedade, sem possibilidade da respectiva discussão e boa compreensão dos seus contornos e riscos, contraria a boa-fé que se exige às partes na negociação e celebração dos contratos (artº. 15º das CCG), sendo nula (Acs. do STJ de 27.04.2006, 15.05.2008, 19.04.2001 e 24.10.2000, proc. 647/06, 357/08, 821/01 e 2295/2000 relatados pelos Exmºs Conselheiros Borges Soeiro, Mota Miranda, Dionísio Correia e Afonso de Melo).
A boa-fé constitui uma cláusula geral que exige uma atitude metodológica particular perante a realidade jurídica, a concretização material dos escopos visados (Coutinho de Abreu – Do Abuso de Direito, Coimbra, 1983, p. 55; Menezes Cordeiro – A Boa-Fé no Direito Civil – Vol. I, Coimbra, 1985, p. 649.Ana Prata, in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais” – 2010, pág. 309 e 403 (nota 1118) defende a nulidade da referida cláusula.
Também Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral” – Vol. II, pág. 224 e 225, defende não ser possível a compensação nos depósitos colectivos, conjuntos ou solidários, a não ser na medida do presumido direito do credor sobre o saldo existente.
Já Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 3ª Ed., p. 466, defende a validade da compensação com contas colectivas solidárias.Alberto Luís, in “Direito Bancário”, ano 1985, pág. 168, opta pela não possibilidade de compensação com contas colectivas.
Como facilmente se vê, este acórdão uniformizador foi tirado no processo onde fora proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.11.2014, acima citado, de onde resulta também que “desrespeita os arts. 15.° e 19.°, al. d), do Decreto-lei nº 446/85, de 25-10 --- LCCG ---, as cláusulas constantes de contrato de abertura de conta solidária em que se permite ao banco compensar débito de algum dos titulares para com o banco resultante da execução de operações previstas nas Condições Gerais com o saldo credor da conta solidária até ao limite da quantia em dívida ao banco”.
Neste acórdão[16] é firme a ideia --- com base em doutrina e jurisprudência nele citadas --- de que o regime da conta solidária, no que respeita ao conhecimento e compreensão comum que é o do declaratário normal a que alude o artigo 236° do Código Civil, é perspetivado como regime de solidariedade entre credores. O devedor do saldo (o Banco) não pode escolher, por sua vontade, o credor solidário (o depositante da conta solidária) para satisfazer a sua prestação, não sendo aplicável o artigo 528º, nº 1, do Código Civil, o que logo alerta para a existência de particularidades no regime da solidariedade respeitante a conta bancária face ao regime geral da solidariedade das obrigações.
Citando-se ali A. Varela[17], refere-se que “o que os clientes e o banco realmente pretendem, ao estipularem o regime da solidariedade nos depósitos bancários coletivos ou plurais é atribuírem a qualquer dos depositantes ou titulares da conta (prevenindo deliberadamente, muitas vezes, a eventualidade da morte de algum deles) o poder de exigir, por si só, o levantamento ou reembolso de toda a soma depositada, e não apenas de uma quota-parte dela”.
Uma cláusula ou conjunto de cláusulas que admitam uma compensação automática, determinando a sujeição dos titulares da conta ao regime de solidariedade passiva, sem qualquer restrição, impondo-lhes suportar o pagamento de um dívida que não contraíram e que, podendo atingir a totalidade do depósito, atinge a parte do depósito que presumidamente lhes pertence, uma tal cláusula geral desrespeita o princípio da boa fé consagrado no artigo 15° do RJCCG. Leva a que um depositante responda por uma dívida que não contraiu e permite atingir o património dos demais cotitulares, património presumidamente comparticipado por todos igualmente (art.º 516º do Código Civil).
Dificilmente ocorrerá ao declaratário normal que, por via dessas cláusulas contratuais gerais, se possa encontrar na mesma situação de devedor solidário, senão mesmo em situação mais grave, na medida em que o depósito de que é titular vai responder por dívida alheia, sem poder sequer beneficiar, perante a instituição de crédito, da presunção de igual comparticipação que decorre do mencionado artigo 516° do Código Civil.
O declaratário normal ao abrir conta solidária não pode deixar de estar consciente da possibilidade de um cotitular proceder ao levantamento da totalidade da quantia depositada, pois a esse ponto vai, sem dúvida, a fidúcia inerente a este negócio --- exigência a que o Banco está sujeito, própria da solidariedade ativa; mas já não se afigura aceitável entender que o declaratário normal, com base nas mencionadas cláusulas gerais, fique ciente das consequências que decorrem da admissibilidade de um regime de compensação que impõe a solidariedade passiva por dívidas alheias suscetível de atingir a totalidade do património depositado.
A jurisprudência tem acentuado que “da mera titularidade de uma conta solidária não emerge para o contitular a responsabilidade pelo descoberto, pois que daquela solidariedade ativa não pode, sem mais, deduzir-se a sujeição dos contitulares ao regime da solidariedade passiva. Tem de demonstrar-se que as partes quiseram, expressa ou tacitamente, submeter a responsabilidade pelos passivos da conta ao regime das obrigações solidárias, aceitando a posição de mutuários relativamente ao descoberto concedido (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-2-2006, rel. Alves Velho, proc. 4244/2005)” ou ainda que “a solidariedade, ativa ou passiva, só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes. No caso das contas solidárias, a solidariedade ativa resulta claramente da vontade das partes; mas não existe solidariedade passiva como mero contraponto da solidariedade ativa.[18]
Não pode deduzir-se ou presumir-se a vontade de qualquer dos cotitulares se responsabilizar por saldos negativos da conta originados por outro, não podendo, pois, presumir-se a existência de uma solidariedade passiva” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.2009, relator Santos Bernardino, proc. 340/06.5TBPNH.C1.S1).
Não interessa se, na prática, o Banco opta por compensar o crédito apenas com uma parte do saldo, qual seja, por exemplo, a que se presume pertencer ao devedor. Para além de poder estar, em qualquer caso, a cobrar uma dívida deste à custa de património alheio, o que releva, em sede de ação inibitória, é a permissão e valência da cláusula em questão, não o modo e a medida como o Banco, em cada momento, decide prevalecer-se do direto que a mesma lhe concede.
Também o facto de as cláusulas não concretizarem as dívidas que sujeitam o predisponente ao regime da solidariedade passiva viola o princípio da boa fé e o art.º 19º, al. d), do RJCCG.
A jurisprudência uniformizada afastou-se, nesta matéria, da corrente jurisprudencial que seguia posição diversa e que tem, na doutrina, a expressão que lhe é dada por Menezes Cordeiro[19], no sentido de que o regime da solidariedade conduz também à possibilidade do Banco compensar o crédito que tem sobre o devedor à custa do saldo de uma conta de que este este seja cotitular, por, nos depósitos bancários, a solidariedade ser uma cláusula de funcionamento da conta, operando no interesse dos depositantes e do banqueiro.
Ainda, relativamente à cláusula 15ª, dela não resulta qualquer restrição às contas de cotitulares que sejam solidárias. Aderindo ao contrato, o cliente aceita que o débito se faça, sem necessidade de aviso prévio, sobre conta de depósito de que o devedor seja cotitular, seja ela solidária ou conjunta: Esta última forma de cotitularidade não está excluída na dita cláusula.
Enquanto as contas solidárias podem ser movimentadas livremente pelos respetivos titulares, obrigando-se o Banco a entregar o saldo a qualquer um deles que o solicite, o regime das contas conjuntas exige que todos os titularem intervenham nos respetivos movimentos. Naquelas, o Banco exonera-se da sua obrigação pagando o saldo a qualquer um dos credores (solidários) que lho exija, nestas (conta conjunta) só pagará ao conjunto dos titulares da conta.
Se assim é, a fortiori rationem o Banco está a violar o princípio da boa fé ao conduzir o aderente à aceitação de uma cláusula que permite pagar-se através do saldo de uma conta que, presumivelmente pertence em partes iguais aos seus cotitulares (art.º 516º do Código Civil) quando, de iuri, nem sequer pode ser movimentada pelo titular devedor sem intervenção simultânea dos cotitulares.
Quanto às contas conjuntas, mesmo Menezes Cordeiro[20] argumenta que “admitir uma compensação pelo débito de apenas um deles iria forçar a vontade das partes, quando foi concluída a abertura de conta. Além disso, estaria aberta a porta a defraudar os próprios termos da abertura de conta: o particular que pretendesse movimentar sozinho uma conta conjunta mais não teria do que constituir débitos laterais junto do banqueiro: a consequência seria o que as partes não quiseram: a utilização isolada do saldo”.
Em resumo e em sintonia com o citado acórdão uniformizador de jurisprudência, há que concluir que as referidas cláusulas contratuais gerais 15ª e 12ª são contrárias à boa fé e violam os art.ºs 15º e 19º, al. d) do RJCCG, na medida da discussão que acabámos de fazer.
Válida é a cláusula 15ª na parte em que autoriza o Banco a extinguir total ou parcialmente, o crédito que detenha sobre o aderente titular da conta, procedendo ao débito, sem necessidade de aviso prévio, das importâncias que, por ele, lhe sejam devidas, em qualquer conta de que seja o único titular.
Válida é também a cláusula 12ª em equação, na parte em que autoriza o Banco a liquidar total ou parcialmente o crédito que detenha sobre o aderente, sem necessidade de aviso prévio, por débito em qualquer conta de depósito à ordem de que aquele, mais uma vez, seja o único titular.

A sentença merece confirmação parcial, sendo a apelação parcialmente procedente.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. É matéria de direito a análise interpretativa das cláusulas contratuais gerais, em sede de ação inibitória, efetuada ao abrigo do art.º 10º do RJCCG e do art.º 236º, nº 1, do Código Civil.
2. É nula a cláusula contratual geral integrante de contrato de depósito bancário pela qual o Banco afasta toda a sua responsabilidade por avarias e outras eventualidades prejudiciais, designadamente nos meios de comunicação, a que é alheio, por excluir também, sem que o diga expressamente, a responsabilidade pelo risco por facto devido a caso fortuito ou de força maior.
3. Tal cláusula, tal como está redigida, pode levar o declaratário normal a admitir a exclusão da responsabilidade do Banco apenas quando o dano resulta de facto imputável a terceiro, quando, na realidade, de forma ambígua e encoberta, o Banco coloca o cliente a aceitar a sua irresponsabilidade sempre que não se verifique a sua culpa.
4. É nula a cláusula contratual geral que, sendo parte integrante de um contrato de depósito bancário, prevê a compensação de crédito do Banco sobre o aderente por débito noutras contas de depósito à ordem em que ele seja cotitular, tanto no regime de conta solidária como no regime de conta conjunta.
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, revogando-se, em parte, a sentença recorrida, declara-se também com base ao abrigo do art.º 25º do RJCCG:
A. A nulidade da cláusula 14ª, nº 1 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem) e da cláusula 4ª, nº 9, (sob a epígrafe “Autorização de débito”, referente ao segmento D - Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância), do contrato de depósito à ordem – Pessoas singulares, identificado no ponto 3 dos factos provados;
B. A nulidade da cláusula 15ª (sob a epígrafe “Compensação de créditos”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem) e da cláusula 12ª (sob a epígrafe “Autorização de débito”, referente ao segmento E - Condições gerais de crédito), do contrato de depósito à ordem – Pessoas singulares, identificado no ponto 3 dos factos provados, com exceção da parte, quanto a estas duas cláusulas, em que autoriza o Banco a extinguir total ou parcialmente, o crédito que detenha sobre o aderente titular da conta, procedendo ao débito, sem necessidade de aviso prévio, das importâncias que, por ele, lhe sejam devidas, em qualquer conta de que seja o único titular.
Mantém-se o que mais foi decidido na sentença recorrida, nomeadamente os parágrafos 2), 3) e 4) do respetivo dispositivo, sendo que a condenação exarada no parágrafo 2) tem o âmbito da nulidade declarada nos parágrafos A. e B. que antecedem.
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Custas pelo Banco em 2/3 do valor correspondente ao decaimento total.
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Porto, 4 de maio de 2017
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante RJCCG.
[2] Por transcrição.
[3] Manuel D. de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª reimpressão, pág. 305.
[4] Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., pág. 444.
[5] Código Civil Anotado, vol. I. 2.ª edição, pág. 207.
[6] Ob. cit., pág. 309.
[7] Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pág. 344.
[8] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, 2010, p. 547.
[9] Vaz Serra RLJ, Ano 103º, pág. 287 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.11.1994, BMJ441/357.
[10] Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 8ª edição, pág. 32.
[11] Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, pág.s 327 e 331, citando, entre outros, Yara Miranda.
[12] Neste sentido, Ana Prata, ob. cit., pág.s 327 e 331.
[13] Proc. 2475/10.0 YXLSB.L1.SI, in www.dgsi.pt.
[14] Cf. citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.11.2014
[15] Proc. 2475/10.0YXLSB.L1.S1-A, in www.dgsi.pt.
[16] Que também vamos acompanhar de perto.
[17] Depósito Bancário, in Revista da Banca, nº 21, pág. 50.
[18] Continuamos a seguir o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.11.2014.
[19] Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, Almedina, 2003, pág.s 251 e seg.s (ciado pelo R. apelante) e Manual de Direito Bancário, Almedina, 2012, 4ª edição, pág. 558 e seg.s (onde cita jurisprudência e doutrina a favor e contra a sua posição).
[20] Manual de Direito Bancário, pág. 563.