Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
96/14.8T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PARENTES SUCESSÍVEIS
DIREITO A PENSÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RP2020051896/14.8T8VLG.P1
Data do Acordão: 05/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: O reconhecimento da titularidade do direito a pensão, conferido a outros parentes sucessíveis, como seja o caso de uma neta do sinistrado, pelo art. 57º, nº 1, al. e), depende da prova em juízo, de que eles viviam em comunhão de mesa e habitação, se encontram nas condições previstas no art. 60º, nº 1, ambos da NLAT e que essa situação ocorria à data da morte daquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 96/14.8T8VLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 3
Recorrente: B… (Chamada)
Recorrida: C…, SA - Sucursal em Portugal

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Os presentes autos de acção especial de acidente de trabalho que o “Fundo de Acidentes de Trabalho” moveu contra "C…, SA", nos termos que constam a fls. 175 e ss., terminando com o pedido de que seja declarado o acidente sofrido por D… como de trabalho e seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de 45 297,00€, iniciaram-se na sequência da “Participação Acidente de Trabalho”, junta a fls. 4, efectuada por aquela, C…, SA, na qualidade de Segurador, na qual comunica um acidente, ocorrido dia 28.08.2014, em Espanha, nas circunstâncias: “Acidente com máquina, do qual resultou a morte do trabalhador”, identificando como sinistrado “D…”, divorciado, armador de ferro e entidade patronal “E…, SA”.
Realizadas as diligências, tidas por necessárias, nos termos lavrados no “Auto de Não Conciliação”, junto a fls. 166 a 169, em que estiveram presentes, advogada em representação da filha do sinistrado, F…., nascida a 07/06/1978, a filha do sinistrado, G…, nascida a 10/03/1992, (identificadas como parentes sucessíveis do sinistrado), representantes do Fundo de Acidentes de Trabalho, da Entidade Seguradora C…, SA e da entidade patronal E…, SA, foi consignado o seguinte:
«Aberta a diligência pelo Digno Magistrado do Ministério Publico foi dito:
O sinistrado D…, residente que foi na Rua … nº …, …, Matosinhos, trabalhava sob as ordens direcção e fiscalização de E…, SA, como armador de ferro.
No dia 28 de Agosto de 2014, encontrava-se, nessa qualidade, em Burgos, Espanha, no desempenho das suas funções ao serviço daquela sua entidade patronal, numa obra que a mesma entidade havia aí adjudicado; e, ao Conduzir um veículo num dos acessos à obra, por motivos não concretamente apurados, o mesmo veiculo tombou num desnível, tendo apanhado, nessa queda, o trabalhador D…, que ficou debaixo do referido veiculo.
Como consequência necessária e directa desse acidente o trabalhador D… sofreu diversas lesões traumáticas que lhe acarretaram, também como consequência necessária e directa, a sua morte, verificada nesse próprio dia, conforme assento de óbito e conclusões do relatório de autópsia, juntos aos autos.
Deixou como parentes sucessíveis duas filhas, a saber:
F…, nascida a 07/06/1978; e
G…, nascida no dia 10/03/1992.
A filha F… contava já com 36 anos de idade à data da morte do malogrado sinistrado, seu pai; e,
A filha G… contava com 22 e cinco meses de idade à data da morte do malogrado sinistrado, seu pai.
Apura-se também que esta filha G… não frequentava qualquer estabelecimento de ensino superior ou equiparado, conforme suas declarações a fls. 87.
À data do acidente o sinistrado auferia ao serviço da sua entidade patronal acima referida, o salário mensal de € 496,50 X 14 meses + 679 € X 12 meses de outras remunerações por se encontrar a trabalhar em Espanha, ou seja auferia o salário anual de 15.099 €.
O seu funeral realizou-se do IML de Burgus – Espanha onde foi autopsiado para o cemitério de … em V.N. de Gaia.
As despesas de funeral foram suportadas pela Entidade Patronal.
Com base nestes pressupostos de facto e ao abrigo do disposto nos artos. 1º, 3º, 8º e 60º e 63º da Lei 98/2009 de 04/09, uma vez que o sinistrado não deixou beneficiários legais, com direito a pensão, proponho o seguinte acordo:
1 -
A filha F… e G… reconhecem que, em face do disposto no Artº 60 da Lei 98/09 de 04/09, não podem ser consideradas beneficiarias legais do malogrado sinistrado, seu pai, porquanto a filha F… contava já à data da morte do mesmo com 36 anos e a G… contava já com 22 anos e cinco meses de idade e não frequentava, esta, qualquer estabelecimento de ensino superior ou equiparado; e,
Assim, nada reclamam, ao abrigo da Lei 98/09 de 04/09, tanto da Seguradora como da Entidade Patronal, por tal Lei, designadamente aquele normativo acima citado, não lhe conferir direito a qualquer prestação.
2-
Não se apurando beneficiários legais, a Seguradora pagará ao FAT o triplo da retribuição anual no montante de € 45.297,00, de acordo com o disposto no Artº 63 da Lei 98/2009.
3 -
A Seguradora pagará à Entidade Patronal a quantia de 3.689,14 € referente a despesas com funeral e transladação logo que esta comprove o pagamento das mesmas despesas com o funeral.
Dada a palavra à Ilustra Mandatária da filha F… pelas mesmas foi dito:
Aceita não ser beneficiária legal, nos termos propostos, pelo que nada reclama.
Dada a palavra à filha G… pela mesma foi dito: Aceita não ser beneficiária legal, nos termos propostos, pelo que nada reclama.
Dada a palavra à Ilustre Mandatária do FAT pela mesma foi dito:
Aceita conciliar-se nos termos proposto pelo Ministério Público.
Dada a palavra à legal representante da Companhia de Seguros C…, SA, pelo mesmo foi dito:
Aceita o acidente dos autos como de trabalho, bem como o nexo causal entre o mesmo as lesões e a morte do sinistrado ocorrida a 28/08/2014.
Aceita a transferência de responsabilidade pelo salário mensal de € 496,50 X 14 meses+ 679 € X 12 meses, anual de 15.099 €.
Contudo não aceita pagar qualquer quantia seja a que titulo fora, nos termos do Artº 14 nº 1 al. a) da Lei 98/09 de 04/09, nem aos beneficiários do sinistrado em titulo nem ao FAT.
Pela mesma razão não pagou nem aceita pagar qualquer importância a título de subsídio de funeral, pelo que não se concilia.
Dada a palavra ao legal representante da Entidade Patronal, pelo mesmo foi dito:
Em face da posição assumida pela Seguradora quanto ao montante salarial para si transferido nada tem que se responsabilizar no âmbito dos presentes autos porquanto tinha essa mesma responsabilidade devidamente transferida para a Seguradora pelo montante salarial auferido pelo sinistrado.
Quanto às despesas com o funeral oportunamente demonstrará junto da Seguradora o seu pagamento, solicitando o reembolso das mesmas.
Seguidamente pelo Srº Procurador da República foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Dada a posição assumida pelas partes, que são legítimas e capazes, dou-as por não conciliadas.
Para constar se lavrou o presente auto, que depois de lido e achado conforme vai ser devidamente assinado.».
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O Fundo fundamenta, aquele seu pedido de condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 45 297,00€, alegando, em síntese, que D… foi vítima de um acidente de trabalho, ocorrido no dia 28 de Agosto de 2014, quando se encontrava ao serviço da sua entidade empregadora numa obra que esta levava a cabo em Espanha, de que resultou a morte do mesmo.
Mais, alega que à data da sua morte, o D… encontrava-se divorciado e não tinha familiares com direito a pensão por morte e a empregadora do falecido D… tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a Ré.
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Citada, a Ré deduziu contestação, nos termos que constam a fls. 186 ess., alegando, em síntese, que o acidente que vitimou o D… ocorreu por negligência grosseira deste e por violação das normas de segurança, pelo que não assume a responsabilidade pelo sinistro.
Conclui que deve a acção ser julgada improcedente por não provada e, em consequência, ser ela absolvida do pedido.
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O Autor veio responder, nos termos que constam a fls. 278 e ss., impugnando a factualidade alegada pela Ré, defende que “só mediante produção de prova em sede de audiência e julgamento poderão apurar-se as circunstâncias concretas em que terá ocorrido o acidente e quanto à documentação, junta pela Ré, refere que “encontram-se todos redigidos em língua espanhola”, impugna o seu teor e termina que deve a excepção de descaracterização do acidente ser julgada improcedente, com as legais consequências.
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Após, em 10.01.2017, nos termos que constam do despacho de fls. 315, na sequência de um requerimento apresentado a fls. 282 e ss, por F…, em representação da sua filha menor, B…, onde requer que “seja declarado nulo todo o processado desde a realização da tentativa de conciliação (inclusive), ordenando-se a realização da mesma, agora com a consideração da Beneficiária, ora Requerente”, o que, o Tribunal “a quo” julgou improcedente, nos termos da decisão proferida a fls. 305 e ss., em 29.11.2016, o mesmo Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 27º alínea a) do Código de Processo do Trabalho, determinou oficiosamente, conforme consta daquele referido despacho de fls. 315, a intervenção nestes autos, “a título principal e na posição de autora, da requerente, B… (representada pela sua mãe, F…) e ordenou a sua citação.
A Chamada, nos termos que constam a fls. 320 e ss., veio apresentar petição inicial contra a Ré, C…, SA, requerendo que:
“a) Seja a Interveniente Principal na posição de Autora qualificada como Beneficiária do Sinistrado, para efeitos da LAT, e em consequência seja o Autor Fundo de Acidentes de Trabalho declarado, parte ilegítima, com as legais consequências;
b) Seja o acidente objecto dos presentes autos qualificado como acidente de trabalho;
c) Seja declarada improcedente a arguida descaracterização do acidente de trabalho em causa nos presentes autos;
d) Seja a Ré condenada a pagar à Autora uma pensão anual, de valor igual a 15% da retribuição anual do Sinistrado, que à datado sinistro era de €2.264,85 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), e na presente data é de€2.273,91 (dois mil, duzentos e setenta e três euros e noventa e um cêntimos), actualizável anualmente nos termos legais, até que a Autora:
a. perfaça 18 anos ou,
b. perfaça 22 anos, enquanto frequentar o ensino secundário ou curso equiparado, ou
c. perfaça 25 anos, enquanto frequentar curso de nível superior ou equiparado.
e) Aos valores ora peticionados devem acrescer juros, calculados à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data de vencimento da prestação até efectivo e integral pagamento.”.
Alegando, em síntese, ser neta do falecido D… que, este, à data da sua morte, quando se encontrava em Portugal residia na casa da sua filha F…, mãe da Chamada, em comunhão de mesa e habitação também com esta última e contribuindo para o sustento da mesma.
Mais, alega que o seu avô não teve qualquer culpa no acidente que o vitimou, pelo que não existe qualquer causa de exclusão da responsabilidade da Ré.
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A Ré veio contestar o pedido da interveniente, nos termos que constam a fls. 372 e ss., reiterando o que já havia alegado na primeira contestação.
Conclui pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido formulado pela Chamada.
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A esta respondeu a Chamada, conforme consta a fls.460 e ss, impugnando a força probatória que a Ré pretende retirar dos documentos que junta, pugna pela improcedência da excepção invocada pela mesma e conclui reiterando o seu pedido.
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Oportunamente, foi proferido despacho saneador tabelar e fixados os factos assentes e a base instrutória que, após, reclamação da Chamada foram, parcialmente, alterados nos termos que constam do despacho proferido a fls. 487.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados na acta de fls. 514 e ss., e 608, conclusos os autos para o efeito, dada resposta à matéria de facto, fundamentada e motivada, conforme consta a fls. 609 a 611, foi de seguida proferida sentença, que terminou com a seguinte Decisão: «Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção improcedente, em consequência do que absolvo a Ré dos pedidos formulados quer pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, quer pela Chamada.
Custas por Autor e Chamada.».
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Inconformada com esta decisão a Chamada, B…, interpôs recurso que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES
I
RECURSO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
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A R./seguradora respondeu, nos termos das contra-alegações, juntas a fls. 644 e ss., as quais sem formular conclusões termina pugnando pela improcedência das conclusões e do recurso.
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Nos termos que constam do despacho de fls. 652, o Mº Juiz “a quo” admitiu a apelação com efeito meramente devolutivo e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
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A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT e emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, no essencial, por considerar que se pode afirmar que o acidente ficou a dever-se, exclusivamente, ao comportamento do sinistrado.
Notificadas, as partes nada disseram.
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Cumprido o disposto no art. 657º, nº 2, do CPC, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim a questão a apreciar e decidir consiste em saber se, deve ser alterada a decisão de facto nos termos impugnados e se deve a sentença recorrida ser substituída por outra que declare procedente o pedido da recorrente, por o acidente sofrido pelo sinistrado não se encontrar “descaracterizado”, ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância, discutida a causa, considerou os seguintes “Factos provados:
a) No dia 28 de Agosto de 2014 D… exercia funções inerentes à categoria profissional de “Armador de Ferro” para a sociedade “E…, SA”, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, numa obra sita em Burgos, Espanha. (A)
b) O referido D… auferia então a retribuição anual global de 15 099,00€. (B)
c) Na data mencionada em a), a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho do D… encontrava-se transferida da sua entidade empregadora para a 1ª Ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ……….. (C)
d) Cerca das 13:25 horas do dia mencionado em a), no interior da obra aí também referida, o D… conduziu a viatura especial “Dumper”. (1º, 2º e D) (Eliminado)
e) A dada altura, tal veículo tombou, apanhando na queda o D…, o qual ficou por baixo do mesmo. (3º e D) (Eliminado)
d.e.) No dia e local mencionado em A), cerca das 13.30 horas, o D… foi encontrado debaixo de um veículo especial, de marca “Dumper”. (D) (Aditado)
f) Em consequência do mencionado em e), o D… sofreu lesões crânio-encefálicas, que foram causa directa e necessária da sua morte imediata. (F) (Alterada, expressão sublinhada para “em d.e.)”)
g) A posição de condutor do referido veículo encontra-se envolta por uma cabine e está equipada com cinto de segurança. (7º) (Eliminado)
h) Aquando do mencionado em e), o D… não fazia uso do cinto de segurança. (9º) (Eliminado)
i) Se o D… tivesse colocado o cinto de segurança, ele teria permanecido dentro da cabine quando o veículo tombou, pelo que nunca teria ficado por baixo desse mesmo veículo. (10º e 11º) (Eliminado)
j) Na data mencionada em a) o D… era divorciado; e tinha duas filhas, a saber:
- F…, nascida em 07/05/1978;
- G…, nascida em 10/03/1992. (G)
k) A Chamada nasceu em 29/12/2011 e é filha de F…. (H)
l) O D… residiu durante alguns anos na habitação do agregado familiar da sua filha F…, sita na Rua …, nº …, 7º Traseiras, em …. (12º)
m) Tal situação perdurou, pelo menos, até Junho de 2014, altura em que a sua filha mudou de casa. (12º)
n) Durante esse período, o D… tomava as suas refeições em conjunto com o agregado familiar da sua filha e contribuía monetariamente para as despesas da casa da sua filha. (12º e 14º)
o) O D… tinha uma ligação afectiva e emocional com a Chamada. (15º)”.
*
B) O Direito
- Impugnação da matéria de facto
A recorrente fundamenta a sua discordância com a decisão recorrida, desde logo, no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, por discordar da resposta dada aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º, 9.º,10.º, 12.º da base instrutória, fundamentalmente por considerar que tendo, para decidir do modo que o fez, quanto aos 6 primeiros, o Tribunal “a quo” lançado mão exclusivamente de prova documental, já que nenhuma prova testemunhal foi produzida quanto aos mesmos, a resposta a dar-lhes só poderia ser não provado.
E, quanto ao quesito 12º, cuja resposta, de provado apenas, corresponde ao que consta das alíneas l), m), e n) dos factos provados, defende que a resposta a dar-lhe deverá ser provado, com base no depoimento das testemunhas arroladas pela Chamada.
Vejamos, então.
Perguntava-se, nos quesitos 1º, 2º e 3º, o seguinte:
“1º: No dia mencionado em A), cerca das 13:25 horas, o D… havia atingido a pausa para almoço e deveria dirigir-se à cantina existente na obra?
2º: D… decidiu então deslocar-se para a cantina, conduzindo a viatura “Dumper” mencionada em D)?
3.º: Quando conduzia tal veículo, o mesmo tombou, apanhando na queda o D…, o qual ficou por baixo do mesmo?”.
A estes respondeu o Mº Juiz “a quo” do seguinte modo: “ARTIGOS 1º e 2º: Provado apenas que cerca das 13:25 horas do dia mencionado em A), no interior da obra aí também referida, o D… conduziu a viatura “Dumper” mencionada em D).
ARTIGO 3º: Provado”, deixando consignado em relação aos mesmos o seguinte: “1. Não foi produzida qualquer prova testemunhal que demonstrasse qualquer razão de ciência válida relativa ao acidente que constitui o objecto dos presentes autos.
Com efeito, as três testemunhas arroladas pela Chamada limitaram-se a depor sobre a matéria relacionada com a relação familiar entre esta e o falecido Sinistrado.
Já do lado da Ré, H…, gestor de processos de acidentes de trabalho da mesma desde 1996, limitou-se a reproduzir o que consta do relatório de peritagem cuja realização solicitou a uma empresa espanhola e que se encontra junto a fls. 197 e seguintes.
Resta, por isso, a testemunha I…, representante legal da sociedade empregadora do Sinistrado, inquirido por carta rogatória.
Ora, e como consta do respectivo auto, junto a fls. 598, é certo que esta testemunha começou por responder afirmativamente a uma série de questões, designadamente as relativas à dinâmica do acidente e que correspondem aos artigos 1º a 4º da Base Instrutória.
Sucede, contudo, que em momento posterior do seu depoimento, designadamente aquando das respostas dadas aos artigos 9º e 10º, a testemunha admitiu não só que não se encontrava na obra na altura do acidente; como até que nunca se deslocou à mesma.
Ou seja, é manifesto que também esta testemunha não dispõe de qualquer razão de ciência válida sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente, pelo que as afirmações por ele prestadas aos artigos 1º a 4º perdem toda a relevância que, num primeiro momento, pudessem assumir.
Em consequência, o Tribunal apenas dispõe de três elementos probatórios sobre tal matéria. O primeiro são os vários excertos de notícias publicadas em órgãos de comunicação social espanhóis (mais concretamente da Região de Castela e Leão) nos dias posteriores ao acidente, juntos de fls. 79 a 81 e de fls. 241 a 253 dos autos, e nos quais é sempre confirmada a versão constante dos artigos 1º a 3º da Base Instrutória.
Contudo, o tribunal desconhece em absoluto quais as fontes em que se basearam tais notícias, pelo que as mesmas não podem assumir qualquer virtualidade probatória.
Em segundo lugar, as declarações alegadamente prestadas por um elemento da entidade empregadora do Sinistrado, constante do relatório pericial junto pela Seguradora.
Porém, em nenhum momento de tal relatório se procede à identificação do referido autor das declarações, o que lhe retira toda e qualquer relevância.
Por último, o relatório elaborado pela autoridade policial de …, junto a fls. 118 e seguintes.
Da análise deste documento, do qual constam toda uma série de fotografias tiradas no próprio dia do acidente e até antes da remoção do corpo do infeliz Sinistrado, é desde logo possível aferir que o veículo “dumper” se encontrava tombado sobre o seu lado esquerdo, num local em que o terreno faz um desnível de cerca de um metro (cfr. fls. 121, 122 e 123 dos autos).
Ora, na eventualidade de o veículo se encontrar parado no topo desse desnível e, por qualquer motivo (que não vislumbramos, mas admitimos como hipótese), tivesse caído por cima do Sinistrado, não só teria de estar imobilizado mais próximo do próprio desnível, como nunca poderia ter esmagado apenas o crânio do infeliz trabalhador. Pelo contrário, e por força das leis da física, parece-me evidente que este teria necessariamente de ter sido também atingido nas pernas e no tórax.
Daí que - e tal como a autoridade policial imediatamente concluiu - é para mim pacífico que o acidente ocorreu quando o Sinistrado se encontrava a conduzir o “dumper”.
Face a todo este circunstancialismo, apenas resta responder restritivamente aos artigos 1º e 2º da Base Instrutória; afirmativamente ao artigo 3º e negativamente aos artigos 4º a 6º
(...).”.
Defende a apelante que a resposta a dar àqueles deveria ter sido de não provados.
E, analisando as provas produzidas nos autos, desde logo o que o Mº Juiz “a quo” deixou exposto na motivação que antecede, em relação àquelas e ao que firmou a sua convicção para responder àqueles quesitos do modo que o fez, só podemos estar em total desacordo com aquela decisão.
É nossa firme, convicção que a apelante tem razão, quando defende que aqueles só poderiam ser dados como não provados.
Basta atentar na primeira afirmação efectuada, pelo Mº Juiz “a quo”, quando diz que, “Não foi produzida qualquer prova testemunhal que demonstrasse qualquer razão de ciência válida relativa ao acidente que constitui o objecto dos presentes autos”, e no que afirma a respeito da prova documental que firmou a sua convicção, a cuja análise procedemos, também.
Primeiro, os vários excertos de notícias publicadas em órgãos de comunicação social espanhóis (mais concretamente da Região de Castela e Leão) nos dias posteriores ao acidente, juntos de fls. 79 a 81 e de fls. 241 a 253 dos autos, relativamente aos quais refere que por o tribunal desconhecer em absoluto quais as fontes em que se basearam tais notícias, “as mesmas não podem assumir qualquer virtualidade probatória”, não poderíamos estar mais de acordo.
Segundo, o que refere a propósito das declarações, alegadamente, prestadas por um elemento da entidade empregadora do Sinistrado, constante do relatório pericial junto pela Seguradora, considerando que, em nenhum momento de tal relatório se procede à identificação do referido autor das declarações, “o que lhe retira toda e qualquer relevância”, o que subscrevemos.
Resta, assim, o relatório elaborado pela autoridade policial de …, junto a fls. 118 e seguintes, o qual firmou a sua convicção “para responder restritivamente aos artigos 1º e 2º da Base Instrutória; afirmativamente ao artigo 3º”, afirmando que: “Da análise deste documento, do qual constam toda uma série de fotografias tiradas no próprio dia do acidente e até antes da remoção do corpo do infeliz Sinistrado, é desde logo possível aferir que o veículo “dumper” se encontrava tombado sobre o seu lado esquerdo, num local em que o terreno faz um desnível de cerca de um metro (cfr. fls. 121, 122 e 123 dos autos).
Ora, na eventualidade de o veículo se encontrar parado no topo desse desnível e, por qualquer motivo (que não vislumbramos, mas admitimos como hipótese), tivesse caído por cima do Sinistrado, não só teria de estar imobilizado mais próximo do próprio desnível, como nunca poderia ter esmagado apenas o crânio do infeliz trabalhador. Pelo contrário, e por força das leis da física, parece-me evidente que este teria necessariamente de ter sido também atingido nas pernas e no tórax”, concluindo “Daí que - e tal como a autoridade policial imediatamente concluiu - é para mim pacífico que o acidente ocorreu quando o Sinistrado se encontrava a conduzir o “dumper”.”.
Ora, sempre com o devido respeito, discordamos que se podia formular esta conclusão, com base na conclusão da autoridade policial que chegou ao local já após ter ocorrido o acidente. Nada do que é referido no relatório que elaboraram permite formular tal conclusão. Nada é possível retirar quer da observação das fotografias juntas, quer do consignado pela autoridade policial naquele documento nos permite formular aquela conclusão.
Sem dúvida, é nossa firme convicção, após a análise que efectuámos dos documentos em causa, particularmente do referido documento de fls.. 118 e ss, que corresponde ao Atestado n.º 2014-101717-77, elaborado pela Polícia Judicial de … que, foi essencial para que o Mº Juiz “a quo” se convencesse no sentido de que o acidente ocorreu quando o sinistrado se encontrava a conduzir o referido “Dumper”, que nada dele consta que nos permita formular essa conclusão.
Quer da análise do documento em causa, quer dos demais e fotografias juntas aos autos, todos eles documentos, sem qualquer valor probatório e impugnados pela Chamada, nada é possível retirar e sempre com o devido respeito, jamais poderemos partilhar da convicção expressa na decisão recorrida de ser “pacífico que o acidente ocorreu quando o Sinistrado se encontrava a conduzir o “dumper”.”.
Como assim, se ninguém sabe ou disse o que se passou.
Pois, como bem alega a recorrente, “nenhum dos intervenientes na elaboração dos documentos mencionados foi ouvido pelo Tribunal, pelo que não foi possível obter qualquer esclarecimento sobre o teor dos mesmos o seu circunstancialismo (modo, tempo, lugar), sobre o exacto momento em que foram tiradas as fotografias constantes dos mesmos (elemento essencial na apreciação e decisão do Tribunal a quo), sobre o local em que se encontrava o veículo fotografado no documento de fls. 197, sobre o que vemos exactamente em cada fotografia, até porque a qualidade das fotografias do documento de fls. 197 é nula: são imagens ou parcialmente ilegíveis ou integralmente ilegíveis”.
Razão porque, só podemos concordar, com o alegado pela mesma de que: “Não há qualquer prova de que o Sinistrado tenha conduzido o veículo (nenhuma prova testemunhal foi produzida quanto a essa matéria, e os documentos mencionados pelo Tribunal a quo na sua fundamentação também não referem qualquer depoimento de pessoa identificada e/ou identificável que ateste o mencionado) ou sequer que tenha sido visto perto daquela hora a conduzir o veículo dumper”.
É, assim, para nós seguro que, não poderia o Mº Juiz “a quo”, ter respondido, àqueles quesitos do modo que o fez, dando por provado que “D… decidiu então deslocar-se para a cantina, conduzindo a viatura “Dumper” mencionada em D)?
3.º: Quando conduzia tal veículo, o mesmo tombou, apanhando na queda o D…, o qual ficou por baixo do mesmo?”.
Repetimos, nada nos autos existe (nem um único meio de prova, as fotografias ou os documentos já referidos) que permita concluir que o sinistrado conduzia o “Dumper” quando se deu o acidente, nem ninguém o disse, ou qualquer outra coisa que permita formular qualquer convencimento sobre tal nem, sempre com o devido respeito, se compreende o apelo “às leis da física” efectuado pelo Mº Juiz “a quo” para afirmar, atenta a posição do corpo do Sinistrado (que ninguém disse se era a que ficou quando se deu o acidente, como bem nota a recorrente) que o sinistrado conduzia o “Dumper”, no momento em que se deu o acidente.
Pois, em nenhum documento (peritagem ou parecer, elementos de prova inexistentes nos autos), é esclarecida a presença do sinistrado ao volante do “Dumper”, antes do acidente. E sendo desse modo, reiterando o necessário respeito, consideramos que será precipitado invocar as leis da física para justificar esta presunção. Apenas a física quântica admite a presença de uma massa em vários locais em simultâneo. Infelizmente para este caso, a mecânica quântica apenas obtém validade no campo subatómico e mesmo aí a localização de um objecto pode ser determinada na presença de um observador, que não existe no momento do acidente. Relevante é igualmente o facto de que a dinâmica do acidente é totalmente desconhecida do Tribunal, na medida em que se ignora, por completo, o que o sinistrado estava a fazer no momento que antecedeu o sinistro, realidade que permitiria ao Tribunal partir para o outro facto, que desconhecia, mas que atentas as regras da experiência, lhe era lícito concluir.
Com efeito, segundo o disposto no art. 349º do CC “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
As presunções judiciais “só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal” (art. 351º do CC), a significar que a “força destas presunções pode ser arredada por simples contraprova”, conforme ensina (Manuel Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 215).
As presunções judiciais, naturais ou de facto, “têm por base as lições da experiência ou as regras da vida. O Juiz, no seu prudente arbítrio, deduz de certo facto conhecido um facto desconhecido, porque a sua experiência da vida lhe ensina que aquele é normalmente indício deste” (Jorge Augusto Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, 9ªedição, pág. 303).
Acresce que “a utilização de presunções judiciais surge com mais frequência quando se torne necessário proferir uma decisão relativamente a factos essenciais correspondendo aos pressupostos normativos de que depende a procedência da acção ou da excepção, relativamente aos quais, por vezes, se torna difícil o seu apuramento através de meios de prova directa”, conforme refere (A. Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, volume II, pág. 221).
Postas estas considerações, passando ao caso concreto, cremos assim, tal como já havíamos antecipado, que nada se tendo apurado, sobre as razões porque o sinistrado se encontrava no local onde foi encontrado, nem o modo como aí foi parar, nem o modo como foi apanhado pelo “Dumper”, que não se sabe em que circunstâncias tombou, se estava a ser conduzido, se estava parado, ou outra, tal como defende a apelante, por ausência de qualquer prova que permita convencer, sobre a factualidade perguntada nos quesitos 1º, 2º e 3º, ou qualquer facto conhecido de onde se pudessem deduzir aqueles, os mesmos, só poderiam ser dados como não provados, o que nesta sede se declara, determinando a eliminação das alíneas d) e e)do elenco dos factos provados e, em seu lugar, aditando-lhe uma nova alínea, com o teor correspondente à al. D) dos Factos Assentes, ou seja. “d.e.) No dia e local mencionado em A), cerca das 13.30 horas, o D… foi encontrado debaixo de um veículo especial, de marca “Dumper”.”.
Importa, ainda, face ao aditamento efectuado, que se altere, a expressão “em e)”, referida na al. f), a qual passa a ter a seguinte redacção: “f) Em consequência do mencionado em d.e.), o D… sofreu lesões crânio-encefálicas, que foram causa directa e necessária da sua morte imediata.”.
Ora, sendo nossa convicção, que não se apuraram as circunstâncias em que se deu o acidente que vitimou o infeliz sinistrado, especialmente, que este conduzisse na altura o referido “Dumper”, mostra-se prejudicada a impugnação deduzida pela apelante quanto aos quesitos 7º, 9º e 10º, pela inutilidade de que se revestiria e, nessa medida, há que determinar a eliminação do elenco dos factos provados das alíneas g), h) e i), esta última, além do mais, por ser meramente conclusiva e desse modo, nunca ela poderia constar do elenco da factualidade provada.
Diga-se, apenas, que caso não fosse do modo acabado de decidir, por ausência de qualquer prova que os demonstre, é nossa firme convicção que aqueles quesitos, nunca poderiam ter sido dados como provados, nos termos em que o foram na decisão recorrida mas, apenas, não provados, como bem defende a recorrente.
Procede, assim, quanto aos quesitos 1º, 2º, 3º, 7º, 9º e 10º, a impugnação deduzida.
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Vejamos, agora a impugnação deduzida quanto à resposta dada ao quesito 12º.
Nele perguntava-se: “12º Desde o ano de 2006 que o D… residia na habitação do agregado familiar da sua filha F…, fazendo refeições conjuntas?”.
A ele o Mº Juiz “a quo” respondeu “ARTIGO 12º: Provado apenas que:
- O D… residiu durante alguns anos na habitação do agregado familiar da sua filha F…, sita na Rua …, nº …, 7º Traseiras, em …;
- Durante esse período, o D… tomava as suas refeições em conjunto com o agregado familiar da sua filha;
- Tal situação perdurou, pelo menos, até Junho de 2014, altura em que a sua filha mudou de casa.”, e fundamentou a sua convicção, nos seguintes termos: «Para prova dos artigos 12º a 15º da Base Instrutória, a Chamada arrolou três testemunhas, a saber: J…, padrinho da mesma; K…, mulher daquele e madrinha da irmã da Chamada; e L…, prima da mãe da Chamada.
Todas estas testemunhas, de forma espontânea, mecânica e automática, confirmaram integralmente a factualidade em causa.
Não obstante, existem elementos nos autos que nos suscitam algumas dúvidas e reservas quanto à veracidade integral dessa mesma factualidade.
Assim, e desde logo, há que tomar em consideração as primeiras declarações da mãe da Chamada, prestadas em Novembro de 2014 nos serviços do Ministério Público de Valongo.
Nessa altura, e como resulta claramente do teor de fls. 47, aquela foi peremptória em afirmar que “o seu pai vivia com a depoente na casa desta sita em …, Gondomar”. Contudo, nessa altura a mãe da Chamada já residia em Matosinhos, como consta da identificação da mesma. Aliás, como a própria depois esclareceu em Março de 2015, já nos serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia (cfr. fls. 84), a alteração da residência terá ocorrido em Junho de 2014, ou seja, apenas dois meses antes da morte do pai.
Daqui resulta não haver dúvidas que o infeliz Sinistrado viveu efectivamente na casa da sua filha de … (aliás, era essa a morada que constava em todos os documentos de identificação do mesmo, aquando do acidente). Contudo, não existem elementos suficientes que permitam afirmar, com certeza e segurança, que em Junho de 2014 ele também tenha alterado a sua residência para Matosinhos.
Por outro lado, naquelas mesmas primeiras declarações produzidas em Novembro de 2014, a mãe da Chamada afirmou peremptoriamente que não se encontrava na dependência material do seu pai. Assim, a nova versão por ela depois apresentada em Março de 2015 - no sentido de que o pai contribuía para o seu sustento com 200,00€ a 300,00€ por mês - não pode deixar de gerar naturais reservas ao tribunal.
Daí que apenas se dê como provado que o Sinistrado contribua efectivamente com uma quantia pecuniária (cujo montante mensal não foi apurado) para ajudar nas despesas da casa da filha, situação que é perfeitamente natural e plausível, tendo em consideração que o mesmo também residia na mesma.
Contudo, a Chamada não juntou aos autos qualquer documento, designadamente emitido pela Segurança Social, que comprovasse a alegada situação de desemprego da sua mãe, pelo que tal facto não pode ser dado como provado.
Finalmente, e face aos depoimentos das testemunhas, é de concluir que o infeliz Sinistrado, como é natural entre um avô e uma neta de dois anos, mantinha uma ligação afectiva e emocional com a Chamado.»
A recorrente discorda, argumentando que, “toda a prova constante dos autos é clara, inequívoca e vai num único sentido: a de que o Sinistrado, desde que se separou de M… residia em casa da sua filha F… (juntamente com a Recorrente e o pai desta).” E alega ser seu entender “que deverá ser alterada a resposta oferecida pelo Tribunal a quo ao quesito 12.º, devendo a mesma passar a ser a seguinte: provado”.
Que dizer?
Previamente, a analisar se lhe assiste razão, estando em causa quanto a este quesito 12º, cuja resposta vem impugnada, a produção de prova testemunhal gravada, importa verificar se a recorrente cumpriu os ónus que lhe são impostos para que, neste Tribunal, se proceda à apreciação da deduzida impugnação.
Pois, como dispõe o nº 1 do art. 662º, do CPC, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes. Mas, como é sabido, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º do CPC ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.T., nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova e, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Precisamente o que consideramos, não foi efectuado pela recorrente, nem nas suas alegações, nem nas conclusões.
E, sendo desse modo, sem necessidade de outras considerações, há que rejeitar a impugnação deduzida quanto ao quesito 12º.
Procede, assim, parcialmente a questão da impugnação da decisão de facto.
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Passemos, então, à questão de saber se deve ser revogada a decisão recorrida e o pedido da recorrente ser julgado procedente, por o acidente sofrido pelo sinistrado não poder ser imputado a comportamento do mesmo, não se encontrando descaracterizado, como defende a recorrente.
E, quanto a este aspecto concreto da decisão, tendo em atenção a factualidade que ficou, definitivamente, assente face às alterações nesta sede determinadas, podemos afirmar que lhe assiste razão.
Como bem se assentou na decisão recorrida que se encontrava “pacificamente aceite nos autos, por todos os intervenientes, que no referido dia o mencionado D… foi encontrado morto no seu local de trabalho, esmagado debaixo de um veículo “dumper””, após, as alterações introduzidas na matéria de facto, de modo que o que se apurou não permite saber como se deu aquele acidente, apenas, se encontrando provado que o sinistrado no seu tempo e local de trabalho foi encontrado debaixo de um veículo especial, de marca “Dumper” e, em consequência disso, o D… sofreu lesões crânio-encefálicas, que foram causa directa e necessária da sua morte imediata, não é possível concluir que o acidente em causa se encontra descaracterizado.
Se, atenta a definição normativa de acidente de trabalho enunciada no art. 8°, n° 1, do “Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais”, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, (também designada NLAT e a que pertencerão os artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) aplicável ao caso, atenta a data de 28.08.2014, em que ocorreu o sinistro em causa”, que sob a epígrafe “Conceito”, dispõe que:
“1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.”, não podem suscitar-se dúvidas que estamos perante um acidente de trabalho, também, não podem suscitar-se dúvidas que é indemnizável, já que nada se apurou que permita concluir pela sua descaracterização, como se decidiu na decisão recorrida.
E, não fosse a recorrente, uma beneficiária especial, com a particularidade de através da presente acção pretender ser ressarcida pela morte de D…, seu avô, resultante daquele referido acidente de trabalho de que o mesmo foi vítima, no dia 28 de Agosto de 2014, poderíamos afirmar que o recurso deveria proceder.
No entanto, aquele grau de parentesco que unia a recorrente ao sinistrado, importa, desde logo, que se tenha em conta o art. 57º, que sob a epígrafe “Titulares do direito à pensão por morte”, dispõe:
“1 - Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:
a) Cônjuge ou pessoa que com ele vivia em união de facto;
b) Ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos;
c) Filhos, ainda que nascituros, e os adoptados, à data da morte do sinistrado, se estiverem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º;
d) Ascendentes que, à data da morte do sinistrado, se encontrem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º;
e) Outros parentes sucessíveis que, à data da morte do sinistrado, com ele vivam em comunhão de mesa e habitação e se encontrem nas condições previstas no n.º 1 do artigo 60.º
(...)”.
E, também, o referido no art. 60º, sob a epígrafe, “Pensão aos filhos”, dispõe:
“1 - Se do acidente resultar a morte, têm direito à pensão os filhos que se encontrem nas seguintes condições:
a) Idade inferior a 18 anos;
b) Entre os 18 e os 22 anos, enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado;
c) Entre os 18 e os 25 anos, enquanto frequentarem curso de nível superior ou equiparado;
d) Sem limite de idade, quando afectados por deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.
2 - O montante da pensão dos filhos é o de 20 % da retribuição do sinistrado se for apenas um, 40 % se forem dois, 50 % se forem três ou mais, recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80 % da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe.”.
Ora face ao que decorre destes dispositivos, pese embora, não se suscitarem dúvidas face à factualidade apurada que, a recorrente é parente do sinistrado, com direito a pensão, nos termos da al e) do nº 1, daquele art. 57º e que, à data da morte do sinistrado se encontrava nas condições previstas no nº 1, do art. 60º, em concreto, na al. a), por ter idade inferior a 18 anos de idade, o certo é que não tem a mesma direito à pensão que veio peticionar, pois que além do que se apurou no facto o) que “O D… tinha uma ligação afectiva e emocional com a Chamada”, nada mais se apurou que permita concluir que viviam em comunhão de mesa e habitação como, cumulativamente, se exige naquela referida al. e), do art. 57º.
O facto provado em n) de que, “Durante esse período, (l) O D… residiu durante alguns anos na habitação do agregado familiar da sua filha F…, sita na Rua …, nº …, 7º Traseiras, em …. m) Tal situação perdurou, pelo menos, até Junho de 2014, altura em que a sua filha mudou de casa), o D… tomava as suas refeições em conjunto com o agregado familiar da sua filha e contribuía monetariamente para as despesas da casa da sua filha” é, manifestamente, insuficiente para que se possa concluir que a Chamada, sua neta, tem direito à pensão por morte daquele, uma vez que não se provou que, “na data da morte” o sinistrado vivia em comunhão de mesa e habitação com a sua neta. Provou-se que essa situação perdurou, pelo menos, até Junho de 2014, conforme factos l), m) e n), mas não se provou que se mantivesse à data da morte daquele. Ou que, a partir da mudança de residência da filha, mãe da Chamada, o mesmo não tenha vindo mais a Portugal, até à data do acidente. Nem se provou que tendo vindo, tenha continuado a permanecer na nova residência daquela. E, desse modo não estão verificados os requisitos previstos naquela al. e) do nº1 do art. 57º, o que inviabiliza a procedência do pedido da recorrente.
Pois, o reconhecimento da titularidade do direito a pensão, conferido a outros parentes sucessíveis, como no caso, uma neta do sinistrado, pelo art. 57º, nº 1, al. e), depende da prova em juízo, além de que, com ele viviam em comunhão de mesa e habitação e se encontrem nas condições previstas no art. 60º, nº 1, também, de que essa situação ocorria à data da morte daquele o que, no caso, não se provou.
Assim, há que julgar improcedente, esta questão da apelação e, ainda, que por razões não coincidentes, há que manter a decisão recorrida, a improcedência do pedido deduzido pela Chamada e a, consequente, absolvição da Ré dos pedidos formulados.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção, em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
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Custas pela A./recorrente, sem prejuízo de eventual apoio de que beneficie.
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Porto, 18 de Maio de 2020
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Domingos Morais