Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
355/11.1TMMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA RIBEIRO
Descritores: FGADM
FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
MAIORIDADE
Nº do Documento: RP20230323355/11.1TMMTS-A.P1
Data do Acordão: 03/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Resultando dos autos que a recorrente, filha do progenitor que está obrigado a pagar alimentos, agora é maior, cabia ao progenitor obrigado a iniciativa de fazer cessar essa obrigação e o ónus de alegar e provar factos que constituem os pressupostos da extinção dessa obrigação.
II - Não estando verificada nos autos essa iniciativa por parte do progenitor obrigado não existe razão para ordenar o arquivamento do processo com fundamento na maioridade do alimentando.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 355/11.1TMMTS-A.P1


Acordam os Juízes no Tribunal da Relação do Porto


1. RELATÓRIO

1. No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais n.º 355/11.1TMMTS-A que correu termos na, à data designada secção única do tribunal de família e menores de Matosinhos, foi proferida sentença, transitada em julgado em 22 de Janeiro de 2014 , que condenou o Progenitor/Requerido AA a pagar mensalmente, a título de alimentos à menor, BB, nascida a .../.../2009 a quantia mensal de €100,00 (cem euros) até ao dia 8 do mês a que disser respeito, sendo esta filha do requerido e da requerente: CC
2. Em virtude da falta de cumprimento da referida sentença, a progenitora CC deu entrada em Tribunal a 19 de maio de 2021 do presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, alegando que o progenitor não se encontra a pagar a prestação alimentar à filha comum de ambos BB.
3. Por decisão de 2 de Junho de 2022 foi judicialmente verificado o incumprimento suscitado, e considerado o requerido devedor da quantia global de 9.900,00€, referentes às prestações de alimentos devidas à filha nos meses de Fevereiro de 2014 a Maio de 2022 (sendo devida a quantia de 100,00€ por cada mês), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do respetivo vencimento e até integral pagamento.
Mais se determinou ainda na mesma decisão que se procedesse nos termos doutamente promovidos pelo Digníssima Procuradora do Ministério Público e se averiguasse se o requerido trabalhava, sendo que, em caso negativo, desde logo, se determinou também que se averiguasse as condições sócio-económicas do agregado familiar onde se insere a menor, tendo em vista verificar a viabilidade de intervenção do FGADM.
4. Para tanto, foi elaborado e junto aos autos o relatório que apurou o rendimento per capita /ponderação do agregado familiar da, à data, menor, que se encontra a estudar e sendo, e que correspondeu a €189,66.
5. E no dia 4.10.2022 promoveu o Ministério Público que “conforme resulta do relatório junto aos autos o rendimento Per Capita /ponderação do agregado familiar da Menor corresponde a €189,66. Das pesquisas efetuadas não são conhecidos bens ou rendimento ao progenitor, mostrando-se assim inviável fazer uso do mecanismo da cobrança coerciva da prestação alimentar nos termos do artigo 48º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. Pelo exposto, entendemos que a menor reúne condições de poder beneficiar do pagamento, pelo respectivo Fundo de Garantia, da pensão de alimentos a que tem direito, uma vez que o agregado familiar, para além do mais, não beneficia de rendimentos superiores ao IAS (Indexante dos Apoios Sociais), fixado em € 443,20 para o ano de 2022.”
6. De seguida, no dia 19.10.2022 foi proferida decisão pelo Meritíssimo Senhor Juiz do tribunal a quo que determinou a não intervenção do FGADM, fundamentando no facto da menor BB completado 18 (dezoito) anos de idade.
Reproduz-se aqui o despacho:
“Ref. 13386058: Visto.
Uma vez que não estão reunidos os pressupostos, cumulativos, previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98 e 3.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, que determinam a prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pois a jovem BB completou já 18 (dezoito) anos de idade, determina-se a não intervenção do FGADM.
Notifique e demais d. n.
Atenta a especial vulnerabilidade do agregado familiar em que se insere a jovem, evidenciada no relatório com a ref. 13386058, solicite à Segurança Social que intervenha junto de tal família, indagando da possibilidade de obtenção de apoio económico de outro tipo.”

Inconformada a jovem BB , de 18 (dezoito) anos de idade apelou e concluiu:
A) Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida nos autos identificados que considerou, sem mais, “que não estão reunidos os pressupostos, cumulativos, previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98 e 3.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, que determinam a prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pois a jovem BB completou já 18 (dezoito) anos de idade, determina-se a não intervenção do FGADM”
B) Salvo o devido respeito a aqui Recorrente discorda da douta decisão proferida no presente processo.
C) Por decisão, no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais n.º 355/11.1TMMTS-A, que correu termos na, à data designada, secção única do tribunal de família e menores de Matosinhos, cuja sentença transitada em julgado em 22 de Janeiro de 2014 condenou o Progenitor/Requerido a pagar mensalmente, a título de alimentos à menor, a quantia mensal de €100,00 (cem euros) até ao dia 8 do mês a que disser respeito.
D) Em virtude da falta de cumprimento da referida sentença, o presente incidente de incumprimento deu entrada em Tribunal a 19 de maio de 2021, e por decisão de 2 de Junho de 2022 foi assim judicialmente verificado o incumprimento suscitado, e considerado o requerido devedor da quantia global de 9.900,00€, referentes às prestações de alimentos devidas à filha nos meses de Fevereiro de 2014 a Maio de 2022 (sendo devida a quantia de 100,00€ por cada mês), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do respetivo vencimento e até integral pagamento.
E) Mais se determinou ainda na mesma data que que se procedesse nos termos doutamente promovidos pelo Digníssima Procuradora do Ministério Público e se averiguasse se o requerido trabalhava, sendo que, em caso negativo, desde logo, se determinou que se averiguasse as condições sócio-económicas do agregado familiar onde se insere a menor, tendo em vista verificar a viabilidade de intervenção do FGADM.
F) Para tanto, foi elaborado e junto aos autos o relatório que apurou o rendimento per capita /ponderação do agregado familiar da, à data, menor, que se encontra a estudar e sendo, e que correspondeu a €189,66.
G) Não obstante, foi proferida decisão pelo Meritissimo Senhor Juiz do tribunal a quo que determinou a não intervenção do FGADM, sem mais, fundamentando no facto da menor BB completado 18 (dezoito) anos de idade.
H) Sem indagar se a mesma, que estava ao abrigo do regime de escolaridade obrigatória, mantinha o seu percurso escolar.
I) De tal modo que, salvo o devido respeito que é muito, afigura-se que previamente à prolação da decisão recorrida deveria ter o Meritíssimo Juiz indagada no mínimo se a mesma mantinha o respectivo processo de educação ou formação profissional.
J) O que seria expectável dado que estando abrangida pelo regime de escolaridade obrigatória no início do ano lectivo, era mais do que razoável supor que continuasse com o seu processo educacional, o que de todo o modo sempre deveria ter sido questionado pelo tribunal a quo.
K) Efectivamente a BB encontra-se a frequentar no ano letivo 2022/2023, o Externato ... em, ..., no 2.º Ano do Curso de Aprendizagem de Esteticista.
L) A Lei nº 122/2015, de 1 de setembro, que introduziu assim significativas alterações ao regime jurídico vigente em matéria de alimentos a filho maior, precisamente com o objetivo de deixar clara a opção do legislador em tal matéria, pois dispõe agora o nº2 do artigo 1905º do Código Civil, aditado pela Lei nº 137/2015, de 7 de setembro: “Para efeitos do disposto no artigo 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data e se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação e alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”
M) Por outro lado, a Lei nº 122/2015, de 1 de setembro, veio também ela introduzir alterações ao artigo 989º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe, “Alimentos a filhos maiores ou emancipados”:
N) Por sua vez, a Lei nº 24/2017, de 24 de maio, com vista a harmonizar o Regime do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores com a citada alteração ao artigo 1905º do CC, veio dar nova redação ao artigo 1º da Lei nº 75/98 de 19 de novembro:
1. (…) 2 - O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja os 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no nº2 do artigo 1905º do Código Civil.
O) Pelo que não subsistem dúvidas de que a citada norma prevê agora a possibilidade de se manter, após a maioridade, o pagamento de prestações a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores.
P) Deste modo, os alimentos educacionais previstos nos artigos 1880º e 1095º, nº2 do CC, de acordo com a anterior redação dada ao artigo 1º do citado diploma “O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos”., porquanto o FGADM não suporta uma prestação autónoma, garantindo, ao invés, uma prestação substitutiva do progenitor/devedor originário, justifica-se que só venha a findar com a cessação do dever de prestar alimentos por parte do obrigado a alimentos.
Q) Apurado que, a filha da recorrente/requerente, embora agora maior de idade, mas porque não concluiu o seu percurso educacional continua desta feita a ter direito à pensão de alimentos e, concomitantemente ainda, a que a mesma passe a ser suportada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, e em consequência determinando-se o prosseguimento dos autos e consequentemente determine-se o pagamento, pelo respetivo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, da pensão de alimentos a que tem direito.

O Ministério Público contra – alegou e pugnou pela confirmação do despacho recorrido e, no essencial, apelou à interpretação do artigo 1º, n.º 2 da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio.

Foram colhidos os vistos legais.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
A questão colocada a este tribunal consiste em apreciar e decidir se na hipótese de estar pendente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, verificado esse incumprimento por parte do progenitor e que este não tem condições económicas para pagar os alimentos fixados, na hipótese de entretanto o menor atingir a maioridade, a lei permite que o tribunal determine que o FGADM, em substituição do progenitor obrigado a alimentos, continue a assegurar o pagamento das prestações que hajam sido fixadas durante a menoridade, até que o jovem complete 25 anos de idade se e enquanto durar o processo de educação ou de formação profissional.


III.FUNDAMENTAÇÃO.

3.1. Os factos que relevam para a decisão a proferir estão descritos no relatório.

3.2. Do mérito do despacho recorrido.
Desde já adiantamos que não acolhemos a decisão recorrida.
Vejamos.

1.A noção de «alimentos» é-nos dada, para o que ora importa, pelo artigo 2003.º, n.º 1, do Código Civil[, cuja previsão estabelece que «por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário».
E a medida dos alimentos é determinada nos termos do disposto no artigo 2004.º do CC, ou seja, «os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los», atendendo-se ainda na respectiva fixação «à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência».
De acordo com o disposto nos artigos 2009.º, n.ºs 1 e 2, e 2010.º do Código Civil, a vinculação à obrigação de prestar alimentos encontra-se legalmente deferida pela ordem ali indicada nas sucessivas alíneas, encontrando-se em igualdade de posições nessa obrigação os ascendentes [alínea c)], salvo se algum dos onerados não puder satisfazer a parte que lhe cabe, caso em que o encargo recai sobre os demais obrigados.
E o artigo 1879.º do CC, a respeito das Despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as referidas despesas, na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos. Assim, deve entender-se logo deste preceito e, a contrario, que se os filhos não estiverem nestas condições, a obrigação dos pais proverem às sobreditas despesas mantém-se.
Diz-nos ainda o artigo 1880.º do CC, sob a epígrafe Despesas com os filhos maiores ou emancipados, que rege quanto à extensão da obrigação de alimentos que “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
Todavia, como é sabido e dá nota o Ac Relação de Évora de 09.03.2017, no domínio da anterior redacção do artigo 1905.º do Código Civil, a jurisprudência dominante perfilava o entendimento de que atingida a maioridade caducava a pensão de alimentos, pelo que, quando fixada durante a menoridade do alimentado tal pensão, para que a fixação da obrigação de alimentos, nos quadros do artigo 1880.º do Código Civil pudesse operar, tinha o filho, agora maior de idade, que requerer, em processo próprio, a fixação de alimentos através do processo previsto no artigo 1412.º do Código Civil.[1] A maioridade gerava a inutilidade superveniente da lide no que se refere à subsistência da obrigação para além desse momento.
Assim, foi com a Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, entrada em vigor no dia 1 de Outubro de 2015, que foi alterado o Código Civil e o Código de Processo Civil quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados.(artº. 4º)
E de acordo com a redacção introduzida pela referida Lei que acrescentou o n.º 2 no artigo 1905.º do CC, estabelece agora este preceito legal que “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da exigência”.
De resto, considerando a referida divergência de entendimentos e o teor do segmento inicial da alteração introduzida, a posição maioritária da jurisprudência tem sido no sentido de estarmos perante lei que é interpretativa[2] do artigo 1880.º do CC[3], quanto à extensão da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores durante a menoridade e até que o filho complete 25 anos.
A obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” a completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade, a revelar que não se trata de um caso de direito a alimentos, mas de uma extensão da obrigação dos pais para além da menoridade dos filhos, de modo a que a estes seja, na prática, possível alcançar o termo da sua formação profissional. [4]
Concluímos pois que a regra actualmente estabelecida por lei é a de que a pensão fixada em benefício do filho menor mantém-se até que este complete os 25 anos, cabendo deste modo ao progenitor obrigado aos alimentos fixados durante a menoridade o ónus de cessar essa obrigação demonstrando que ocorre uma das três situações elencadas pelo legislador no segundo segmento do preceito em questão: que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos seja irrazoável.

2. Vista a vertente substantiva, importa atentar no modo como a lei adjectiva configurou o exercício deste direito do ponto de vista processual para possibilitar a concretização desta modificação ao regime substantivo.
A referida Lei n.º 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, atribuindo agora também ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores a legitimidade para exigir do obrigado a alimentos a respectiva contribuição.
De facto, tal é o que decorre cristalinamente da inovação introduzida com o aditamento no artigo 989.º do CPC - que na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, correspondia ao anteriormente estatuído no artigo 1412.º do CPC 95/96 - com a seguinte redacção:
«3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.»
Assim, o nº3 do art 989º do CPC veio atribuir legitimidade processual activa ao progenitor que assume o encargo de suportar as despesas do filho maior para exigir do outro progenitor uma contribuição para aquelas despesas.
E, por sua vez, a Lei nº 24/2017, de 24 de maio, com vista a harmonizar o Regime do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores com a citada alteração ao artigo 1905º do CC, veio dar nova redação ao artigo 1º da Lei nº 75/98 de 19 de novembro:
1. – (…)
2 - O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja os 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no nº2 do artigo 1905º do Código Civil.
A citada norma prevê agora a possibilidade de se manter, após a maioridade, o pagamento de prestações a cargo do Fundo de Garantia d Alimentos devidos a menores, sendo que, como é sabido, até à Lei nº24/2017, a intervenção de Fundo era apenas aplicável a menores, isto é, até o alimentando atingir os 18 anos de idade, não garantindo, deste modo, os alimentos educacionais previstos nos artigos 1880º e 1095º, nº2 do CC, de acordo com a anterior redação dada ao artigo 1º do citado diploma “O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos”.
Essa solução estava justificada legalmente, porquanto, o FGADM não suporta uma prestação autónoma, garantindo, ao invés, uma prestação substitutiva do progenitor/devedor originário, justificando-se que só venha a findar com a cessação do dever de prestar alimentos por parte do obrigado a alimentos (ou quando este reinicie o pagamento da prestação de alimentos).

3. Feitas estas considerações, no caso em apreço, resultando dos autos que a recorrente, filha do progenitor que está obrigado a pagar alimentos, agora é maior, cabia ao progenitor obrigado a iniciativa de fazer cessar essa obrigação e o ónus de alegar e provar factos que constituem os pressupostos da extinção dessa obrigação.

Não estando verificada nos autos essa iniciativa por parte do progenitor obrigado não existe razão para ordenar o arquivamento do processo com fundamento na maioridade do alimentando, devendo a instância prosseguir para apreciar e decidir a promoção do Ministério Público de 4.10.2022, pela qual, promoveu o Ministério Público que promoveu nos seguintes termos: “conforme resulta do relatório junto aos autos o rendimento Per Capita /ponderação do agregado familiar da Menor corresponde a €189,66. Das pesquisas efetuadas não são conhecidos bens ou rendimento ao progenitor, mostrando-se assim inviável fazer uso do mecanismo da cobrança coerciva da prestação alimentar nos termos do artigo 48º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. Pelo exposto, entendemos que a menor reúne condições de poder beneficiar do pagamento, pelo respectivo Fundo de Garantia, da pensão de alimentos a que tem direito, uma vez que o agregado familiar, para além do mais, não beneficia de rendimentos superiores ao IAS (Indexante dos Apoios Sociais), fixado em €443,20 para o ano de 2022.”

E acolhendo-se o Acordão da Relação de Coimbra de 15.05.2018, ainda assinalamos que, a entender-se que, após a maioridade, a prestação deve ser entregue directamente ao filho maior, cessando a representação daquele por parte do progenitor convivente, deverá o juiz, dentro dos poderes-deveres de gestão processual que lhe são conferidos-( art 6º CPC) proceder à regularização da instância- providenciando pelo suprimento de falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação- , convidando o beneficiário da pensão a intervir nos autos, a fim, de, querendo, assumir a posição de parte activa dos autos, ou convidando a requerente a fazer-se substituir pelo filho maior.
Assim, a apelação procede.

Sumário.
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IV.DELIBERAÇÃO
Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação e decisão da promoção do Ministério Público de 4.10.2022, à qual, nos referimos anteriormente.

Sem custas.

Porto, 23.03.2023
Francisca Mota Vieira
Paulo Silva
Isabel Silva
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[1] Neste sentido, J. H. Delgado de Carvalho, in “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9”, disponível no Blog do IPPC, acessível in
http://blogippc.blogspot.pt/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos.html, referindo que “Embora a obrigação de alimentos fixada durante a menoridade não cesse com a maioridade do filho enquanto este não tenha completado a sua formação profissional (cfr. art. 1880.º do CCiv), prevalecia na jurisprudência o entendimento segundo o qual o pedido de alimentos, formulado em processo pendente (Cr. art. 989.º, n.º 2, do NCPC) ou na instância renovada de processo findo (Cr. art. 282.º, n.º 1, do NCPC), apenas podia ser apreciado até ao momento em que o filho completasse 18 anos. A maioridade gerava a inutilidade superveniente da lide no que se refere à subsistência da obrigação para além desse momento.”.
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, nota l ao art. 13º.
[3] Cfr. neste sentido, Ac. TRC de 15-11-2016, proferido no processo n.º 962/14.0TBLRA.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[4] Estrela Chaby, anotação ao art 1880º C.Civil, Vol. II, 2017, Coord. Ana Prata Almedina, p. 784.