Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7836/19.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
DATA DE ADMISSÃO
TEMPO DE SERVIÇO
Nº do Documento: RP202007147836/19.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O CCT celebrado entre a AEEP e a FNE, publicado no BTE nº33 de 1988, nada se refere quanto à obrigação de entrega, na data da admissão, do tempo de serviço já prestado, mas apenas prescreve que esse tempo de serviço deve ser “devidamente comprovado e classificado”.
II - A obrigação de na data de admissão ser feita essa declaração e comprovação “logo que possível” aparece apenas no CCT de 2015 (BTE nº29), no caso, quando a relação laboral estava já em vigor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 7836/19.7T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1
Recorrente: B…
Recorrida: C…

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
B… veio intentar acção declarativa de processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a “C…” pedindo que, deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência:
a) Reconhecer-se que a A tem direito à retribuição mensal de 1.950,00 €, correspondente ao nível A 4 da tabela de retribuições da contratação coletiva aplicável ao ensino particular e cooperativo, a partir de 1 de setembro de 2015;
b) condenar-se a R. no pagamento das diferenças salariais vencidas no valor global de 10.663,07€ (calculadas até 28 de fevereiro de 2019) e vincendas;
c) condenar-se a R. no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos e relativos às diferenças salariais no valor de 426,63€ (calculados até 31 de março de 2019).
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, trabalhar como psicóloga para a ré desde 05/05/1997, sendo que, entre as partes, foi acordado que ao vínculo laboral seria aplicável o CCT referente ao ensino particular.
E, alega o CCT aplicável ao ensino particular, celebrado entre a AEEP e a FNE, publicado no BTE nº 29 de 8 de agosto de 2015, fixa para a categoria psicólogo, com 20 a 25 anos de serviço (nível A4), a retribuição mínima de 1.950,00 €, a partir de 1 de Setembro de 2015, mantendo-se a mesma retribuição no CCT publicado em 2017.
Mais alega que, entre 1990 e 1993, durante cerca de 2 anos, havia já trabalhado para a ré pelo que tal período deverá ser contabilizado para efeitos de enquadramento e progressão na sua carreira (nos moldes previstos no referido CCT).
Alegando, ainda, que em Abril de 2015, perfez 20 anos de serviço e a sua retribuição (mensal e ilíquida) a partir de 01/02/2015 e a partir de 01/02/2017, ascendeu a 1.694,71€ e a 1.758,37€. Contudo, a partir de 01/09/2015, deveria ter sido fixada em 1.950€.
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Realizada a audiência de partes, não foi possível a sua conciliação, conforme decorre da acta datada de 26.06.2019, tendo sido ordenada a notificação da Ré para contestar o que fez, negando assistir razão à A.
Defende a inaplicabilidade à relação em causa do IRCT invocado pela autora, sendo que, mesmo que assim se não entendesse, não poderia tal CCT ser valorado por ter já caducado (na sequência de um acordo de revogação celebrado no ano de 2017).
Mais impugna, igualmente, o tempo de serviço que a autora refere possuir, uma vez que o período que a mesma menciona no art. 3º da PI foi ao serviço de uma entidade distinta da ré, pelo que nunca poderá ser contabilizado como peticionado.
Alegando que o vencimento previsto no CCT de 2017 e que seria devido à autora é inferior ao que pela mesma é auferido (ascendendo apenas a 1.700€).
Termina que deverá a presente ação ser julgada improcedente por não provada, e em consequência ser a Ré absolvida de todos os pedidos nela formulados.
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A autora não respondeu.
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Por despacho de 03.10.2019 foi proferido saneador tabelar e foi dado cumprimento ao disposto no art. 49º n.º 3 do CPT, desse modo abstendo-se o Tribunal “a quo” de fixar o objecto do litígio e os temas de prova.
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Nos termos documentados na acta datada de 29.10.2019, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, as partes acordaram quanto à matéria de facto, prescindindo da respectiva produção de prova, tendo findas as alegações orais, a Mª Juíza “a quo” determinado que lhe fossem conclusos os autos, para prolação de sentença, o que fez em 03.12.2019, terminando com a seguinte Decisão:
Face ao supra exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a ré dos pedidos contra a mesma deduzidos.
Valor da acção: o indicado na PI.
Custas pela autora.
Notifique.”.
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Inconformada a A. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas, que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
1ª. A douta sentença proferida procedeu a uma apreciação correta da argumentação apresentada pela recorrente, que julgou inteiramente improcedente, mas concluiu erradamente, que o cerne do litígio consiste na contagem do tempo de serviço prestado pela recorrente para efeitos de progressão salarial e que a recorrente não alegou nem produziu prova que aquando da admissão pela recorrida possuía tempo de serviço prestado à D….
2ª Foi considerado provado, por acordo das partes, que a recorrente trabalhou ao serviço da D… como psicóloga, entre 3 de dezembro de 1990 – a sentença enferma aqui de um manifesto lapso de escrita uma vez que a data que consta do documento junto aos autos é 3 de dezembro de 1990 e não 3 de dezembro de 1991 – e 1 de fevereiro de 1993.
3ª Não tendo a recorrida invocado a falta de alegação e prova pela recorrente de tal tempo de serviço na data da contratação, não pode a Exma. Juiz “a quo” socorrer-se de tal matéria uma vez que não foi trazida aos autos pelas partes, sob pena de violação flagrante do princípio do dispositivo.
4ª Se é entendimento da Exma. Juiz “a quo” que a prova pela recorrente aquando da contratação pela recorrida de que possuía tempo de serviço prestado anteriormente era essencial para a procedência da ação, podia e devia, em obediência ao dever de gestão processual, ter concedido à recorrente a possibilidade de corrigir a petição, uma vez que sem tal iniciativa a sua pretensão estaria votada ao insucesso.
5ª A improcedência da totalidade da argumentação da recorrida, conjugada com a prova do tempo de serviço prestado na D…, impõe que tal tempo seja contado para efeitos de progressão salarial, atento o disposto no nº 2 do artigo 20º do CCT publicado no BTE º 32 de 39/8/1993, aplicável ao Ensino Particular e Cooperativo, e consequentemente, que seja julgado inteiramente procedente o pedido de diferenças salariais formulado pela recorrente.
6ª Ainda que não seja considerado o tempo de serviço prestado na D…, constata-se que a recorrente perfez 20 anos ao serviço da recorrida em maio de 2017, o que determinaria a progressão ao nível A4 da tabela salarial então em vigor, constante da tabela anexa ao BTE nº 29 de 8/8/2015, a que corresponde a retribuição de 1.950,00€, pelo que deve a recorrida ser condenada a pagar as diferenças salariais devidas entre a referida retribuição e a praticada de 1.758,37 €, a partir de 1 de setembro de 2017.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência ser revogada a douta sentença proferida, condenando-se a recorrida no pagamento das diferenças salariais calculadas nos termos dos pedidos formulados na petição inicial, ou, caso assim não se entenda, das diferenças devidas a partir de 1 de setembro de 2017 entre a retribuição paga no valor mensal de 1.758,37 € e a devida de 1.950,00 €.”.
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Nos termos das contra-alegações juntas a Ré veio responder ao recurso terminando: “EM CONCLUSÃO:
1. A decisão recorrida não merece qualquer reparo.
2. A recorrente pugna que não foi questionada pela recorrida a matéria factual, mas sim e apenas, o seu enquadramento legal, e isto no que tange ao tempo de serviço da recorrente.
3. Defendendo que a sentença incorreu numa violação flagrante do Princípio do dispositivo, por ter considerado a Exma. Juiz “a quo” que a recorrente, à data da contratação, não tinha demonstrado possuir tempo de serviço prestado anteriormente como psicóloga.
4. Diz ter peticionado diferenças salariais devidas desde 1 de Setembro de 2015, invocando o trabalho prestado à recorrida na qualidade de psicóloga, de forma ininterrupta desde 5 de Maio de 1997 e a existência de tempo de trabalho prestado anteriormente, também como psicóloga.
5. Porém, o que a recorrente efetivamente alega na PI é que prestou serviço à recorrida entre 3 de Dezembro de 1990 e 1 de Fevereiro de 1993.
6. A recorrente alegou o que quis alegar e a recorrida impugnou o que tinha que impugnar, não aceitando tal facto, o que não se traduz numa mera correção como alega a recorrente.
7. Os factos que consubstanciam a causa de pedir invocada deviam ter sido alegados e provados pela recorrente, sendo certo que os factos que a recorrida alegou e quis alegar, não têm o feito jurídico por si pretendido.
8. Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam.
9. Cabe às partes a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir.
10. O Juiz tem a possibilidade, e no caso concreto, fê-lo, de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado.
11.Os factos essenciais, a que se refere o art. 5º do CPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido.
12. A Exma. Juiz “a quo”, não se socorreu de matéria não alegada pelas partes, como é defendido pela recorrente, pois a recorrente alegou o tempo de serviço, defeituosa e até capciosamente, e fê-lo da forma que fez por conveniência.
13. Limitando-se o tribunal “a quo” a decidir em concretização do que as partes alegaram.
14. O Princípio da autorresponsabilização das partes, não permite que o tribunal, ex officio, convide a parte a “fabricar” factos, a transmutar um articulado inepto num articulado viável,
15.Não pode haver convite ao aperfeiçoamento (cfr nºs 2, 3 e 4, do art. 590º, do CPC), quando, dos próprios factos alegados, decorra a manifesta improcedência do pedido formulado, atenta a inviabilidade da pretensão deduzida.
16. A lacuna decorrente da insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida é da responsabilidade da parte respetiva.
17.Os recursos não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido.
18. A recorrente desenhou a causa de pedir, o núcleo factual essencial integrador da causa pretendida, devidamente caracterizada, pelo que nenhum vício se descortina.
19. A recorrente suscita a errada condução do processo e aclame que deveria ter sido convidada a corrigir a PI., mas nenhum vício identifica.
20. A decisão esta expressa com rigor, o resultado da prova produzida, tendo a MM Juiz “a quo” feito o julgamento em estreito cumprimento do art. 655.º CPC, não merecendo a decisão qualquer reparo.
Termos em que e por tudo o mais que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Fazendo-se assim
Justiça.”.
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Nos termos que constam do despacho de 09.03.2020, a Mª Juíza “a quo” admitiu o recurso como apelação, com efeito devolutivo e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, no sentido de não ser concedido provimento ao recurso da A, confirmando-se a douta sentença, no essencial, por salvaguardando “repetições desnecessárias, nada mais há a acrescentar ao já explanado nas contra alegações apresentadas pela recorrida, às quais expressamente se adere”.
Notificadas deste, as partes nada disseram.
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Cumpridos os vistos legais, nos termos do disposto no art. 657º, nº 2, do CPC, há que apreciar e decidir.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, - diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra menção de origem) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, a questão a decidir e apreciar consiste em saber se o Tribunal “a quo” errou na valoração que efectuou do tempo de serviço da Autora.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A) – Os Factos:
“1. A autora foi admitida ao serviço da ré (pessoa colectiva n.º ………) no dia 05/05/1997, exercendo, desde então, sob as ordens direcção e fiscalização desta, as funções correspondentes à categoria de psicólogo – conforme doc. junto a fls. 6, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2. Foi acordado entre as partes que a retribuição a pagar à autora respeitaria os termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao Ensino Particular – cfr. cláusula 3ª do contrato junto aos autos a fls. 6.
3. Entre 03/12/1990 e 01/02/1993, a autora exerceu as mesmas funções de psicóloga para “D…” (pessoa colectiva n.º ………) - conforme docs. de fls. 6v/7 (contrato de trabalho) e de fls. 7v/8 (cessação do mesmo contrato), para os quais se remete e cujo teor aqui se dá por reproduzido. (Corrigida a data de 03/12/1991, para 03/12/1990, em conformidade com o alegado pela A., não impugnado pela R. e o que consta do contrato de fls. 6 v/7).
4. A autora não tem quaisquer faltas injustificadas e o seu contrato com a ré manteve-se sempre ininterrupto.
5. A partir de 01/02/2015, a ré pagou à autora uma retribuição mensal ilíquida de 1.694,71€, a qual, a partir de 01/02/2017, foi aumentada para 1.758,37€.
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B) – O Direito
A questão de saber se o Tribunal “a quo” errou na valoração que efectuou do tempo de serviço da Autora e, desse modo, deve ser revogada a sentença, condenando-se a recorrida no pagamento das diferenças salariais calculadas nos termos dos pedidos formulados na petição inicial ou, caso assim não se entenda, nas diferenças devidas a partir de 1 de Setembro de 2017 entre a retribuição paga no valor mensal de 1.758,37 € e a devida de 1.950,00 €, determina que apreciemos se a A./recorrente tinha de ter alegado e produzido prova de que, aquando da admissão pela Ré possuía tempo de serviço prestado à D….
Comecemos pelo que se fez constar da fundamentação da decisão recorrida que, em síntese, se transcreve: «Na presente acção discute-se, em primeira linha, se, à relação laboral aqui em causa, é ou não aplicável a contratação colectiva referente ao ensino particular e cooperativo, nomeadamente o CCT - celebrado entre a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular (AEEP) e a Federação Nacional da Educação (FNE) - publicado no BTE, 1ª série, n.º 32, de 29/08/1993 (designadamente o seu art. 20º n.º 2) e o CCT - celebrado entre a FNE e a Confederação Nacional da Educação e Formação (CNEF) - publicado no BTE, 1ª série, n.º 31, de 22/08/2017 (designadamente o seu art. 8º n.º 7).
Na afirmativa, haverá que indagar se a autora tem ou não direito às diferenças salariais reclamadas (decorrentes da sua integração no nível A4) desde 01/09/2015.
Sendo que o primeiro daqueles CCT fixa para a categoria de psicólogo, com 20 a 25 anos de serviço (nível A4), a retribuição mínima de 1.950€ a partir de 01/09/2015 – cfr. BTE n.º 29 de 08/08/2015.
Comecemos, pois, pela primeira questão.
Se é pacífico que, entre as partes, foi celebrado um contrato de trabalho, o mesmo já não sucede quanto à aplicação (ao vínculo aqui em causa) da contratação colectiva invocada pela autora.
(...).
No caso em análise, resulta expressamente do contrato de trabalho celebrado entre as partes que à autora seria paga “a remuneração mensal legalmente estabelecida para a função, pelo Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular” – cfr. cláusula 3ª do contrato de fls. 6.
Ou seja, apesar de inexistir a aclamada filiação ou qualquer portaria de extensão, foram as próprias partes a declarar, expressamente, que pretendiam que, em matéria remuneratória, fosse aplicável o CCT do ensino particular.
Note-se que, em sede de contrato de trabalho, e desde que se não vá contra disposições de natureza imperativa, vigora o princípio da liberdade contratual, no âmbito do qual as partes podem livremente estipular os seu termos, condições e especificidades. Assim, nada impede, à partida, que, pese embora não lhes seja aplicável, empregador e trabalhador acordem na sujeição da relação laboral ao clausulado em qualquer IRCT, naturalmente conexionado com a actividade desenvolvida pela entidade empregadora.
É certo que do contrato de trabalho de fls. 6 não resulta especificamente qual o CCT a que as partes se referiam mas, da leitura dos articulados apresentados pelas partes nos autos, é pacífico que se trata do CCT celebrado entre a AEEP e a FNE (mencionado no art. 4º da PI).
Aliás, na sua contestação, a ré nunca indica qualquer outro IRCT, apenas defendendo que o invocado não poderá ser aplicável por não estar respeitado o já mencionado princípio da filiação e por não existir qualquer portaria de extensão (o que, como já se defendeu, não obsta a que as partes, por acordo, determinem que seja aplicável ao vínculo que entre ambas existe).
Julgamos, pois, que, perante a vontade expressa que foi consignada no contrato de trabalho celebrado entre as partes, sempre tal CCT seria aplicável quanto à componente remuneratória da autora.
Ultrapassada esta questão vejamos agora o fundamento invocado pela trabalhadora para a sua pretensão e que se prende com a contagem do seu tempo de serviço (já que será este a determinar se são ou não devidas as reclamadas diferenças salariais).
Rege o art. 20º de tal CCT – Carreiras Profissionais (na sua primitiva redacção, constante do BTE n.º 33, de 08/09/1988, a qual se mantinha à data da celebração do contrato de fls. 6) -, que: “1 – Aos professores é reconhecido o direito a uma carreira profissional baseada nas respectivas habilitações académicas e profissionais e no tempo e classificação de serviço. 2 – Para efeito de posicionamento e progressão dos professores nos vários escalões de vencimento, conta-se como tempo de serviço não apenas o tempo prestado no mesmo estabelecimento de ensino ou em estabelecimento de ensino pertencente à mesma entidade patronal, mas também o serviço prestado noutros estabelecimentos de ensino particular ou público, desde que devidamente comprovado e classificado e que a tal não se oponham quaisquer disposições legais. (…)”.
Já na revisão global de 2015 (a que a autora alude no seu art. 7º da PI), a matéria em causa está prevista no art. 10º do CCT – Acesso e Progressão na Carreira (BTE n.º 29 de 08/08/2015), no qual se pode ler: “1 – O acesso a cada um dos níveis das carreiras profissionais é condicionado pelas habilitações académicas e ou profissionais, pelo tempo de serviço e pela classificação de serviço. (…) 8 – Para efeitos de progressão nos vários níveis de vencimento dos docentes, psicólogos (…) conta-se como tempo de serviço não apenas o tempo de serviço prestado anteriormente no mesmo estabelecimento de ensino ou em estabelecimentos de ensino pertencentes à mesma entidade patronal, mas também o serviço prestado anteriormente noutros estabelecimentos de ensino particular ou público não superior desde que declarado no momento da admissão e devidamente comprovado logo que possível. 9 – A suspensão do contrato de trabalho não conta para efeitos de progressão na carreira, na medida em que a progressão pressupõe a prestação de efectivo serviço. (…) 11 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, após a entrada em vigor do presente contrato, só releva para contagem do tempo de serviço, o trabalho prestado pelo trabalhador durante o tempo em que a sua relação laboral estiver subordinada ao presente contrato. (…)”.
Nesta revisão global, para a categoria profissional de psicólogo (anexo II, n.º 2), prevê-se a seguinte tabela salarial: 1.750€, para o nível A5 (entre 15 e 19 anos completos de serviço) e 1.950€ para o nível A4 (entre 20 e 25 anos completos de serviço) – Tabela anexo III, categoria A (docentes profissionalizados com grau superior e psicólogos).
Contudo, como bem refere a ré, em 2017, este contrato coletivo veio a ser revogado, sendo que passaremos a transcrever o teor de tal revogação (publicada no BTE n.º 31, de 22/08/2017):
ACORDOS DE REVOGAÇÃO DE CONVENÇÕES COLETIVAS
Acordo de revogação do contrato coletivo entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo - AEEP e a FNE -Federação Nacional da Educação e outros
Acordam o seguinte:
1.º Revogação por acordo das partes do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo - AEEP e a FNE – Federação Nacional da Educação e outros, cuja revisão global foi publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, de 8 de agosto de 2015;
2.º Revogação por acordo das partes, quanto ao Sindicato dos Enfermeiros, do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo - AEEP e a FNE -Federação Nacional da Educação e outros publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, de 15 de agosto de 2014;
3.º O presente acordo entra em vigor 5 dias após publicação ou em 31 de agosto de 2017, consoante o que se verificar primeiro;
4.º As partes declaram que a presente revogação abrange 480 empregadores e 27 029 trabalhadores. (…).”.
Na verdade, como resulta do art. 502º n.º 1, al. a), do CT, a convenção colectiva pode cessar, no todo ou em parte, mediante revogação por acordo das partes, acrescentando o seu n.º 5 que “A Suspensão e a revogação prejudicam os direitos decorrentes da convenção, salvo se na mesma forem expressamente ressalvados pelas partes”.
Contudo, como é óbvio, em matéria remuneratória, a revogação da contratação colectiva não pode prejudicar o trabalhador, o qual manterá o vencimento que, até então, lhe era pago – desde logo, em obediência ao princípio da irredutibilidade da retribuição, previsto na al. d) do n.º 1 do art. 129º do CT. Veja-se, também o constante do art. 503º n.º 2 do mesmo código: “A mera sucessão de convenções colectivas não pode ser invocada para diminuir o nível de protecção global dos trabalhadores”.
Na mesma data em que foi publicada a revogação da convenção colectiva celebrada entre a AEEP e a FNE, foi publicado o contrato colectivo celebrado entre a Confederação Nacional da Educação e Formação (CNEF) e a FNE – Federação Nacional da Educação e outros – BTE n.º 31, de 22/08/2017.
Note-se que a CNEF foi precisamente constituída pela AEEP e pela ANESPO (Associação Nacional de Escolas Profissionais).
Segundo o seu art. 7º n.º 6 (categorias e carreiras profissionais), os psicólogos nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo são classificados na tabela T.
Já o art. 8º (acesso e progressão na carreira), dispõe: “(…) 7 - Para efeitos de acesso e progressão nos vários níveis de vencimento conta-se o tempo de serviço prestado anteriormente no mesmo estabelecimento de ensino ou em estabelecimento de ensino pertencente à mesma entidade patronal. 8 - Salvo acordo em contrário expresso no contrato individual de trabalho, excluindo ou aumentando, o tempo de serviço prestado noutros estabelecimentos de ensino não superior público, particular e cooperativo ou escola profissional releva 0,5 por cada ano completo, para efeitos de integração no nível de vencimento. 9 – A suspensão do contrato de trabalho não conta para efeitos de progressão na carreira, na medida em que a progressão pressupõe a prestação de efectivo serviço. (…) 11 – Após a entrada em vigor da presente convenção, só releva para contagem do tempo de serviço, o trabalho prestado pelo trabalhador durante o tempo em que a sua relação laboral estiver subordinada à presente convenção, incluindo para efeitos do estabelecido nos números 7 e 8 do presente artigo. (…)”.
No que concerne à tabela salarial, para a citada tabela T (especialistas), prevê-se um vencimento de 1.650€, para o nível T5 (entre 15 e 19 anos), de 1.700€ para o nível T4 (entre 20 e 24 anos) e de 1.900€ para o nível T3 (entre 25 e 29 anos).
Todo este enquadramento leva-nos a afirmar que, o cerne do litígio aqui em causa, é efectivamente o tempo de serviço que deverá ser valorado.
Com efeito, se se atender apenas à data na qual as partes celebraram o contrato de trabalho (05/05/1997), a autora, em Abril de 2015, perfez 18 anos.
Se se tiver igualmente em consideração o tempo ao serviço da “D…” (entre 03/12/1991 e 01/02/1993), nessa data, terá já atingido os invocados 20 anos.
Só nesta última hipótese estariam em causa diferenças remuneratórias.
Atente-se que, segundo o art. 501º n.º 8 do CT, caso a trabalhadora tenha adquirido o tempo de serviço relevante para progressão remuneratória durante o período de vigência de uma convenção colectiva de trabalho, os efeitos associados a esse facto mantêm-se após a caducidade da convenção (pelo que a revogação invocada pela ré na sua Contestação nunca relevaria nos moldes pela mesma defendidos).» (sublinhados e negritos nossos).
E, com base nesta argumentação, devidamente fundamentada, que subscrevemos e desse modo nos dispensamos de repetir, prosseguiu-se na decisão recorrida do seguinte modo, que continuamos a transcrever:
«Ora, salvo melhor entendimento, é nossa convicção que tal período nunca poderá ser contabilizado, desde logo, por não estar provado, nem ter sido alegado, que, quando foi admitida ao serviço da ré, a autora tenha entregado a esta última qualquer declaração de tempo de serviço prestado anteriormente, designadamente para a “~D…”.
Ora, não estando demonstrado este facto falta, desde logo, um pressuposto de procedência da pretensão em apreço – cfr. art. 20º n.º 2 do CCT celebrado entre a AEEP e a FNE (no qual a autora sustenta a sua reivindicação): “(… desde que devidamente comprovado e classificado (…)” e art. 10º n.º 8 da revisão global de 2015: “(…) desde que declarado no momento da admissão e devidamente comprovado logo que possível”.
Conclui-se, então, que, não tendo a autora logrado demonstrar (como lhe competia) que, aquando da contratação com a ré, lhe comunicou o tempo de serviço anteriormente prestado noutros estabelecimentos de ensino, sempre a sua pretensão estará destinada ao insucesso.» (sublinhados nossos)
Que dizer?
Desde já, que entendemos assistir razão à recorrente.
Justificando.
Começamos por discordar desde logo, daquela última conclusão, tal como dela discorda a recorrente com os argumentos que invoca no recurso e, sempre com o devido respeito, porque não podemos perfilhar daquela primeira convicção de que o tempo de serviço, entre 03/12/1990 e 01/02/1993, prestado pela A. à D… “nunca poderá ser contabilizado, desde logo, por não estar provado, nem ter sido alegado, que, quando foi admitida ao serviço da ré, a autora tenha entregado a esta última qualquer declaração de tempo de serviço prestado anteriormente, designadamente para a “D…””, porque, ao contrário do entendimento seguido pela Mª Juíza “a quo”, no BTE nº33 de 1988, que considerou ser aplicável ao caso quanto à componente remuneratória da A., nada se refere quanto à obrigação de entrega, na data da admissão, do tempo de serviço já prestado, mas apenas prescreve que esse tempo de serviço deve ser “devidamente comprovado e classificado”. A obrigação de na data de admissão ser feita essa declaração e comprovação “logo que possível” aparece apenas no CCT de 2015 (BTE nº29) ou seja quando a relação laboral estava já em vigor.
E, sendo desse modo, não podemos concordar com a afirmação seguinte, efectuada na sentença de que, “não estando demonstrado este facto falta, desde logo, um pressuposto de procedência da pretensão em apreço – cfr. art. 20º n.º 2 do CCT celebrado entre a AEEP e a FNE (no qual a autora sustenta a sua reivindicação): “(…) desde que devidamente comprovado e classificado (…)” e art. 10º n.º 8 da revisão global de 2015: “(…) desde que declarado no momento da admissão e devidamente comprovado logo que possível”.”, porque, novamente, reiterando o necessário respeito, importa que se diga que, lendo a petição verifica-se que as reclamadas diferenças salariais tiveram em conta o período de trabalho anterior à sua admissão na Ré, sendo certo que a Ré reconheceu, por acordo, que a Autora tinha trabalhado anteriormente no mesmo Ensino, como o demonstra o ponto 3 dos factos provados.
Razão, porque não podemos concordar com aquela conclusão formulada a final de que a sua pretensão esteja destinada ao insucesso, por a mesma não ter logrado demonstrar (como lhe competia) que, aquando da contratação com a ré, lhe comunicou o tempo de serviço anteriormente prestado noutros estabelecimentos de ensino, porque não tinha ela essa obrigação de o fazer, na data da admissão, como decorre do art. 20, do CCT em vigor, naquela data de 05/05/1997 e, mesmo a admitir-se que assim deveria ser certo é a Autora nunca poderia ser prejudicada por isso. A CCT não estabeleceu qualquer cominação para essa «falta» de comunicação à Ré, sendo que os créditos reclamados pela A., são sempre indisponíveis enquanto durar o contrato de trabalho, o que permitia que a Mª Juíza “a quo” fizesse uso do disposto no art. 74ª do CPT. Não havendo qualquer dúvidas que a A. peticionou as diferenças salariais e a condenação da R. no seu pagamento contando com o tempo de serviço prestado anteriormente, entre 1990 e 1993 que a Ré aceitou.
Cremos, assim, face ao que decorre da factualidade assente e daquele dispositivo do CCT, em vigor à data da celebração do contrato entre as partes, que a decisão recorrida, não pode manter-se e, consequentemente, a acção não pode deixar de ser julgada procedente.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida e, em consequência, julga-se procedente a acção e reconhecendo-se que a Autora tem direito à retribuição mensal de 1.950,00 €, correspondente ao nível A4 da tabela de retribuições da contratação colectiva aplicável ao ensino particular e cooperativo, a partir de 1 de Setembro de 2015, condena-se a Ré, a pagar:
- as diferenças salariais vencidas no valor global de 10.663,07€ (calculadas até 28 de fevereiro de 2019) e vincendas;
- os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 01.09.2015, sobre cada uma das diferenças salariais devidas, e até integral pagamento.
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Custas da acção e da apelação, a cargo da Ré/recorrida.
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Porto, 14 de Julho de 2020
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão