Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
521/14.8T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: RATEIO FINAL
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP20180411521/14.8T8OAZ.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º129, FLS.37-45)
Área Temática: .
Sumário: I - Encerrado o processo de insolvência após o rateio final não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar de novo quaisquer actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento pelo administrador de insolvência.
II - A qualificação dos créditos como créditos sobre a insolvência e créditos sobre a massa insolvente não decorre de diferenças ao nível da titularidade da relação creditícia e serve para assegurar que primeiramente se paguem as dívidas relativas a actos sem os quais a própria liquidação não teria lugar e que redundam afinal em proveito comum dos credores.
III - O CIRE não é fonte jurídica material de novas obrigações alheias ao devedor, nem interfere materialmente com a estrutura das obrigações creditícias cuja liquidação se vai fazer no processo de insolvência.
IV - Nos termos do art.º 233.º, 1, a), do CIRE, após o encerramento do processo os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos; isso é assim porque as dívidas geradas pela liquidação do activo, independentemente da sua qualificação como dívidas da massa, continuam a ser na sua estrutura jurídica dívidas da responsabilidade do insolvente.
V - Através da exoneração do passivo restante, o devedor é liberado dos créditos sobre a insolvência, não dos créditos sobre a massa e, em caso algum, dos créditos tributários.
VI - O fiduciário não pode efectuar pagamentos a credores cujo crédito não conste do mapa de rateio final; no final do período de cessão não é efectuado novo mapa de rateio, designadamente para considerar credores cujos créditos não tenham sido incluídos no mapa de rateio que antecedeu o encerramento do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 521/14.8T8OAZ.P1 [Comarca de Aveiro / Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
No processo de insolvência de B…, contribuinte n.º ………., titular do bilhete de identidade n.º ……, e C…, contribuinte n.º ………, portadora do bilhete de identidade n.º ……., após a realização do rateio final previsto no artigo 182º, foi determinado o encerramento do processo, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Posteriormente, o insolvente apresentou nos autos o seguinte requerimento:
«(…) vem dar nota das comunicações por si realizadas referente a eventuais mais-valias fiscais que possam ter sido apuradas pela Administração Tributária, designadamente para efeito de legitimar a actuação da Exma. Senhora Administradora e liquidatária no sentido de pagar, com as forças da massa insolvente, as dívidas fiscais que possam apurar-se por força das vendas imobiliárias, conforme o determina o art.º 51º, nº 1, al. a) do CIRE e vasta e recente jurisprudência, designadamente a citada na comunicação dirigida pelo insolvente à AT: Acórdão da Relação do Porto - 02/07/2015: “Quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens de valor superior àquele pelo qual tenham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pelas mais-valia gerada por essa alienação (art. 101º, al. a), do CIRS) é uma dívida da massa insolvente (art. 51º, nº 1, al. c), do CIRE)”.
Em face do exposto, deve autorizar-se e determinar-se que a Exma. Administradora regularize as mais-valias que possam resultar de alienações imobiliárias efectuadas dos bens do insolvente».
A Administradora de Insolvência foi notificada para se pronunciar e respondeu o seguinte:
«1º A aqui AI nunca recebeu qualquer notificação da Autoridade Tributária, relativa a quaisquer mais-valias.
2º Pese embora no douto Acórdão referido no requerimento do insolvente se considere que as mais-valias pela alienação no processo de insolvência constituem dívidas da massa, os Tribunais Administrativos e Fiscais (jurisdição especializada), nomeadamente o STA no seu Acórdão de 10.05.2017, têm vindo considerar que constituem uma divida do próprio insolvente …
3º Assim, - O IRS é um imposto sobre rendimento, a que estão sujeitos as pessoas singulares, mas não a massa insolvente; - A alienação em processo de insolvência não é passível de criar qualquer "riqueza", antes serve para pagar as dívidas dos insolventes, incluindo as do Estado e despesas do processo.
4º Ainda que se pudesse considerar que as mais-valias seriam dívidas da massa, o que não se aceita, por douto despacho de 16.03.2017, foram autorizados os pagamentos nos termos de rateio final, e determinado o encerramento do processo de insolvência. Os pagamentos foram efectuados, tendo ficado apenas dois cheques por levantar, conforme requerimento enviado em 04.09.2017. O saldo da conta da massa insolvente é neste momento de 712,08€, faltando ainda levantar um cheque enviado nos termos do rateio - … Como tal não, não existe liquidez que permita efectuar mais qualquer pagamento, nomeadamente eventuais mais-valias.»
O insolvente replicou à Administradora de Insolvência nos seguintes termos:
«1. Na transmissão da sua posição a Exma. Senhora Administradora enaltece e superioriza um mencionado Acórdão do STA, designadamente porque esse verte sobre matéria de competência especializada - fiscal, leia-se.
2. Ora, para além de que o que importa decidir nestes autos não se volve em matéria fiscal mas, antes, na devida interpretação do CIRE, crê-se que, logo por aí, tal insinuada supremacia (inexistente, em qualquer caso, mercê da independência das decisões judiciais) se esvai.
3. Por uma outra razão, porém, se entende emitir a seguinte pronúncia do insolvente, dado que, na essência, e quanto ao resto, crê-se que são cristalinas, assertivas e bem lapidares até as conclusões do Ac. R. Porto, para aí se remetendo, sendo quase caricato que se pretenda que o insolvente, submetido por força das circunstâncias a uma indesejada venda ou a uma venda forçada, ainda tivesse que ficar ele próprio e para além do produto da própria venda, onerado com eventuais mais- valias. Note-se, de uma venda forçada não raro operando a preços abaixo do mercado.
Na verdade, a razão da intervenção do insolvente extrai-se bem mais, assim, da alusão da mesma, ainda assim não seria então verdade que, tendo operado o rateio sem a precaução devida mercê dessa eventualidade (liquidação de mais-valias), sempre os valores já existentes neste momento na massa em função das retenções ao insolvente, cerca de €1.000/mês da sua reforma teriam (terão) que servir para pagar tais dívidas fiscais emergentes da venda operada pela massa insolvente, tanto mais que a conta já terá em saldo cerca de €5.000,00.»
Foi então proferido o seguinte despacho:
«Não consta dos autos que a Autoridade Tributária tenha requerido o pagamento de qualquer valor a título de imposto por mais-valias. Por conseguinte, a questão levantada pelo insolvente sobre uma eventual liquidação desse imposto não se coloca, nem cumpre ao tribunal proferir despachos sobre situações hipotéticas. Acresce que, o processo já foi encerrado, não podendo, nesta fase, serem pagas quaisquer quantias a título de dívidas da massa que, atempadamente não foram reclamadas.
Em face do exposto, nada temos a determinar sobre o requerimento apresentado pelo insolvente que constitui um incidente anómalo do processo.»
Do assim decidido, o insolvente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I - O douto despacho proferido pelo Tribunal recorrido a fls. dos autos que indefere o pagamento das mais-valias (IRS) devidas pela venda judicial dos bens imóveis do insolvente é susceptível de reparo e deverá ser revogado.
II - Tratando-se a dita venda de uma venda forçada e determinada pelo interesse da massa e em seu benefício, o encargo fiscal daí decorrente terá que ser-lhe imputado e deverá ser pago pelas forças da dita massa representada pela Administradora de Insolvência nomeada.
III - Não é verdade que a situação reportada pelo recorrente fosse (seja) meramente hipotética, como sufraga a instância recorrida como motivo da recusa de apreciação mas, antes, decorre das consequências “ope legis” resultantes da venda dos imóveis por parte dos sujeitos passivos tributários. De resto, e pretendessem as instâncias a demonstração dessa efectiva exigência e não se bastassem com a informação remetida pelo recorrente, deveriam determinar a junção de outros documentos ou, até, oficiar a AT no sentido de que confirmasse a dívida fiscal gerada e exigida ao sempre mencionado recorrente ao abrigo do art.º 10º, nº 1, al. a), do CIRS. Tendo de resto o recorrente sido notificado para a audição prévia em processo em curso (cf. doc. 1 junto).
IV - De resto, e um pouco atalhando sobre a posição da Administradora de insolvência face ao requerimento do recorrente, a mesma ficção jurídica que permite à massa vender em nome do titular e fazer suas as receitas obtidas através de uma transmissão forçada, igualmente concederá que se substitua ao sujeito passivo fiscal pagando os encargos decorrentes dessa venda – ubi commoda, ibi incommoda.
V - Também o argumento vertido no douto despacho do Mmo. Juiz a quo de que o processo estará encerrado e, com isso, não concede a apreciação e decisão sobre o pedido do recorrente, não nos parece isento de discórdia, dado que tal encerramento só será relevante para efeito de fixação dos credores e créditos sobre o insolvente, não se podendo o mesmo relativamente às dívidas da próprias e constituídas pela própria massa em sede de liquidação de património. Por outro lado, a cessão de créditos do insolvente à massa e à administração da sua insolvência unicamente subtrai da gestão dessa o fixado rendimento disponível que lhe foi conferido sendo que, todo o mais rendimento fica ao serviço da dívida reconhecida e graduado e também ao serviço das dívidas criadas pela própria massa que, de resto, têm prioridade em relação às demais na sua satisfação. In casu, ainda que já tenha sido distribuído e rateado o produto da venda dos imóveis, o que o recorrente desconhece, sempre os seus rendimentos apreendidos a favor da massa deverão servir para cumprir os encargos da venda.
VI - Quanto ao residual argumento vertido no despacho sub judice referente à intempestividade do requerido, com repetida modéstia se augura que não assista razão ao Tribunal a quo, na medida em que a Autoridade Tributária não poderia reclamar créditos – sequer em sede de verificação ulterior – que ainda não se encontravam constituídos à data em que se verificaram tais oportunidades processuais. A declaração de insolvência ocorreu em meados de 2015 e a venda unicamente teve lugar em 06.07.2016, ou seja, muito depois do transcurso daqueles momentos processuais. Além disso, repete-se, a obrigação tributária em causa e em dívida (mais valias de IRS) decorre da venda pela massa insolvente de bens do recorrente e insolvente, não da actividade típica e normal do mesmo da qual houvesse que gerar aquele imposto. Pelo que não ocorre qualquer intempestividade relativamente à demanda da massa daquelas quantias.
VII - Em face do que fica escrito, igualmente a multa aplicada pelo incidente deverá ser revogada.
VIII - Em suma, a decisão em apreço viola o disposto no art.º 51º, nº 1, alíneas c) e d), do CIRE e art.º 10º, 1, alínea a), do CIRS, de resto ao arrepio da jurisprudência diversa dos Tribunais Cíveis sobre tal matéria, entre ela a atrás transcrita e resultante do Acórdão de 2.7.2015, proferido pelo T. R. do Porto, sendo manifesto que uma interpretação do aludido preceito nos termos em que o faz a decisão recorrida é mesmo ferida de inconstitucionalidade por lesão dos artºs 62º e 103º da CRP.
Termos em que deve, por conseguinte, revogar-se o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que determine a responsabilidade da massa insolvente pelas mais-valias de IRS geradas pelas vendas judiciais de imóveis do recorrente ocorridas, as quais, as quais, quando já não possam ser liquidadas e satisfeitas mediante o produto da venda dos prédios deverão sê-lo através dos rendimentos cedidos do redito recorrente, sejam-no através dos rendimentos do insolvente entretanto acumulados e daqueles que que venham a acumular-se, necessários à satisfação da referida obrigação. Em consequência também, deverá ser revogada a multa aplicada pelo incidente.
O Ministério Público respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, com os seguintes argumentos:
«1. O processo de insolvência está encerrado e o rateio efectuado; 2. Não há na massa insolvente mais bens para vender; 3. Não consta dos autos que Autoridade Tributária tenha vindo a reclamar mais-valias decorrentes da venda de imoveis da massa insolvente; 4. Ao insolvente foi concedido o instituto da exoneração do passivo restante, mas tal exoneração não abrange impostos em dívida ao Estado e outros: ver art.º 245º, do CIRE; 5. A haver impostos a pagar (mesmo aqueles impostos que sejam decorrentes de mais-valias provenientes da venda de bens da massa insolvente) a massa insolvente não pode, nesta fase processual, responsabilizar-se pelo pagamento dos mesmos pela simples razão da massa não ter dinheiro e nada ter sido reclamado pela A.T; 6. O tribunal cível não pode impor à AT um prazo para calcular os impostos e muito menos obrigar a A.T. a reclamá-los. 7. No caso concreto dos autos só resta ao Recorrente impugnar judicialmente, daqui em diante, em sede de Tribunal Fiscal, o que a A.T. lhe exigir, mesmo que seja no decurso do período de 5 anos da exoneração do passivo restante.»
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
Sem prejuízo de outras que sejam de conhecimento oficioso e de o conhecimento de algumas delas poder prejudicar o conhecimento das restantes, as conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se após o encerramento do processo de insolvência ainda é possível aprovar e ordenar o pagamento de dívidas sobre a massa insolvente.
ii) Se as dívidas da massa devem ser pagas depois de se ter realizado o rateio final e sem que haja remanescente do produto da liquidação para distribuir, estando em curso apenas o período de exoneração do passivo restante.
iii) Se o imposto sobre o rendimento do devedor resultante das mais-valias geradas pela venda pelo administrador de insolvência de bens apreendidos para a massa insolvente deve ser tratado como uma dívida da massa insolvente.
III. Os factos:
Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede.
IV. O mérito do recurso:
A] questão prévia: junção de documento com as alegações:
Com as alegações de recurso, o recorrente juntou um documento composto por uma cópia de uma notificação para audiência prévia que lhe foi enviada pela Autoridade Tributária.
O recorrente não justifica a junção deste documento nesta fase do processo, olvidando que a faculdade de juntar documentos com as alegações de recurso não constitui um direito potestativo de natureza processual mas um acto que se encontra regulamentado nos artigos 425.º e 651.º do Código de Processo Civil.
Nos termos da primeira destas disposições legais, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Nos termos da segunda, as partes apenas podem juntar documentos às alegações naquela situação e ainda o caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
A primeira situação que torna admissível a junção reporta-se aos documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes. São supervenientes os documentos produzidos depois do encerramento da discussão na primeira instância e bem assim aqueles cuja existência, apenas foi conhecida pelo apresentante depois desse momento, apesar de terem sido produzidos anteriormente.
No caso, como vimos, não foi alegada qualquer impossibilidade de junção do documento quando foi apresentado o requerimento que originou a decisão recorrida, sendo certo que cabia ao apresentante fazê-lo para legitimar a junção do documento com as alegações de recurso.
Acresce que a data do documento se encontra rasurada, pelo que é impossível saber quando foi recebida pelo recorrente a notificação, sendo certo que parece tratar-se da notificação para audiência prévia que espoletou a carta que enviou à administradora de insolvência e a sua reacção no processo, caso em que, em princípio, teria sido possível apresentá-la aquando do requerimento ou, pelo menos, aquando da resposta à posição da administradora de insolvência.
Se assim não era, repete-se, cabia ao apresentante alegar e justificar.
Quanto à segunda situação que poderia permitir a junção, a solução depende do que se deve entender por junção tornada necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Esta disposição já existia no antigo Código de Processo Civil estando prevista no artigo 693.º-B, ditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e antes deste no artigo 706.º, n.º 1, mantendo sempre a mesma redacção.
A jurisprudência e a doutrina sempre convergiram na ideia de que a previsão normativa se reporta às situações em que a 1.ª instância conhece oficiosamente de uma questão que não estava suscitada ou tratada pelas partes, toma em consideração meio de prova inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou se baseia em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado (por todos, Antunes Varela in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 115,º, pág. 95 e segs., e Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1ª edição, pág. 517; os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.1999, Ferreira de Almeida, e de 26.09.2012, Gonçalves Rocha, da Relação do Porto de 29.05.2014, Leonel Serôdio, e da Relação de Guimarães de Guimarães, 27.02.2014, Ana Cristina Duarte, todos in www.dgsi.pt).
O que releva, portanto, é que a necessidade do documento não seja preexistente à decisão da 1.ª instância, não seja um dado com o qual a parte devesse contar já antes da decisão e independentemente desta, mas antes algo resultante da própria decisão, no sentido de que é a abordagem feita nesta que torna indispensável o documento e justifica que a parte não devesse contar antecipadamente com essa exigência. Quando, pelo contrário, a junção do documento corresponde a um dever de diligência que já antes a parte sabia ou devia saber que a onerava e a decisão de 1.ª instância é uma das que a parte tinha a obrigação de contar que pudessem ser proferidas, por mais que esperasse que a decisão fosse diferente, a junção do documento não se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
As partes sabem que no nosso sistema jurídico o tribunal é livre na avaliação dos meios de prova e, como tal, que uma vez chegado o momento de formar a sua convicção e a motivar pode perfeitamente considerar que a prova produzida pela parte é insuficiente, que lhe falta razão de ciência que era exigível para a demonstração do facto, que no caso eram exigíveis outros meios de prova com maior valor probatório. Por isso, parte alguma pode pretender que a circunstância de a decisão não vir de encontro à sua expectativa quanto à convicção do julgar representa algo com que não podia razoavelmente contar.
O processo civil continua a reger-se pelos princípios do dispositivo e da responsabilização das partes pelo resultado do seu esforço processual em ordem à satisfação dos deveres de prova que as oneram. Sem prejuízo do dever de colaboração, não cabe ao tribunal a obrigação de analisar antecipadamente os meios de prova que estão a ser produzidos e produzir uma espécie de pré-juízo ou juízo em abstracto para alertar a parte para os riscos de os vir a julgar insuficientes, definindo o próprio juiz os meios de prova que deverão ser produzidos para os aceitar como suficientes e concedendo um novo prazo suplementar para a sua produção. A parte é que tem de decidir que meios de prova produzir e suportar o risco de se vir a entender que esses meios são insuficientes, ainda que tenha à sua disposição outros meios que podiam vir a ser aceites como suficientes.
Ora, no caso, a necessidade de demonstrar a existência da dívida tributária – o que, aliás, o documento junto nem sequer atesta porque uma coisa é a correcção da declaração de IRS para efeitos de declaração de mais-valias e outra o imposto que pode resultar dessa correcção, o que pressupõe a sua liquidação que não é objecto do documento – era manifesta a partir do momento foi requerido ao tribunal que ordenasse o seu pagamento uma vez que o tribunal não poderia em circunstância nenhuma ordenar o pagamento de algo que desconhece existir.
Por conseguinte, não está verificada nenhuma das situações excepcionais em que a lei processual consente a junção de documentos com as alegações de recurso.
B] Do encerramento do processo:
Em termos sistemáticos está colocada nos autos a questão do tratamento a dar à responsabilidade tributária pelas mais-valias geradas por uma venda de bens do devedor, realizada no respectivo processo de insolvência pelo administrador de insolvência. Discute-se se o imposto (no caso, o IRS porque o insolvente é uma pessoa singular) sobre essa mais-valia é da responsabilidade da massa insolvente ou da responsabilidade do insolvente, retirando-se daí as correspondentes consequências, nomeadamente para efeitos de pagamento.
No requerimento que dirigiu ao tribunal o devedor requereu que se ordene à administradora de insolvência que efectue o pagamento do valor do imposto pelas mais-valias que «possam resultar» da venda dos seus bens vendidos na insolvência. O tribunal, usando a formulação dúbia de «nada te(r)mos a determinar sobre o requerimento», indeferiu na prática o requerimento, pois não ordenou o solicitado. O recorrente reclama a alteração dessa decisão, determinando-se que a massa insolvente é responsável pelas mais-valias geradas pelas vendas realizadas, as quais deverão ser pagas com os rendimentos do insolvente cedidos ao fiduciário.
Sucede que antes do requerimento já o processo de insolvência tinha sido declarado encerrado, pelo que a primeira questão que se tem de colocar e que pode prejudicar todas as demais consiste em saber se a pretensão do insolvente ainda pode ser acolhida no processo de insolvência não obstante este se encontre encerrado.
No caso, o encerramento do processo foi decretado após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
De facto, nos termos do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que rege precisamente sobre «quando se encerra o processo», quando o processo tiver prosseguido após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento «após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º» [n.º 1, alínea a)]. Com excepção, pois, dos casos em que foi deduzido o incidente de exoneração do passivo restante, o despacho inicial deste incidente foi objecto de recurso e este ainda não foi objecto de decisão transitada em julgado, a realização do rateio final determina o encerramento do processo de insolvência.
Em regra, o encerramento de um processo deve significar que a respectiva instância se extingue e, consequentemente, que não é mais possível praticar nele actos processuais que respeitem ao objecto do processo. No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o legislador ocupou-se de definir expressamente algumas dessas consequências no artigo 233.º.
Desde logo, o encerramento do processo conduz à cessação de todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, sendo a insolvência fortuita, recuperando o devedor, designadamente, o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios [n.º 1, alínea a)]. Se cessam os efeitos da declaração de insolvência, o devedor deixa de estar numa situação de insolvência, recupera a disponibilidade do seu património, mas igualmente a responsabilidade pelas dívidas.
Depois, cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador de insolvência, sem prejuízo, no caso de ter sido admitida liminarmente a exoneração do passivo restante, o administrador passar a ter o estatuto, as funções e as competências próprias do fiduciário [n.º 1, alínea b)]. Após o encerramento, o administrador apenas pode apresentar as contas da sua administração e desempenhar as funções de que o plano de insolvência em execução o tenha incumbido expressamente. O que significa, designadamente que não pode mais praticar actos que enquanto administrador podia ou devia ter praticado mas que não praticou, independentemente da responsabilidade que isso possa implicar.
Outro efeito relevante é o de os credores da insolvência passarem a poder exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência ou plano de pagamentos aprovado. Os seus créditos não se extinguiram com a declaração de insolvência, nem, tão pouco, passaram a ter como única garantia patrimonial os bens do devedor apreendidos e liquidados no processo de insolvência; pelo contrário, a garantia patrimonial continuam a ser a totalidade do património do devedor, mesmo que adquirido posteriormente ao encerramento do processo de insolvência. Exactamente porque os prazos de prescrição dos direitos de crédito ou de caducidade para o seu exercício ficaram suspensos por efeito da declaração de insolvência (artigo 100.º), uma vez encerrado o processo os credores voltam a pode demandar o devedor pelos créditos insatisfeitos. As únicas limitações com que se defrontarão são as decorrentes do plano de insolvência ou do plano de pagamentos que tenha sido aprovados e homologados e da exoneração do passivo restante que haja sido admitido e concretizado (artigo 242.º).
Por fim, encontra-se o efeito de se permitir aos credores da massa reclamarem do devedor os seus direitos não satisfeitos [n.º 1, alínea d)]. Desta norma resulta que as dívidas geradas no âmbito do próprio processo de insolvência, designadamente na liquidação da massa, não são exclusiva responsabilidade da massa insolvente, pelo que não é possível defender que tais dívidas ou são pagas pela própria massa ou deixam de ser exigíveis por não haver quem responda por elas; pelo contrário, as dívidas que a lei considera dívidas da massa para efeitos de preferência de pagamento são ainda mas também dívidas do próprio insolvente, pelo que se elas não tiverem sido satisfeitas no processo de insolvência (ou na medida em que o não foram) o respectivo titular pode, depois do encerramento do processo de insolvência após o rateio final, exigir do devedor que deixou de estar insolvente o seu pagamento.
Sendo estes os efeitos do encerramento do processo, cremos que não é possível deixar de concluir que uma vez encerrado o processo não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar de novo quaisquer actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento.
Todos esses actos processuais foram em devido tempo praticados no processo e sobre ele foram proferidas decisões judiciais que não tendo sido impugnadas transitaram em julgado. A decisão a decretar o encerramento do processo, igualmente transitada em julgado, tornou aqueles actos definitivos para efeitos do processo de insolvência, quaisquer que tenham sido os lapsos ou erros de que os mesmos enfermaram e sem prejuízo da responsabilidade que tais erros ou lapsos possam gerar para quem os praticou (v.g. artigo 59.º, n.º 2).
Refira-se, aliás, que ainda que se considere subsidiariamente aplicável ao processo de insolvência o disposto no artigo 614.º do Código de Processo Civil relativo à rectificação de erros materiais o mesmo não consentiria o desfecho pretendido pelo insolvente. Com efeito, aquele preceito legal apenas consente (a todo o tempo: n.º 3) a rectificação de erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a lapso manifesto. Ora, no caso, a administradora de insolvência não apenas refuta a obrigação de pagar o imposto relativo às mais-valias, como menciona que nunca esse imposto lhe foi reclamado pela Autoridade Tributária, pelo que não é possível defender que só por erro de cálculo ou lapso manifesto, passível de aqui ser sanado, não foi atendido qualquer valor a esse título na conta do processo.
A pretensão do insolvente não pode ser atendida ainda por outra razão.
Nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas. Em consonância com isso, o n.º 1 do artigo 172.º estabelece o regime de pagamento das dívidas da massa, prescrevendo que antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo. O n.º 3 do mesmo preceito dispõe ainda que o pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.
O administrador de insolvência só tem de pagar as dívidas sobre a massa que o próprio reconhecer ou considerar ser previsível que se constituam até ao encerramento do processo. Se o administrador não reconhecer uma determinada dívida sobre a massa, a pessoa que se apresenta como credor terá de intentar acção destinada a obter a condenação da massa no pagamento.
Trata-se de uma possibilidade expressamente prevista no artigo 89.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que apenas consagra um período de tréguas de três meses seguintes à declaração de insolvência dentro do qual tais acções não poderão ser instauradas. Segundo o n.º 2 do preceito as acções, declarativas ou executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência. Todavia, o preceito excepciona precisamente as execuções por dívidas de natureza tributária, as quais têm de ser instauradas no tribunal competente que é o Tribunal Administrativo e Fiscal.
Daqui resulta, portanto, que não reconhecendo o administrador de insolvência o crédito e pretendendo discutir a obrigação de pagamento do mesmo pela massa, o administrador não deve atender a esse crédito nos rateios e nos pagamentos subsequentes e o credor terá de instaurar a competente acção para obter a condenação da massa no pagamento[1]. Para o efeito, sendo o credor o Estado e a dívida de natureza tributária, a acção terá de correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal, sendo que a legitimidade para a instaurar pertence naturalmente ao credor Estado.
Ora, no caso, não foi alegado nem está demonstrado que o Estado se tenha considerado credor da massa insolvente e muito menos que tenha procedido à liquidação do imposto devido pela massa e notificado a massa para efectuar o seu pagamento, circunstâncias em que não parece possível ordenar que a administradora de insolvência efectue o pagamento de algo que não lhe foi reclamado, que ela não reconhece, que é passível de ser discutidos nos tribunais competentes e cujo montante se desconhece de todo.
Feita a conta, o rateio final e os pagamentos dos créditos reconhecidos e encerrado o processo de insolvência, o insolvente não pode pretender evitar que a Administração Tributária lhe exija o pagamento de um imposto, forçando a administradora de insolvência a antecipar-se e a pagar esse imposto (caso em que, conforme aliás pretende, o insolvente veria o seu problema resolvido na prática, com a vantagem de o dispensar de apresentar perante o fisco as razões pelas quais entende que não ser devedor do imposto. Tal solução, da mesma forma que impediria a administradora de exercer o seu direito (de acção) de questionar na acção própria e no tribunal competente a obrigação de ser a massa a suportar o pagamento, obrigaria o tribunal comum a apreciar aquilo que, a colocar-se, é, nos termos do n.º 2 do artigo 89.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal.
Não parece que se possa distinguir se estamos perante uma questão do processo de insolvência a decidir pelo juiz comum ou uma questão de natureza tributária a decidir pelo juiz fiscal. A questão tem as duas dimensões e naturezas em simultâneo: é uma questão tributária, na medida em que se trata de um crédito tributário, cuja origem e natureza é um imposto sobre rendimentos de mais-valias geradas por uma venda e, consequentemente, a discussão sobre a incidência objectiva e subjectiva do imposto passará pela aplicação de disposições de natureza fiscal; é uma questão do processo de insolvência na medida em que o pagamento das dívidas da massa tem lugar no processo de insolvência sobre o qual tem jurisdição o respectivo juiz.
Mas precisamente por se tratar de um crédito que pode suscitar dúvidas jurídicas quanto à identidade do onerado com o pagamento, o juiz do processo de insolvência não deve, uma vez encerrado o processo de insolvência no qual tal crédito não foi reclamado sobre a massa nem é reconhecido pelo administrador de insolvência, sobrepor-se à discussão jurídica na sede própria (repete-se, definida pelo próprio Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no n.º 2 do artigo 89.º) e impedir a discussão da questão determinando um pagamento que nem o próprio credor ainda reclamou e/ou de um montante que tem de ser liquidado pelo credor e que não foi ainda liquidado.
Por todas estas razões somos a concluir que o estado actual do processo (de encerramento após rateio final) impede que se possa ainda ordenar ao administrador de insolvência que efectue pagamentos que não foram atendidos no rateio final, designadamente de dívidas da massa.

C] do pagamento pelo montante do rendimento cedido ao fiduciário:
O recorrente argumenta que na sequência da exoneração do passivo restante cedeu parte do seu rendimento ao fiduciário e esse rendimento que está ainda por distribuir pode ser afecto ao pagamento do imposto.
Trata-se de uma tese pertinente que visa contornar os efeitos do encerramento do processo (apesar do encerramento esse rendimento sempre terá de ser distribuído, pelo que há a possibilidade prática de o usar para pagamento de dívidas da massa que não foram pagas antes daquele), mas que, salvo melhor opinião, não resiste ao teste das normas legais.
Conforme assinalámos antes, após o encerramento do processo de insolvência os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos [cf. artigo 233.º, n.º 1, alínea d)]. Isso é assim porque as dívidas geradas no processo de insolvência, designadamente na liquidação da massa, não são da exclusiva responsabilidade da massa insolvente.
A qualificação dos créditos no processo de insolvência tem como única razão de ser o estabelecimento de preferências de pagamento. A distinção entre créditos sobre a insolvência e créditos sobre a massa insolvente apenas se destinada a assegurar que primeiramente se paguem as dívidas relativas a actos sem os quais a própria liquidação não teria lugar e que redundam afinal em proveito comum dos credores. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não é fonte jurídica material de novas obrigações alheias ao devedor, nem interfere materialmente com a estrutura das obrigações creditícias cuja liquidação se vai fazer no processo de insolvência.
A liquidação forçada em benefício dos credores no processo de insolvência tem como causa jurídica a insolvência do devedor e a necessidade de exercer a garantia patrimonial representada pelo seu património. Nessa medida, do ponto de vista da relação jurídica que é causa da obrigação creditícia, o titular da obrigação continua a ser o devedor e não passa a ser o Estado ou o Administrador de Insolvência que apenas são chamados a substituir o devedor para suprir a sua vontade ou inércia, num exercício do poder público de impor a liquidação patrimonial.
Afinal, se o devedor quisesse cumprir voluntariamente as suas obrigações perante os seus credores era ele que tinha de suportar os custos da actividade de obter as receitas que lhe permitiriam satisfazer os créditos dos seus credores (v.g. os custos da venda de património para obter dinheiro com que fazer esse pagamento). A situação não muda, do ponto de vista jurídico, quando o cumprimento é obtido por via coerciva e para o efeito se torna necessário realizar a venda do património (razão pela qual, por exemplo, também se houver remanescente do produto da liquidação ele é entregue ao devedor e não, por exemplo, dividido pelos credores ou perdido a favor do Estado).
Na verdade, a declaração de insolvência de uma pessoa singular conduz à apreensão de todos os seus bens susceptíveis de penhora, que passam a constituir a massa insolvente e são entregues ao administrador de insolvência. Todavia, essa separação de património para afectação às finalidades específicas da insolvência (a liquidação em benefício dos credores) não significa que os bens deixem de pertencer ao devedor; é precisamente por lhe pertencerem que o respectivo produto irá ser usado para responder pelas dívidas do insolvente. A separação patrimonial significa somente que esses bens passam a constituir um património autónomo, separado, afecto à satisfação de dívidas específicas, transferindo-se do insolvente para o administrador de insolvência (para que se possa concretizar a sua liquidação coerciva) os poderes de administração e disposição dos bens que passaram a integrar a massa insolvente – artigo 81.º, n.º 1, do CIRE.
O administrador de insolvência (ou o Estado) não se torna proprietário dos bens, apenas se substitui legalmente ao proprietário insolvente no exercício dos poderes de administração e disposição inerentes à propriedade. Por essa razão, os encargos com a liquidação da massa insolvente são ainda encargos do próprio devedor porque era sobre ele que recaia o dever jurídico de cumprir as suas obrigações, suportando os encargos inerentes a esse cumprimento juridicamente exigível.
Ao assumir obrigações e contrair dívidas exigíveis, o devedor passa a responder com todo o seu património susceptível de penhora pelo cumprimento das suas obrigações (artigo 601.º do Código Civil) e, nessa medida, torna-se juridicamente responsável pelas despesas que o cumprimento possa demandar.
Por essa razão, independentemente de o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas qualificar determinadas despesas como créditos sobre a massa (para lhe dar um tratamento preferencial ao nível do pagamento e assim agilizar a liquidação ou mesmo viabilizá-la porque na maior parte dos casos os actos da liquidação geram despesas que necessitam de ser liquidadas), o sujeito passivo da obrigação creditícia geradora das correspondentes dívidas é o devedor insolvente. Só assim se justifica, aliás, a disposição da alínea d) do n.º 1 do artigo 233.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, segundo a qual, após o encerramento do processo os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos (o que não seria possível juridicamente se o devedor não fosse afinal o titular da relação material que é causa do direito de crédito e do correspondente estado de sujeição do devedor).
Atentemos agora noutro aspecto desta questão jurídica.
Nos termos do artigo 235.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que estabelece o princípio geral a que obedece a exoneração do passivo restante, se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições seguintes.
Ao mencionar de forma expressa que a exoneração apenas abrange os créditos sobre a insolvência, a norma exclui dessa exoneração os créditos sobre a massa. Por outras palavras, mesmo que a exoneração do passivo tenha sido concedida as dívidas da massa devem ser pagas porque não são abrangidas pela exoneração.
Por outro lado, nos termos do artigo 245.º a exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados. Todavia, segundo o n.º 2 deste preceito, a exoneração não abrange em caso algum, designadamente, os créditos tributários [alínea d)]. Por outras palavras, ainda que lhe tenha sido concedido o benefício da exoneração do passivo restante, o devedor não se liberta das dívidas tributárias, cujo pagamento lhe poderá pois ser exigido pelo respectivo credor, o Estado, apesar desse benefício.
Por fim, nos termos do artigo 241.º, o fiduciário tem de afectar os montantes recebidos do devedor exonerado às seguintes finalidade: a) ao pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida; b) ao reembolso ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas; c) ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas; d) à distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência. Se não respeitar estas finalidades, o fiduciário responde mesmo, com a totalidade do seu património, pelos fundos que indevidamente deixe de afectar a tais finalidades e pelos prejuízos provocados por essa falta de distribuição (n.º 2).
Assim, por um lado, o fiduciário não pode deixar de afectar os montantes recebidos às finalidades previstas na norma, isto é, de distribuir esses montantes pelos credores definidos no n.º 1 do artigo 241.º e, por outro lado, para efeitos dessa distribuição o que releva é o que ficou definido para o pagamento aos credores no processo de insolvência quer quanto à identidade dos credores quer quanto à graduação dos respectivos créditos.
Da conjugação destas normas, resulta que as dívidas da massa (designadamente as de natureza tributária) não são objecto da exoneração do passivo restante. Resulta que os créditos tributários, sejam eles dívidas do insolvente ou dívidas da massa, não se extinguem apesar da exoneração, podendo o seu pagamento ser exigido ao devedor apesar da exoneração e sem qualquer prejuízo decorrente do regime ou efeitos deste. Resulta que o fiduciário não pode efectuar pagamentos a credores que não tenham visto o seu crédito aprovado no mapa de rateio final. Resulta, por fim, que não há lugar a qualquer novo mapa de rateio no final do período de cessão, designadamente para considerar credores que não tenham visto os seus créditos incluídos naquele mapa de rateio final.
Tanto basta para concluir que o rendimento disponível cedido ao fiduciário pelo devedor que foi declarado insolvente não pode ser afecto ao pagamento de créditos que em devido tempo não foram incluídos no mapa de rateio final, designadamente as eventuais dívidas da massa não satisfeitas pelo administrador.

D] se o imposto pelas mais-valias é dívida do insolvente ou dívida da massa:
O conhecimento desta questão fica prejudicado porque, como vimos, qualquer que seja a resposta a esta questão jurídica não é possível, no caso, atender ao pedido do insolvente, isto é, ordenar à administradora de insolvência que pague o imposto que venha eventualmente a ser-lhe exigido a esse título pela administração tributária.
Esta questão não será por isso conhecida.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação o seguinte:
a) Não admitir a junção do documento apresentado com as alegações, o qual não será atendido para qualquer efeito.
b) Julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação confirmam a sentença recorrida.
Condenam o recorrente na multa de ½ UC pela apresentação ilegal do documento (artigos 443.º do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais) e nas custas do recurso.
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Porto, 11 de Abril de 2018.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto 414)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
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[1] Se o crédito tivesse sido exigido pelo Estado à massa insolvente a questão colocar-se-ia nos autos mas não é necessário discutir aqui se nesse caso aos rateios e pagamentos realizados pelo administrador de insolvência subsequentes à liquidação devia aplicar-se por analogia o disposto no artigo 219.º relativo ao encerramento do processo subsequente à aprovação de um plano de insolvência ou antes do disposto no artigo 180.º relativo às dívidas da insolvência reclamadas em acções pendentes.