Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2079/20.0T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
SEGUNDO PEDIDO
HOMOLOGAÇÃO
OPOSIÇÃO
CREDOR
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Nº do Documento: RP202110042079/20.0T8STS.P1
Data do Acordão: 10/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A apresentação a um novo PER encontrando-se um anterior acordo homologado em PER em fase de cumprimento não evidencia só por si uma situação de insolvência do devedor, face à alteração das circunstâncias que estiveram presentes no anterior PER.
II - Adotado o mesmo critério de pagamento em relação a todos os créditos comuns, sem qualquer oposição destes, mostra-se garantido o princípio da igualdade.
III - Constituía um ónus do credor que veio opor-se à homologação do plano de revitalização alegar os factos extintivos ou impeditivos do direito do devedor demonstrando que o património do devedor era suficiente para garantir o pagamento dos créditos dos trabalhadores em processo de insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PER-Homologação-2079/20.0T8STS.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
B…, SAD., NIPC ………, com sede no …, …, ….-… Matosinhos, veio em cumprimento do disposto no artigo 17.º-C do CIRE, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28/06, comunicar a intenção de dar início às negociações conducentes à sua revitalização/recuperação.
Instruiu o requerimento com os documentos previstos no art. 17º-C/1/2/3 CIRE.
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Após convite ao aperfeiçoamento do pedido formulado e apreciação de requerimento incidental, proferiu-se em 21 de agosto de 2020 despacho de admissão do processo, com nomeação do administrador judicial provisório (ref. Citius 416632949).
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Seguiu-se a fase das negociações e da reclamação de créditos, com elaboração da lista provisória de créditos pelo administrador judicial provisório.
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A lista foi objeto de impugnações.
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O credor C…, SA veio impugnar a referida lista.
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O devedor veio responder à impugnação e o credor veio responder à resposta.
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O Administrador Judicial Provisório apresentou o seu parecer no sentido de não ser atendida a impugnação do credor C…, SA.
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Em 02 de novembro de 2020 (ref. Citius 418735041) proferiu-se despacho que apreciou e decidiu as impugnações.
Em nota introdutória proferiu-se o despacho que se transcreve:
Das impugnações apresentadas (considerações iniciais e entendimento do Tribunal):
O processo especial de revitalização é um processo com uma natureza híbrida, misto de negociação extrajudicial e aprovação judicialmente homologada. Destina-se a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.
É, pois um processo negocial, tendente à obtenção de um acordo que conduza à revitalização do devedor. E decorre, essencialmente, entre o devedor e os seus credores, com intervenção de um administrador judicial provisório nomeado pelo Tribunal.
A intervenção do Tribunal neste processo resume-se, grosso modo, e excluindo os atos de publicidade do processo e depósito dos documentos para consulta, à nomeação inicial do administrador judicial provisório, à decisão sobre as impugnações da lista provisória de créditos – artigo 17.º-D/3, aplicável ex vi artigo 17º-I/3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), e à homologação (ou recusa) do acordo extrajudicial.
Prevê o artigo 17º-D/3 que “a lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.
Da redação do preceito – aliada à especialidade do processo de revitalização – afigura-se-nos ser resultado pretendido pelo legislador e visado com esta tramitação, que as impugnações sejam decididas pelo Juiz em ato seguido à apresentação das impugnações, sem tentativa de conciliação, sem seleção de temas de prova, sem julgamento, sem produção de prova que não a documental junta com a reclamação e com a impugnação da lista apresentada, afastando, em princípio, a aplicação subsidiária prevista no CIRE para a verificação e graduação de créditos no âmbito de um processo de insolvência.
Este entendimento decorre do facto de o PER ser, na sua essência um processo negocial entre um devedor e os seus credores, tendente à obtenção de um acordo conducente à sua revitalização e nesta vertente abreviada um processo de homologação de um acordo previamente obtido entre o devedor e seus credores. Mais, neste processo não há lugar a qualquer verificação ou graduação dos créditos reclamados sobre o devedor, tendo a lista definitiva de créditos reclamados apenas efeito no que respeita ao quórum deliberativo e à maioria necessária para homologação do acordo – artigo 17º-F/3 aplicável ex vi artigo 17º-I/4 e à dispensa de reclamação por parte de quem já o haja feito, caso a final do PER venha a ser decretada a insolvência – artigo 17º-G/7, aplicável ex vi artigo 17º-I/5. É também esse efeito que explica a irrelevância da natureza dos créditos.
Pelo exposto, verifica-se que a relevância da lista definitiva se manifesta:
- no facto de ser a base para o cálculo do quórum deliberativo, mas com a previsão da possibilidade de as impugnações não estarem ainda decididas – artigo 17º-F/3;
- no facto de, sendo o processo convertido em processo de insolvência, o prazo previsto no artigo 36º/1/j) (prazo de reclamação de créditos fixado na sequência de declaração de insolvência) se destinar apenas à reclamação de créditos não reclamados no PER, o que determina que o artigo 129.º do CIRE vai ter que os contemplar, como reconhecidos ou não reconhecidos e que essa relação pode ser impugnada, nos termos gerais, também quanto a estes créditos.
Conclui-se, assim, que a função relevante da lista definitiva de credores é a de compor o quórum deliberativo previsto no artigo 17º-I/4 e 17º-F/3 do CIRE.
Atento o disposto no artigo 17º-F/3, o que releva para este efeito é, para além da verificação do crédito, propriamente dita, se o crédito tem natureza subordinada ou não, sendo que, não tendo natureza subordinada, não releva se é comum, privilegiado ou garantido.
O facto de os efeitos desta decisão serem restritos aos presentes autos e apenas nesta função assinalada ilustra a falta de valor que a decisão das impugnações tem sobre os créditos, na sua substância.
A decisão que o legislador exige do julgador é apenas aquela que permita saber se determinado plano está ou não aprovado e se determinado acordo deve ou não ser homologado. Esta decisão não determina o valor dos créditos a pagar (isso é o plano ou acordo que têm que fazer) e não declara a existência/inexistência de qualquer crédito. Feitas estas considerações gerais e enquadramento da decisão a tomar, passemos ao conhecimento do nosso caso concreto.
No caso concreto e conforme se referiu no despacho proferido em 06.10.2020 (referência 417726914), sem prejuízo de o legislador não ter estipulado preceito próprio a respeito da tramitação a seguir no caso de serem apresentadas impugnações à lista provisória de créditos no âmbito do processo especial de revitalização, apenas impondo a sua decisão no curto prazo de 5 (cinco) dias, consideramos que deveria ser seguida, com as devidas adaptações (atenta a especificidade do processo em curso), a tramitação prevista nos arts.131.º e ss. do CIRE.
Tal entendimento, e conforme referido supra, não obsta a que concordemos com a Sra. AJP quando refere que vem sendo entendimento dominante na jurisprudência e doutrina dominante, que a relação de credores elaborada no âmbito do PER tem como única e exclusiva finalidade compor o quórum deliberativo para saber se determinado plano está ou não aprovado e se determinado acordo deve ou não ser homologado, uma vez que, nesses processos, não há lugar a qualquer verificação, graduação ou posterior decisão de reconhecimento dos créditos reclamados sobre os devedores, como se de um processo de insolvência se tratasse, pelo que, o reconhecimento ou não reconhecimento de um crédito nos termos reclamados não constitui uma decisão definitiva acerca desses créditos (vd. Anotação 11 ao art.º 17.º- D no CIRE Anotado, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, 3.ª Edição, Quid Juris, pág. 153 e ss. e, a título exemplificativo, acórdão do TRP de 29.02.2016, Processo n.º 841/14.1TYVNG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário é elucidativo: I - No Processo Especial de Revitalização (PER), podem ser reclamados créditos não vencidos, não sendo, no entanto, reclamáveis créditos futuros e hipotéticos. II - A função relevante da lista definitiva de credores no PER é única e exclusivamente a de compor o quórum deliberativo previsto no artigo 17º-F, n.º 3 do CIRE, não tendo a decisão sobre as impugnações força de caso julgado fora do estrito âmbito do PER.III - Na tramitação do PER, a lei não prevê a “graduação” dos créditos reclamados, ao invés do que ocorre com o processo de insolvência, na medida em que, face ao único e exclusivo objetivo enunciado (composição do quórum deliberativo) e à inexistência de caso julgado fora do âmbito do PER, tal graduação revelar-se-ia inútil. IV - O que efetivamente releva para o efeito pretendido pela lei, é, unicamente, para além da verificação do crédito, saber se o mesmo tem ou não natureza subordinada, não assumindo qualquer relevância para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE, o facto de ser comum, privilegiado ou garantido.).
Nessa medida, o Tribunal atenderá às impugnações, respostas e ao teor dos documentos juntos, que constam dos autos, quer os elementos facultados pela sociedade devedora SAD e seus elementos de contabilidade, e ainda as reclamações de créditos apresentadas e os documentos que acompanham as mesmas (a prova documental que aludimos anteriormente), não podendo ser atendidos outros meios de prova, como a prova testemunhal, pelo facto de a celeridade do PER não ser compatível com a delonga provocada pela inquirição das testemunhas indicadas pelos impugnantes”.
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No tocante à impugnação do credor C…, SA proferiu-se a decisão que se transcreve:
V - Referência 36571577 (C…, SA):
Tomei conhecimento da impugnação apresentada por C…, SA e dos documentos que a instruem (não está reconhecido qualquer crédito à impugnante).
Veio a Sra. AJP alegar que, ressalvando a complexidade contratual derivada dos contratos apresentados, conjugada com o contexto do atual processo – PER -, a AJP não consegue alcançar factualidade ou prova documental que permita reconhecer ao credor impugnante um crédito de valor superior ao reconhecido pela devedora, ou seja, de 300.000,00 €, uma vez que, e salvo melhor opinião em contrário, além dos contratos apresentados, os demais documentos (recortes de notícias), não permitem à AJP aferir de todos os contornos dos negócios em questão, e de outros valores que sejam devidos ao credor impugnante pelo devedor.
De acordo, e em face ao exposto, a Sra. AJP é do entendimento que deve a impugnação apresentada ser julgada improcedente, ou aferir-se da possível resposta a apresentar pela devedora.
Veio a sociedade devedora que, conforme resulta do requerimento inicial apresentado, o Devedor apenas reconhece o crédito indicado, sendo que, todos os factos alegados pelo credor não são reconhecidos pelo Devedor. No mais, nem pela prova carreada resulta a evidência da sua pendência e vencimento, não se evidenciando, pois, de nenhuma forma, a existência dos valores reclamados e aqui objeto de impugnação, que a devedora igualmente não reconhece.
Já quanto aos documentos juntos, que vão assim impugnados, sendo que nunca seriam prova bastante e suficiente do que se alega, concluindo-se pela sua impugnação atenta a falta de fiabilidade, autenticidade e rigor dos factos aí narrados.
Assim, deve improceder a impugnação apresentada, o que se requer.
Cabe decidir:
A impugnação apresentada é tempestiva, ao abrigo do art.º 17.º - D/3 do CIRE.
Após despacho proferido para o efeito, foi junta procuração (referência 36898523).
A impugnante C…, SA não apresentou reclamação de créditos, tendo apenas apresentado impugnação.
Veio ainda apresentar resposta (referência 36898523) à resposta apresentada pela sociedade devedora SA., juntando mais documentos sobre correspondência trocada com a sociedade devedora SAD.
Compulsados o requerimento em apreço e os documentos juntos, o Tribunal concorda com os fundamentos apresentados pela Sra. AJP e pela sociedade devedora.
Com efeito e devidamente ressalvada a complexidade contratual derivada dos contratos apresentados, não tendo atento o contexto do atual processo de PER e as considerações iniciais, tal como a Sra. AJP, o Tribunal não consegue vislumbrar factualidade ou prova documental que permita reconhecer ao credor impugnante um crédito de valor superior ao reconhecido pela devedora SAD, ou seja, de 300.000,00 €, uma vez que, além dos contratos apresentados, os demais documentos (recortes de notícias, cfr. fls. 309 verso e ss.), não permitem ao Tribunal aferir de todos os contornos dos negócios em questão, e de outros valores que sejam devidos ao credor impugnante pelo devedor.
Por outro lado, a sociedade devedora SAD apenas reconhece o crédito indicado, sendo que, todos os factos alegados pelo credor não são reconhecidos pela devedora SAD. No mais, nem pela prova carreada resulta a evidência da sua pendência e vencimento, não se evidenciando, pois, de nenhuma forma, a existência dos valores reclamados e aqui objeto de impugnação, que a devedora igualmente não reconhece.
Tendo os documentos juntos sido impugnados pela sociedade devedora SAD com a alegação de falta de fiabilidade, autenticidade e rigor dos factos aí narrados, pressupondo produção de prova adicional, não sendo conhecida qualquer interpelação judicial (apenas com a correspondência indicada na referência 36898523), nem tendo sido chamado à colação o D…, SAD, o Tribunal não dispõe de elementos suficientes para poder decidir sobre a impugnação.
Pelo exposto, considero a impugnação apresentada por C…, SA improcedente”.
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O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre administrador judicial provisório nomeado e o devedor publicado no Portal Citius – cf. n.º 5 do art.º 17.º-D do CIRE.
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A versão final do Plano de Revitalização, nos termos do art.º 17.º-F, n.º1 do CIRE, com data de 31 de dezembro de 2020, foi publicada no dia 06.01.2021, conforme anúncio junto aos autos (referência Citius 420667180).
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Foram apresentadas oposições à homologação do plano.
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O credor E… veio opor-se à homologação do plano, alegando em síntese que a requerente-devedor não cumpre os requisitos estipulados no n.º 13 do art.º 17.º-F do CIRE para recorrer ao presente PER
O plano apresentado não é viável nem credível porque não prevê as penas aplicadas no âmbito do “Jogo Duplo”, há créditos reconhecidos que são ficcionados sem qualquer suporte legal e documental da sua existência, com o único intuito de obter o quórum necessário à aprovação do plano e foi feito um uso abusivo do processo.
Mais alegou que são várias as vezes em que a devedora já recorreu a expedientes legais para obstar que os seus credores recorressem a ações judiciais para cobrar os seus créditos. A devedora está em situação de insolvência que a impede de recorrer ao presente PER. O recurso ao PER não pode ser usado para favorecimento de determinados credores, ficando os credores trabalhadores em posição muito menos favorável com homologação deste plano, dado que, em caso de liquidação imediata da devedora viriam os seus créditos a serem pagos num prazo mais curto de tempo.
Considera, por fim, que há violação do princípio da igualdade entre os credores comuns se comparada a respetiva posição entre o plano proposto e o que foi homologado no anterior PER.
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O devedor veio apresentar resposta às oposições.
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Concluídas as negociações, obteve-se o seguinte resultado (referência Citius 37809936):

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O Administrador Judicial Provisório emitiu parecer nos seguintes termos:
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Consignou-se no despacho proferido em 08 de fevereiro de 2021 (ref. Citius 421665021):
“Concluídas as negociações, surgiram os resultados supra mencionados.
Do total de créditos reconhecidos, com um mínimo de 33,33%, votaram 70,09%.
Dos votantes, com um mínimo de 66,66% votaram 99,18%.
No caso concreto, o quórum deliberativo foi, desta forma de 70,09% (superior a um terço), dos créditos relacionados na lista definitiva de credores.
Dos votantes, votaram favoravelmente 69,51% dos credores. O Plano recolheu mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
A Sra. AJP veio emitir parecer no sentido da aprovação do PER”.
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Em 08 de fevereiro de 2021 (ref. Citius 421665021) proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, homologo por sentença, nos termos do 17.º-F/5, 6 e 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano especial de revitalização da sociedade devedora B…, SAD., NIPC ………, com sede no …, …, ….-… Matosinhos, de dezembro de 2020 (referência 37524099).
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artigo 17.º-F/10 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Custas pela apresentante com taxa de justiça reduzida a ½ - artigo 17.º-F/11 e 302º/1, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - sendo o valor da ação para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do artigo 301º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Registe, notifique e publicite nos termos dos artigos 37.º e 38.º, ex vi n.º 7 do artigo 17.º-F, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
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O credor E… veio interpor recurso da sentença que homologou o plano de revitalização.
O credor C…, SA veio interpor recurso do despacho proferido em 30 de outubro de 2020, que decidiu a impugnação oportunamente apresentada e ainda, da sentença de homologação do plano de revitalização.
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Nas alegações que apresentou o apelante E… formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida que homologou o plano de revitalização, substituindo-a por decisão que recuse a homologação.
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Nas alegações que o credor C…, SA apresentou formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir a procedência do recurso.
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O devedor B…, SAD veio apresentar resposta ao recurso do apelante E…, no qual formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir a improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Os recursos foram admitidos como recurso de apelação.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
a)Apelação do credor E…
- se o plano acordado e aprovado pelos credores viola normas não negligenciais e o princípio da igualdade, que justificam a sua não homologação.
b)Apelação do credor C…, SA
- se na impugnação da lista de créditos reconhecidos, o credor está impedido de produzir prova testemunhal;
- nulidade da sentença e consequências do indeferimento da impugnação na sentença de homologação do plano.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- Estrutura de credores e natureza dos créditos:



- Quanto ao Plano:
4.1.1 CRÉDITOS PRIVILEGIADOS
4.1.1.1TRABALHADORES
No que concerne aos créditos dos Trabalhadores, a Devedora propõe a sua regularização nos seguintes termos:1
Pagamento de 100% do valor do capital reconhecido, em 84 prestações mensais e constantes, vencendo-se a primeira prestação dezoito meses após o trânsito em julgado da homologação do plano,
Perdão de juros vencidos e vincendos.
4.1.1.2 AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
A totalidade dos créditos do Estado – Autoridade Tributária, consolidados à data do despacho da nomeação da AJP, serão liquidados:
1.Pagamento no número máximo de prestações mensais iguais e sucessivas, legalmente previstas, nos termos do artigo 196.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
2. A primeira prestação vence-se no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D ou n.º 5 do artigo 222.º-D do CIRE, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta;
3. Suspensão das ações executivas;
4. Manutenção das garantias existentes e dispensa de prestação de novas garantias;
5. Pagamento de coimas e custas;
6. Proposta de redução máxima, de juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de março, face à renúncia dos demais credores.
7. Até à apresentação do mapa de pagamentos pela Autoridade Tributária manter-se-ão em vigor os planos atualmente vigentes
4.1.1.3 SEGURANÇA SOCIAL
No que concerne aos créditos do Estado – Instituto da Segurança Social - IP, [al. a) do n.º 4 do art.º 47.º do CIRE], a devedora propõe a manutenção do plano prestacional em vigor e anteriormente aprovado.
4.1.2 OUTROS CREDITOS
4.1.2.1 CREDITOS GARANTIDOS
No que concerne aos créditos garantidos, propõe-se o seu pagamento nos seguintes termos:
Pagamento em 102 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação dezoito meses após a data do trânsito em julgado da homologação do plano
Perdão de juros vencidos e vincendos.
4.1.2.2 CREDORES COMUNS
No que concerne a estes créditos, de natureza comum, propõe-se a devedora pagar 10% do valor de capital em 102 prestações, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação dezoito meses após o trânsito em julgado da homologação do plano, com perdão de juros vencidos e vincendos.

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3. O direito
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-Apelação do credor E…-
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Antes de entrar na apreciação do mérito do recurso cumpre ter presente o regime jurídico aplicável.
O processo especial de revitalização previsto nos art. 17º-A a 17º-H do CIRE, foi introduzido com a Lei 16/2012 de 20 de abril, que constitui a sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [abreviadamente CIRE], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, alterado pelos Decretos -Leis n.os 200/2004, de 18 de agosto, 76 -A/2006, de 29 de março, 282/2007, de 7 de agosto, 116/2008, de 4 de julho, e 185/2009, de 12 de agosto.
A mais recente alteração introduzida ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas pelo DL 79/2017 de 30 de junho, que entrou em vigor a 01 de julho de 2017, incidiu sobre o processo de revitalização (art. 8º).
O presente processo foi instaurado em 2020 pelo que se aplica as normas previstas para o procedimento com as alterações introduzidas em 2017.
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- Da violação não negligenciável de normas procedimentais e de conteúdo -
O apelante insurge-se contra o segmento da decisão que julgou improcedente a oposição por si apresentada à homologação do plano, considerando que no plano homologado se verifica a violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, resultando da sua aprovação uma posição menos favorável para o credor e ainda, a violação do princípio da igualdade entre os credores comuns, por apelo às normas dos art. 215º e 216º CIRE.
O apelante renova os argumentos da impugnação que foram devidamente apreciados na sentença recorrida.
Cumpre assim apreciar se no acordo e plano, aprovado pelos credores e objeto de homologação, se verifica a violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, resultando da sua aprovação uma posição menos favorável para o credor e ainda, a violação do princípio da igualdade entre os credores comuns.
O Processo Especial de Revitalização, como se prevê no art- 17º-A/1 do CIRE destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
O Processo Especial de Revitalização constitui um processo pré-insolvencial, através do qual qualquer devedor pode obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente (art. 17º-A/2 CIRE).
Concluídas as negociações com a aprovação do plano conducente à revitalização da empresa concede a lei a faculdade aos interessados de solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos no art. 215º e 216º, com as devidas adaptações (art. 17º-F/3 CIRE).
Por outro lado, distingue-se os procedimentos em que ocorre: aprovação com unanimidade ou sem unanimidade.
Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.
Nas situações em que se conclui as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem obter a unanimidade dos credores o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no Título IX, em especial, o disposto nos artigos 194º a 197º no nº1 do artigo 198º e nos artigos 200º a 202º, 215º e 216º (art. 17º-F/7 CIRE).
O art. 215º do CIRE prevê a recusa oficiosa da homologação do plano de insolvência aprovado, nas seguintes circunstâncias:
“O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda, quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos executadas as medidas que devam preceder a homologação.”
A recusa com tais fundamentos pode ser suscitada por qualquer credor, diferentemente do que se passa em relação aos fundamentos de recusa previstos no art. 216º CIRE[2].
As normas procedimentais são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado[3].
O que se possa entender por “violação não negligenciável de regras procedimentais” prende-se com a relevância ou não, da violação constatada, servindo como referência o critério geral que a própria lei processual utiliza no art. 195º CPC.
Neste sentido defende CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA: “[o] que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável”[4].
No mesmo sentido SANTOS JÚNIOR refere que o “[…]CIRE inspira-se na regra geral do artigo 202º/2 do CPC[atual art. 195º CPC]: com efeito, apenas a violação grave, “não negligenciável” – nos termos do CIRE – daquelas regras de procedimento ou de conteúdo do plano de insolvência ditará ao juiz a recusa de homologação; uma violação menor, que não ponha em causa o essencial da tutela dos diversos interesses envolvidos, dos credores ou do devedor, nomeadamente, não justificará tal recusa”[5].
Nos pontos 1 a 9 das conclusões de recurso o apelante considera que o plano não pode ser objeto de homologação, porque o devedor se encontra numa situação de insolvência.
Para justificar tal conclusão refere que ocorreu um aumento do número de credores e volume do passivo comparando com os dados que constavam do anterior processo especial de revitalização que correu os seus termos no 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Stº Tirso, como Proc.1982/18.1T8STS. Considera que tal situação, que se verificou no período de carência do anterior PER, revela que o devedor não tem liquidez para cumprir com as suas obrigações e se encontra numa situação de insolvência atual.
Apenas pode aceder ao procedimento especial de revitalização o devedor que se encontre em situação económica difícil ou de insolvência iminente e reúna as condições necessárias para a sua recuperação.
Considera-se para este efeito em situação económica difícil, face ao disposto no art. 17º-B CIRE, a empresa que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
A situação de insolvência iminente será aquela em que o devedor antevê como estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações quando elas se vencerem no futuro próximo[6].
O caso dos autos enquadra-se na previsão do preceito, pois foi perante a ocorrência de situações anómalas e imprevistas ao cumprimento do anterior plano, que o devedor veio requerer a aprovação de um novo plano, perante a impossibilidade de vir a cumprir todas as obrigações.
As circunstâncias que justificaram a instauração do processo consistem na condenação sofrida no processo crime, com a condenação no pagamento de uma coima e multa de elevado montante, apesar de à data do pedido (julho de 2020) ainda não existir trânsito em julgado da decisão e, por outro lado, o estado de pandemia e seus reflexos na atividade do devedor, que gerou um decréscimo imprevisto de receitas.
O aumento do número de credores e do volume dos créditos é natural e expectável perante o esforço financeiro e as contingências do momento e que justificaram o recurso ao presente processo.
De todo o modo, tal circunstancialismo não impediu a aprovação de novo PER pelos credores, o terceiro, com uma maioria muito expressiva, o que significa que ainda que se considere iminente a situação de insolvência, maioritariamente, os credores continuam a considerar que a retoma da atividade desportiva com normalidade é suscetível de gerar rendimentos suficientes para garantir o cumprimento das obrigações assumidas, particularmente depois de renegociada toda a divida.
Numa segunda ordem de argumentos, sob os pontos 16 a 22, o apelante considera que o plano acordado não contempla o modo de pagamento da multa e consequências do cumprimento das demais sanções acessórias aplicadas ao devedor no âmbito do processo crime.
Como se referiu, não está comprovado o trânsito em julgado da decisão. Contudo, constituindo esse facto um dos motivos para aprovar um novo plano necessariamente o acordo de pagamento alcançado está pensado em função do cumprimento de tal obrigação, caso contrário não faria sentido reformular o plano de pagamento em prestações e créditos a considerar.
Conclui-se, assim, que não resulta demonstrada a violação de regras procedimentais, na medida em que os argumentos apresentados não são, só por si, suscetíveis de demonstrar a situação de insolvência.
Nos pontos 23 a 25 das conclusões de recurso considera que o plano viola o princípio da igualdade entre credores comuns, porque os credores comuns que estiveram vinculados ao anterior PER estão em situação mais desfavorável em comparação com os restantes credores comuns que não estiveram vinculados ao anterior plano.
Como se referiu, nos termos do art. 215º do CIRE, prevê-se a recusa oficiosa ou a requerimento do credor, da homologação do plano de insolvência (aqui plano de revitalização) aprovado no caso de violação das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
Consideram-se normas relativas ao seu conteúdo as respeitantes à parte dispositiva do plano e ainda, as que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.
O princípio da igualdade constitui um princípio nuclear a observar na elaboração e aprovação do plano de insolvência, conforme decorre do art. 194º do CIRE e que se desdobra “na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos, em contrário”.
Como decorre do art. 194º/1 CIRE o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas.
A elaboração do plano de insolvência obedece ao princípio do consentimento do credor para ser afetado com tratamento mais desfavorável do que outros em idêntica situação[7].
Entre as razões objetivas que podem justificar as diferenças de tratamento, apontam-se a distinta classificação dos créditos, dentro da mesma categoria de créditos o grau hierárquico que couber aos diferentes créditos, as fontes do crédito, ponderadas as circunstâncias de cada situação[8].
No caso concreto, analisado o plano não se anota um tratamento diferenciado dos credores comuns.
Como resulta dos factos provados, no pagamento dos créditos comuns, convencionou-se:
“No que concerne a estes créditos, de natureza comum, propõe-se a devedora pagar 10% do valor de capital em 102 prestações, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação dezoito meses após o trânsito em julgado da homologação do plano, com perdão de juros vencidos e vincendos”.
Como se salienta na sentença nenhum credor comum veio impugnar o plano acordado.
O critério seguido para garantir o pagamento é o mesmo para todos os credores comuns, independentemente no montante do crédito.
Por outro lado, a apreciação tem por base o atual plano e apenas este, não servindo como termo de comparação o anterior plano, que tem na sua génese outras circunstâncias Sós os credores que constam da lista de créditos provisória ou definitiva são admitidos a participar nas negociações e a votar (art. 17º-D e art. 17º-F) CIRE).
Conclui-se, não estar demonstrada a violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
Por fim, sob os pontos 10 a 15 das conclusões de recurso, considera o apelante em relação ao pagamento a efetuar aos trabalhadores, que o plano proposto é previsivelmente menos favorável do que o que interviria na ausência de plano, o que justificaria a não homologação nos termos do art. 216º/1 CIRE.
No art. 216º/1 CIRE prevê-se a recusa de homologação a pedido, entre outros do credor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:
a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dividas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
No tocante aos fundamentos indicados na alínea a) do preceito, que merecem no caso particular atenção, CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA defendem que “[…] implica a prova da situação nele referenciada se procede a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele. Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. Ora, é exatamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exatamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal“[9].
Defende SANTOS JÚNIOR “[…] que o que se exige ao juiz não será a convicção séria e isenta de dúvidas da verificação do alegado pelo requerente, mas a conclusão por uma plausibilidade ou verosimilhança, ainda que séria, do que aquele alegue. De resto compreende-se que seja assim: a prova de acontecimentos futuros, de algo que ainda não ocorreu – a necessidade de um juízo de prognose é particularmente evidente na al. a) do nº 1 do art. 216º (utiliza-se ai o termo “previsivelmente”) – não pode, em regra, senão assentar num juízo de plausibilidade ou de probabilidade”[10].
Na jurisprudência, seguindo no mesmo sentido, entre outros, podem consultar-se: Ac. Rel. Lisboa de 12.07.2005, Ac. Rel. Guimarães de 22.01.2009, e Ac. Rel. Guimarães de 30.10.2008 e Ac. Rel. Porto de 15.11.2007, todos em www.dgsi.pt e ainda, o Ac. Rel. Guimarães de 22.11.2007 CJ 2007, V, 283.
Constitui um ónus do credor que veio opor-se à homologação do plano de revitalização alegar os factos extintivos ou impeditivos do direito do devedor (art. 342º/2 CC).
Fazendo o tal juízo de prognose não se pode afirmar que prosseguindo o processo como processo de insolvência, com liquidação dos bens, o produto da venda de todos os bens fosse suficiente para garantir o pagamento integral do crédito do apelante.
Resulta dos factos provados que no plano prevê-se o pagamento dos créditos dos trabalhadores, nos seguintes termos:
“Pagamento de 100% do valor do capital reconhecido, em 84 prestações mensais e constantes, vencendo-se a primeira prestação dezoito meses após o trânsito em julgado da homologação do plano,
Perdão de juros vencidos e vincendos”.
Cumpre referir desde logo que o credor não demonstrou em termos plausíveis, em alternativa, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.
Os elementos objetivos que constam dos autos não permitem concluir que em processo de insolvência o credor em causa, ainda que na qualidade de credor privilegiado lograsse obter o pagamento integral do seu crédito.
Com efeito, nesta fase do processo, a respeito da situação patrimonial do devedor o juiz apenas dispõe dos elementos que são fornecidos pelo devedor e aqueles que resultem da oposição dos credores. Bastava que tais bens garantissem outros créditos (tenha-se em vista os créditos dos trabalhadores ou eventuais créditos garantidos com direito de retenção ou outros credores hipotecários) para o pagamento se efetuar de forma rateada em obediência à graduação dos créditos.
Na argumentação sobre esta matéria o apelante salienta sempre o tempo que vai ser necessário até conseguir obter o pagamento - oito anos - e com a liquidação poderia obter o pagamento em curto espaço de tempo.
Não é garantido que a liquidação possa estar concluída no prazo de 7 ou 8 anos e que mesmo antes dessa data, o produto da liquidação consiga atingir o valor atribuído ao património pelo devedor.
Apesar do património estar avaliado em montante superior ao montante dos créditos dos trabalhadores, isso não significa que na liquidação em sede de insolvência se conseguisse apurar tal valor, porque a venda em execução importa sempre uma depreciação do valor comercial dos bens. Por outro lado, seria de contabilizar as despesas que saem precípuas do produto da liquidação e por fim, o produto sempre seria rateado pelos credores (na mesma classe, no caso trabalhadores), sendo certo que também existem créditos garantidos, o que tudo considerado leva a concluir não ser provável que em liquidação, no âmbito do processo de insolvência conseguisse obter o pagamento integral do seu crédito (capital e juros).
O pagamento em prestações, tal como consta do plano, vai permitir o reembolso integral do capital, ainda que diferido no tempo. Os créditos comuns sofreram uma redução no capital. Esta distinção de tratamento justifica-se pela particular natureza dos créditos dos trabalhadores.
A proposta de pagamento apresentada no plano garante o interesse do credor-oponente e mostra-se proporcional às capacidades económicas do devedor, não revelando qualquer benefício injustificado dos outros credores do mesmo grau ou categoria diferente.
Por fim, resta referir que o plano de revitalização vai garantir que o devedor continue a exercer a respetiva atividade desportiva e os postos de trabalho, para além de garantir o pagamento de todos os credores (garantidos, privilegiados, comuns e subordinados).
Desta forma, com a aprovação do plano garantiu-se que o devedor continua a sua atividade, mas de igual forma, que todos os credores poderão ser ressarcidos dos seus créditos, o que de outra forma, perante a inexistência de bens em valor suficiente levaria ao incumprimento generalizado das obrigações assumidas e prosseguindo o processo como processo de insolvência seria de todo inviável garantir o pagamento a todos os credores, mesmo os credores garantidos e em particular os credores comuns.
Conclui-se que não se verificam as apontadas violações não negligenciáveis de normas procedimentais ou de conteúdo, nem diferenças de tratamento de créditos da mesma categoria e nada obstava à homologação do plano de revitalização, não se revelando o plano menos favorável para o credor-apelante.
Desta forma, com a aprovação do plano garantiu-se que o devedor continua a exercer a sua atividade, mas de igual forma, que todos os credores poderão ser ressarcidos em parte dos seus créditos.
Improcedem as conclusões de recurso.
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- Apelação do credor C…, SA -
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- Apelação do despacho proferido em 02 de novembro de 2020 -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 22, o apelante insurge-se contra o segmento do despacho proferido em 02 de novembro de 2020 que se pronunciou sobre a admissibilidade dos meios de prova para decidir e apreciar as impugnações à lista de créditos provisória apresentada pela administradora judicial provisória.
No despacho recorrido, que se transcreveu no relatório, concluiu-se que para efeitos de apreciar as impugnações à lista de créditos provisória apenas releva a prova documental apresentada, justificando tal tomada de posição com a natureza do processo em causa, objetivo e finalidade da relação provisória de créditos e não formação de caso julgado com a decisão que venha a ser proferida, com apoio em doutrina a jurisprudência.
Considera o apelante que a natureza urgente do processo não justifica qualquer restrição aos meios de prova.
A questão que cumpre apreciar consiste em determinar se na apreciação da impugnação à relação provisória dos créditos assiste ao credor impugnante o direito a produzir prova testemunhal ou se está limitado à produção de prova documental.
A questão não tem obtido na doutrina e na jurisprudência uma resposta uniforme.
JOÃO LABAREDA[11] considera que se justifica uma limitação nos meios de prova à disposição do credor impugnante, circunscrevendo a prova à prova documental apresentada pelo credor e documentos juntos aos autos.
Na mesma linha de pensamento pronunciou-se MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO[12], considerando que apenas deve ser admitida a prova documental que resulta dos autos e apresentada pelo credor impugnante.
Este foi o sentido da decisão sob recurso.
Esta interpretação tem presente a particular natureza do processo, o regime previsto para a impugnação dos créditos e os efeitos da decisão de verificação dos créditos.
O processo reveste caráter urgente e visa concluir um acordo conducente à revitalização (art. 17º-A CIRE).
A fase da impugnação da lista de créditos provisórios apresenta um regime particular, mais ligeiro e menos rigoroso na apreciação do mérito das impugnações.
Com efeito, concluído o prazo das reclamações, o administrador judicial provisório tem o prazo de cinco dias para elaborar a lista provisória dos créditos (art. 17º-D/2 CIRE).
A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas (art. 17º-D/3 CIRE).
Não sendo impugnada, a lista de créditos converte-se de imediato em lista definitiva (art. 17º-D/4 CIRE).
A existência de impugnação apenas afeta os créditos envolvidos, devendo todos os demais considerar-se assentes, sem necessidade sequer de qualquer ato judicial que o confirme. Não há lugar a graduação de créditos, porque no processo não se procede à apreensão de bens com vista à sua liquidação e repartição do produto pelos credores.
Também não há lugar à resposta às impugnações, pois não se prevê tal articulado, nem se prevê a realização de saneamento e audiência de julgamento.
Não se prevê a possibilidade de indicar prova, para além da prova documental.
A decisão das impugnações e verificação dos créditos apenas tem caráter definitivo no processo de revitalização em que se integra e visa determinar a base de cálculo das maiorias de aprovação do acordo recuperatório e determinar se o crédito tem ou não natureza de crédito subordinado.
Neste contexto, justifica-se que o juiz aprecie as impugnações apenas com base nos elementos trazidos ao processo com os requerimentos, “aí se incluindo a documentação com eles oferecida, devendo, além disso, levar em conta somente o que o processo já contenha, como será o caso da documentação de suporte ao requerimento inicial do credor”[13].
Na jurisprudência seguindo tal linha de entendimento pronunciou-se o Ac. Rel. Porto 24 de janeiro de 2018, Proc. 60/17.5T8VNG.P1 (www.dgsi.pt):
“[…]as impugnações de que sejam alvo os créditos incluídos pelo administrador judicial na lista provisória de créditos e as decisões que sobre essas reclamações recaírem não operam caso julgado material, uma vez que as reclamações de crédito no âmbito do PER têm como único objetivo, por um lado, legitimar a intervenção do credor no PER e, por outro, calcular o quórum deliberativo e a maioria prevista no n.º 3 do artigo 17.º-F, além de que a natureza célere e simplificada do PER é incompatível com a operância de caso julgado material.
Com efeito, o PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos dos credores perante o devedor, sequer a sua natureza célere se compadece com semelhantes finalidades, as decisões que recaiam sobre as reclamações de créditos são meramente incidentais, pelo que, “nos termos do n.º 2 do art. 96º do Cód. Proc. Civil, não constituem caso julgado fora do respetivo processo (…) O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e basadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de dispor de todos os meios de defesa e de prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que–em última análise–comprometeria os objetivos do PER”.
No Ac. Rel. Porto 24 de março de 2015, Proc. 353/14.3TBAMT.P1 (acessível em www.dgsi.pt) observa-se: “a decisão sobre as impugnações visa somente computar o quórum deliberativo, mas não é necessária para a aprovação e homologação do plano e não tem força de caso julgado fora do PER.
Neste, “inexiste um efetivo contraditório relativamente aos créditos reclamados, desde logo porque – ao contrário do que sucede no processo de insolvência (cfr. art. 131º) – não se prevê a possibilidade de deduzir resposta às impugnações. … O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do nº2 do art.º 96º (atual 91º) do CPC não constitui caso julgado fora do respetivo processo. Esta é, aliás, a solução que mais se coaduna com os objetivos do PER. O PER é um processo que se quer simples, célebre e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental. Se a decisão … constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de poder dispor de todos os meios de defesa e prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que – em última análise – comprometeria os objetivos do PER ou, pelo menos, lhe traria uma complexidade desnecessária. O carácter meramente incidental, e sem força de caso julgado, da decisão sobre a reclamação de créditos, pode incentivar algum consenso sobre a lista de créditos, facilitando o desenrolar do PER e cômputo dos votos para aprovação do plano” (cit. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in PER O processo Especial de Revitalização Comentários aos artigos 17ºA a 17ºI do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, págs. 78 e 79)”.
Seguindo uma linha de entendimento diferente e que é aquela que o apelante defende, CATARINA SERRA[14] defende que na instrução da decisão da impugnação o credor não está limitado à produção e prova documental, podendo fazer uso de todos os meios de prova ao seu alcance.
Considera-se que no confronto entre a celeridade e o dever de apuramento da verdade, comum a todos os processos, e o princípio da universalidade deve atribuir-se particular relevo a estes princípios e “admitir todos os meios de prova necessários e adequados à conformação de uma lista de créditos “genuína””[15].
Considera que apesar das diligências de prova acabarem por protelar a decisão, tal situação tem a devida tutela no art. 17º-F/5 CIRE.
Neste sentido se pronunciaram os Ac. Rel. Évora 05 de novembro de 2015, Proc. 606/15.9T8STR-A. P1 e Ac. Rel. Guimarães 26 de junho de 2014, Proc. 180/14.8TBBRG-A.G1 (ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Anotamos argumentos valiosos e ponderáveis nas duas posições adotadas.
Parece-nos, contudo, que a particular natureza deste procedimento, o regime previsto no art. 17º-D/3/4 CIRE, os efeitos da lista definitiva e o fim da impugnação da lista provisória, justifica que se opte pela posição seguida na decisão sob recurso.
Consideramos assim que nesta sede, na decisão da impugnação à lista provisória de credores, apenas se justifica atender à prova documental que consta dos autos e apresentada pelo credor impugnante e por isso, não merece censura a decisão que não procedeu à produção de prova testemunhal.
Improcedem desta forma as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 22.
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- Da violação do art. 20º da Constituição -
Nos pontos 23 e 24 o apelante considera que a aplicação do art. 17º-D/3 CRP com a interpretação defendida no despacho recorrido, negando a possibilidade de produção dos meios de prova legalmente admissíveis e sem aplicação subsidiária na tramitação do incidente do regime previsto no CIRE para o julgamento e decisão da verificação de créditos viola o princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º da CRP.
Cumpre apreciar da conformidade da interpretação defendida no despacho recorrido e que também foi adotada no presente acórdão.
A respeito da conformidade da interpretação das normas jurídicas com o direito constitucional refere GOMES CANOTILHO: “[o] princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”[16].
A inconstitucionalidade deve ser suscitada de forma processualmente adequada junto do tribunal que proferiu a decisão, de forma a obrigar ao seu conhecimento (art. 72º LTC).
Recai sobre o recorrente o ónus de colocar a questão de inconstitucionalidade, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível e segundo os requisitos previstos na lei.
Por outro lado, pretendendo questionar certa interpretação de um preceito legal, deverá o recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou preceitos que tem por violador da Constituição, enunciando com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional.
Esta tem sido a interpretação desenvolvida pelo Tribunal Constitucional, como disso dá nota, entre outros, o Ac.do Tribunal Constitucional nº 560/94 (acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) quando observa:”[d]e facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver – o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.
Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão da constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.
A exigência de um cabal cumprimentos do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois –[…]-, uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se, sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julga-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”.
A alegação do apelante preenche o ónus legal, apesar de não especificar a concreta dimensão normativa do art. 20º da Constituição que é posta em causa com a interpretação defendida na decisão recorrida.
Contudo, ponderando os argumentos apresentados somos levados a concluir que não está posta a causa a violação do princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º da Constituição.
Nos termos do art. 20º/1 CRP “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos[…]”.
Por outro lado, decorre do art. 20º/4 CIRE que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
A interpretação defendida teve em conta desde logo a particular natureza do processo especial de revitalização que constitui um procedimento distinto do processo de insolvência e por isso, como decorre do art. 17º-A/3 CIRE aplica-se ao procedimento as normas do processo de insolvência “que não sejam incompatíveis com a sua natureza”.
O art. 17º-D/3/4 do CIRE prevê expressamente o formalismo na tramitação do incidente de impugnação da lista provisória de créditos e nesse procedimento não se prevê que o processo prossiga para realização do julgamento à semelhança do que ocorre no processo de verificação e graduação de créditos na insolvência.
No procedimento em causa acautela-se o direito de oposição através da impugnação, com um modelo particular e que já se deixou acima descrito, motivado pela natureza do processo e fim da lista provisória de créditos.
Desta forma, a interpretação defendida na decisão recorrida não só garante o acesso ao direito, bem como, a tutela jurisdicional efetiva mediante processo equitativo.
Conclui-se que a interpretação não se revela contrária ao art. 20º da Constituição.
Improcedem, também nesta parte as conclusões de recurso sob os pontos 23 a 25 das conclusões de recurso.
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- Impugnação do crédito -
No ponto 26 das conclusões de recurso o apelante insurge-se contra a decisão que julgou improcedente a impugnação.
Defende que a revogação e substituição por outra que reconheça o crédito reclamado pelo apelante, julgando procedente a impugnação apresentada, ou, subsidiariamente, substituída por outra que ordene a realização das diligências instrutórias requeridas pela Recorrente, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas.
Cumpre ter presente que o apelante não veio reclamar os créditos, mas apenas impugnar a lista de créditos provisória, alegando a existência de outros créditos para além daquele que ali foi considerado.
O apelante apesar de pretender a revogação da decisão que julgou improcedente a impugnação, não se insurge contra os fundamentos de facto e de direito do despacho recorrido, pelo que a impugnação improcede.
Subsidiariamente, pretende a revogação da decisão para que se ordene a realização das diligências instrutórias requeridas, com produção de prova testemunhal.
Contudo, a apreciação deste pedido está prejudicado pela decisão da anterior questão, onde se concluiu não ser admissível a produção de prova testemunhal no incidente de impugnação da lista provisória de créditos (art.608º/2 CPC).
Improcedem as conclusões de recurso, sob o ponto 26.
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- Apelação da sentença homologatória do acordo de revitalização -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 27 e 28, o apelante considera a sentença ferida de nulidade.
Por outro lado, considera que o percentual do voto atribuído à Recorrente é bastante inferior àquele que, na verdade, corresponde ao montante do crédito da Recorrente o que, influenciou de forma decisiva o resultado da votação do plano proposto aos credores, pelo que, deverá ser a dita sentença de homologação declarada nula para todos os legais efeitos.
As nulidades das decisões (em sentido lato abrangendo sentenças, acórdãos e despachos) encontram-se previstas, taxativamente, no art. 615º CPC.
A sua arguição é feita de harmonia com o nº2, 3, 4 do art. 615º, uma vez no próprio tribunal em que foi proferida a decisão, e outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.
Estas nulidades são vícios que afetam a validade formal da sentença em si mesma e que, por essa razão, projetam um desvalor sobre a decisão, do qual resulta a inutilização do julgado na parte afetada.
O motivo invocado não configura qualquer das nulidades previstas na lei e apenas poderia sustentar uma reapreciação do mérito da decisão, por não observar a maioria prevista na lei para a aprovação e posterior homologação do acordo.
Contudo, mesmo nesta vertente, a questão está prejudicada pela improcedência da impugnação, pelo que a percentagem do voto a considerar seria apenas o que resultava da lista provisória de créditos, por corresponder à percentagem do crédito reconhecido pelo administrador judicial provisório.
Conclui-se que a sentença se revela formalmente válida, improcedendo nesta parte as conclusões.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedentes as apelações e confirmar as decisões e sentença.
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Custas a cargo dos apelantes.
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Porto, 29 de setembro de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, 2ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2013, pag. 827 e ainda, Ac Rel. Guimarães 09 de julho de 2009, Proc. 910/07.4 TBFLG-C.G1, acessível em www.dgsi.pt
[3] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, ob. cit., pag. 713
[4] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado ob. cit., pag. 714
[5] SANTOS JÚNIOR “O Plano de Insolvência algumas notas” Revista O DIREITO, Ano 138, 2006, III, 584
[6] CATARINA SERRA O regime Português da Insolvência, 5ª edição, Revista e Atualizada à luz da Lei 16/2012 de 20 de abril e do DL 178/2012 de 03 de agosto, Coimbra, Almedina, 2012, pag. 177
[7] Cfr. neste sentido Ac. Rel. Lisboa 12.07.2005 – www.dgsi.pt
[8] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, ob. cit., pag. 752-753; na jurisprudência, entre outros Ac. Rel. Coimbra 17 março 2015, Proc. 338/13.7TBOFR-A.C1, Ac. Rel. Porto 12 novembro de 2013, Proc. 1534/11.7TBLSD.P1, Ac. Rel. Porto 19 setembro de 2013, Proc. 173/12.0TBVLC-F.P1disponíveis em www.dgsi.pt
[9] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, ob. cit., pag. 832
[10] E. SANTOS JÚNIOR “O plano de insolvência- Algumas Notas” in O DIREITO, Tomo III, Ano 138, Almedina, 2006, pag. 586
[11] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, ob. cit., pag. 158
[12] MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, O Processo Especial de Revitalização, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 50
[13] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, ob. cit., pag. 158
[14] CATARINA SERRA Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, setembro de 2019, pag. 408
[15] CATARINA SERRA Lições de Direito da Insolvência, ob. cit., pag. 407
[16] J.J.GOMES CANOTILHO Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, (7ª Reimpressão) Coimbra, Almedina, 2003, pág.1226.