Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
167/18.1T9STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO
Descritores: NULIDADES
FALTA DE PROMOÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO
Nº do Documento: RP20210324167/18.1T9STS.P1
Data do Acordão: 03/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A omissão de diligências em inquérito, ainda que legalmente obrigatórias, não configura a nulidade insanável de falta de promoção do processo pelo Ministério Público, prevista no artigo 119.º, b), do Código de Processo Penal
II – A nulidade, dependente de arguição, de insuficiência do inquérito, prevista no artigo 120.º, n.º 2, d), do Código de Processo Penal, requer interpretação restritiva, cingindo-se à falta de interrogatório do denunciado, pois as restantes diligências estão no âmbito da autonomia do Ministério Público, não podendo ser ordenadas pelo Juiz de Instrução e podendo a omissão de alguma diligência no inquérito ser suprida na fase de instrução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 167/18.1T9STS.P1
2ª Secção Criminal- Tribunal da Relação do Porto.
Relatório:
Inconformado com o despacho de fls. 2/4 do translado que julgou procedente a nulidade da falta de promoção pelo MP, bem como a invocada nulidade por insuficiência de inquérito, com a consequente invalidade do despacho de arquivamento, veio O MP recorrer a fls. 5/22, alinhando as seguintes conclusões:
1) Os presentes autos iniciaram-se com a denúncia apresentada pelos assistentes B…, Ldª, C… e D… contra os denunciados E…, F…, G…, H…, I…, J…, K… e L… imputando-lhes a prática do crime de falsidade de testemunho, por terem prestado falso depoimento no âmbito do inquérito 461/17.9T9STS.
1) Os mesmos arrolaram quatro testemunhas, todas com domicílio profissional na sede das B… e requereram que a sociedade M…, SA fosse notificada para juntar a listagens dos fornecedores que passaram a exigir pronto pagamento e, ainda, a notificação da N… para que esclarecesse se alterou as condições de pagamento nos contratos efectuados com a M… e para juntar conta corrente entre as referidas empresas.
1) Em causa estão os depoimentos prestados pelos oito denunciados, cuja cópia) se encontra a fls. 51, 53, 55, 57, 59, 61, 63 e 65 destes autos e que aqui se dão como reproduzidos.
2) O inquérito nº461/17.9T9STS foi arquivado, por os assistentes não terem deduzido acusação particular pelo crime de difamação, p e p pelo artº 180 do CP.
3) A titular do inquérito respeitante a estes autos, depois de analisar os referidos depoimentos, deprecou a inquirição dos assistentes para que estes explicassem, em concreto, como é que sabiam ou quem lhes contou ser falso o que aqueles declararam, ou seja: que nenhum fornecedor cortou o crédito à denunciada, que não houve ninguém que telefonasse para a M… a questionar sobre a sua insolvência; que nenhum fornecedor colocou obstáculos ao fornecimento de materiais à M…, que nenhum fornecedor passou a exigir à M… o pronto pagamento da mercadoria.
4) Ouvidos por magistrado, conforme consta de fls. 739 e 740, os assistentes não esclareceram o pretendido, pois nada sabiam quanto ao comportamento dos fornecedores da M… (dado que não falaram com estes) e não sabiam se teriam sido efectuados telefonemas para a M…, para saber se contra esta tinha sido requerida a insolvência.
5) Conforme consta do despacho de fls. 726 a titular do inquérito procedeu ao arquivamento do mesmo, ao abrigo do disposto no artº 277, nº 1 do CPP, considerando que "o queixoso desconhece se os factos declarados pelos denunciados são verdadeiros ou falsos. Simplesmente é de opinião que a empresa "M…, SA" não teve quaisquer constrangimentos financeiros na sequência do pedido de insolvência que contra si foi apresentado. Sendo o declarado pelos denunciados no inquérito 461/17.9T9STS perfeitamente plausível porquanto é perfeitamente correspondente ao normal acontecer das coisas que fornecedores exijam garantias acrescidas de pagamento, quando têm conhecimento da pendência de um processo de insolvência e, consequentemente, temem pela solvabilidade da cliente - a "opinião" do denunciar te alicerçada em conhecimentos distantes, superficiais e infundados é, obviamente, insuficiente para, tão pouco, suspeitar que os factos declarados são falsos".
6) Os assistentes apresentaram RAI de fls. 1675 e seguintes, onde nos artºs 27 a 31, arguiram a nulidade de insuficiência de inquérito, prevista no artº 120, nº 2, d) co CPP, por o MP não ter realizado diligências probatórias nem interrogado os denunciados.
7) O Mmº Juiz a quo, por despacho de fls. 3154 seguintes, julgou procedente a nulidade de falta de promoção do processo pelo MP (por não ter sido apreciado nem decido requerimento de prova), bem como a invocada nulidade por insuficiência de inquérito, (por não terem sido efectuadas as ditas diligências de prova requeridas pelos assistentes) com a consequente invalidade do despacho de arquivamento, nos termos previstos nos artºs 18, nº 1 32, nº 7 e 52, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 118, nº I e nº 2, 119, b) e 120, nº 2, d) e nº 3, c) e 122º, n° 1 do CPP.
8) Salvo o devido respeito, inexistem as nulidades declaradas no despacho supra referido.
9) A nulidade da insuficiência de inquérito abrange só a total omissão de inquérito ou a omissão de diligências de investigação obrigatórias de acordo com o previsto no CPP, ou seja: a falta de constituição como arguido, prestação do TIR e interrogatório, a falta de perícia obrigatória, a comunicação ao ofendido da notícia de crime, do regime de queixa e apoio judiciário, a recolha de declarações para memória futura, no caso em que é obrigatório, a falta do cumprimento do dispostos nos artºs 75, 285, nºs 1 e 3 e a omissão de pronúncia quanto a crime que tenha sido denunciado, bem como a acusação pelo MP de crime de natureza particular.
11) Não era obrigatório proceder à constituição como arguidos dos denunciados dado que não se demonstrou fundada suspeita da prática de crime, conforme se exige na alínea a) do nº1 do artº 58 do CPP.
12) Não há falta de promoção do processo pelo MP, pois que foi recebida a denúncia, foram efectuadas diligências de inquérito e após, proferido despacho de arquivamento.
13) O âmbito da aplicação do disposto no artº 119 alª b) do CPP, abrange a pena para a hipótese de haver prossecução processual sem prévia acusação do MP, ou, sendo caso disso, do assistente ou em caso de não ter sido proferido despacho de encerramento no inquérito, quer de arquivamento quer de suspensão provisória do inquérito que se debruce sobre todo o objecto do inquérito.
14) Por último, salvo o devido respeito, o Mmº JUIZ a quo só poderia conhecer das nulidades de inquérito, depois de receber a instrução e realizar debate, constituindo a omissão de debate a nulidade de insuficiência de instrução, prevista no artº 120, nº 1 2 alª d) do CPP. Deste modo, o despacho recorrido, violou o disposto nos artºs 118, nº 1 e 119, b) e 120, nº 2 alª d) e nº 3 alª c) e 122 nº 1, do CPP, razão pela qual deve ser substituído por um despacho que receba ou rejeite o RAI.
Deve assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida que deve ser substituída pelo despacho de recebimento ou rejeição do pedido de abertura de instrução, por não poder decidir das nulidades sem declarar aberta a instrução e proceder a debate.
Sem prescindir, caso se entenda que poderia conhecer previamente das nulidades sem declarar aberta a instrução, deve o despacho que julgou procedente as nulidades do inquérito, ser revogado e substituído por outro, que declare improcedentes tais nulidades
Resposta da assistente B…, Ldª.
1. Por douto despacho datado de 05.06.2020, julgou o Tribunal recorrido verificadas no caso sub judice as nulidades de falta de promoção do processo pelo Ministério Publico e de insuficiência do inquérito previstas nos artºs 182, nº 1, 32, nº 7, e 52, nº 1, da CRP e 118, nºs 1 e 2,119 alª b) e 120, nº 2 alª d) e nº 3, alª c) e 122, nº 1 do CPP.
2. O MP considera que não se verifica in casu falta de promoção do processo pelo Ministério Público, uma vez que após o recebimento da denúncia, foram efectuadas diligências de inquérito, e seguidamente, proferido despacho de arquivamento".
3. A única diligência levada a cabo pelo MP no âmbito do inquérito resumiu-se à tomada de declarações dos assistentes.
4. Na denúncia apresentada pelos assistentes nos presentes autos foi solicitada a realização de um conjunto de diligências probatórias
que não foram levadas a cabo pelo Ministério Público, nomeadamente a inquirição de testemunhas e a requisição de prova documental a entidades terceiras.
5. Num processo em que, após a denúncia, o MP se limita a inquirir os denunciantes sem realizar qualquer tipo de diligência para além da referida inquirição estamos perante um arquivamento liminar e, consequentemente, uma nulidade processual, designadamente de falta de promoção do inquérito pelo MP prevista no art. n® 1192, al. d) do CPP, pois que a efectividade do inquérito exige que as autoridades tomem as medidas razoáveis à sua disposição para garantir a obtenção das provas relacionadas com os factos em questão, incluindo entre outras as declarações das testemunhas oculares, relatórios de especialistas e, quando apropriado, uma autópsia capaz de fornecer um relato completo e preciso das lesões e uma análise objectiva dos achados clínicos, em particular a causa da morte.
6. Os denunciantes requereram um conjunto de diligências probatórias nomeadamente, a inquirição de testemunhas e requisição de documentação a entidades terceiras, pedido esse que não foi objecto de apreciação nem decisão por parte do MP.
7. Estando o MP funcionalmente vinculado à obrigação de apreciar e decidir sobre o requerimento probatório apresentado pelos denunciantes mister se torna concluir que o mesmo omitiu a prática de acto legalmente relevante que inquina a validade do despacho de arquivamento (artºs 32, nº 7, e 529, nº 1, da CRP e 120, nº 2, alª d) e 1222, nº 1, do CPP).
8. A decisão ora em crise não viola qualquer preceito legal antes está em conformidade com o disposto no artº 3082, nº 3 do CPP, disposição legal que impõe que na decisão instrutória o juiz de instrução conheça primeiramente das nulidades ou de outras questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução, sendo mesmo esse saneamento tarefa prévia a qualquer apreciação de fundo da causa (entenda-se decisão de pronúncia ou de não pronúncia).
Parecer do MP proferido neste Tribunal Superior:
(…)
É pacífico que o Juiz de Instrução poderá conhecer, no despacho a que se refere o artº 287, nº 3 do CPP, da invalidade de actos praticados em inquérito, incluindo a nulidade por insuficiência de inquérito prevista no artº 120, nº 1 e 2 alª d) deste diploma.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão TRL de 19-04-2017, proferido no Processo nº 684/14.2T9SXL.L1, disponível em www.dgsi.pt:
I - O inquérito é da exclusiva titularidade do Ministério Público e só se permite a intervenção do juiz nos casos expressamente previstos na lei. O juiz de instrução é sobretudo um juiz de garantias e de liberdades, sem qualquer intervenção de tutela hierárquica ou de supervisão dos actos do Ministério Público.
II - Assim sendo, a apreciação da necessidade de actos de inquérito, quando não legalmente impostos, é da competência exclusiva do Ministério Público e o juiz de instrução não pode declarar, durante o inquérito, a invalidade de actos processuais presididos pelo Ministério Público, tendo em atenção o princípio da autonomia, consagrado no artigo 219, nºs 1 e 2, da CRP.
III - A lei impõe no artigo 308 nº 3 do CPP que na decisão instrutória o juiz proceda à apreciação da regularidade dos actos de inquérito, conhecendo em primeiro lugar das nulidades e das questões prévias de que possa conhecer, e por maioria de razão este dever se tem de considerar extensível à decisão de rejeição por inadmissibilidade legal a que se refere o artigo 287 nº 3 do CPP.
Isto dito, não apresentando os queixosos, apesar de sobre isso especificamente questionados, quaisquer elementos que delimitem a “inverdade” nos depoimentos prestados pelos denunciados, como testemunhas, no inquérito 461/17.9T9STS, que correu termos no DIAP de Santo Tirso, para além da genérica imputação de falsidade, não existe utilidade processual na realização das diligências sugeridas na queixa. Diligências que mais parecem destinar-se a produzir resultado, num qualquer conflito de natureza cível.
Assim, não ocorre insuficiência de diligências para as finalidades do artº 262 do Código de Processo Penal
Acompanhamos, por isso e com a apontada reserva, a motivação apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância, que se mostra elaborada com adequada fundamentação e a cujos argumentos, de facto e de direito, nada mais nos oferece acrescentar com relevo para a apreciação e decisão do recurso, emitindo-se parecer no sentido da sua parcial procedência.

Cumpriu-se o artº 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.
Fundamentação.
Do despacho recorrido.
Do requerimento de abertura de instrução e das questões prévias relativas à alegada nulidade da insuficiência de inquérito e da eventual nulidade da falta de promoção do processo pelo Ministério Público:
Os assistentes, “B…, Lda.”, C… e D…, vieram requerer a abertura da instrução no sentido da pronúncia dos arguidos L…, E…, F…, G…, H…, I…, J… e K…, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punível pelos artigos 360, nº 1, e 361, nº 1, alª a), do Código Penal.
Alegaram também a nulidade da insuficiência do inquérito nos termos constantes do artigo 27 a 31 do requerimento de abertura de instrução.
Notificados os arguidos para se pronunciarem sobre a arguida nulidade de insuficiência de inquérito ou sobre a eventual nulidade da falta de promoção do processo pelo Ministério Público, os mesmos vieram responder, a fls. 3131 a 3146, no sentido da improcedência das alegadas nulidades, defendendo ainda a rejeição liminar da instrução por falta de alegação dos factos relativos ao dolo como elemento subjectivo do tipo legal de crime de falsidade de testemunho.
A fls. 3149 dos autos, o Ministério Público pronunciou-se pela inexistência da nulidade de insuficiência de inquérito. Nesse sentido, considerou não ser obrigatória a constituição e interrogatório de arguidos no inquérito quando não há suspeita fundada da prática do crime. Considerou também não existir falta de promoção do processo pelo Ministério Público por ter sido proferido despacho de arquivamento quanto ao objecto do processo.

Cumpre-nos apreciar:
Os denunciantes “B…, Lda.”, C… e D… participaram criminalmente contra L…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, funcionários da M…, S.A." e K…, representante legal desta última empresa, por declarações produzidas no processo 461/17.9T9STS, susceptíveis de configurar a prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punível pelo artigo 360, nº 1, e 361, nº 1, alª a), do Código Penal, conforme melhor consta dos artigos 1 a 22 da denúncia inicial, a fls. 3 a 9 dos autos.
Com a denúncia foram juntos variados documentos – incluindo cópia da queixa-crime apresentada pela “M…, S.A.”, que originou o inquérito nº 461/17.9T9STS, cópia dos autos de inquirição das testemunhas e do representante da assistente naquele processo, aqui denunciados, e cópia do despacho de arquivamento do referido inquérito, cfr. fls. 10 a 69.
O caso dos presentes autos, que ora nos ocupa, foi registado e distribuído como inquérito, com referência ao crime de falsidade de testemunho, cfr. fls. 2.
A fls. 724 dos autos, a titular do inquérito exara o seguinte despacho: "Considerando que:
- a saúde financeira da denunciada não tem como consequência a inexistência de custos "elevados" suportados por aquela - pelo contrário, só com liquidez uma empresa poderia suportar um súbito encurtamento dos prazos de pagamento exigidos pelos fornecedores;
- é elemento do tipo incriminador do crime de falsidade de testemunho que a declaração prestada por uma testemunha seja falsa (nº 1 do artigo 360 do Código Penal);
- e que o inquérito 461/17.9T9STS findou porque os ali assistentes não deduziram acusação particular, nada do mesmo resultando quanto à falsidade ou veracidade dos prejuízos causados ou da (in)existência de burburinho causado pelo processo de insolvência;
- depreque a inquirição dos queixosos para que esclareçam, em concreto, como é que sabem que os factos relatados pelos denunciados são falsos, ou seja, como é que sabem ou quem lhes contou:
- que nenhum fornecedor cortou o crédito à denunciada;
- que não houve ninguém que telefonasse para a M…, a questionar sobre a sua insolvência;
- que nenhum fornecedor passou a exigir à M… o pronto pagamento;
- que nenhum fornecedor colocou obstáculos ao fornecimento de materiais à M…;
- que nenhum fornecedor passou a exigir à M… que pagasse adiantado.”
Inquiridos por carta precatória, os denunciantes prestaram as declarações documentadas a fls. 739 a 741.

Recebida a carta precatória e aberto termo de conclusão ao Ministério Público, a titular do inquérito profere o seguinte despacho, sob o título arquivamento:
“B…, Lda., C… e D… participaram contra L…, E…, F…, G…, H…, I…, J… e K…, todos funcionários da M…, S.A., por factos susceptíveis de configurar a prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360 do Código Penal.
Em concreto, participaram que os denunciados, quando ouvidos como testemunhas no âmbito do inquérito 461/17.9T9STS, onde se investigava a prática de um crime de difamação em que figurava como queixosa M…, S.A. e como denunciada B…, Lda., prestaram falsas declarações quando afirmaram que, após e por causa da apresentação do pedido de insolvência desta contra aquela, vários fornecedores cortaram crédito à M…, que várias pessoas telefonaram para a M… a questionar sobre a sua insolvência; que vários fornecedores passaram a exigir à M… o pronto pagamento; que alguns fornecedores colocaram obstáculos ao fornecimento de materiais à M…; que alguns fornecedores passaram a exigir à M… que pagasse adiantado.

Sucede que ouvida em declarações a denunciante D… pela mesma foi declarado que é apenas gerente de direito da B…, Lda., tem conhecimento de que foi apresentada uma queixa e desconhece todo o mais.
Por sua vez, C… declarou, em suma, que não sabe se o declarado pelas testemunhas é ou não verdade, mas é de opinião que não corresponde à verdade porque a M…, S.A. continuou a laborar normalmente, candidatando-se a concursos públicos e iniciando obras privadas.
Teceu ainda outras opiniões sobre a plausibilidade das declarações prestadas quanto aos prejuízos sofridos pela M….
O nº 1 do artigo 360 do Código Penal dispõe que «Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias».
Dos autos resulta manifesto que inexistem os mais pálidos indícios de que o declarado seja falso. O queixoso desconhece se os factos declarados pelos denunciados são verdadeiros ou falsos. Simplesmente é de opinião que a empresa "M…, S.A." não teve quaisquer constrangimentos financeiros na sequência do pedido de insolvência que contra si foi apresentado.
Sendo o declarado pelos denunciados no inquérito 461/17.9T9STS perfeitamente plausível -porquanto é perfeitamente correspondente ao normal acontecer das coisas que fornecedores exijam garantias acrescidas de pagamento, quanto têm conhecimento da pendência de um processo de insolvência e, consequentemente, temem pela solvabilidade da cliente - a "opinião" diversa do denunciante alicerçada em conhecimentos distantes, superficiais e infundados é, obviamente, insuficiente para, tão pouco, suspeitar que os factos declarados são falsos.
Razão pela qual, se determina o arquivamento dos autos, nos termos do artigo 277, nº 1 do Código de Processo Penal.
Comunique aos queixosos (artigo 277, nº3 e 4, do CPP).
Prazo de prescrição do procedimento criminal: não há prazo a considerar.”
O citado despacho suscita dificuldades de interpretação.
O artigo 277, nº 1, do C.P.P. determina que o Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título, ou de ser inadmissível o procedimento.”
Na denúncia inicial apresentada, os aqui requerentes tinham solicitado a produção de prova: a notificação da “N… Portugal, S.A.” e da “M…, S.A.” para juntarem informações e documentos, bem como a inquirição de quatro testemunhas.
O Ministério Público não se pronunciou sobre esse requerimento de prova, levou a efeito a inquirição dos denunciantes através de carta precatória, e uma vez esta recebida, arquivou o processo nos termos do artigo 277, nº 1, do Código de Processo Penal.
No entanto, nem a prova documental apresentada com a denúncia, nem as declarações prestadas pelos denunciantes, permitiam concluir, sem risco, que não se verificava crime, não sendo claro qual o fundamento indiciário para tal arquivamento.
Aliás, em despacho anterior, a titular do inquérito considerara que no outro inquérito, com o nº 461/17.9T9STS, já findo, nada resultara quanto à falsidade ou veracidade dos prejuízos causados ou da (in)existência de rumores causados pelo processo de insolvência.
Nessas circunstâncias, caberia ao Ministério Público promover as diligências de investigação necessárias e adequadas às finalidades do inquérito sobre a factualidade denunciada pelos aqui requerentes.
Numa interpretação subjectiva, dir-se-ia estarmos perante um arquivamento liminar de uma denúncia, depois dos esclarecimentos que os denunciantes foram chamados a prestar, sem a realização de qualquer outra diligência de prova.
Numa tal situação, seríamos levados a concluir pela nulidade da falta de promoção do processo pelo Ministério Público, por não ser manifestamente caso de arquivamento liminar da denúncia.
No entanto, a este respeito, o Ministério Público, no seu despacho de fls. 3149, afirmou: “o Ministério Público iniciou o inquérito e ouviu os denunciantes” (…). Assim, por não haver indícios de que os denunciados mentiram, nem sequer haver suspeita fundada disso, os denunciados não foram constituídos arguidos e o inquérito foi arquivado”.
Neste contexto, afigura-se-nos que a declaração de arquivamento emitida pelo Ministério Público deve valer como um arquivamento do inquérito, segundo a regra de interpretação estatuída no artigo 236, nº 2, do Código Civil.
No entanto, a abertura de inquérito e a existência de um despacho de arquivamento não significa necessariamente uma promoção do processo por parte do Ministério Público, nomeadamente na situação em que os denunciantes são onerados com a responsabilidade de apresentar provas dos factos que denunciaram.
Tratando-se de um crime público, a promoção do processo cabia exclusivamente ao Ministério Público, devendo, promover, procurar, obter e recolher as provas que permitissem fundamentar a decisão final do inquérito.
O que não se verifica quando o Ministério Público arquiva o inquérito nos termos do artigo 277, nº 1, do CPP, sem qualquer qualquer decisão sobre as diligências probatórias requeridas pelos denunciantes.
Concluímos assim pela falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 119, alª b), do Código de Processo Penal.
Por outro lado, afigura-se-nos verificar-se igualmente a nulidade por insuficiência de inquérito.
Nos termos do artigo 120, nº 2, alª d), do Código de Processo Penal, constituem nulidades dependentes de arguição, além das que foram cominadas noutras disposições legais, a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”
Os denunciantes tinham requerido a fls. 8, as seguintes diligências probatórias:
“Notificar a N… Portugal, SA” (…) para informar os presentes autos se, no ano de 2017, alterou unilateralmente as condições de pagamento do material por si fornecido à “M…” para a construção da estrada … – …, e, em caso de resposta afirmativa, que alterações foram essas e quais os motivos que presidiram à referida alteração.”
“Mais (…) notificar a referida empresa para juntar o extracto de conta-corrente entre as duas empresas por forma a apurar-se qual a dilação do tempo existente entre a data do fornecimento da mercadoria e a data de pagamento da mesma.”

“Notificar a M…, S.A. (…) para juntar aos presentes autos a listagem de todos os fornecedores que, desde a data da propositura da acção de insolvência, passaram a exigir o pronto pagamento das mercadorias por si fornecidas ou serviços por aqueles prestados.”
“Proceder à inquirição das seguintes testemunhas:
a) K… (…)
b) O… (…)
c) P… (…)
d) Q… (…).
Não tendo sido apreciado, nem decidido este requerimento de prova, foi omitido acto legalmente obrigatório. Com efeito, as autoridades judiciárias devem conhecer, apreciar e decidir todos os requerimentos legitimamente apresentados pelos interessados, nomeadamente nos termos previstos nos artigo 32, nº 7, e 52, nº 1, da Constituição.
O Ministério Público estava funcionalmente obrigado a apreciar e decidir aquele requerimento de prova, pelo que a sua não apreciação constitui falta de um acto legalmente obrigatório, e a sua omissão é susceptível de afectar a validade do despacho de arquivamento do inquérito.
Em face do exposto, julgo procedente a nulidade da falta de promoção do processo pelo Ministério Público, bem como a invocada nulidade por insuficiência de inquérito com a consequente invalidade do despacho de arquivamento, nos termos previstos nos artigos 18, nº 1, 32, nº 7, e 52, nº 1, da Constituição, e dos artigos 118, nº 1 e nº 2, 119, alª b) e 120, nº 2, alª d), e nº 3, alª c), e 122, nº 1, do Código de Processo Penal.
(…)
Notifique e oportunamente remeta os autos ao DIAP de Santo Tirso para os fins tidos por convenientes.
Da questão prévia alegada no âmbito do RAI.
O objecto do recurso define-se no âmbito das conclusões – artº 412 nº 1 do CPP.
Por despacho, o TIC decidiu, antes de declarar aberta a instrução, pronunciar-se sobre as nulidades de falta de promoção do processo pelo MP e insuficiência de inquérito … com a consequente invalidade do despacho de arquivamento – artºs 18 nº 1; 32 nº 7 e 52 nº 1, todos, da CRP e artºs 118 nº s 1 e 2; 119 alª b); 120 nº 2, alª d) e nº 3 alª c) e 122 nº 1, todos, do CPP
Neste sentido o objecto do recurso refere-se às alegadas nulidades ocorridas durante o inquérito: insuficiência de inquérito por não terem sido praticados actos obrigatórios e omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade (artº 120 nº 2 alª d) do CPP). Em sede de despacho recorrido, além daquela invalidade, o tribunal acrescenta eventual falta de promoção do processo pelo MP (artº 119 alª b) do CPP), nos termos do artº 48 do diploma citado.
Os presentes autos foram arquivados pelo MP, onde se concluiu que dos autos resulta manifesto que inexistem os mais pálidos indícios de que o declarado seja falso. O queixoso desconhece se os factos declarados pelos denunciados são verdadeiros ou falsos. Simplesmente é de opinião que a empresa "M…, S.A." não teve quaisquer constrangimentos financeiros na sequência do pedido de insolvência que contra si foi apresentado.
Sendo o declarado pelos denunciados no inquérito 461/17.9T9STS perfeitamente plausível - porquanto é perfeitamente correspondente ao normal acontecer das coisas que fornecedores exijam garantias acrescidas de pagamento, quanto têm conhecimento da pendência de um processo de insolvência e, consequentemente, temem pela solvabilidade da cliente - a "opinião" diversa do denunciante alicerçada em conhecimentos distantes, superficiais e infundados é, obviamente, insuficiente para, tão pouco, suspeitar que os factos declarados são falsos.
Os únicos actos prestados em inquérito são os esclarecimentos dos denunciantes. Prestaram declarações, por carta precatória, documentadas a fls. 739 a 741. Nos termos da lei o MP arquiva o inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título, ou de ser legalmente inadmissível o procedimento – artº 277 nº 1 do CPP. Mas o nº2 deste artigo também prescreve que o arquivamento é igualmente possível quando o MP não conseguir obter indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os agentes, suposto que encete as devidas diligências. Mais concretamente o MP tem legitimidade para promover o processo penal e, aberto o inquérito, o seu desfecho (encerramento) tem lugar mediante despacho de arquivamento, dedução de acusação ou despacho de suspensão provisória – artºs 48, 262, 267, 276 e 281, todos, do CPP.
Depois de esgotado o prazo para deduzir instrução pode ter lugar intervenção hierárquica nos termos do artº 278 do CPP.
Esta intervenção não teve lugar e por isso o denunciante optou por requerer a abertura da instrução (fls. 528 do translado).
O despacho recorrido ocorre antes do previsto despacho de abertura de instrução (artº 287 nºs 4 e 5 do CPP). Efectivamente o JIC não chegou a abrir a instrução.
O Tribunal a quo entende que o MP devia ter promovido a recolha de provas que permitissem fundamentar a decisão final do inquérito, designadamente ouvir os denunciados, de forma a avaliar a sua constituição como arguidos. Tratando-se de um crime semi-público (artº 360 nº 1 do CP) a promoção dos autos cabe exclusivamente ao MP.
Importa assim estabelecer diferença entre falta de promoção no exercício de uma legitimidade exclusiva e insuficiência de inquérito por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios e omissão posterior de diligências essenciais para a descoberta da verdade. Não cremos estar perante um arquivamento liminar (nulidade insanável por falta de inquérito), porque o MP procedeu a algumas diligências, porém, aberto o inquérito, é legalmente obrigatório interrogar, no sentido de ouvir, os denunciados, suposto a verificação do previsto no artº 272 nº 1 do CPP. Este artigo diz o seguinte: correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interroga-la como arguido, salvo se não for possível notifica-la. A falta de interrogatório do arguido, em fase de inquérito, quando este corra contra pessoa determinada e a sua notificação para comparência não se revele inviável … configura apenas nulidade prevista no artº 120 nº 2, alª d) do CPP – nulidade dependente de arguição, configurando insuficiência de inquérito. O único acto obrigatório é apenas o interrogatório do arguido, sobretudo naqueles casos em que o próprio o requer. Foi esta a jurisprudência perfilhada pelo Acórdão do Pleno das Secções Criminais do STJ de 23 de Novembro de 2005. Dizemos ouvir, dado o MP tem apenas de assegurar os meios de prova necessários (artº 267 do CPP) para a realização das finalidades previstas no artº 262 nº 1 do CPP. Efectivamente, exceptuando aquelas declarações, nenhum outro acto de inquérito foi praticado, apesar de requerido. Não excluímos a ausência de indícios suficientes para a verificação de crime, desde que esta manifestação assente em diligências concretas e irrefutáveis. Julgamos contudo que não é apropriado falar de falta de promoção do processo nos termos do artº 119 alª b) do CPP. Esta invalidade plena não foi prevista para omissão de diligências ou não prática de actos legalmente obrigatórios (artº 120 nº 2 alª d) do CPP). Aquela nulidade absoluta refere-se a casos muito mais graves como por exemplo: omissão de despacho final de encerramento de inquérito - não pronúncia sobre a totalidade do objecto do inquérito – Acórdão do TRP de 08/03/2017 in Processo nº 97/12.0GAVFR.P1, relatado pelo Desembargador Manuel Soares. Situação idêntica foi decidida no Acórdão de Jurisprudência do STJ de 16 de Dezembro de 1999: integra a nulidade insanável da alª b) do artº 1119 do CPP a adesão posterior do MP à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza pública e semi-pública, fora do caso previsto no artº 284 nº 1 do mesmo diploma legal – O MP tinha notificado o assistente, para deduzir acusação num crime de natureza semi-pública, sem que tivesse encerrado o inquérito com adequado despacho. O mesmo se diga da situação prevista no Acórdão do TRC, de 06/11/2003 in Processo nº 310/12.4T3AND-A.C1. Relator: Maria Pilar de Oliveira – ter sido declarada aberta a instrução sem ter sido realizado inquérito. Ainda o Acórdão do TRG, de 12/07/2016 in Processo nº 679/14.6GCBRG-B.G1. Relator João Lee Ferreira – omissão absoluta de pronúncia sobre crime semi-público denunciado pelo ofendido.
O caso dos autos não integra uma nulidade insanável, como a do tipo previsto no artº 119 alª b) do CPP. Sobra ainda a nulidade dependente de arguição – insuficiência de inquérito. Esta nulidade foi expressamente arguida pelo assistente em sede de RAI.
Algo diferente consubstancia a presente nulidade, arguida por insuficiência de inquérito, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios e omissão posterior de diligências. O único acto eventualmente obrigatório é o interrogatório do arguido, desde que previstas as circunstâncias do artº 272 nº 1 do CPP – inquérito contra pessoa determinada. Ressalvam-se, obviamente os casos de a conduta não integrar crime ou qualquer outra causa de extinção da responsabilidade criminal. Exceptuando casos limite, o MP pode praticar actos necessários para garantir os meios de prova destinados à finalidade do inquérito. Podemos ainda acrescentar que o MP, além da imprescindibilidade de ouvir o denunciado e das obrigações decorrentes como as previstas nos artºs 271, 274 e 275 do CPP, deve efectuar diligências que permitam, no fim do inquérito, uma tomada de posição.
Quanto a esta nulidade (artº 120 nº 2 alª d) do CPP) o tribunal é mais assertivo e concretiza: o MP não apreciou nem decidiu o requerimento de fls. 8, com omissão de diligências reputadas importantes e essenciais para a descoberta da verdade. Em conclusão, sem prejuízo de resultado idêntico ao do arquivamento, o MP não promoveu os autos no exercício dos seus poderes (legitimidade) nem se pronunciou sobre um conjunto de diligências requeridas pelo denunciante. É evidente que as identificadas diligências não foram praticadas mas, não podemos olvidar que os autos já estão sob controlo jurisdicional, em sede de instrução. Como também não podemos afirmar que a audição dos denunciados é obrigatória, uma vez que o MP disse claramente no despacho de arquivamento que os factos indiciados não são susceptíveis de configurar a prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido nos termos do artº 360 do CP. Esta é uma competência do MP que tem completa autonomia durante o inquérito (artº 221 da CRP e Estatuto do MP – Lei nº 47/86 de 15 de Outubro) para exercer a acção penal de acordo com as suas atribuições – princípio da autonomia - o que decorre da estrutura acusatória do processo estabelecida no artº 32 nº 5 da CRP.
Não basta declarar nulidades, mais do que uma intervenção formal, impõem-se aferir dos efeitos desta medida para lá do disposto no artº 122 do CPP. O caso flagrante de nulidade insanável, como a falta essencial de promoção ou de inquérito, impõe-se ao MP com a consequente obediência à decisão judicial, sindicância que muitas das vezes é reparada por intervenção hierárquica. O dever de conhecer estas anomalias é oficioso e deve ser declarado em qualquer fase do procedimento, salvo as que forem cominadas em outras disposições legais. O Tribunal a quo na defesa do despacho recorrido vem dizer (fls. 890 do translado) que uma vez considerada procedente (nulidade insanável), prejudica a finalidade da instrução aludida no artº 266 nº 1 do CPP, bem como a utilidade do debate instrutório. Além de já termos arredado esta nulidade, com fundamentação esforçada, urge interpretar o corpo do artº 119 do CPP. O termo oficiosamente não suscita dificuldades mas o mesmo não se pode dizer da expressão qualquer fase do procedimento.
Compete ao JIC proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste código (artº 17 do CPP). Praticar determinados actos durante o inquérito (artºs 268 e 269 do CPP) e durante a instrução (artºs 286 a 310 do CPP).
A interpretação, qualquer fase do procedimento significa que o JIC intervém em momentos previstos no CPP. O JIC foi chamado a intervir para decidir uma instrução requerida pelos denunciados, onde além do mérito, o magistrado tem o dever legal de se pronunciar sobre a regularidade da instância, designadamente apreciar as nulidades. A Lei 59/98 de 25 de Agosto introduziu o disposto no artº nº3 do artº 308 do CPP: no despacho proferido no nº 1 – despacho de pronúncia ou não pronúncia – o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer. O JIC pode entender que não deve avançar para a apreciação de mérito – se nada obstar ao conhecimento do mérito da causa – contudo sempre decidirá se deve pronunciar ou não pronunciar. Já deixamos devidamente esclarecido que não resulta dos autos que o inquérito enferme de nulidade insanável, porém há uma clara insuficiência de diligências importantes para a descoberta da verdade material. Esta nulidade está devidamente invocada no RAI e pode ser sanada com a realização das requeridas diligências ou, até, ser alvo de interpretação distinta: não há interrogatório por não se vislumbrar crime, ficando desta sorte as restantes diligências prejudicadas. Lembramos que este Tribunal Superior não pode dar ordens ao MP para a prática de actos não obrigatórios, pelo que a falível discussão sobre a insuficiência de inquérito pode terminar com a prática de actos inúteis.
Com esta excursão pretendemos dizer liminarmente que não há nulidade insanável por falta de promoção do processo e que a alegada nulidade por insuficiência de inquérito requer interpretação restritiva de que o denunciado tem sempre de ser ouvido. As restantes diligências estão no âmbito das atribuições do MP.
A finalidade da instrução constitui um instrumento de controlo jurisdicional para aferir da decisão de acusar ou arquivar, tomada no fim do inquérito. O juiz pratica todos os actos necessários à realização das finalidades previstas no artº 286 nº 1 do CPP. A instrução é um puro instrumento de controlo, posto a cargo de um juiz, a ter lugar após fase processual especificamente destinada à investigação criminalA Nova Face da InstruçãoNuno Brandão - Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 3/2008, páginas 227/255.
O Tribunal a quo tem de declarar aberta a instrução, tomar posição sobre o RAI e considerar, eventualmente, os actos a praticar, seguindo-se o debate instrutório e consequente decisão. Recordamos o teor do artº 308 nº 3 do CPP – no despacho de pronúncia ou não pronúncia o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais que possa conhecer.
O entendimento deste tribunal superior ficou bem expresso na exposição supra referida, contudo o tribunal a quo é soberano para apreciar o RAI no exercício da sua competência material e funcional.
Em conclusão decidimos revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que tome posição sobre o requerimento de abertura da instrução. Os autos têm de prosseguir e deve ser aberta a instrução.

Procede o recurso.

Acordam os juízes que integram, a 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso interposto pelo MP, revogando o despacho recorrido, agora substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos com abertura da instrução.

Sem tributação.
Registe e notifique.

Nos termos dos D/L nº 10-A/2020 e D/L nº 20/2020 de 1 de Maio – artºs 3 (aditamento ao artº 15-A daquele D/L) e 6 – a assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal colectivo, nos termos previstos no nº 1 do artº 153 do CPP, aprovado pela lei nº 41/2013, de 26 de Junho, na sua redacção actual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.
Nestes termos atesto o voto do Juiz Desembargador Adjunto em conformidade com a decisão.

Porto, 24 de Março de 2021
Horácio Correia Pinto.
Moreira Ramos.