Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
842/10.9TBPNF.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
CONTRATO DE SOCIEDADE IRREGULAR
CONVOLAÇÃO DO PEDIDO
NULIDADE
Nº do Documento: RP20150914842/10.9TBPNF.P2
Data do Acordão: 09/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A jurisprudência e a doutrina estabelecem como requisito essencial para a existência da sociedade irregular (ou sociedade imperfeita, de acordo com alguma doutrina), para além do vício formal da sua constituição, a affectio societatis: intenção de cada um dos contraentes de se associar com os restantes, pondo em comum (afectando) bens, valores e trabalho, com o objectivo de partilhar os lucros resultantes dessa atividade.
II - Quanto ao conceito de “contrato de associação em participação”, haverá que atender à definição normativa contida no n.º 1 do artigo 21.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho, que define tal contrato como: «A associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda...».
III - Deve ser qualificado como contrato de sociedade irregular (e não como associação em participação), o contrato verbal pelo qual o autor e o réu assumiram um projeto que consistia na realização de investimentos futuros em imóveis, passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um, sendo suportados por ambos as despesas e investimentos realizados, distribuindo entre eles os lucros que viessem a ser realizadas, também na proporção dos respectivos investimentos, criando uma conta corrente de despesas e receitas, onde passaram a ser registados os investimentos realizados e todas as operações financeiras relacionadas com o projeto de investimento.
IV - A regra enunciada no n.º 1 do citado artigo 609.º do CPC [na qual se prevê que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir] decorre do princípio do pedido, característica de um sistema processual pautado pelo dispositivo.
V - No que concerne à condenação em objeto diferente do pedido, poderão legitimamente suscitar-se dúvidas sobre o alcance prático do limite referido, nomeadamente nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte, como ocorre quando o autor pede a declaração de resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, vindo a verificar-se que o contrato em crise é nulo por vício de forma, podendo em tais casos o tribunal declarar a nulidade do contrato e decretar a respectiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286.º e 289.º do Código Civil.
VI - O mesmo não acontece quando a condenação do réu não tem qualquer equivalência com o pedido formulado pelo autor, como é o caso de o autor ter peticionado a condenação do réu “a ver transmitidos para o autor 32/100 do direito de propriedade” sobre determinados imóveis, ou, alternativamente a condenação do réu no pagamento de uma quantia a título de indemnização, e o tribunal, “convolando” os pedidos, condena o réu no reconhecimento do direito do autor a “uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma”.
VII - Interpretando-se o negócio jurídico celebrado entre as partes como “contrato de sociedade irregular” por vício de forma, nos termos da regra geral enunciada no artigo 286.º do Código Civil haverá que declarar oficiosamente tal nulidade. É o que decorre da conjugação do n.º 1 do artigo 41.º do CSC, que remete para o regime geral previsto nos artigos 286.º e seguintes do Código Civil: «Enquanto o contrato de sociedade não estiver definitivamente registado, a invalidade do contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas disposições aplicáveis aos negócios jurídicos nulos ou anuláveis, sem prejuízo do disposto no artigo 52º.». Declarada a referida nulidade, decorrem de tal declaração duas consequências imediatas, previstas no n.º 1 do artigo 52.º do CSC: a entrada da sociedade em liquidação; e a menção de tal efeito na sentença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 842/10.9TBPNF.P2

Sumário do acórdão:
I. A jurisprudência e a doutrina estabelecem como requisito essencial para a existência da sociedade irregular (ou sociedade imperfeita, de acordo com alguma doutrina), para além do vício formal da sua constituição, a affectio societatis: intenção de cada um dos contraentes de se associar com os restantes, pondo em comum (afectando) bens, valores e trabalho, com o objectivo de partilhar os lucros resultantes dessa atividade.
II. Quanto ao conceito de “contrato de associação em participação”, haverá que atender à definição normativa contida no n.º 1 do artigo 21.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho, que define tal contrato como: «A associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda...».
III. Deve ser qualificado como contrato de sociedade irregular (e não como associação em participação), o contrato verbal pelo qual o autor e o réu assumiram um projeto que consistia na realização de investimentos futuros em imóveis, passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um, sendo suportados por ambos as despesas e investimentos realizados, distribuindo entre eles os lucros que viessem a ser realizadas, também na proporção dos respectivos investimentos, criando uma conta corrente de despesas e receitas, onde passaram a ser registados os investimentos realizados e todas as operações financeiras relacionadas com o projeto de investimento.
IV. A regra enunciada no n.º 1 do citado artigo 609.º do CPC [na qual se prevê que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir] decorre do princípio do pedido, característica de um sistema processual pautado pelo dispositivo.
V. No que concerne à condenação em objeto diferente do pedido, poderão legitimamente suscitar-se dúvidas sobre o alcance prático do limite referido, nomeadamente nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte, como ocorre quando o autor pede a declaração de resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, vindo a verificar-se que o contrato em crise é nulo por vício de forma, podendo em tais casos o tribunal declarar a nulidade do contrato e decretar a respectiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286.º e 289.º do Código Civil.
VI. O mesmo não acontece quando a condenação do réu não tem qualquer equivalência com o pedido formulado pelo autor, como é o caso de o autor ter peticionado a condenação do réu “a ver transmitidos para o autor 32/100 do direito de propriedade” sobre determinados imóveis, ou, alternativamente a condenação do réu no pagamento de uma quantia a título de indemnização, e o tribunal, “convolando” os pedidos, condena o réu no reconhecimento do direito do autor a “uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma”.
VII. Interpretando-se o negócio jurídico celebrado entre as partes como “contrato de sociedade irregular” por vício de forma, nos termos da regra geral enunciada no artigo 286.º do Código Civil haverá que declarar oficiosamente tal nulidade. É o que decorre da conjugação do n.º 1 do artigo 41.º do CSC, que remete para o regime geral previsto nos artigos 286.º e seguintes do Código Civil: «Enquanto o contrato de sociedade não estiver definitivamente registado, a invalidade do contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas disposições aplicáveis aos negócios jurídicos nulos ou anuláveis, sem prejuízo do disposto no artigo 52º.». Declarada a referida nulidade, decorrem de tal declaração duas consequências imediatas, previstas no n.º 1 do artigo 52.º do CSC: a entrada da sociedade em liquidação; e a menção de tal efeito na sentença.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório[1]
B… intentou em 22.04.2010 a presente ação declarativa, com a forma de processo comum ordinário, contra C… e D…, pedindo que, com a procedência da ação, os réus sejam condenados, “em alternativa, à escolha do autor”, nos seguintes termos:
a) A ver transmitidos para o autor 32/100 do direito de propriedade sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia … e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia …;
b) A pagar ao autor a quantia de € 267.061,98 (duzentos e sessenta e sete mil e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros à taxa legal sobre o montante indicado, desde a citação e até integral pagamento.
Como fundamento da sua pretensão, alegou o autor em síntese: nos anos de 80 e 90 do século passado, viu-se confrontado com uma ação executiva hipotecária que lhe foi movida, bem como a outros executados pelo então E…; na negociação que manteve com o referido banco surgiu como possibilidade, aventada por funcionário bancário, a de fazer adquirir por terceiro o crédito exequendo e de adquirir ao banco os imóveis que para este se haviam transmitido; no quadro do relacionamento de confiança e de grande amizade que então mantinham, autor e réu decidiram aceitar a solução apresentada e, nesse enquadramento, o réu adquiriu o crédito exequendo, habilitando-se para prosseguir os termos da ação executiva, e um conjunto de imóveis; acertaram que o investimento necessário seria efectuado por autor e réu, na medida das respectivas disponibilidades, dando origem a um projeto de investimentos comuns, orientado para a recuperação e rentabilização dos capitais a investir; no quadro deste projeto seriam suportados por ambos e nas proporções que viessem a ser fixadas, a oportunidade de negócio, as despesas e investimentos realizados e seriam distribuídos por ambos, ou suportados por ambos, os lucros e/ou as menos valias que viessem a ser realizadas, também na proporção dos respectivos investimentos; acordaram ainda que seria mantida uma conta-corrente de despesas e receitas refletindo o valor da “carteira de investimentos”, mantida, ao longo de anos, até 30 de Abril de 2002; o acordo com o E… veio a ser formalizado por 55.000.000$00, dos quais, 35.000.000$00 respeitam à cessão do crédito e 20.000.000$00 à compra e venda de imóveis, adquirindo os réus quer o crédito e a posição processual de exequente, quer o conjunto de imóveis, estes adquiridos por escritura de 14 de Setembro de 1993, passando autor e réu a concorrer com os capitais necessários ao investimento, sendo que o autor entregou ao réu, na ocasião da celebração do negócio com o E…, a quantia de dez milhões de escudos; a mencionada conta-corrente serviu, designadamente, para aplicações em instrumentos financeiros, aquisições de créditos, aquisições de imóveis, remunerações dos capitais investidos por autor e réu, pagamento de encargos com escrituras, pagamento de impostos incluindo sisas de aquisições e contribuições autárquicas e remunerações de advogado; em 31 de Dezembro de 2001 a conta-corrente mantida pelo réu C… apresentava um saldo credor a favor do autor B… no montante de 23.034.367$00, o qual por conversão em euros passou a ser do montante de € 114.894,94; e em 30 de Abril de 2002 a conta-corrente apresentava um saldo credor a favor do autor B… no montante de € 115.850,34; na mesma data, apresentava um saldo credor a favor do réu C… no montante de € 320.642,48; estes saldos traduziam o entendimento do réu C… sobre o resultado da globalidade das operações em que autor e réu estavam interessados; surpreendentemente, em 2002 o réu C… mandou refazer as conta-correntes, introduzindo nelas movimentos a débito e crédito não autorizados pelo autor, estranhos ao objecto da associação, por forma a fazer refletir o resultado de “empréstimo” que entretanto efetuara a F… e marido G… por escritura de mútuo com hipoteca outorgada em 21 de Março de 2000; o património adquirido pelo réu no âmbito da sociedade irregular que constituiu com o autor tem o valor unitário de € 25.000,00 por cada um dos lotes da freguesia …, sendo que de tais lotes os réus venderam 6 e fizeram contas relativamente ao apuro da venda de 4 deles; donde ao autor cabe, na proporção do investimento, o montante de € 95.769,20; a parte sobrante do prédio da freguesia de Pinheiro tem a área de 70544 m2 e um valor superior a € 350.000,00, cabendo ao autor, na proporção do investimento, o montante de € 111.730,73; já o terreno da freguesia … tem um valor superior a € 180.000,00, cabendo ao autor, na proporção do investimento, o montante de € 59.562,06; em conclusão, do valor dos imóveis adquiridos pela sociedade irregular constituída entre autor e réu pertence àquele o montante de € 267.061.98; a estar regularizada a propriedade, caberia divisão: não o estando, assiste ao autor o direito de peticionar dos réus o pagamento de quantia em dinheiro correspondente à quota-parte do investimento efectuado para aquisição dos bens; os imóveis adquiridos pelo réu, parcialmente com dinheiro do autor, estão integrados no património do casal constituído por ambos os réus, assim enriquecidos; na medida em que a aquisição dos imóveis foi efectuada também com dinheiro do autor, assiste a este o direito de haver para si parte do património adquirido e entretanto transformado; como decorre até do facto de ambos – autor e réu – terem conduzido e financiado o processo de loteamento de um dos imóveis adquiridos; atenta a concreta forma utilizada, está excluída a possibilidade de divisão da coisa comum, pois que inexiste título de compropriedade; o autor não dispõe de título, nem está em condições de alegar factos dos quais pudesse decorrer o direito à aquisição derivada ou originária da propriedade; o autor participou, assim, com 32% dos montantes investidos pelos réus para aquisição do património, sendo que por carta de Outubro de 2002, o réu reconhecia que os resultados do investimento deveriam ser repartidos em partes iguais, o que conduziria à formulação de pedido por montante bem superior; porém, o autor tal como não aceita a consideração de negócios em que não participou, também não pretende mais do que aquilo que havia convencionado; do exposto resulta dever ser reconhecido ao autor o direito de haver para si 32% do direito de propriedade sobre os imóveis identificados ou, em alternativa, o de haver para si a parte proporcional do valor atualizado de todos os imóveis; soluções a que se deverá chegar, seja pelo reconhecimento da constituição de sociedade irregular, seja por aplicação das regras do enriquecimento sem causa.
Os réus contestaram e deduziram reconvenção, alegando em síntese: os réus divorciaram-se em 10 de Julho de 2009; refutam os fundamentos da pretensão do autor, nomeadamente que a entrega pelo autor ao réu da quantia de 10.000.000$00 o tenha sido a título distinto de um mero mútuo ou empréstimo; acresce que o autor assumiu que suportaria a diferença do valor que o E… propunha face à proposta do réu, para a concretização do negócio do qual o autor dá nota no seu articulado, no valor de 6.500.000$00, o que nunca fez; por via do acordo celebrado com o E…, o réu aceitou que o autor participasse neste investimento, assumindo ambos um projeto que consistia na rentabilização dos imóveis adquiridos pelo réu e realização de investimentos futuros em imóveis, passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um, orientado para a recuperação e rentabilização dos capitais investidos e a investir; autor e réu acordaram ainda, como condição para a aceitação dos termos propostos pelo E…, que o risco de um qualquer prejuízo decorrente deste negócio impendia sobre o autor, que o capital investido no projeto de investimento que ambos iniciavam, venceria juros à taxa de juro praticada pelas entidades bancárias, em vigor em cada momento, deduzidos 2 pontos percentuais, que com a venda de todos os bens adquiridos seria pago o capital investido na proporção do respectivo investimento e divididos os lucros em partes iguais e, finalmente, que autor e réu acompanhariam todo o processo até final; foi criada uma conta corrente de despesas e receitas, com início em 23 de Março de 1992, onde passaram a ser registados os investimentos realizados e todas as operações financeiras relacionadas com o projeto de investimento, sendo os lançamentos em tal conta corrente efectuados por ordem do autor e réu; nos termos da respectiva conta corrente, o autor apenas investiu a quantia de 13.200.000$00, sendo que, em 5 de dezembro de 1996, o réu entregou ao autor o aludido montante; em inícios de março de 1997, o autor, sabendo que o seu cunhado H… iria intentar ação judicial contra ele e sua mulher, com a consequente penhora dos bens e, apesar de ter feito doação do prédio, que constituía a sua habitação, a favor das suas três filhas, pediu especial favor ao réu para a transmissão da titularidade do mesmo imóvel a favor deste ou a favor da I…, Lda., da qual o réu é sócio-gerente; em nome da amizade que os unia, o réu acedeu na transmissão de titularidade do imóvel a favor da referida I…, Lda., que, por sua vez, e de acordo com o autor celebrou contrato de locação financeira imobiliária, tendo o autor assumido perante o réu todas as despesas e pagamento das rendas inerentes ao referido contrato de locação financeira; entretanto, passou a I…, Lda., a suportar o pagamento de todas as rendas e despesas relativas ao contrato de locação financeira, passando todos os movimentos a constar da conta corrente geral; também em 5 de Junho de 1997, a I…, Lda., adquiriu 2 terrenos, sendo que para pagamento do valor da aquisição dos imóveis supra referidos e respectivas despesas, o autor e mulher comparticiparam com o valor 50% do preço da compra, tendo-lhes sido reconhecido pelo réu enquanto sócio gerente da I…, Lda., o direito a 50% sobre o valor dos referidos prédios; foi então acordado entre autor e réu, que este suportaria na proporção de 50% o pagamento de todos os encargos e despesas que viessem a incidir sobre os referidos imóveis, passando tais encargos e despesas a ser lançados em conta corrente; acresce que, em meados de 1999, surgiu uma oportunidade de negócio que consistia na compra de um prédio rústico, tendo autor e réu resolvido que deveriam constituir uma sociedade comercial para aquisição do referido imóvel, sendo que essa sociedade teria também como sócio J…; em 28 de Outubro de 1999, ainda antes da constituição da sociedade referida, autor e réu, juntamente com J…, outorgaram, na qualidade de promitentes compradores, o contrato promessa de compra e venda; a mencionada sociedade comercial veio a ser constituída em Janeiro de 2000, com a denominação de “K…, Lda.”; contudo, na data da Escritura de constituição da sociedade compareceu a assumir a qualidade de sócia a filha do autor, L…, alegando que teria de substituir o autor em face dos problemas que este tinha com a justiça; ora, a quota parte a pagar pela filha do autor em todas as despesas com a constituição da K…, Lda., na aquisição do imóvel e no pagamento das despesas de escritura e registos inerentes foi suportada pelo réu; em resumo, no âmbito do projeto de investimento do autor e do réu, este investiu capital e suportou despesas e encargos que, à data de 30 de Abril de 2010, ascendem ao valor de € 738.632,78; sendo certo que o autor ainda é devedor do réu pelo valor de 6.500.000$00 (€ 32.500,00), valor este respeitante à diferença entre a proposta apresentada pelo réu ao E… e a proposta que foi forçado a aceitar por força da conduta do autor, que este assumiu pagar ao réu e que nunca pagou, a qual venceu encargos/juros, desde 30 de Julho de 1992 e, que à data, ascendem a € 135.112,94; finalmente, acresce o valor devido pelo autor em razão de adiantamentos que pelo réu lhe foram feitos, como vendedor de uma empresa da qual era gerente.
Terminam afirmando que a ação deverá ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido e, em reconvenção, formulam pedido nos seguintes termos:
1) Ser o autor/reconvindo condenado a reconhecer a propriedade plena dos réus/reconvintes, sobre os bens imóveis aludidos nos artigos 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 63.º 64.º, 66.º e 68.º da petição inicial e que não lhe assiste qualquer direito sobre os referidos bens;
2) Ser o autor/reconvindo condenado a pagar aos réus/reconvintes, as quantias que no seu conjunto, perfazem o valor de € 167.612,94;
3) Ser o autor/reconvindo condenado a pagar aos réus/reconvintes, a quantia de € 199.520,00 referida em 231.º da PI;
4) Ser o autor/reconvindo condenado a ceder ou abdicar a favor dos réus/reconvintes, o direito ao valor de 50% sobre o preço da venda do prédio, para construção urbana, sito no …, com a área de 600 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 281, que lhe foi reconhecido por declaração assinada pelo réu na qualidade de sócio gerente da empresa I…, Lda..
O autor apresentou réplica, na qual suscita a título de exceção a inutilidade da reconvenção quanto ao primeiro dos pedidos e a inadmissibilidade dos restantes, refutando os fundamentos da reconvenção, concluindo pela improcedência da mesma.
Os réus responderam, em tréplica, refutando as exceções invocadas.
Elaborado despacho saneador, aí se admitiu a reconvenção, afirmando-se a improcedência das exceções invocadas pelo autor, procedendo-se depois à elaboração de especificação e questionário.
Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença em 4.12. 2013, com o seguinte dispositivo:
«Tudo visto, conhecendo oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre Autor e Réu marido, melhor caracterizada sob as alíneas C) a I); T) e U); DD) e OO), QQ); PPP) e QQQ) da matéria assente, para a actividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao E… e, como efeito da presente declaração judicial de nulidade, determina-se a entrada da sociedade em liquidação, conforme artigo 52.º, n.º 1 do CSC.
Sem prejuízo, opera-se a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia … e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.
Julgam-se totalmente improcedentes, por não provadas, as pretensões reconvencionais, absolvendo-se o Autor da totalidade dos pedidos contra si deduzidos.
Custas da acção e da reconvenção pelos réus».
Os réus, não se conformando com a sentença proferida, vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição integral):
«1 – Pretendem os recorrentes, com o presente recurso, a revogação da sentença proferida pela Mma. Juiz a quo que decidiu pela classificação do acordo/negócio celebrado entre o A. e R. marido como uma sociedade comercial irregular, conheceu oficiosamente da nulidade da qualificada sociedade comercial irregular, determinou a sua entrada em liquidação nos termos do artigo 52.º, n.º 1, do CSC e que decide pela convolação do pedido do A., reconhecendo-lhe o direito a uma participação/quota de 32% na sociedade irregular.
2 – Recorrem, ainda, os RR. da sentença a quo que declarou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR., declarou que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os n.ºs de ficha 248 da freguesia … e 208.º, 815.º, 816.º, 817.º, 818.º, 819.º, 810.º, 821.º, 822.º, 823.º, 824.º e 825.º, da freguesia … constituem ou constituíram património da sociedade irregular constituída entre o A. e o R., com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.
3 – Pugnam ainda os RR. pela, reitere-se revogação da sentença sub judicie e a sua substituição por outra que declarando improcedente os pedidos do A. absolva em conformidade os RR. e, ainda, declare procedente por provado o pedido recovencional deduzido pelos RR., condenando em conformidade, o A. no mesmo.
4 – É fundamento do recurso a errónea apreciação da matéria de facto e de direito pretendendo os recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 662.º, n.º 1, do C.P. Civil, que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada.
5 – Se, quanto à matéria de facto constante dos factos provados da sentença, nomeadamente das alíneas C), D), E), F), G), H), I) e QQ) entendem os RR. não merecer a sentença em crise qualquer censura, já reparo merece a resposta dada aos itens 17, 25 (na parte em que dá por não provado que o capital investido no projecto que ambos iniciavam, venceria juros à taxa de juro praticada pelas entidade bancárias, em vigor em cada momento, deduzidos de dois pontos percentuais), 28, 41, 43, 45, 46 e 49 dos factos dados como não provados na sentença.
6 – É matéria dada por não provada na sentença: “17. O R. procedeu à entrega ao A. daqueles cheques pré-datados, sendo que foi este quem os entregou ao funcionário do E…”.
7 – As declarações prestadas pelo Autor B… em audiência de julgamento, que se transcrevem, consubstanciam a admissão/confissão de que foi ele quem entregou os cheques pré-datados ao funcionário do E… e que tais cheques lhe haviam sido entregues pelo R., pelo que, se impunha que tal matéria integrasse a lista dos factos provados da sentença, não o tendo sido, existiu erro na apreciação da prova.
8 – De igual forma, mas com maior relevância para a boa decisão da causa, nomeadamente, quanto aos pedidos formulados pelos RR. em sede de reconvenção ressalta da decisão à matéria de facto dada por não provada sob erro nítido na apreciação da prova quanto aos factos constantes dos itens 25 – na parte em que dá por não provado que o capital investido no projecto que ambos iniciavam, venceria juros à taxa de juro praticada pelas entidade bancárias, em vigor em cada momento, deduzidos de 2 pontos percentuais, 28, 41, 43, 45, 46 e 49.
9 – No item 25 dos factos não provados da sentença, lê-se “o capital investido no projecto que ambos iniciavam, venceria juros à taxa de juro praticada pelas entidade bancárias, em vigor em cada momento, deduzidos de dois pontos percentuais”:
10 – Os depoimentos/declarações prestados por A. e R. e pela testemunha M… quanto a esta matéria e a análise crítica às contas correntes carreadas para os autos, nomeadamente as juntas pelo A. com a P.I. impunham que a Mma. Juiz considerasse nos factos provados da sentença, pelo menos que: “Foi acordado entre A. e R. que o capital investido no projecto de investimento, venceria juros inicialmente à taxa de 2% ao mês”.
11 – Deu ainda a Mma. Juiz a quo resposta negativa à matéria do artigo 35.º da base instrutória, fazendo constar dos factos não provados da sentença: “28. A quota parte a pagar pela filha do A. em todas as despesas com a constituição da Sociedade “K…, L.da”, na aquisição do imóvel e no pagamento das Escrituras e registos inerentes, foram suportadas (a final e definitivamente) pelo R.
12 – O acrescento efectuado pela Mma. Juiz a quo, na redacção dada ao quesito 35.º da base instrutória, colocado entre parêntesis (a final e definitivamente) não tem cabimento na prova por declarações, testemunhal e documental produzidas.
13 – A inclusão dos dizeres (a final e definitivamente) no ponto 28 dos factos não provados da sentença é injustificável e apenas se percebe no âmbito da qualificação jurídica, no nosso entender errónea, dada pelo Tribunal a quo ao acordo estabelecido por Autor e Réu; na declaração oficiosa da nulidade da “sociedade irregular” e da ordenada entrada em liquidação, solução com a qual, como veremos mais adiante, não concordamos.
14 – De resto, a análise aos documentos de fls. 456, 457, 458, 459, 460, 461, 462, 463, 464 e 465 dos autos e às contas correntes, conjugada com as declarações do Autor e das testemunhas M…, N… e J… que se transcrevem, impunham resposta diversa da dada ao quesito 35.º da base instrutória e assim, a sua inclusão, sem mais, na lista dos factos provados da sentença.
15 – Concomitantemente, impunha-se, pela análise conjunta à prova (testemunhal e documental) que fossem também dados como provados os seguintes factos do item 41 dos factos não provados da sentença, a saber:
“O Autor recebeu do R., por si ou por intermédio da I…, L.da, de que este é sócio gerente:
- O valor de 1.437,488$00 para pagamento de uma viagem efectuada ao México por A. e mulher no ano de 1997.
- O valor de 3.500.000$00 relativo a empréstimo concedido por conta do terreno adquirido pela Sociedade K…, L.da, em 14.10.1999;
- O valor de 3.211.103$00 relativo a empréstimo concedido por conta do terreno adquirido pela Sociedade K…, L.da;
- Durante o ano de 2001, o valor de 108.331$00 relativo a despesas com o terreno adquirido pela Sociedade K…, L.da”.
16 – De igual forma se impunha considerar por provados os demais factos constantes do item 41 da sentença, atendendo aos documentos juntos a fls. 486 e 487 dos autos e às contas corrente que constam dos autos, sendo que, no que diz respeito ao valor de 800.000$00, a título de empréstimo através de cheque datado de 17.08.2001, deverão relevar, ainda, as declarações prestadas pelo R. C….
17 – Ainda, deu a Mma. Juiz a quo resposta negativa à matéria dos artigos 63.º, 65.º e 66º da base instrutória, fazendo-a constar nos itens 43, 45 e 46 dos factos não provados da sentença.
18 – Acontece que, das declarações prestadas pelo Réu e do depoimento das testemunhas, M… e N…, resulta que se impunha resposta diversa, logo, positiva a tal matéria, pelo que, os factos não provados da sentença sob os n.ºs 43.º, 45.º e 46.º deveriam integrar a lista dos factos provados da mesma sentença.
19 – E o mesmo se diga, ainda que, parcialmente, em relação à matéria factual constante do item 49 dos factos não provados da sentença.
20 – Uma análise crítica e uma correcta valoração à prova produzida, nomeadamente à prova documental de fls. 349 a 590 dos autos, exigia que o douto Tribunal a quo, fizesse contas e que desse por provadas, pelo menos, algumas despesas e encargos suportados pelo Réu até 30.04.2010.
21 – A Mma. Juiz a quo não valorou correctamente, como vimos, a prova produzida, nomeadamente a prova documental, e convicta que, o relacionamento entre o A. e R. conduzia a uma “Sociedade Comercial irregular” deu como não provado integralmente o facto constante do item 49, fazendo assim soçobrar integralmente a pretensão reconvencional dos RR.,
22 – Ora, não podem os Recorrentes aceitar tal decisão!
23 – Revestem os factos enunciados supra de grande relevância à boa decisão da causa, por consistirem elementos que servem à sustentação do direito alegado pelos RR. /Recorrentes em sede reconvencional e a negação da tese do A./Recorrido.
24 – Pelo que, a sentença sub recurso, por errónea apreciação e interpretação da prova produzida nos autos, encontra-se inquinada de vício.
25 – Os factos dados por provados em C, D, E, F, G, H, I e QQ da sentença sub judice e supra enunciados, por si só, reflectem a natureza do acordo celebrado entre o A. e R. marido e servem de fundamento à negação da classificação/qualificação jurídica de sociedade comercial irregular como é afirmado na sentença em crise, antes sustentam a sua qualificação como conta (ou associação em participação).
26 – Desde logo por falta de preenchimento dos requisitos/elementos caracterizadores da figura jurídica de sociedade, ainda que, irregular, nomeadamente, o seu elemento essencial, a “afectio societatis”, que se traduz na intenção de cada um se associar com outro ou outros para formação de um pessoa colectiva distinta de cada um deles.
27 – De facto, resulta que, para que se possa considerar a existência de uma sociedade, ainda, que irregular se mostra necessário que tenha sido acordado entre os sócios a sua constituição, que tenham contratado em nome dela, constituído um fundo social e posto em comum os seus haveres com intenção de repartir lucros e perdas.
28 – Do facto provado em C) da sentença sub judice, retira-se que o investimento inicial efectuado foi do R., tendo este aceite que o A. participasse no mesmo.
29 – Não pode extrair-se dos factos carreados para os autos e dados como provados a intenção de constituição de um património autónomo, ou de uma pessoa jurídica diferente dos RR. e A., ou seja uma nova individualidade.
30 – O que nos leva a concluir que o acordo celebrado entre o A. e R. marido configura um contrato de associação em participação, como decorre do artigo 224.º do C. Comercial.
31 – O contrato de associação em partição não é uma sociedade, mas um tipo de contrato associativo que não tem firma ou denominação social, nem património colectivo e domicílio (artigo 226.º, do Comercial), sendo certo que os bens afectos aos fins da conta em participação pertencem juridicamente ao titular e não ao associado ou participe.
32 – A contribuição do associado transfere-se para o património do associante sem qualquer autonomização, sendo que, conforme é referido na douta sentença em recurso, este conclui em seu nome próprio todos os negócios jurídicos, mesmo quando o faz dentro do âmbito da actividades em que se encontra interessado o participe.
33 – Existe na Sentença em crise, uma errada subsunção jurídica do direito aos factos, e assim uma errónea qualificação jurídica do acordo celebrado ente o A. e o R. marido.
34 – Uma correcta apreciação da matéria de facto apurada nos autos e subsunção jurídica do direito aos factos impunha decisão diferente, nomeadamente no que concerne à ordenada liquidação nos termos do artigo 52.º do CSC, porque, destituída de fundo e razão associada à figura do contrato de associação em participação.
35 – Andou, assim, mal a sentença sub judicie. Há erro de julgamento! Acresce que,
36 – O A. formula, nos presentes autos, um pedido de condenação dos RR. em ver transmitidos para si 32% do direito de propriedade sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel com os n.ºs de ficha 248 da freguesia …, 2208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … ou em alternativa a pagar ao A. a quantia de Euros 267.061,98, acrescido de juros à taxa legal sobre o montante indicado, desde a citação e até integral pagamento.
37 – A decisão sob recurso, socorrendo-se das “teorias da utilidade” pretendendo que a acção pudesse ter uma finalidade útil, atribuindo um significado à pretensão do A., acabou por condenar os RR. num pedido diferente do formulado pelo A..
38 – De facto, o pedido do A. consistia em ver transmitidos para si 32% do direito de propriedade sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel com os n.ºs de ficha 248 da freguesia …, 2208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … ou em alternativa a pagar ao A. a quantia de Euros 267.061,98, acrescido de juros à taxa legal sobre o montante indicado, desde a citação e até integral pagamento e o que veio a ser fixado na sentença foi coisa completamente diferente, ou seja, o reconhecimento da existência de uma sociedade irregular, a declaração oficiosa da sua nulidade e a determinação da sua entrada em liquidação.
39 – Não bastando, determina a sentença em crise, já o valor das participações sociais de A. e RR., sendo que no que diz respeita ao A. fixa a sua participação ou quota em 32% na sociedade irregular, bem como, a declaração de que os imóveis referidos supra, constituem /constituíram património da sociedade irregular.
40 – Padece, no que a este aspecto concerne, a sentença do vício de nulidade, prevista no artigo 609.º, n.º 1, do CPCivil, que, desde já, se invoca, para os devidos efeitos legais!
41 – Tanto mais que, da factualidade dada como provada ou dos elementos carreados para os autos, não se retira da possibilidade da quantificação da “quota” social a atribuir ao A., sendo que só a liquidação e partilha subsequente à declaração de nulidade teria a virtualidade de determinar o valor da participação social de cada sócio.
42 – Aliás, resulta provado nos autos em M), da sentença em crise que o acordo celebrado com o E… veio a ser formalizado por 55.000.000$00, dos quais 35.000.000$00 respeitam à cessão do crédito e 20.000.000$00, à compra e venda de imóveis. Por sua vez, da factualidade dada como provada em EE, da sentença em crise, retira-se que, até ao ano de 1996, o A. entregou ao R., por conta do investimento realizado, o âmbito do negócio com o E…, a quantia de 13.2000.00$00.
43 – (Omite-se nas conclusões a alínea 43)
44 – Não resulta provado nos autos que o A. tenha contribuído com outros valores/participações para a “sociedade”.
45 – Pelo que, o valor da participação do A., de acordo com o que resulta dos factos provados, a ser possível a sua determinação, o que não se crê, nunca poderia ser superior a 24%.
46 – A convolação da pretensão do A. na sentença sub apreciação determinou, para além de uma sentença injusta e infundada, uma “decisão surpresa” que infringe os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa, o que constitui nulidade da sentença, nos temos do disposto no artigo 615.º, nº 1, alíneas d) e e), do CPCivil.
47 – “Sempre que o juiz pretenda fundamentar a sua decisão em argumentação jurídica não invocada pelas partes, deve observar o princípio do contraditório, dando oportunidade às partes de sobre a mesma se pronunciarem (art. 3.º n.º 3, do CPCivil). Trata-se da proibição de decisões surpresa, que ocorrem frequentemente com as questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado.”
48 – O caso em apreço, o Tribunal a quo, não observou o princípio do contraditório, pois não deu a possibilidade aos RR. de se pronunciarem sobre a argumentação jurídica utilizada na sentença e que não foi invocada pelas partes.
49 – Pelo que, a sentença em causa ofende sem margem para dúvidas o “PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO” constitucionalmente consagrado, o que constitui uma nulidade da sentença.
50 – Há na sentença sub recurso, como vimos, erro na apreciação das provas e, por isso, erro de julgamento, por ausência de valoração racional, integrada, percepção e análise dos depoimentos das testemunhas nos autos e demais prova carreada para os autos.
51 – Há igualmente na sentença, errónea aplicação do direito, violando a sentença, as normas dos artigos 609.º, n.º 1, 615.º e n.º 1, alíneas d) e e) do C.P.C.; artigos 7.º, 36.º n.º 2 , 40.º, 52.º n.º 2, 149.º e 165.º, 173.º n.º 1 e 174.º n.º 1 alínea e) do Código das Sociedades Comerciais e artigos 288.º, 364.º e 980.º do C.C.
52 – Uma correcta apreciação dos elementos de prova e da matéria assente sempre implicaria uma sentença com decisão diferente da produzida nos autos, que julgasse totalmente improcedentes os Pedidos do Autor e que decidisse pela procedência, do pedido reconvencional dos RR./ Recorrentes.»
Terminam afirmando que, impondo-se, por justiça, a revogação da sentença em recurso, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência revogar-se a sentença proferida no Tribunal “a quo”.
O autor respondeu às alegações de recurso apresentadas pelo réu, pugnado pela sua total improcedência.
Subiram os autos a esta Relação, onde foi apreciado o recurso, definindo-se o seu objeto nestes termos: «A impugnação da matéria de facto. A nulidade da sentença. A qualificação da relação contratual estabelecida entre autor e réu.».
Em 3.11.2014 foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
«Pelas razões expostas e dando parcial provimento ao recurso, acordam os juízes desta secção nos seguintes termos:
a) – Eliminar o ponto 17.º dos factos não provados e aditar à matéria de facto provada a alínea SSS), com o seguinte teor:
“O réu procedeu à entrega ao autor dos cheques pré-datados mencionados na alínea XX), tendo sido este quem os entregou ao funcionário do E…”.
b) – Julgar procedente a arguição de nulidade e, em consequência, revogar a sentença proferida nos autos, sem prejuízo da matéria de facto provada e respectiva motivação, com a alteração que antecede.
c) – Determinar a descida dos autos à primeira instância, para cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e, suprida a nulidade, a prolação de nova sentença.»
Baixaram os autos à 1.ª instância, onde foi proferido em 9.01.2015, o seguinte despacho:
«Em obediência ao Acórdão da Relação do Porto que antecede, notifiquem-se as partes, nos termos e para os efeitos do artigo 3º, n.º 3 do CPC, para, em 10 dias, virem aos autos pronunciarem-se, querendo, sobre a possibilidade/admissibilidade e termos da convolação do pedido deduzido pelo Autor; reconhecendo-lhe, não obviamente no plano dos direitos reais, a quota parte que lhe caberia, em termos de compropriedade ou comunhão nos imóveis adquiridos (formalmente) pelo Réu, em execução do acordo de sociedade comercial que resultou caracterizado, nos termos aludidos na sentença anulada nos autos, sendo-o o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular, bem como a declaração de que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia … e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.
Oportunamente, abra-se-me conclusão para sentença.».
Em resposta, vieram os réus apresentar um requerimento no qual “pugnam pela impossibilidade e inadmissibilidade da pretendida convolação”, alegando em síntese: não pode pois, extrair-se dos factos carreados para os autos e dados como provados a intenção de constituição de um património autónomo, ou de uma pessoa jurídica diferente dos RR. e A., ou seja uma nova individualidade; o que leva à conclusão inelutável que o acordo celebrado entre o A. e R. não evidencia a vontade de constituição de uma sociedade, ainda que irregular, mas tão só, em quando muito, um contrato de associação em participação; acresce que a pretendida convolação não é admissível, pelo menos, nos termos pretendidos pelo Tribunal, isto porque, para além de consubstanciar uma alteração à causa de pedir, não resultou provado que, A. e RR. tivessem vontade em constituir uma sociedade comercial, e portanto não é possível falar-se em sociedade irregular, assim como, em face da factualidade provada e dos elementos carreados para os autos também não é possível proceder-se à quantificação da “quota” social a atribuir ao A.; sendo que só a liquidação e partilha subsequente à declaração de nulidade teria a virtualidade de determinar o valor da participação social de cada sócio; aliás, resulta provado nos autos que o acordo celebrado com o E… veio a ser formalizado por 55.000.000$00, dos quais 35.000.000$00 respeitam à cessão do crédito e 20.000.000$00, à compra e venda de imóveis; por sua vez, da factualidade provada, retira-se que, até ao ano de 1996, o A. entregou ao R., por conta do investimento realizado, no âmbito do negócio com o E…, a quantia de 13.200.00$00; não resulta provado nos autos que o A. tenha contribuído com outros valores/participações para a “sociedade”, pelo que o valor da participação do A., de acordo com o que resulta dos factos provados, a ser possível a sua determinação, o que não se crê, nunca poderia ser de 32%.
Em 18.02.2015 foi proferida nova sentença[2], com o seguinte dispositivo:
«Tudo visto, conhecendo oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre Autor e Réu marido, melhor caracterizada sob as alíneas C) a I); T) e U); DD) e OO), QQ); PPP) e QQQ) da matéria assente, para a atividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao E… e, como efeito da presente declaração judicial de nulidade, determina-se a entrada da sociedade em liquidação, conforme artigo 52º, n.º 1 do CSC.
Sem prejuízo, opera-se a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia … e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.
Julgam-se totalmente improcedentes, por não provadas, as pretensões reconvencionais, absolvendo-se o Autor da totalidade dos pedidos contra si deduzidos.
Custas da acção e da reconvenção pelos Réus.».
Não se conformaram os réus e interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formulam as seguintes conclusões:
1. Pretendem os recorrentes, com o presente recurso, a revogação da sentença proferida pela Mma. Juiz a quo que decidiu pela classificação do acordo/negócio celebrado entre o A. e R. marido como uma sociedade comercial irregular, conheceu oficiosamente da nulidade da qualificada sociedade comercial irregular, determinou a sua entrada em liquidação nos termos do artigo 52.º, nº 1, do CSC e que decide pela convolação do pedido do A., reconhecendo-lhe o direito a uma participação/quota de 32% na sociedade irregular.
2 - Recorrem, ainda, os RR. da sentença a quo que declarou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR., declarou que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os nºs de ficha 248 da freguesia … e 208.º, 815.º, 816.º, 817.º, 818.º, 819.º, 810.º, 821.º, 822.º, 823.º, 824.º e 825.º, da freguesia … constituem ou constituíram património da sociedade irregular constituída entre o A. e o R., com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.
3 – Pugnam ainda os RR. pela, reitere-se revogação da sentença sub judice e a sua substituição por outra que declarando improcedente os pedidos do A. absolva em conformidade os RR.
4 – O presente recurso versa sobre matéria de direito, sendo o seu fundamento a errónea aplicação do direito na Sentença em apreciação,
5 – Entendendo-se que a sentença sub recurso, por errónea apreciação e interpretação da prova produzida nos autos encontra-se inquinada de vício.
6 - Os factos dados por provados em C, D, E, F, G, H, I e QQ da sentença sub judice, por si só, reflectem a natureza do acordo celebrado entre o A. e R. marido e servem de fundamento à negação da classificação/qualificação jurídica de sociedade comercial irregular como é afirmado na sentença em crise, antes sustentam a sua qualificação como conta (ou associação em participação).
7 - Desde logo por falta de preenchimento dos requisitos/elementos caracterizadores da figura jurídica de sociedade, ainda que, irregular, nomeadamente, o seu elemento essencial, a “afectio societatis”, que se traduz na intenção de cada um se associar com outro ou outros para formação de um pessoa colectiva distinta de cada um deles.
8 - De facto, resulta que, para que se possa considerar a existência de uma sociedade, ainda, que irregular se mostra necessário que tenha sido acordado entre os sócios a sua constituição, que tenham contratado em nome dela, constituído um fundo social e posto em comum os seus haveres com intenção de repartir lucros e perdas.
9 - Do facto provado em C) da sentença sub judice, retira-se que o investimento inicial efectuado foi do R., tendo este aceite que o A. participasse no mesmo.
10 - Não pode extrair-se dos factos carreados para os autos e dados como provados a intenção de constituição de um património autónomo, ou de uma pessoa jurídica diferente dos RR. e A., ou seja uma nova individualidade.
11 - O que nos leva a concluir que o acordo celebrado entre o A. e R. marido configura um contrato de associação em participação, como decorre do artigo 224.º do C. Comercial.
12 - O contrato de associação em partição não é uma sociedade, mas um tipo de contrato associativo que não tem firma ou denominação social, nem património colectivo e domicílio (artigo 226.º, do Comercial), sendo certo que os bens afectos aos fins da conta em participação pertencem juridicamente ao titular e não ao associado ou participe.
13 - A contribuição do associado transfere-se para o património do associante sem qualquer autonomização, sendo que, conforme é referido na douta sentença em recurso, este conclui em seu nome próprio todos os negócios jurídicos, mesmo quando o faz dentro do âmbito da actividades em que se encontra interessado o participe.
14 – Existe na Sentença em crise, uma errada subsunção jurídica do direito aos factos, e assim uma errónea qualificação jurídica do acordo celebrado ente o A. e o R. marido.
15 - Uma correcta apreciação da matéria de facto apurada nos autos e uma boa subsunção jurídica do direito aos factos impunha decisão diferente, nomeadamente no que concerne à ordenada liquidação nos termos do artigo 52.º do CSC, porque, destituída de fundo e razão associada à figura do contrato de associação em participação.
16 - Andou, assim, mal a sentença sub judicie. Há erro de julgamento!
Acresce que,
17 - O A. formula, nos presentes autos, um pedido de condenação dos RR. em ver transmitidos para si 32% do direito de propriedade sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel com os nºs de ficha 248 da freguesia …, 2208, 815, 816, 817, 818, 819,810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … ou em alternativa a pagar ao A. a quantia de Euros 267.061,98, acrescido de juros à taxa legal sobre o montante indicado, desde a citação e até integral pagamento.
18 - A decisão sob recurso, socorrendo-se das “teorias da utilidade” pretendendo que a acção pudesse ter uma finalidade útil, atribuindo um significado à pretensão do A., acabou por condenar os RR. num pedido diferente do formulado pelo A..
19 - De facto, o pedido do A. consistia em ver transmitidos para si 32% do direito de propriedade sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel com os nºs de ficha 248 da freguesia …, 2208, 815, 816, 817, 818, 819,810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … ou em alternativa a pagar ao A. a quantia de Euros 267.061,98, acrescido de juros à taxa legal sobre o montante indicado, desde a citação e até integral pagamento e o que veio a ser fixado na sentença foi coisa completamente diferente, ou seja, o reconhecimento da existência de uma sociedade irregular, a declaração oficiosa da sua nulidade e a determinação da sua entrada em liquidação.
20 - Não bastando, determina a sentença em crise, já o valor das participações sociais de A. e RR., sendo que no que diz respeita ao A. fixa a sua participação ou quota em 32% na sociedade irregular, bem como, a declaração de que os imóveis referidos supra, constituem /constituíram património da sociedade irregular.
21 - Padece, no que a este aspecto concerne, a sentença do vício de nulidade, prevista no artigo 609.º, nºs 1 e 2, do CPCivil, que, desde já, se invoca, para os devidos efeitos legais!
22 - Tanto mais que, da factualidade dada como provada ou dos elementos carreados para os autos, não se retira da possibilidade da quantificação da “quota” social a atribuir ao A., sendo que só a liquidação e partilha subsequente à declaração de nulidade teria a virtualiade de determinar o valor da participação social de cada sócio.
23- Aliás, resulta provado nos autos em M), da sentença em crise que o acordo celebrado com o E… veio a ser formalizado por 55.000.000$00, dos quais 35.000.000$00 respeitam à cessão do crédito e 20.000.000$00, à compra e venda de imóveis. Por sua vez, da factualidade dada como provada em EE, da sentença em crise, retira-se que, até ao ano de 1996, o A. entregou ao R., por conta do investimento realizado, o âmbito do negócio com o E…, a quantia de 13.2000.00$00.
24 - Não resulta provado nos autos que o A. tenha contribuído com outros valores/participações para a “sociedade”.
25 - pelo que, o valor da participação do A., de acordo com o que resulta dos factos provados, a ser possível a sua determinação, o que não se crê, nunca poderia ser de 32%, mas sim de valor muito inferior.
26 - De resto, a decisão constante da sentença sub recurso que fez operar a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular declarada inválida por falta de forma na mesma sentença e que determinou a sua entrada em liquidação, está em completa contradição com a motivação enunciada pelo Mmo. Juíz “a quo” na referida sentença, não só, na parte em que afirma a prevalência da dúvida por parte do Julgador, que, por economia, se dá aqui por integralmente reproduzida, mas também quando aí refere;
“Na perspectiva agora, que já se viu ser a nossa, do conhecimento oficioso da nulidade da sociedade, por vício formal, improcedentes ainda as pretensões. Na verdade, infundada ou insubsistente a afirmação de um direito real do sócio sobre o património social, pelas razões supra, configurável, do ponto de vista da participação social, uma pretensão patrimonial de eficácia crediticia, a saber, uma pretensão relativa à cobrança da quota de liquidação (a que seria possível reconduzir ao menos a pretensão sob a alínea b), como já se viu, aquela pretensão é a exercer apenas e só após a liquidação, posto que apenas por via desse “processo” é que será possível determinar a mesma quota...
Improcedentes, pois, por falta de fundamentos, as pretensões deduzidas pelo Autor, nos precisos termos em que o foram.”
27 - A convolação oficiosa da pretensão do A. nos termos operados, na sentença sub apreciação determinou, uma sentença, nula, injusta e infundada, com erro na aplicação do direito, violadora das normas dos artigos 608.º, nº 2, 609.º, nºs 1 e 2¸ 615.º nº 1, alíneas c, d) e e) do C.P.C.; artigos 7.º, 36.º nº 2, 40.º, 52.ºnº 2, 149.º e 165.º, 173.º nº 1 e 174.º nº 1 alínea e) do Código das Sociedades Comerciais e artigos 288.º, 364 e 980.º do C.C.
28 - Uma correcta apreciação dos elementos de prova e da matéria assente sempre implicaria uma sentença com decisão diferente da produzida nos autos, que julgasse totalmente improcedentes os Pedidos do Autor.
Impõe-se, por justiça, a revogação da sentença em recurso!
NESTES TERMOS e nos mais de Direito que V.Exas., doutamente, suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência seja declarada nula e/ou revogar-se a douta sentença proferida no Tribunal “a quo”.
O recorrido não apresentou resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
i) Face à factualidade provada, estamos perante uma sociedade irregular ou um contrato de associação em participação? (conclusões 1.ª a 16.ª);
ii) Deverá considerar-se nula a ‘convolação do pedido’, efectuada na sentença recorrida? (conclusões 17.ª a 21.ª);
iii) Face à factualidade provada, não é viável a quantificação da participação do A.? (conclusões 22.ª a 25.ª);
iv) Sendo possível tal determinação, nunca a participação do A. poderia ser de 32%, mas sim de valor muito inferior? (conclusões 22.ª a 25.ª).

2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade provada relevante[3]:
A) Correu termos uma ação executiva hipotecária movida pelo então “E…”, pelo 2.º Juízo, 2.ª Secção do Tribunal Judicial de Penafiel, sendo executados o próprio Autor e mulher e ainda O… e mulher e H… e mulher.
B) No âmbito da ação executiva foi o R. habilitado cessionário do crédito exequendo.
C) Por via do acordo celebrado com o E…, o R. aceitou que o A. participasse no investimento, assumindo ambos um projeto que consistia na rentabilização dos imóveis agora adquiridos pelo R. e realização de investimentos futuros em imóveis,
D) (...) passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um.
E) (...) orientado para a recuperação e rentabilização dos capitais investidos e a investir.
F) No quadro deste projeto seriam suportados por ambos, e nas proporções que viessem a ser fixadas, oportunidade de negócio a oportunidade de negócio, as despesas e investimentos realizados.
G) E seriam distribuídos por ambos, ou suportados por ambos, os lucros e/ou as menos valias que viessem a ser realizadas, também na proporção dos respectivos investimentos.
H) Foi criada uma conta corrente de despesas e receitas, com início em 23 de Março de 1992, onde passaram a ser registados os investimentos realizados e todas as operações financeiras relacionadas com o projeto de investimento, sendo os lançamentos em tal conta corrente efectuados pelo Técnico de Contas – Sr. M… –.
I) Tal conta-corrente serviu, designadamente, para aplicações em instrumentos financeiros, aquisições de créditos, aquisições de imóveis, remunerações dos capitais investidos por Autor e Réu, pagamento de encargos com escrituras, pagamento de impostos incluindo sisas de aquisições e contribuições autárquicas e remunerações de advogado – Dr. P….
J) Por carta de 22 de Março de 1992, o Réu C… formalizou junto do E… proposta de compra do crédito exequendo com as respectivas garantias e acessórios, nos termos do teor do referido documento de fls. 151.
K) Essa proposta contemplava, entre outros, o pagamento de 48.500.000$00 em seis prestações, de montantes variáveis, para aquisição do crédito, bem como o pagamento de 800.000$00 a título de despesas já efectuadas.
L) Ainda sem qualquer comunicação de aceitação da proposta por parte do E…, é o R. C… confrontado com um telefonema do seu gerente de conta no sentido de aprovisionar a conta n.º ……….., do Q…, por ter este pago o primeiro cheque referido em J), no valor de 26.000.000$00.
M) O acordo com o E… veio a ser formalizado por 55.000.000$00 milhões de escudos, dos quais, 35.000.000$00 de escudos respeitam à cessão do crédito e 20.000.000$00 à compra e venda de imóveis.
N) A proposta foi aceite pelo E…, adquirindo os Réus quer o crédito e a posição processual de exequente, quer o conjunto de imóveis, estes adquiridos por escritura de 14 de Setembro de 1993.
O) Por escritura de compra e venda de 14 de Setembro de 1993, outorgada no Cartório Notarial do Licenciado S…, o (então) E…, SA declarou vender ao Réu C…, à data casado em regime de comunhão de adquiridos com a Ré D…, e pelo preço global de 20.000.000$00, os quatro seguintes imóveis, todos do concelho de Penafiel:
- Prédio rústico, a cultura, pomar, ramada, pastagem, mato e vacaria, sito no …, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 352, pelo preço de 6.600.000$00.
- Prédio rústico, denominado U…, a cultura e ramada, sito no …, freguesia …, inscrito na matriz, à data, sob o artigo 828, pelo preço de 700.000$00.
- Prédio rústico, denominado V…, a cultura e ramada, com dependência agrícolas, sito no …, freguesia …, inscrito na matriz, à data, sob o artigo 832, pelo preço de 700.000$00.
- Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar, sito no …, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 107, pelo preço de 12.000.000$00.
P) O prédio da freguesia … é o descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º 248 e os da freguesia … descritos sob o n.º 208.
Q) Sobre os prédios identificados tiveram lugar operações de destaque e loteamento.
R) No prédio da freguesia …, foi feita a desanexação de parte da área da descrição 315, dando origem ao prédio descrito na ficha 815, ficando aquele artigo reduzido a 21.516,33 m2.
S) No prédio da freguesia … descrito na ficha 815 foi promovida uma operação de loteamento da qual resultou a autonomização de 16 lotes, identificados pelos n.ºs 1 a 16, todos com a área de 432 m2, à excepção dos lotes 10, com 440 m2 e 11 e 12 com 400 m2 cada, para habitações unifamiliares, que passaram a constituir as descrições com os números de ficha 816 a 831 da freguesia ….
T) Destes lotes os Réus venderam 6, a que correspondem os números 11 a 16.
U) No prédio da freguesia … os Réus procederam à desanexação da parte urbana – artigo 107 da matriz – com a área de 5.095 m2 que venderam a F…, pelo preço de 39.000.000$00, lançado a crédito na conta corrente.
V) Em 02 de Abril de 1992 recepcionou o R. uma contraproposta do E…, que rejeitava a proposta do R. anterior e propunha a cedência do crédito exequendo pelo valor de Euros 35.000.000$00 e a venda dos prédios “W…” e “U…” pelo preço global de 20.000.000$00, a desistência de penhora sobre todos os bens dos executados e o pagamento de 800.000$00, a título de despesas judiciais.
W) Em 05 de Junho de 1997, I…, Lda., adquiriu 2 terrenos, sitos no …, um com a área de 600m2 e outro com a área de 3.250m2 quadrados.
X) Para pagamento do valor da aquisição dos imóveis referidos em W) e respectivas despesas, o A. e mulher comparticiparam com o valor 50% do preço da compra, pelo que foi-lhes reconhecido pelo R. enquanto sócio Gerente da I…, Lda., o direito a 50% sobre o valor dos referidos prédios.
Y) Foi então acordado entre A. e R., que o R. suportaria na proporção de 50% o pagamento de todos os encargos e despesas que viessem a incidir sobre os referidos imóveis.
Z) (...) passando tais encargos e despesas a ser lançados em conta corrente.
AA) A. e R., juntamente com J…, outorgaram em 28.10.1999, na qualidade de promitentes compradores, o contrato promessa de compra e venda, relativo ao prédio sito em …, Freguesia …, inscrito na matriz predial, sob o artigo 415º da Freguesia ….
BB) Em 7 de Fevereiro de 2000, foi constituída a sociedade “K…, Lda.”, sendo sócios e gerentes, em quotas igualitárias, o R., a filha do A.- L… e J….
CC) Em 08.02.2000, é celebrada a Escritura Pública de Compra e venda do imóvel referido em AA), adquirindo a Sociedade Comercial K…, Lda. a propriedade sobre o referido imóvel.
DD) A conta-corrente foi aberta em 23.03.1992, com os seguintes valores: a crédito do Autor B…, pelo valor de 10.000.000$00, quantia que o Autor entregou ao Réu C… por cheque com o n.º ………., sacado sob a conta ……….. do X…; a crédito do Réu C…, pelo valor de 16.000.000$00.
EE) Até ao ano de 1996 o A. entregou ao R., por conta do investimento realizado, no âmbito do negócio com o E…, a quantia de 13.200.000$0.
FF) Em 05 de Dezembro de 1996, tendo o R. recebido o produto resultante da acção executiva referida em A), no valor de 59.956.037$00, entregou ao A., as quantias de 13.000.000$00 e de 331.000$00, estes respeitantes ao reembolso de penhora de vencimento da mulher do A.
GG) Dos referidos 13.200.000$00, foi aceite pelo A. que o montante de 200.000$00 seriam oferecidos ao Y….
HH) Em inícios de Março de 1997, o A. sabendo que o seu cunhado H… iria intentar ação Judicial contra ele A. e mulher, com a consequente penhora dos bens do A. e, apesar de ter feito doação do prédio, que constituía a sua habitação, a favor das suas três filhas, pediu ao R. para a transmissão da titularidade do mesmo imóvel a favor deste ou a favor da I…, Lda., da qual o R. é sócio-gerente.
II) Em nome da amizade que os unia, o R. acedeu na transmissão de titularidade do imóvel a favor da referida I…, Lda., que, por sua vez, e de acordo com a A. celebrou contrato de Locação Financeira Imobiliária, em 14 de Maio de 1997.
JJ) Tendo o A. assumido perante o R. todas as despesas e pagamento das rendas inerentes ao referido contrato de locação financeira.
KK) O montante da operação de financiamento importou o valor de 38.500.000$00, sendo que deste valor, 35.000.000$00 corresponderam ao valor da aquisição do imóvel e 3.500.000$00 ao valor da sisa a pagar.
LL) Com o valor resultante do financiamento foi imediatamente paga a primeira renda, no valor de 23.500.000$00, a sisa no valor de 3.500.000$00, despesas notariais no valor de 406.580$00, despesas de dossier, no valor de 93.600$00, despesas de avaliação do imóvel no valor de 58.500$00.
MM) Do valor de 10.941.320$00 foram pagas as segunda, terceira e quartas prestações do leasing, no valor de 169.656$00, cada.
NN) Por escritura de mútuo com hipoteca de 21 de Março de 2000 o Réu emprestou a F… a quantia de quarenta e um milhões de escudos, a qual seria paga em 41 prestações mensais nas condições indicadas no título.
OO) A conta-corrente de H) foi elaborada por acordo entre o Autor e o Réu marido.
PP) Em 2002 o Réu C… mandou introduzir nas “contas-correntes” movimentos a débito e crédito, por forma a fazer refletir o resultado de “empréstimo” que entretanto efetuara a F… e marido G… por escritura de mútuo com hipoteca outorgada em 21 de Março de 2000; consequência do que apresentou ao Autor conta-corrente com os seguintes saldos, agora reportados a 31.10.2002: a favor do Autor B…, no montante de € 93.755,75. A favor do Réu C…, no montante de € 501.085,38.
QQ) Durante todo o tempo pelo qual se prolongou o acordo caracterizado em C) a G) foi sempre o Réu C… quem procedeu à administração do património, formalizando compras e vendas, distribuindo “remunerações” calculadas sobre o montante investido, pagando despesas, recebendo preços de bens e detendo como de sua exclusiva propriedade um conjunto de imóveis.
RR) A partir de Abril de 2002, o Réu C… não mais prestou contas dos bens que detinha em administração e não mais distribuiu dividendos.
SS) A parte sobrante, após o referido em V), dos prédios inscritos na matriz, à data, sob os artigos 828 e 832, a que corresponde agora a descrição 208 da freguesia …, conforme Q), corresponde a um prédio rústico com a área de cerca de 5.000 m2.
TT) Quanto aos lotes da freguesia …:
- cada um dos lotes com a área de 432 m2 (lotes nºs 1 a 9 e 13 a 15) tem o valor total de 25.920 EUR;
- o lote nº 10, com a área de 440 m2, tem o valor total de 26.400 EUR;
- os lotes nºs 11 e 12, com a área de 400 m2, têm o valor total de 24.000 EUR.
UU) Os Réus venderam 6 lotes e fizeram contas relativamente ao apuro da venda de 4 deles.
UU) A parte sobrante do prédio da freguesia … tem a área de 21.516,33 m2 e um valor de 56.587,95 EUR.
VV) O terreno da freguesia … tem o valor de 21.450 EUR.
WW) Ao menos em 18 de Março de 1992 o Réu marido estava em negociações com o E….
XX) O R. procedeu à entrega ao E… de cheques pré-datados, no valor de 48.500.000$00, todos sacados sobre a conta n.º ……….., do Q…, Agência ….
YY) Em meados de 1999, ao A. e R. surge uma oportunidade de negócio que consistia na compra de um prédio rústico sito em …, Freguesia …, inscrito na matriz predial, sob o artigo 415º da Freguesia …, com a denominação …, propriedade de Z….
ZZ) Resolveram então A. e R. que deveriam constituir uma sociedade comercial para aquisição do referido imóvel, sendo que, essa sociedade teria também como sócio, o Sr. J….
AAA) Na data da Escritura de constituição da sociedade referida em Z) compareceu a assumir a qualidade de Sócia a filha do A. – L….
BBB) Em 1999, ao menos o Réu aceitou vender o imóvel conhecido por U… a F…, pelo valor de 39.000.000$00.
CCC) No dia 18 de Junho de 1999 foi outorgado o contrato-promessa de compra e venda, contra a entrega, a título de sinal e princípio de pagamento um cheque no valor de 8.000.000$00, com tradição do prédio.
DDD) Tal cheque, uma vez apresentado a pagamento, veio a ser devolvido por falta de provisão, por duas vezes.
EEE) Acordou então ao menos o Réu com a referida D. F… em substituir aquele cheque por um outro no valor de 5.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado, que foi pago.
FFF) Ainda antes da data da escritura, tomaram A. e R. conhecimento que a referida F… tinha já contraído dívidas ao empreiteiro e outros prestadores de serviços que executavam a obra e, não tinha liquidez para efetuar o pagamento dos valores já em dívida e dos necessários à conclusão da obra…
GGG) Ao tempo a referida F… havia realizado obras no prédio objecto do contrato-promessa, nomeadamente demolições no interior da casa e intervenções no exterior.
HHH) Por escritura outorgada em 02 de Outubro de 1999, o Réu vendeu o imóvel identificado em BBB), contra o pagamento da parte restante (cfr. al. BBB) e EEE)) do preço.
III) A F… e marido entregaram ao Réu, para pagamento/restituição do mútuo referido em AR), 41 letras, no valor de 1.000.000$00 cada, vencendo-se a primeira no dia 31.03.2000 e as restantes no último dia de cada um dos meses subsequentes, das quais apenas viriam a ser pagas as 2 (duas) primeiras, no valor total de 2.000.000$00.
JJJ) O prédio referido em BBB) foi vendido no âmbito de processo executivo, tendo sido adquirido devoluto de coisas e bens, pela I…, Lda., no ano de 2005.
KKK) O R. vendeu à I…, Lda. o prédio rústico que se reporta o artigo 208º da freguesia …, pelo valor declarado de 25.000,00.
LLL) Em 05 de Setembro de 2002, o Réu procedeu à venda de um prédio urbano para construção, sito no …, freguesia …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 282, pelo valor declarado de cerca de 200.000 EUR.
MMM) O Réu entregou ao Autor, do produto da venda referida na alínea anterior a quantia de 16.000.000$00/79.808 EUR, que este integrou no seu património.
NNN) Na ocasião do negócio referido em LLL), o A. entregou ao R. um cheque no valor de Euros 4.445,00, destinado a pagar IRS, a título de mais-valias decorrentes da compra e venda.
OOO) O valor global de 1.258.914$00, relativo ao pagamento das rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da habitação do Autor e despesas inerentes, no ano de 1997; o valor global de 2.131.997$00, relativo às rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da sua habitação e despesas inerentes, no ano de 1998; o valor de 2.063.374$00, relativo às rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da sua habitação e despesas inerentes, no ano de 1999; o valor global de 2.934.596$00, relativo às rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da sua habitação e despesas inerentes no ano de 2000 e, finalmente, o valor global de 2.056.992$00, relativo às rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da sua habitação e despesas inerentes em 2001, no valor global de 10.445.857$00, foi satisfeito/pago pela imobiliária do Réu que adquiriu o imóvel, por via do recebimento, conforme matéria assente em AM e AO, da quantia relativa ao financiamento por locação imobiliária.
PPP) O Réu entregou ao Autor, por si ou por intermédio da I…, Lda., de que este é sócio gerente:
- o valor de 1.000.000$00 através de cheque emitido a seu favor em 18.02.1998;
- O valor de 1.000.000$00 através de cheque emitido a seu favor em 14.05.1998;
- O valor de 1.250.000$00 através de cheque emitido diretamente a seu favor, do Negócio de Venda de Lotes ao Sr. AB…, em 23.03.1998;
- O valor de 500.000$00 através de cheque emitido diretamente a seu favor, do negócio de venda de Lotes ao Sr. AB…, em 23.04.1998;
- O valor de 2.000.000$00 através de cheque datado de 07.11.2000.
QQQ) Em 22.10.1999, o A. recebeu no âmbito do contrato de compra e venda efectuada a F… e marido a quantia de 12.500.000$00.
RRR) Por via da saída de um vendedor da firma AC…, S.A., da qual o R. é administrador, o A. pediu ao R. para exercer funções de vendedor ao serviço desta empresa, ao que o R. anuiu.
SSS) “O réu procedeu à entrega ao autor dos cheques pré-datados mencionados na alínea XX), tendo sido este quem os entregou ao funcionário do E…”[3].
TTT)
Factos não provados
Não se provaram os seguintes factos:
1. A conta-corrente de H) foi elaborada (exclusivamente) a mando do Réu;
2. Em 31.12.2001 a conta-corrente mantida pelo Réu C… apresentava um saldo credor a favor do Autor B… no montante de € 114.894,94;
3. Na mesma data a conta-corrente apresentava um saldo credor a favor do Réu C… no montante de € 315.104,14;
4. Em 30.04.2002, a conta-corrente apresentava um saldo credor a favor do Autor B… no montante de € 115.850,34;
5. Na mesma data, a conta-corrente apresentava um saldo credor a favor do Réu C… no montante de € 320.642,48;
6. A introdução nas contas-correntes dos valores conforme PP) foi-o sem autorização do Autor;
7. A introdução nas contas-correntes dos valores conforme PP) foi-o com autorização do Autor;
8. Aqueles valores eram “estranhos” ao objecto da associação entre Autor e Réu;
9. Para além da matéria assente em QQ) o Réu C… também efectuou aplicações financeiras institucionais, detendo-as em seu nome e recebendo resgates de capitais e dividendos;
10. Desde a ocasião referida em RR) que o Réu não mais efetuou aplicações em proveito comum;
11. A parte sobrante da descrição 208 da freguesia …, referida em SS) tem a área de 9329 m2;
12. Os lotes da freguesia … têm cada um o valor unitário de 25.000 EUR;
13. A parte sobrante do prédio da freguesia … tem a área de 70.544 m2 e um valor superior a 350.000 EUR;
14. O terreno da freguesia … tem um valor superior a 180.000 EUR;
15. Foi a insistência do Autor que determinou o Réu a encetar negociações com o E…;
16. A entrega dos cheques referidos em XX) foi-o a fim de melhor sustentar a proposta junto da administração do E…;
17. O R. procedeu à entrega ao A. daqueles cheques pré-datados, sendo que foi este quem os entregou ao funcionário do E…;
18. Foi o R. mesmo, por mão própria, quem entregou os cheques referidos em XX) ao E…;
19. A entrega dos cheques pelo Réu foi-o na condição de que, caso a proposta fosse aceite pelo Banco, o primeiro cheque apenas poderia ser descontado uma semana após a comunicação da decisão do Banco;
20. Foi acreditando que o desconto do primeiro cheque enviado com a carta de J) confirmava a aceitação da proposta por parte do E…, que o R. aprovisionou a conta (...)
21. … para o que teve que recorrer a aplicações financeiras, ainda, não vencidas, com a inerente perda dos juros;
22. A apresentação a pagamento do cheque referido destinou-se ao pagamento de débitos e juros vencidos relativos ao A;
23. O A. havia renegociado com o E… e negociado os termos da proposta referida em J); à revelia e sem conhecimento e consentimento do R.;
24. Foi por estar despojado de 26.000.000$00 e o A. assumir que suportaria a diferença do valor que o E… propunha face à proposta do R., que o mesmo aceitou a proposta referida em M);
25. Foi acordado entre A. e R. e condição para a aceitação dos termos propostos pelo E…, referidos em M) que:
- O risco de um qualquer prejuízo decorrente deste negócio impendia sobre o A.;
- O capital investido no projeto de investimento que ambos agora iniciavam, venceria juros à taxa de juro praticada pelas entidades bancárias, em vigor em cada momento, deduzidos 2 pontos percentuais;
- Com a venda de todos os bens adquiridos seria pago o capital investido na proporção do respectivo investimento e divididos os lucros em partes iguais;
- A. e R. acompanhariam todo o processo até final;
26. Foi a I…, Lda., da qual o R. é Sócio gerente, quem suportou o pagamento de todas as rendas e despesas relativas ao contrato de Locação Financeira, passando todos os movimentos a constar da conta corrente;
27. A outorga na qualidade de sócia pela filha do Autor, conforme matéria assente em AAA), foi-o alegando que teria de substituir o A. em face dos problemas que este tinha com a Justiça;
28. A quota parte a pagar pela filha do A. em todas as despesas com a constituição da Sociedade “K…, Lda., na aquisição do imóvel e no pagamento das despesas de escritura e registos inerentes, foram suportados (a final e definitivamente) pelo R.;
29. Perante a falta de liquidez da referida em BBB), D. F…, para levar o projeto em frente, também o Autor assumiu o compromisso de, após a venda, conceder à referida F… um empréstimo para a realização das obras necessárias à atividade que esta pretendia desenvolver, sob condição de se constituir uma segunda hipoteca sobre o imóvel a favor do R. para garantia do empréstimo a conceder por A. e R.;
30. As obras realizadas por F…, conforme matéria assente em GGG) consistiram na demolição de todo o interior da casa e remoção de parte do exterior;
31. O mútuo referido em AR) mereceu a concordância do Autor;
32. À data da aquisição assente em JJJ) o imóvel encontrava-se em muito mau estado;
33. A compra em juízo referida em JJJ) foi de todo alheia ao projeto de investimento que ligava A. e R.;
34. A compra em juízo referida em JJJ) foi-o no âmbito do projeto de investimento que ligava A. e R.;
35. Para que a I…, Lda. pudesse obter crédito Bancário, para a aquisição do imóvel, conforme JJJ), no valor que necessitava, exigiu a entidade Bancária concedente do empréstimo que o prédio a adquirir abrangesse o prédio rústico a que se reporta o art.º 208.º da freguesia …;
36. A venda referida em KKK) foi-o por causa da exigência do Banco referida no número que antecede;
37. Na data referida em LLL) e após terem recebido o preço da compra e venda foi lançado em conta corrente, como receita, um retorno das despesas que até à data da venda A e R. tinham despendido com o prédio objecto da venda;
38. Em 25 de Março de 2004, é o R. confrontado na qualidade de gerente da I…, Lda. para efetuar o pagamento adicional do imposto de sisa e de selo, por via da compra que a I…, Lda. fez do prédio referido, o que fez, tendo o valor sido reflectido como despesa na conta corrente;
39. Em 19 de Maio de 1997, o A. em resultado do contrato de locação financeira celebrado pela I…, Lda. para compra da sua casa de habitação, injetou no projeto de investimento do A. e R. o valor de 10.500.000$00;
40. Depois de todas as operações referidas em KK) a MM) resultou a favor do R. um saldo de 67.648$00;
41. O Autor recebeu do R., por si ou por intermédio da I…, Lda., de que este é sócio gerente:
- O valor de 1.437,488$00 para pagamento de uma viagem efectuada ao México por A. e mulher no ano de 1997;
- O valor de 3.500.000$00 relativo a empréstimo concedido por conta do terreno adquirido pela sociedade K…, Lda., em 14.10.1999;
- O valor de 3.211.103$00 relativo a empréstimo concedido por conta do terreno adquirido pela sociedade K…, Lda.;
- Durante o ano de 2001 o valor de 108.331$00 relativo a despesas com o terreno adquirido pela sociedade K…, Lda.;
- O valor de 1.700.000$00, a título de empréstimo, através de cheque datado de 12.03.2001;
- O valor de 800.000$00, a título de empréstimo, através de cheque datado de 17.08.2001.
42. Entre a data da outorga da escritura de compra e venda celebrada com a referida F… e marido e o empréstimo, o A. adquiriu ações, tendo o valor de tais ações e respectivo rendimento lançado como receita do A. na conta corrente no montante de 20.324.748$00.
43. Na sequência do acordo assente em RRR), alegando necessidade de dinheiro para as despesas de viagem, o A. pediu ao R. um adiantamento no valor de € 1.250,00, por mês…
44. Prometeu que pagaria tais adiantamentos por meio de desconto de 5% nas comissões que auferiria com as vendas a efetuar;
45. Durante sete meses o R. adiantou-lhe tais quantias, sem que o A. vendesse o que quer que fosse;
46. O A. nunca devolveu ao R. os montantes por este adiantados;
47. Foi acordado entre A. e R. que a parte sobrante do Loteamento referido em T) reverteria a favor do R., sem qualquer contrapartida para o A., a título de compensação pelo esforço desenvolvido por este na obtenção do processo do referido loteamento e como reconhecimento pela ajuda prestada na salvaguarda do património do A.;
48. A redução de área da parte sobrante do prédio identificado em R) foi-o em função de ter sido objecto de duas ações judiciais de reivindicação de propriedade, que foram declaradas procedentes;
49. Todo o investimento de capital realizado e despesas e encargos suportados pelo R., à data de 30 de Abril de 2010, ascendiam a € 738.632,78;
50. A aquisição de terrenos referidos em W) inseriu-se no projecto de investimento referido em C);
51. O investimento em ações referido sob o ponto 42 inseriu-se no projeto de investimento referido em C);
52. O negócio referido em AA) e CC) inseriu-se no âmbito do projeto de investimento referido em C).

3. Fundamentos de direito
3.1. Qualificação jurídica do acordo celebrado pelas partes
Questiona-se: face à factualidade provada, estamos perante uma sociedade irregular ou um contrato de associação em participação? (conclusões 1.ª a 16.ª).
Na sentença recorrida, a Mª Juíza abordou de forma exaustiva a questão formulada, transcrevendo-se parcialmente a fundamentação do respectivo segmento decisório:
«Caberá, desde logo, classificar o contrato celebrado entre as partes, na medida em que esta classificação é susceptível de determinar o regime jurídico a atender no relacionamento recíproco, no que tange às pretensões em causa.
A qualificação de um contrato ou negócio é, manifestamente, um problema de interpretação e, como tal, um problema de facto.
A interpretação jurídica é uma interpretação aplicada e, por isso, sempre teleológica, onde se avalia o peso de vários pontos de vista, pois há que equacionar, para além da base do texto da declaração, da visão global desta, de todo um conjunto de circunstâncias extrínsecas que rodeiam a declaração: tempo, lugar, comportamento na formação e na execução do contrato e usos.
Segundo o parágrafo 157 do Código Civil Alemão "os contratos devam ser interpretados de acordo com as exigências da boa fé, tendo em conta os usos do tráfego".
Na ausência desta regra no nosso direito, o estatuído nos artigos 227º n. 1, 239º, 334º e 762º n. 2, todos do Código Civil, leva-nos igualmente a chegar à mesma conclusão.
“A qualificação de um contrato é um juízo predicativo. O contrato é qualificado através do reconhecimento nele de uma qualidade que é a qualidade de corresponder a este ou àquele tipo, a este ou àquele modelo típico. A qualificação legal traz consigo, assim, sempre um processo de relacionação entre a regulação contratual subjectiva estipulada e o ordenamento legal objectivo, onde o catálogo dos tipos contratuais legais se contém. Este relacionamento traduz-se num movimento espiral e hermenêutico, assente compreensão prévia que se traduz em qualificações experimentais precárias feitas com apoio na cultura jurídica e na experiência do mundo de quem qualifica" (Pedro Paes de Vasconcelos, in Contratos Atípicos, Almedina, Coimbra, 1995, pgs. 164-165).
Há que começar por qualificar a natureza do contrato firmado entre as partes, para se ficar então a saber qual o regime jurídico aplicável.
De acordo com o princípio da liberdade contratual, verdadeira trave mestra da teoria dos contratos, têm as partes a faculdade, dentro dos limites da lei, de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver – nº 1 do art. 405º C.Civil.
Como ensina Galvão Telles, in Manual dos Contratos em Geral, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, pg. 255, para caracterização de um contrato não importa decisivamente o nome que foi dado pelos contraentes, o qual pode estar em desarmonia com o acordo efectivamente estipulado. A real natureza desse acordo sobrepõe-se à falsa denominação que lhe tenha sido atribuída.
Com efeito, tal como foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/12/99, CJ, Ano XXIV, Tomo V, pg. 129, “as qualificações operadas pelas partes não definem o regime legal a aplicar, sendo certo que este há-de resultar da própria factualidade que requer a aplicação do direito.” A denominação dada pelas partes pode, quando muito, servir como elemento, entre outros, a ter em consideração para determinar o sentido das declarações de vontade dos interessados, no esforço interpretativo que deve proceder o qualificativo”.
Assim, a interpretação das declarações negociais deve, de acordo com as teorias da impressão do declaratário e da manifestação, procurar captar o sentido que um declaratário normal colocado na posição dos contraentes possa deduzir do comportamento daqueles, salvo se eles não pudessem razoavelmente contar com ele (art. 236.º, n.º1, do Código Civil) e desde que tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento (art. 238.º, n.º1, do Código Civil). “A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência de recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”. Assim, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pg. 223. A subsunção normativista reclama a verificação do facto, ou seja, a interpretação do consenso negocial a que se chegou, no contexto fixado, nos efeitos previstos e previsíveis pelas partes, ao tempo da formulação. E, entre os elementos a tomar em conta, destacam-se os posteriores ao negócio, nomeadamente “os modos de conduta por que posteriormente se prestou observância ao negócio concluído”, como anota Rui Alarcão, BMJ, n.º84, pg. 334.
Para se apurar se se está em presença de um contrato típico ou atípico, o Tribunal deve conhecer, em cada caso, da vontade das partes, vendo-se depois a que tipo se ajusta o contrato que elas quiseram realizar.
É transparente também que a prova de que uma sociedade - irregular embora, por não cumprir os requisitos de forma exigidos no CSComerciais - existia é facto que, de acordo com o disposto no artº. 342º, nº. 1 do CCivil, ao Autor competiria provar, sendo como é que essa existência é facto constitutivo do direito ao património social que invoca.
Na situação decidenda, sobreleva a demostração de que o objecto da actividade desenvolvida é comercial, sendo que o contrato entre as partes não foi reduzido a escritura pública.
Em suma, para haver uma sociedade comercial é necessário que duas ou mais pessoas acordem entre si a prática de actos de comércio com terceiros, pondo à disposição desse fim um património ou os seus serviços, que adoptem para o efeito um dos tipos legais de sociedade previstos no CSComerciais e que tenham um fim lucrativo.
Ao tempo dos factos, o contrato de sociedade era necessariamente celebrado por escritura pública (artigo 7º do Código das Sociedades Comerciais).
A lei não protege a existência de sociedades irregulares, mas a elas se refere, pelo que prevê a sua existência (artigos 36º, nº 2, e 174º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais). Mas como a lei não traça o conceito de sociedade irregular, ele tem de ser delineado pelo intérprete no quadro do ordenamento jurídico envolvente, sobretudo à luz da lei das sociedades comerciais e da lei civil stricto sensu.
A lei civil caracteriza o contrato de sociedade como sendo aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os respectivos lucros (artigo 980º do Código Civil).
A definição do artigo 980º do CC não esquece o elemento de organização da sociedade. Celebrado o contrato, a prossecução conjunta de um fim comum por todos os sócios cria necessariamente interesses comuns de carácter permanente e não privativo de qualquer dos sócios isoladamente considerado. Trata-se, pois, de uma comunhão de pessoas apostada na realização de interesses comuns a todas elas.
Assim, são três os elementos essenciais do contrato de sociedade:
a) - a obrigação de contribuição de todos os contraentes, que implica a configuração do contrato como oneroso. De todo o modo, a contribuição pode sê-lo com bens e serviços ou envolver a prestação de determinada actividade, não se exigindo, como bem notam Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado, de início, um fundo patrimonial comum, que, sem prejuízo, se constitui com os lucros da actividade, enquanto não forem partilhados;
b) - o exercício, em comum, de uma actividade económica, que não seja de simples fruição;
c) - o objectivo de realização de lucros e da sua repartição, que não tem de ser igualitária ou proporcional.
A actividade a exercer em comum/fim comum deve ser determinada/certa e, como actividade económica, vai dirigida ao lucro patrimonial. Por outro lado, distintamente do que se passa em situação de simples condomínio, os resultados têm de ser produto de uma actividade dos sócios, de uma actividade exercida em comum.
Mas elemento essencial e específico de uma sociedade, ainda que irregular, é a chamada affectio societatis, ou seja, a intenção de cada um se associar com outro ou outros, para formação de uma pessoa colectiva distinta da de cada um deles. Como é sabido, o contrato de sociedade pressupõe uma affectio societatis, ou seja, a intenção de uma pessoa se associar com outra (ou outras) com vista à formação de uma actividade económica que não seja de simples fruição, com o objectivo de realização de lucros e sua repartição - cfr. acórdão do STJ, de 27/6/2000, CJSTJ, ano VIII, tomo II, página 129.
A chamada affectio societatis, caracteriza-se por dois requisitos: um, subjectivo, traduzido na intenção de constituir uma certa realidade económico-jurídica; outro, objectivo, revelado na constituição de um fundo social sem a existência do qual aquela intenção seria meramente programática. Qualquer dos requisitos referidos constitui matéria de facto; o primeiro, por respeitar à intenção das partes no negócio jurídico, o segundo porque só se revela através de actos de estipulação ou convenção.
Para que possa, pois, considerar-se a existência de uma sociedade irregular, é necessário que se verifiquem factos que suportam tal tese, designadamente, que tenha sido acordado entre os potenciais sócios a sua constituição, que tenham contratado em nome dela, constituído um fundo social e posto em comum os seus haveres, com a intenção de repartir lucros e perdas. Para que uma sociedade se possa qualificar de irregular tem que se estar perante uma figura associativa que seja uma sociedade, que tenha um fim comercial e que se verifique vício de forma - falta de escritura pública, a falta do registo do título constitutivo e da sua matrícula e das publicações estatutárias.
Terá aqui interesse, por se constituir como auxiliar interpretativo, a distinção do contrato de associação em participação.
Na sociedade, como se viu, sobreleva a intenção de cada um se associar com os outros, pondo em comum bens, valores e trabalho, com o fim de partilhar lucros e sujeitando-se às perdas comuns. A qualificação de sócio implica uma situação de igualdade e de actividade geral, posto que alguns dos sócios não tenham a gerência da empresa. Para que haja sociedade, portanto, não é suficiente que uma pessoa tenha participação nos lucros dos negócios de outra, ainda que nestes aquela pessoalmente intervenha. Cfr., já no direito anterior, Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, vol. VII, Coimbra, 1933, pag. 213.
Embora de forma diversa, até certo ponto rompendo com o direito anterior, (restringiu o âmbito da sociedade ao exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera fruição; excluiu a distinção entre sociedades universais, particulares e familiares; qualificou, ainda, diferentemente as parcerias rurais) é esta também a ideia que ressalta do actual Código Civil.
Como se viu, podem apontar-se, hoje em dia - e mesmo já anteriormente – como elementos essenciais da sociedade (melhor, do contrato de sociedade) "a obrigação posta a cargo de todos e de cada um dos contraentes de contribuir com bens ou serviços para o exercício de certa actividade; a natureza económica da actividade planeada, que não poderá ser de simples fruição; a intenção de repartir entre os sócios os lucros resultantes da mesma actividade" (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Reprint, Lisboa, 1994, pag. 208).
Elementos estes a que parte da doutrina acrescenta a organização, estrutura coordenada da gestão da actividade societária, destinada a gerir a prossecução do respectivo objecto pela resolução dos conflitos entre os interesses individuais dos sócios e o interesse social, mediante o surgimento de todo um sistema de órgãos, através dos quais se prossegue a execução do contrato (arts. 985º e seguintes do Código Civil. Assim, Menezes Leitão, Contrato de Sociedade Civil, in Direito das Obrigações, sob a orientação de Menezes Cordeiro, 3º volume, Lisboa, 1991, pag. 117.
Parece claro, também, que na sociedade existirá uma comunhão de bens, distinta da compropriedade e da communio incidens pela existência de negociações contratuais e há-de ocorrer a affectio societatis, elemento intencional que demonstra a necessidade do consenso, sem o qual não se incorre em sociedade, mas na compropriedade. Pinto Furtado, Código Comercial Anotado, vol. I, Coimbra, 1985, pag. 217 e Ac. STJ de 27/10/70, in BMJ nº 200, pag. 244 (relator Bogarim Guedes).
Daí que, para outros, "a constituição de um fundo social e a participação comum dos sócios nos lucros e perdas são elementos essenciais do contrato de sociedade".
Assim, Ac. STJ de 25/02/72, in BMJ nº 214, pag. 147 (relator José Fernandes). Pode consultar-se também Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2º vol., Lisboa, 1989, pags. 13 ss., no sentido de que é necessária a existência, na sociedade, de um fundo comum autónomo, advindo, em derradeira análise, da dotação a esta de um património inicial.
Parece-nos, apesar de tudo, como já adiantado supra, porquanto a sociedade não é um contrato quoad constitutionem, uma vez que o elemento essencial da contribuição pecuniária ou equivalente dos sócios é apenas a obrigação daqueles de contribuir e não a prestação efectiva de bens ou serviços, obrigação de que é titular activo a própria sociedade, que não é necessário autonomizar como requisito do contrato a dotação a esta de um património inicial - fundo comum. Neste sentido, Menezes Leitão, ob. e vol. cits., pag. 112.
Uma coisa é certa: "não existe contrato de sociedade quando as partes não criaram nem pretenderam criar uma nova individualidade, diferente de cada uma delas ... não havendo portanto o exercício em comum de uma actividade económica produtiva e agindo cada um só por si, com independência e autonomia" (Ac. STJ de 22/05/79, no Proc. 67883 da 1ª secção (relator Corte Real).
Por sua vez, o contrato de conta em participação - tal era a designação do art. 224º do C. Comercial - ocorre "quando o comerciante interessa uma ou mais pessoas ou sociedades nos seus ganhos e perdas, trabalhando um, alguns, ou todos em seu nome individual somente". Ou, na noção mais actual do art. 21º, nº 1, do Dec.lei nº 231/81, de 28 de Julho, é a associação de uma pessoa a uma actividade exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou perdas que desse exercício resultarem para a segunda.
Sendo a conta (ou associação) em participação inegavelmente um contrato associativo, embora não societário, algumas são as afinidades que apresenta relativamente ao contrato de sociedade, tornando algo melindrosa a distinção entre ambos os institutos.
“Destina-se esta figura jurídica - refere o Prof. Ferrer Correia (ob. cit., pags. 218 e 219) - a permitir que um comerciante ou industrial possa granjear os capitais de que necessite para as suas operações lucrativas, repartindo com quem lhos cede os riscos do empreendimento e guardando para si a inteira e exclusiva direcção do negócio, sem que fique a caber ao capitalista qualquer direito de intromissão na actividade do associante. Ao capitalista oferece este contrato, em vez da certeza do juro, a perspectiva mais aliciante de um lucro porventura bem maior do que o máximo legal da taxa de juro, embora com a contrapartida da assunção de uma parte do risco do negócio ... Quer dizer, não se verifica aqui a criação de um novo ente jurídico nem, sequer, de um património autónomo. A contribuição do associado transfere-se para o património do associante, sem qualquer autonomização. Este último conclui em seu nome próprio todos os negócios jurídicos, mesmo quando o faz dentro do âmbito das actividades em que se encontra interessado o partícipe, ou seja, mesmo que actue por conta e no interesse da associação em participação. E perante terceiros só o associante se obriga, muito embora a existência da conta seja do conhecimento público ou a contraparte tenha sido determinada a contratar pelo conhecimento da associação. ... Não se vislumbra aqui a formação de um fundo patrimonial comum, nem sobretudo a de uma unidade organizatória e representativa, ainda que rudimentar; pelo que, não se podendo falar em actividade, vontade ou responsabilidade social, não poderá pensar-se em sociedade".
Como se decidiu no Ac. STJ de 11/06/91, in BMJ nº 408, pag. 597 (relator Meneres Pimentel), "Verifica-se, assim, um contrato de conta em participação quando exista uma estrutura associativa caracterizada pela actividade económica de uma pessoa com a participação de outra (ou outras) nos lucros ou perdas resultantes da mesma actividade".
Três são os elementos - de conformidade com a noção do art. 224º do C. Comercial (e, posteriormente do art. 21º do Dec.lei nº 231/81) que nos permitem caracterizar a associação em participação: a actividade económica de uma pessoa, participação de outra pessoa nos lucros ou perdas daquela actividade, e a estrutura associativa.
Desta forma, a distinção da associação em participação relativamente à sociedade assenta essencialmente no facto de que, "na conta, cada uma das partes não coloca em comum na associação certos bens. Efectivamente, se o associado efectua uma contribuição, já o mesmo não acontece com o associante, que se limita a interessar aquele nos ganhos e perdas. Estes, ou estas, pertencem ao comerciante que faz interessar nele outra pessoa. Sendo assim, os ganhos e perdas são obtidos por uma qualquer outra via que permita ao associante considerá-los seus e não se está a ver que esse meio prescinda da titularidade sobre os seus bens patrimoniais" (Raúl Ventura, Associação em Participação, in Separata do BMJ nºs 189 e 190, pags. 76 e 77 e Ac. STJ de 16/03/76, BMJ nº 255, pag. 177 (relator Acácio Carvalho).
Acrescendo que também falta à conta em participação outro dos requisitos exigidos por lei para a caracterização do contrato de sociedade: precisamente o exercício em comum de determinada actividade económica. De facto não é exercício em comum, seguramente, o exercício de uma actividade económica por uma só pessoa, embora tenha em vista interesses de uma outra ligada àquela por um negócio jurídico (Raúl Ventura, ibidem, pag. 76)
Em todo o caso sempre se dirá que "na associação em participação existe igualmente uma gerência que, por definição legal é exercida em nome próprio mas no interesse comum; o associante (sócio ostensivo) administra mas não representa, porque a lei não dá projecção à conta para com terceiros; o mesmo associante, nas relações externas, não se apresenta como gerente, mas nas internas o interesse comum serve para aferir a sua actividade. Assim, o sócio ostensivo trata efectivamente de negócios próprios e dos do sócio oculto, ou, antes, administra no interesse de ambos (é evidente que o que se acaba de referir nada tem com a errada opinião de existir um fundo patrimonial comum nas relações internas de associante e associado)" (do Assento STJ de 02/02/88, citando Raúl Ventura, estudo citado, pag. 168).
Na verdade, deve ser qualificado como contrato de sociedade- e não como associação em participação - o contrato pelo qual duas pessoas puseram e comum bens e indústria para o exercício de uma actividade económica ou lucrativa, em espírito associativo e no propósito do lucro que entre si repartiam.
E, afaste-se, desde já uma tal objecção, não é o simples facto de só o Réu marido aparecer nas relações externas que desqualifica o contrato como de sociedade, visto que o que se discute é a área de não coincidência entre a realidade formal e a substancial.
A mera realidade formal – foi o Réu marido quem outorgou no negócio com o E…, quem viu para si transferida a propriedade dos imóveis, tudo assinando quer no que tocava à celebração de contratos e transacções comerciais, quer quanto à documentação para efeitos fiscais, podendo ser o Autor ignorado de terceiras pessoas - aparece manifestamente desmentida pela realidade material concreta. E não custa admitir que a não formalização do negócio societário realizado o tenha sido para tornear a inconveniência de detenção de património pelo Autor, o qual era executado na acção no âmbito da qual foi adquirido o património que “justificou” a actividade social subsequente.
Doutro passo, e ainda que nas relações externas sempre tenha intervindo só o Réu, é óbvio que a qualificação do contrato se não pode deduzir seguramente dess situação. O que releva é aquilo que as partes quiseram, o negócio que, na realidade, celebraram, independentemente dos reflexos produzidos em relação a terceiros. Sobretudo tratando-se de uma sociedade irregular (a que poderemos chamar sociedade de facto) o que importa para qualificar o contrato são as declarações negociais dos contraentes e as relações directas entre eles, na medida em que traduzem a verdadeira realidade contratual.
Donde, repetimos, o que verdadeiramente releva para a qualificação do contrato não é a forma como ele se apresenta perante terceiros, não é a sua eventual invalidade, antes e tão só será a tradução da vontade das partes resultante das suas declarações negociais, expressa ou tacitamente emitidas, assim como os demais factos que, nas relações entre eles, permitem descortinar a verdadeira realidade negocial.
Parece-nos, em consequência, aceitável como única conclusão, a partir dos factos sob as alíneas C) a I); T) e U); DD) e OO), QQ) (já se tendo aludido que a não gerência da sociedade não exclui a qualidade de sócio, como, de resto, sucede nas sociedades “regulares”); PPP) e QQQ) a de que entre o Autor e o Réu marido foi celebrado um contrato de sociedade, para a actividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao E…, passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um e a suportar ambos os riscos e a repartir os lucros, na proporção dos respectivos investimentos, como, de resto, veio a suceder…
Estamos, no caso vertente, perante um acordo de vontades no sentido da constituição de sociedade comercial, na sequência do qual Autor e Réu marido deram início à actividade com vista à sua implementação, tendo mesmo realizado o Réu marido uma série de aquisições e vendas que se integraram na execução daquele escopo social.
Face aos referidos factos provados, não podem restar dúvidas de que estamos em presença de um contrato de sociedade, por estar demonstrada a affectio societatis e todos os demais requisitos desse contrato, configurando-se a constituição de uma sociedade irregular entre o autor e o réu, por o respectivo contrato não ter sido reduzido a escritura pública, nem a sociedade estar registada ou matriculada.
Novamente se releva o fim da sociedade, relativo à prática de actos comerciais, a saber, compra e venda de imóveis, realização de operações de loteamento, com vista à venda…
Por isso, a conclusão é no sentido de que se está perante uma sociedade comercial irregular, a que é aplicável o regime relativo às sociedades civis (artigo 36º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais).».
Pouco fica por dizer, face à exaustiva fundamentação da sentença recorrida, que traça corretamente a fronteira dogmática entre as figuras jurídicas: sociedade irregular e contrato de associação em participação.
Haverá, no entanto, que precisar os conceitos em presença, de forma sintetizada, subsumindo-os na factualidade provada.
No que concerne à “sociedade irregular”, a (tradicional) denominação conceptual tem vindo a ser posta em causa, nomeadamente por Jorge Henrique Pinto Furtado[4], que defende que na atual concepção legal “deixou de ter cabimento fazer-se corresponder à sociedade eivada de vício de formação a velha categoria de sociedade irregular”. Conclui o autor citado: «Agora, na verdade, já não se limita o legislador a descrever uma categoria sincrética de sociedade que não cumpriu os termos e trâmites de constituição legal, fixada na antiga designação sociedade irregular - mas, tendo como horizonte uma sociedade in fieri, para ela passou a estabelecer sucessivos estatutos, correspondentes às metamorfoses que vai experimentando até se tomar numa sociedade perfeita. Se, pois, quisermos adoptar uma denominação susceptível de abarcar a realidade global, será preferível chamar-lhe sociedade imperfeita, como o fizemos, por ser esta a designação que melhor exprime a ideia de inacabado, que caracteriza o regime jurídico correspondente aos distintos estádios do seu processo formativo ainda por completar.».
Independentemente do nomen iuris atribuído à figura em apreço, o que é certo é que a jurisprudência e a doutrina estabelecem como requisito essencial para a existência da sociedade irregular (para usar a terminologia eleita na sentença e seguida pelos recorrente), para além do vício formal da sua constituição, a affectio societatis: intenção de cada um dos contraentes de se associar com os restantes, pondo em comum (afectando) bens, valores e trabalho, com o objectivo de partilhar os lucros resultantes dessa atividade.
Nesse sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.05.1995 (Proc. 004097, acessível no site da DGSI): «É necessário para que se considere existente uma sociedade (ainda que irregular por a sua constituição não obedecer aos requisitos legais de forma) que as partes (sócios) tenham manifestado a chamada “affectio societatis”, isto é, a intenção de cada um se associar com outros, pondo em comum bens, valores e trabalho, com o fim de partilhar os lucros resultantes dessa actividade.».
O acórdão de 8.11.2005, do mesmo Supremo Tribunal (Proc. 05A2740, acessível no site da DGSI), reitera a firmação da “affectio societatis” como “elemento específico de uma sociedade, ainda que irregular”, distinguindo esta figura do “contrato de associação em participação”, nestes termos: «Deve ser qualificado como contrato de sociedade (e não como associação em participação), o contrato pelo qual duas pessoas puseram em comum bens e indústria para o exercício de uma actividade lucrativa, em espírito associativo e no propósito de lucro que entre si repartiriam.».
Recortada a figura da “sociedade irregular”, há que retirar do texto da lei o conceito de “contrato de associação em participação”.
Quanto a este conceito, não restam dúvidas face à transparência da definição normativa contida no n.º 1 do artigo 21.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho (que estabelece o regime jurídico dos contratos de consórcio e de associação em participação), disposição legal que sob a epígrafe “Do contrato de associação em participação”, estipula: «A associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, regular-se-á pelo disposto nos artigos seguintes.».
Vejamos agora a factualidade provada e não provada, com relevância para dilucidar a questão suscitada.
Provou-se que:
C) Ambos (autor e réu) por via do acordo celebrado com o E…, assumiram um projeto que consistia na rentabilização dos imóveis agora adquiridos pelo R. e realização de investimentos futuros em imóveis
D) (...) passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um.
E) (...) orientado para a recuperação e rentabilização dos capitais investidos e a investir;
F) No quadro deste projeto seriam suportados por ambos, e nas proporções que viessem a ser fixadas, oportunidade de negócio a oportunidade de negócio, as despesas e investimentos realizados.
G) E seriam distribuídos por ambos, ou suportados por ambos, os lucros e/ou as menos valias que viessem a ser realizadas, também na proporção dos respectivos investimentos.
H) Foi criada uma conta corrente de despesas e receitas, com início em 23 de Março de 1992, onde passaram a ser registados os investimentos realizados e todas as operações financeiras relacionadas com o projeto de investimento, sendo os lançamentos em tal conta corrente efectuados pelo Técnico de Contas – Sr. M… –.
I) Tal conta-corrente serviu, designadamente, para aplicações em instrumentos financeiros, aquisições de créditos, aquisições de imóveis, remunerações dos capitais investidos por Autor e Réu, pagamento de encargos com escrituras, pagamento de impostos incluindo sisas de aquisições e contribuições autárquicas e remunerações de advogado – Dr. P….
DD) A conta-corrente foi aberta em 23.03.1992, com os seguintes valores: a crédito do Autor B…, pelo valor de 10.000.000$00, quantia que o Autor entregou ao Réu C… por cheque com o n.º ………., sacado sob a conta ……….. do X…; a crédito do Réu C…, pelo valor de 16.000.000$00.
OO) A conta-corrente de H) foi elaborada por acordo entre o Autor e o Réu marido.
QQ) Durante todo o tempo pelo qual se prolongou o acordo caracterizado em C) a G) foi sempre o Réu C… quem procedeu à administração do património, formalizando compras e vendas, distribuindo “remunerações” calculadas sobre o montante investido, pagando despesas, recebendo preços de bens e detendo como de sua exclusiva propriedade um conjunto de imóveis.
Não se provou que:
1) A conta-corrente de H) tenha sido elaborada (exclusivamente) a mando do Réu;
6) A introdução nas contas-correntes dos valores conforme PP) tenha sido feita sem autorização do Autor;
9) Para além da matéria assente em QQ) o Réu C… tenha também efectuado aplicações financeiras institucionais, detendo-as em seu nome e recebendo resgates de capitais e dividendos.
Face a tudo o que ficou dito, considerando a factualidade provada e não provada, afigura-se-nos que, apesar da irregularidade formal do contrato (meramente verbal), se verifica o requisito da “affectio societatis” - da intenção de associação por parte do autor e do réu, pondo em comum bens, valores e trabalho, com o fim de partilhar os lucros resultantes dessa atividade, afetando tais bens e valores ao referido escopo social.
Contrariamente à tese defendida pelo recorrente, concluímos que o acordo das partes envolvidas no negócio não integra a previsão legal do n.º 1 do artigo 21.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho: «A associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda….».
Concluímos, face ao exposto, pela improcedência do recurso neste segmento, devendo qualificar-se o negócio existente entre as partes, como “sociedade irregular”.

3.2. A regularidade da ‘convolação do pedido’
A segunda questão suscitada no recurso enunciou-se desta forma: deverá considerar-se nula a ‘convolação do pedido’, efectuada na sentença recorrida? (conclusões 17.ª a 21.ª).
Vejamos.
Consta da fundamentação da sentença recorrida:
«Sem prejuízo, cremos ser possível, sem alteração ilegítima do pedido, conceder ao Autor a tutela do valor patrimonial da sua participação enquanto e como sócio na sociedade irregular, que já se adiantou demonstrada.
Na verdade, como é sabido, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo, com plena autonomia, qualificar juridicamente os factos alegados como integradores da causa de pedir (ou que estão na base de uma excepção peremptória deduzida pelo Réu), suprindo uma omissão da parte na indicação do fundamento jurídico da sua pretensão ou corrigindo oficiosamente uma qualificação jurídica que tenha por incorrecta, imperfeita ou inadequada.
De resto, o que identifica decisivamente a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico.
Embora se trate de matéria menos linear e mais controversa do que a simples e corrente alteração da qualificação jurídica da factualidade integradora da causa de pedir, tem sido admitido, com fundamento numa visão funcional e menos rigidificante do processo, que, em certos casos, possa o tribunal corrigir e adequar, quer a pretensão material, reconfigurando no plano normativo o efeito jurídico pretendido pelos litigantes, quer as próprias pretensões adjectivas formuladas pelas partes, convolando da configuração jurídica que os litigantes lhe haviam erroneamente atribuído para a que se mostra adequada à realidade normativa (veja-se, de forma paradigmática, o acórdão uniformizador 2/2010, estendendo o tradicional regime do “erro na forma do processo” ao suprimento da forma incorrecta que revestiu a impugnação deduzida pela parte).
O que, no essencial, se pretende evitar com a convolação operada é, no plano da celeridade e da eficácia processuais, dispensar a propositura de uma nova acção, em que apenas fosse corrigido pelo Autor o modo como este havia configurado normativamente o efeito jurídico extraído dos mesmos factos: sendo naturalmente admissível a propositura de uma acção nova em que, apesar de fundada exactamente nos mesmos factos, se deduzisse um pedido diferente, a repetição do litígio envolveria um desproporcionado esforço de alegação de factos e de prova dos mesmos, quando o que, afinal, estava em causa era apenas a reconfiguração – no estrito plano normativo – da via jurídica através da qual se pretendia alcançar o reconhecimento do direito a determinados bens.
Assim, será lícito ao tribunal convolar, mesmo oficiosamente, por exemplo, um pedido de anulação do negócio jurídico para a declaração da respectiva ineficácia, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o tribunal julgou objecto diverso do que havia sido peticionado (veja-se outrossim o acórdão uniformizador 3/01, de 23 de Janeiro); ou a possibilidade (reconhecida pelo Assento de 28.03.1995) de fazer derivar o direito do autor a determinada prestação, não da via jurídica por ele construída e estruturada ao longo do processo, mas de via juridicamente diversa, resultante do tribunal conhecer oficiosamente do contrato convocado.
Ora, aderindo a esta visão substancialista e desformalizadora do processo civil, considera-se possível operar a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe, não obviamente no plano dos direitos reais, a quota parte que lhe caberia, em termos de compropriedade ou comunhão nos imóveis adquiridos (formalmente) pelo Réu, em execução do acordo de sociedade comercial que resultou caracterizado, nos termos supra, mas direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular em que se estribava, bem como a declaração de que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia … e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.
De resto, o Réu não aduz na pronúncia junta aos autos qualquer razão atinente à admissibilidade da convolação operada, do ponto de vista que tem de sê-lo, o da respectiva admissibilidade processual, por respeito integral da vinculação do tribunal ao pedido e causa de pedir. Ao invés, as objecções ali feitas são-no ao mérito mesmo da decisão, afigurando-se-nos que a sede própria para delas apreciar deverá sê-lo o recurso da mesma.
Por isso que, reitera-se, apenas nos parece configurar-se, com o conhecimento da acção nos termos em que o foi e novamente se afirma, uma diferente qualificação jurídica da pretensão deduzida, a partir da causa de pedir convocada, com o que admissível.».
No acórdão proferido por esta Relação, foi anulada a decisão no segmento em pareço, por violação do princípio do contraditório que, como consta do relatório do presente acórdão, veio a ser cumprido, tendo-se pronunciado apenas os réus, fazendo-o no sentido de se oporem à convolação.
Vejamos.
A Mª Juíza começa por constatar que se trata “de matéria menos linear e mais controversa do que a simples e corrente alteração da qualificação jurídica da factualidade integradora da causa de pedir”, admitindo depois, “com fundamento numa visão funcional e menos rigidificante do processo”, a possibilidade de o tribunal “corrigir e adequar, quer a pretensão material, reconfigurando no plano normativo o efeito jurídico pretendido pelos litigantes, quer as próprias pretensões adjectivas formuladas pelas partes, convolando da configuração jurídica que os litigantes lhe haviam erroneamente atribuído para a que se mostra adequada à realidade normativa”.
Os parâmetros legais (imperativos) encontram-se previstos no artigo 609.º do Código de Processo Civil, que preceitua no n.º 1 uma regra geral: «A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.».
As exceções encontram-se enunciadas nos números seguintes, dispondo o n.º 2 que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida, e o n.º 3, que se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação realmente verificada.
A regra enunciada no n.º 1 do citado artigo 609.º do CPC decorre do princípio do pedido, característica de um sistema processual pautado pelo dispositivo[6].
Como refere Lebre de Freitas[7] “O objeto da sentença coincide assim com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido”.
No que concerne à fixação ou condenação em objeto diferente do pedido, poderão legitimamente suscitar-se dúvidas sobre o alcance prático do limite referido, nomeadamente nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte, como ocorre quando o autor pede a declaração de resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, mas em que se verifica que o contrato em crise é nulo por falta de forma.
Poderá o tribunal declarar a nulidade do contrato e decretar a respectiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286.º e 289.º do Código Civil?
A questão passa pela interpretação do pedido, entendendo-se que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na coloração jurídica que lhe é dada pelo autor.
Com efeito, é unânime a doutrina no sentido de que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Conclui-se, face ao exposto, que se a questão se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, nada obstará a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa, ouvindo previamente as partes sobre a solução divergente, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC.
Mas será o que se passa nestes autos?
Vejamos as pretensões formuladas pelo autor:
Pede o autor que os réus sejam condenados, “em alternativa, à escolha do autor”, nos seguintes termos:
a) A ver transmitidos para o autor 32/100 do direito de propriedade sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia … e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia …;
b) A pagar ao autor a quantia de € 267.061,98 (duzentos e sessenta e sete mil e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa legal sobre o montante indicado, desde a citação e até integral pagamento.
Quanto a estes pedidos, a Mª Juíza julgou-os improcedentes (com trânsito em julgado, considerando que o autor não impugnou a decisão), nestes termos:
«Da síntese que antecede já ressalta a improcedência das pretensões do Autor, nos termos em que vêm deduzidas ou formuladas.
Na verdade, ainda no quadro da validade da sociedade irregular não seria possível, por falta de fundamento, conceder ao Autor qualquer uma das pretensões formuladas.
A questão prende-se, obviamente, com a natureza/configuração do direito dos sócios quanto/sobre ao/o património (comum) da sociedade ou, mais propriamente, com a posição jurídica do sócio na sociedade, perante a sociedade, na relação jurídica societária15.
Assim é que cada um dos sócios não é titular de uma quota dos bens que constituem o activo social ou património da sociedade…
As situações activas dos sócios, os poderes destes constituem-se como um direito global do sócio – o direito social, a participação social.
No que respeita ao objecto da participação social, os sócios não têm um direito sobre o património, a participação dos sócios incide sobre a parte social. Refuta-se, pois, a titularidade directa da massa patrimonial societária pelos sócios….».
Ora, salvo todo o respeito devido, o pedido do autor não tem qualquer equivalência com o reconhecimento do seu direito a “uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma”.
O que ele pede, é que os réus sejam condenados “a ver transmitidos para o autor 32/100 do direito de propriedade sobre os imóveis” ou, em alternativa, a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 267.061,98.
Como muito bem refere a Mª Juíza, a situação ativa do autor traduz-se num direito global do sócio. Ora, não haverá qualquer correspondência entre o pedido de condenação dos réus a reconhecer a transmissão para a esfera jurídica do autor de 32/100 do direito de propriedade sobre os imóveis (alguns dos quais já foram alienados)[8], e a condenação dos réus no reconhecimento do direito do autor a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular.
Também relativamente ao segundo pedido (alternativo) não se verifica qualquer correspondência, quer qualitativa, quer quantitativa.
O que se faz na sentença recorrida, reiterando todo o respeito devido, não se pode definir como constatação e correção de um mero erro de qualificação jurídica na formulação dos pedidos do autor, aferido em função do contexto da pretensão, não se traduzindo o segmento decisório em apreço na prolação de uma decisão com o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa.
Em suma, a convolação em causa viola os parâmetros legais (imperativos) previstos no n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil[9].
Decorre do exposto a procedência do recurso neste segmento, pelo que se deverá revogar a sentença recorrida na parte em que “opera a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia … e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.”.

3.3. As restantes questões suscitadas no recurso
Perante o teor das conclusões de recurso, definimos o seu objeto suscitando, para além das anteriores, as seguintes questões:
iii) Face à factualidade provada, não é viável a quantificação da participação do A.? (conclusões 22.ª a 25.ª);
iv) Sendo possível tal determinação, nunca a participação do A. poderia ser de 32%, mas sim de valor muito inferior? (conclusões 22.ª a 25.ª).
Pensamos que a resposta dada ao ponto anterior, no sentido de revogar a “convolação” do pedido prejudica a apreciação e resposta às questões em epígrafe.
Acresce que, como refere o recorrente, se verifica na fundamentação da sentença uma contradição[10], quando se afirma sobre a pretensão formulada pelo autor na alínea b) do seu petitório, que «aquela pretensão é a exercer apenas e só após a liquidação, posto que apenas por via desse “processo” é que será possível determinar a mesma quota…».
Tal afirmação contradiz, em nossa opinião, o deferimento do pedido após a convolação, no sentido de quantificar a posição do autor na sociedade, como correspondendo ao direito (que o tribunal lhe reconhece) a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular e à integração no património da ‘sociedade’ (nomeadamente para efeitos de avaliação do valor dessa quota), dos imóveis especificados no segmento decisório, incluindo alguns que nem sequer já constituem acervo social por terem sido alienados.
Com efeito, só após a liquidação será possível definir os parâmetros (ativo/passivo) susceptíveis de permitirem a quantificação, quer qualitativa, quer quantitativa do direito do autor.
No entanto, como oportunamente se referiu e ora se reitera, as questões enunciadas encontram-se prejudicadas pela resposta à questão anterior.

3.4. A primeira parte do dispositivo da sentença
Decidiu-se na sentença recorrida: «Tudo visto, conhecendo oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre Autor e Réu marido, melhor caracterizada sob as alíneas C) a I); T) e U); DD) e OO), QQ); PPP) e QQQ) da matéria assente, para a atividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao E… e, como efeito da presente declaração judicial de nulidade, determina-se a entrada da sociedade em liquidação, conforme artigo 52º, n.º 1 do CSC.».
O segmento decisório transcrito não foi objeto de impugnação, no que concerne à apreciação oficiosa da nulidade, como se constata da leitura das conclusões de recurso.
Com efeito, o recorrente limitou-se a defender uma diversa interpretação do negócio, que qualifica como “contrato de associação em participação”, não aduzindo qualquer argumento jurídico relativamente e contra o conhecimento oficioso da nulidade.
Acresce que a nulidade do negócio em apreço é de conhecimento ex officio, como decorre da regra geral prevista no artigo 286.º do Código Civil.
Uma outra consequência oficiosa emerge da declaração de nulidade do contrato de sociedade: a entrada da ‘sociedade’ em liquidação, como expressamente decorre do disposto no n.º 1 do artigo 52.º do Código das Sociedades Comerciais: «A declaração de nulidade e a anulação do contrato de sociedade determinam a entrada da sociedade em liquidação, nos termos do artigo 165º, devendo este efeito ser mencionado na sentença.».
Como referem Jorge M. Coutinho de Abreu e outros[11] o artigo 522.º do CSC é uma pedra angular do regime das invalidades do contrato de sociedade, substituindo os efeitos associados pela lei geral (art.º 289.º do CC) à declaração de nulidade ou à anulação do negócio jurídico por uma disciplina específica que, em homenagem aos interesses tutelados pelo favor societatis e respeitando as exigências impostas pela 1.ª Directiva sobre sociedades comerciais (art.º 12.º da Diretiva 68/151/CEE, do Conselho, de 9.03.1968), determina a entrada da sociedade em liquidação como principal consequência da invalidação do contrato social (nos termos previstos pelos art.º 412.º, 422.º e 43.º, quer haja ou não sido registado).
Prescreve-se, também, que a entrada em liquidação da sociedade seja mencionada na sentença que declara nulo ou anula o contrato de sociedade, justificando-se a solução adoptada em detrimento do regime geral do art.º 289.º do Código Civil, pela circunstância de a sociedade, ainda que alicerçada num ato inválido, haver funcionado durante um certo período de tempo.
Referem os autores citados que «… estamos perante uma manifestação da prevalência da sociedade-entidade sobre a sociedade-contrato na óptica do legislador; recordando as palavras dos autores do Anteprojecto que deu origem ao art.º 522, "nulo é o contrato, não a sociedade"; há que distinguir o acto constitutivo do ente social que "devendo a esse negócio a sua existência, dele posteriormente se liberta, passando a viver vida própria"».
Como enfatiza Jorge Henrique Pinto Furtado[12], citando Ferrer Correia, a solução abraçada pela nossa lei visa “defender terceiros do efeito retroativo que a declaração de nulidade desprenderia, atento o disposto no artigo 289/1 CC”.
Em suma, tendo a Mª Juíza interpretado, quanto a nós, corretamente, o negócio jurídico celebrado entre as partes como “sociedade irregular”, padecendo de nulidade formal, nos termos da regra geral enunciada no artigo 286.º do Código Civil havia que declarar oficiosamente tal nulidade.
É o que decorre da conjugação do n.º 1 do artigo 41.º do CSC, que remete para o regime geral previsto nos artigos 286.º e seguintes do Código Civil: «Enquanto o contrato de sociedade não estiver definitivamente registado, a invalidade do contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas disposições aplicáveis aos negócios jurídicos nulos ou anuláveis, sem prejuízo do disposto no artigo 52º.».
Declarada a referida nulidade, decorrem de tal declaração duas consequências imediatas, previstas no n.º 1 do artigo 52.º do CSC: a entrada da sociedade em liquidação; a menção de tal efeito na sentença.
Em conclusão, deverá manter-se a primeira parte do dispositivo da sentença recorrida.

3.5. A improcedência dos pedidos reconvencionais
O recorrente não aduz qualquer argumento jurídico em suporte das pretensões que formulou na contestação e que foram julgadas improcedentes
Consta da sentença:
«Quanto à pretensão reconvencional, a mesma soçobra, integralmente, sem possibilidade de qualquer convolação que lhe conceda uma “utilidade”.
Desde logo, na medida da caracterização do relacionamento entre Autor e Réu marido como sociedade irregular, que não nos moldes pretendidos pelo reconvinte, por falta de prova dos factos em que se estribava, as pretensões reconvencionais de pagamentos/restituições apenas poderiam ser exercidas em sede de liquidação da sociedade e prestação de contas a ela relativas, pelas razões supra.
Sempre, pelas razões melhor expostas em sede de motivação da matéria de facto, não fez o Réu a prova, que lhe cabia, enquanto facto constitutivo dos direitos reconvencionalmente exercidos, do âmbito da relação societária irregular e, decisivamente, de que também os negócios sob as alíneas W) a CC); HH) a MM), YY) a AAA) com aquela estivessem relacionados, abrangendo a conta-corrente, nos termos acordados, a totalidade daqueles relacionamentos…
Final, mas não menos decisivamente, não logrou o Réu reconvinte demostrar sequer as atribuições patrimoniais cuja restituição/pagamento reclamava e/ou a causa para a pretendida “devolução”/restituição. De todo o modo, quanto ao pedido (real) sob a alínea a) da reconvenção, o mesmo vem a ser inútil, nessa perspectiva real e improcedente, na perspectiva jurídico-prática (que era aquela que evitava já a respectiva inutilidade inicial, como bem anotado pelo Autor na defesa respectiva), na medida da afirmação/reconhecimento, como antecede, da integração daquele património imobiliário no escopo da sociedade irregular.».
Nada temos a acrescentar, revelando-se as pretensões reconvencionais totalmente improcedentes face à prova produzida e à integração jurídica da factualidade provada, devendo, em consequência, manter-se a decisão nesta parte.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
1) em revogar a decisão recorrida, na parte em que, operando «a convolação da pretensão do Autor», lhe reconhece o direito “a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia … e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia … constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.”;
2) em manter a sentença recorrida na primeira parte do segmento decisório, que se passa a transcrever: «Tudo visto, conhecendo oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre Autor e Réu marido, melhor caracterizada sob as alíneas C) a I); T) e U); DD) e OO), QQ); PPP) e QQQ) da matéria assente, para a atividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao E… e, como efeito da presente declaração judicial de nulidade, determina-se a entrada da sociedade em liquidação, conforme artigo 52º, n.º 1 do CSC.».
3) Em manter a sentença recorrida na parte restante: indeferimento das pretensões do autor formuladas na petição, delas se absolvendo os réus, e das pretensões reconvencionais, absolvendo-se o Autor da totalidade dos pedidos contra si deduzidos.
*
Custas do recurso pelos recorrentes e recorrido, na pretensão dos decaimentos, que se fixa em 50% para cada um.
*
O presente acórdão compõe-se de sessenta e três páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 14 de Setembro de 2015
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
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[1] Elabora-se o presente relatório, seguindo de perto o acórdão já proferido nestes autos, neste Tribunal e Secção, no dia 3.11.2014.
[2] Consta do “introito” da sentença: «Cumprido que foi, nos termos ordenados pelo Acórdão da Relação do Porto, o contraditório, quanto à possibilidade/admissibilidade e termos da convolação do pedido do Autor nestes autos deduzido, passa a proferir-se nova sentença, na qual se considerará bem assim a alteração à matéria de facto já decidida também pelo Tribunal Superior.
Aqui se anota que se tem por inadmissível uma renovada apreciação jurídica das questões já decididas, mormente em sede de qualificação do contrato, por não se constituir este tribunal como um tribunal de “recurso de si mesmo”, como o seria se tivesse a pretensão de afastar agora os fundamentos que o são antes de recurso. De todo o modo, mais se consigna que se entende que a decisão originária esclareceu, q.b., a posição assumida, em sede interpretativa.
Por isso que apenas em sede de admissibilidade da convolação do pedido operada se considerarão agora os argumentos aduzidos pelas partes, na sequência da notificação para o efeito.».
[3] Reproduzimos a factualidade constante do acórdão proferido nesta relação, que a fixou definitivamente.
[4] Facto aditado pelo acórdão proferido nesta Relação.
[5] Curso das Sociedades Comerciais, 5.ª edição, Almedina, 2004, pág. 208 e seguintes.
[6] Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 314, 314.
[7] A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013.
[8] Sendo certo que do “ativo” da sociedade irregular já não constam alguns prédios – como claramente se afirma no segmento decisório da sentença – podendo o mesmo ser integrado por outros valores, que desconhecemos e que só poderão ser apurados na liquidação.
[9] Entendemos que a convolação do pedido seria válida se da nulidade formal do contrato (da qual decorre a irregularidade da sociedade) decorresse como consequência lógica a resposta positiva do Tribunal às pretensão do autor, ou seja, se tal nulidade (fundamento diverso daquele que o autor invoca) tivesse como consequência o deferimento da sua pretensão – como no caso já referido, em que o tribunal declara a nulidade do contrato e decreta a respectiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286.º e 289.º do Código Civil, coincidindo tal restituição com o pedido formulado com outro fundamento.
[10] Ressalvando uma vez mais (nunca será de mais) todo o respeito devido, face à sentença recorrida que, pese embora a nossa divergência, se deverá qualificar como uma peça processual de inegável qualidade.
[11] Código das Sociedades Comerciais Anotado, Volume I, Almedina, 2013, pág. 632 e 633.
[12] Curso das Sociedades Comerciais, 5.ª edição, Almedina, 2004, pág. 217.