Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
156/16.0PIVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
AVALIAÇÃO
PROVA
RECURSO
PRESUNÇÕES
Nº do Documento: RP20180228156/16.0PIVNG.P1
Data do Acordão: 02/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º9/2018, FLS.160-180)
Área Temática: .
Sumário: I - Face ao princípio da livre apreciação da prova (artº 127º CPP) compete ao tribunal ao tribunal de recurso aferir da legalidade e da bondade do caminho percorrido pelo tribunal superior para formar a sua convicção e alcançar o resultado que se traduziu na respectiva decisão em sede de matéria de facto.
II - Para avaliar da racionalidade da convicção sobre os factos, há que apreciar a fundamentação da decisão quanto á matéria de facto e a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
III - Para além da prova directa, relevante nesse ponto são os procedimentos lógicos para a prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 156/16.0PIVNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Local Criminal – Juiz 3

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
Nestes autos de processo comum singular supra identificado em que é arguido B… (devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença (folhas 153 a 163), onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial):
«Em face do exposto, e sem outras considerações, o Tribunal decide:
1. Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.
2. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C…, condenando o demandado B… a pagar-lhe a quantia de €2.966,68 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento e a quantia de € 750,00 a título de danos não patrimoniais.».
Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, nos termos constantes da motivação de folhas 174 a 201, a qual finalizou concluindo da forma seguinte (transcrição):
«I - Vem o presente recurso da douta sentença que condenou o arguido B…, pela prática de um crime de furto qualificado, revisto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão e julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C…, condenando o demandado B… a pagar-lhe a quantia de €2.966,68 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento e a quantia de €750,00 a título de danos não patrimoniais.
II - Entende o Recorrente existir erro na fixação da matéria de facto provada quanto aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 do elenco de factos considerados provados, os quais deveriam ter sido considerados como não provados, concluindo-se, em consequência, pela ausência de prova
que permitisse concluir, para além de qualquer dúvida, que o Recorrente havia praticado o crime pelo qual veio a ser condenado.
III - Compulsada a prova produzida os depoimentos das citadas testemunhas, verificamos que as mesmas não prestaram quaisquer declarações que permitam, para além de quaisquer dúvidas, concluir que o arguido, ora Recorrente, foi o autor do alegado furto sofrido em casa da Demandante, B….
IV - Nenhuma das testemunhas viu o arguido em casa da Demandante C…, sendo certo que o facto de ter tido, hipotética e alegadamente, acesso às chaves de casa daquela, em rigorosamente nada contribui para a convicção de que foi o arguido o autor do alegado furto, sendo certo que várias outras pessoas tiveram acesso às chaves de casa da Demandante C….
V - Do depoimento da testemunha C…, nas declarações prestadas no dia 27/03/2017 (declarações que tiveram a duração de 22m16s, conforme indicação constante da respectiva acta da audiência de discussão e julgamento, com início às 11:45), depoimento supra transcrito no corpo das alegações para o que se remete, resultam meras presunções, feitas pela própria testemunha, não corroboradas, de modo algum, por qualquer prova concreta, não se logrando perceber, sequer, que chaves é que desapareceram, se as de casa, se do carro, se o arguido teria tido acesso às mesmas porque andou a fazer obras em casa da mãe da testemunha, se por alegadamente ter passado pela oficina onde a testemunha deixou o carro a arranjar. Mais, teria sido aqui que a testemunha deixou as chaves? No carro ou em casa? Quantos pares de chaves tinha afinal? Quais foram as chaves que desapareceram?
VI - Várias outras pessoas terão certamente passado pela casa da mãe da testemunha, demandante civil, ou pela oficina onde deixou o seu carro a reparar sendo certo ainda que a testemunha não foi capaz de dizer em que local deixou as chaves ao certo e quais as que terão desaparecido, tendo o seu depoimento se apresentado bastante confuso especialmente nesta parte.
VII - Do depoimento da testemunha D…, declarações prestadas no dia 27/03/2017 (declarações que tiveram a duração de 12m18s, conforme indicação constante da respectiva acta da audiência de discussão e julgamento, com início às 11:58), depoimento supra transcrito no corpo das alegações para o que se remete, resulta que a mesma não possui qualquer conhecimento concreto sobre os factos, apenas reiterando a confusão da testemunha anterior quanto às chaves e nada de objectivo adiantando quanto ao que se poderá ter passado.
VIII - Não se entende por isso, sempre com todo o respeito, como pode ter sido considerado como provado que o Recorrente foi o autor do alegado furto em casa da Demandante C…, tanto mais que a mera circunstância do arguido ter tido um eventual acesso às chaves de casa da Demandante não pode ser considerado como suficiente para considerar o Recorrente como autor do crime de furto pelo qual foi condenado.
IX - Existe clara confusão e inexactidão nos depoimentos prestados (conforme supra se evidenciou e resulta de toda a prova testemunhal produzida em audiência) quanto às chaves que desapareceram, quando, em que circunstâncias e modo e quem teria sido o responsável pelo seu desaparecimento, não tendo sido sequer possível descortinar sequer quando é que o alegado furto terá ocorrido.
X - Várias outras pessoas tiveram acesso às chaves de casa da Demandante, quer as mesmas tenham desaparecido de casa da sua mãe, quer tenham desaparecido do seu carro, já que quer a casa da mãe da Demandante, quer a oficina onde esta deixou o carro a reparar foram frequentadas por outras pessoas no lapso temporal (alargado e não determinado!) durante o qual as chaves poderão ter desaparecido.
XI - Foram feitos exames periciais, com recolha de impressões digitais pelas entidades policiais competentes, e não foram encontrados quaisquer vestígios que permitissem concluir que o arguido esteve na casa da Demandante (tendo sido encontradas outras impressões digitais no local – vide relatório de fls._ dos autos).
XII - Nenhuma testemunha presenciou efectivamente o arguido/Recorrente a entrar em casa da Demandante e a retirar os objectos que esta afirma dali terem desaparecido, não existindo qualquer prova que permita concluir quem, como, quando e de que forma terão desaparecido os objectos que a Demandante alega terem desaparecido.
XIII - Não é possível, face à total ausência de prova, dar-se como provado que o Recorrente foi o autor do furto pelo qual veio a ser condenado.
XIV - As testemunhas ouvidas em audiência – E… e F… – não adiantaram pontos relevantes no que concerne à prática do crime, já que são agentes da PSP que tomaram conta das ocorrências e não presenciaram quaisquer factos.
XV - O arguido não prestou declarações, quer durante o inquérito, quer durante o julgamento, sendo que não se poderá ter em consideração quaisquer conversas que outras testemunhas aleguem ter tido com o arguido, tanto mais que as testemunhas apenas podem ser inquiridas sobre factos de que possuam conhecimento directo e que constituam objecto da prova.
XVI - As testemunhas G… e H…, cujos depoimentos foram prestados no dia 27/03/2017, com as durações de 05m07s e 03m08s, respectivamente, conforme referência constante da respectiva acta de audiência de discussão e julgamento, apenas depuseram quanto ao pedido de indemnização civil, nada tendo acrescentado quanto aos factos propriamente ditos, não tendo logrado referir informação relevante relativamente aos bens que alegadamente terão sido furtados da casa da Demandante ou dos valores dos mesmos.
XVII - Face à total ausência de prova, aos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, constante das gravações, nomeadamente os supra transcritos, e conjugação com o relatório pericial de fls._ entendemos que se impunha considerar os citados pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados, como materialidade não provada.
XVIII - Constando do processo todos os elementos de prova que serviram de base à fixação da matéria de facto e dado cumprimento ao imposto pelo artigo 412º, nº 3 do CPP, impõe-se a modificabilidade da decisão recorrida, nos termos do disposto nos artigos 412º, nºs. 3 e 4 e 431º, alíneas a) e b), todos do Cód. Proc. Penal, o que se requer para todos os devidos e legais efeitos.
XIX - Tendo em conta que esse Venerando Tribunal da Relação conhece de facto e de direito, e que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e constante das gravações, não conduz à factualidade apurada na douta decisão em crise, supra discriminada, justificado está o pedido supra formulado de modificabilidade da decisão do tribunal de 1ª. Instância sobre a matéria de facto, nos termos apontados e conforme disposto no artigo 431º do Código de Processo Penal.
XX - Sem prescindir do exposto, sempre se dirá que, quanto mais não fosse, por força da aplicação do princípio in dubio pro reo se impunha a absolvição do arguido, já que na dúvida ou ausência de certeza, e essa dúvida ou ausência de certeza é bem patente nestes autos, em obediência ao Princípio In Dubio Pro Reo, inexistindo total certeza acerca da prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados, impor-se-ia a sua absolvição, o que se invoca e requer expressamente para todos os devidos e legais efeitos.
XXI - Ao condenar o Recorrente, em vez de a absolver, como deveria ter feito, o douto Tribunal “a quo” violou também o Princípio da Presunção da Inocência, In dubio pro reo, e o disposto nos artigos 32º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e 127º do Código do Processo Penal, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
XXII - Face à ausência de prova do crime de furto qualificado imputado ao arguido/Recorrente e consequente inegável absolvição do Recorrente pela prática de tal crime, impõe-se, salvo o devido respeito por melhor opinião, a revogação da condenação da Recorrente no pagamento do pedido de indemnização civil a que também foi condenado, absolvendo-se aquele de todo o pedido formulado.
XXIII - Mesmo que se considerasse manter a condenação do Recorrente, o que não se admite e apenas por mera hipótese se refere, nunca poderiam ser considerados os valores em causa, tanto mais que não sabemos ao certo quais os bens que desapareceram (nenhuma prova foi produzida nesse sentido!) e qual o real valor deles, sendo que tais valores foram atribuídos pela própria Demandante com base em presunções e estimativas.
XXIV - Face a tudo o exposto, conclui-se que o Meritíssimo Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artºs.483º, 798º, 799º do Código Civil e 203º, nº 2 e 204º, nº 2, al. e) do Código Penal e ainda artº 32º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
XXV - Sem prescindir do exposto, ainda que se entenda definitivamente que o Recorrente praticou o crime pelo qual veio a ser condenado, o que não se concede de todo e apenas por hipótese se refere, o certo é que a pena aplicada não é, entendemos, justa nem proporcional ao caso em apreço, pecando por ser excessiva.
XXVI - Quanto à determinação da medida concreta da pena, será de ter em toda a materialidade constante do relatório social e que aqui se dá como reproduzida por questões de mera economia processual, realçando apenas a destacada estabilidade pessoal e contextual, nomeadamente o facto do arguido se encontrar a trabalhar com o apoio parental, de ter encontrado estabilidade emocional junto da sua companheira e filhos desta e ter interiorizado a censurabilidade dos factos que praticou no passado.
XXVII - A pena escolhida deveria ser idónea a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, satisfazendo as necessidades de prevenção geral e especial, não se justificando, no nosso modesto entender, a opção pela pena de prisão efectiva e na medida em que foi condenado.
XXVIII - Condenar o Recorrente a uma pena de prisão efectiva só poderá ter um efeito neste caso: dessocializar o Recorrente (carente que está de socialização), retroceder no caminho que o mesmo, devidamente acompanhado pela sua família tem arduamente percorrido.
XXIX - O Tribunal a quo, ao aplicar, como aplicou, pena de prisão não superior a 5 anos deveria ter suspendido a sua execução, sabendo-se, para além do mais, que o Recorrente, mantém bom comportamento e integração social, laboral e emocional, tem emprego e residência, apoio emocional da companheira e família, factos que permitiriam ao julgador, fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido.
XXX - O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado, sendo que, relativamente à verificação do pressuposto material, ao contrário da douta sentença em crise, entendemos que o Tribunal “a quo” deveria ter-se decidido pela suspensão da sua execução, pelos motivos expostos.
XXXI - Recorrendo ao critério previsto no art.º 71º, n.º 1 do Código Penal e atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depõem a favor do agente ou contra ele, concluímos que uma pena próxima do limite mínimo, suspensa na sua execução, se mostraria suficiente para alcançar as finalidades de punição, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas à situação, permitindo, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.
XXXII - A pena que concretamente for aplicável ao Recorrente terá, assim, no nosso entendimento que se fixar próximo do mínimo legal e suspensa na sua execução, nos termos e pelos fundamentos acima expostos.
XXXIII - Ao decidir como decidiu, e face ao supra exposto, conclui-se que o Meritíssimo Tribunal “a quo” violou as disposições conjugadas dos artºs. 40º, 50º, 51º, 52º, 53º, 70º, 71º, 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) todos do Código Penal, bem como o artº. 18º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação feita a tais normativos legais.»
Admitido o recurso, o Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao mesmo, conforme resulta de fls. 234 a 245, concluindo pela manutenção do decidido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer (que consta a folhas 254) no qual finaliza pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal nada foi acrescentado no processo.
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
***
II – Fundamentação
Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
Vista a decisão não detetamos a existência de qualquer um dos vícios e nulidades de conhecimento oficioso, nem o Recorrente os invoca.
Atentas as conclusões do recurso, são as seguintes as questões colocadas:
● Impugnação da matéria de facto;
● Violação do princípio in dubio pro reo;
● Medida da pena aplicada;
● Suspensão da execução da pena;
● Em consequência da pretendida absolvição, terá de decair o pedido de indemnização civil ou, ainda que assim se não entenda, o montante fixado é exagerado.
Cumpre apreciar e decidir:
Vejamos, antes de mais, o que da sentença recorrida consta, quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à respetiva motivação (transcrição parcial):
« II – Fundamentação
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. Em data e de modo não concretamente apurados mas seguramente anterior a 13 de Fevereiro de 2016, o arguido B… entrou na posse da chave da residência situada na Rua …, do .. ao .., Hab. …, …. - … Vila Nova de Gaia, propriedade de C…, de quem era conhecido.
2. Decidiu então fazer uso da chave para aceder ao interior daquela habitação, num momento em que nela ninguém estivesse, para se apoderar de bens ali existentes que fossem de seu interesse.
3. Concretizando tamanho desígnio, o arguido, em dia não concretamente apurado, mas seguramente entre 13 e 20 de Fevereiro de 2016, deslocou-se à referida residência, abriu a porta de entrada com a chave de que se munira e uma vez no interior daquele espaço retirou os seguintes objectos:
- uma TV … .. - ……, Led, no valor de €600,00;
- um computador portátil de marca …, no valor de €500,00;
- uma máquina fotográfica de marca …, no valor de €115,00;
- uma máquina de citrinos de marca …, no valor de €40,00;
- um fondue eléctrico, no valor de €100,00;
- uma pulseira em prata …, com várias peças, no valor de €600,00;
- uma tostadeira, no valor de €30,00;
- um relógio de marca …, com várias pulseiras, no valor de €150,00;
- vários cremes de corpo e rosto e amostras, no valor global de €150,00;
- vários champôs e gel de banho, no valor de €70,00;
- uma escova de lavar dentes de marca …, no valor de €19,90;
- um tablet de marca …, …, com o nº de série …………. e respectiva capa, no valor global de €153,90;
- uma carteira de marca …, no valor de €180,00;
- uma máquina de café de marca …, no valor de €179,00;
- vários perfumes, novos, no valor global de €200,00;
- um … dock-station ……., no valor de €69,00;
- um … IPod Nano 8 Gb, no valor de €162,00;
- vários artigos de vestuário, nomeadamente quatro casacos em pele, no valor global de €1.500,00;
- um secador de cabelo, no valor de €50,00;
- um alisador de cabelo, no valor de €55,00;
- um telemóvel e respectiva capa, no valor de €200,00;
- uma Playstation, no valor de €170,00:
- vários jogos para Playstation, no valor global de €100,00;
- um jacto de água de marca …, de higiene dentária, no valor de €100,00;
- um par de óculos de sol, de marca …, no valor de €150,00;
- várias bijuterias (colares, pulseiras, brincos), no valor global de €180,00;
- várias pulseiras, brincos e colares em prata, no valor global de €300,00;
- um colar em prata no valor de €150,00;
- um abre-latas eléctrico, no valor de €20,00;
- uma faca eléctrica, de marca …, no valor de €24,39;
- várias peças decorativas, em prata, no valor global de €100,00;
- um necessaire de marca …, no valor de €100,00;
- uma mala de viagem de marca …, no valor de €300,00;
- uma Bimby, no valor de €1.000,00;
- um mealheiro de lata contendo no seu interior valor não concretamente apurado mas não inferior a €400,00;
- dois edredons e um cobertor, no valor global de €170,00, tudo perfazendo o valor global de €8.388,19 (oito mil trezentos e oitenta e oito euros e dezanove cêntimos).
4. Depois abandonou o local, levando aqueles bens consigo, apoderando-se dos mesmos.
5. No dia 20 de Fevereiro de 2016 o arguido dirigiu-se a uma loja denominada “I…”, sita em Matosinhos onde tentou vender a TV, marca … ..-..-…….
6. O arguido actuou no propósito, de resto, conseguido, de se apoderar dos artigos supra mencionados, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam, pois eram propriedade de C…, contra a vontade de quem actuou.
7. Agiu de forma livre e voluntária, perfeitamente consciente da ilicitude penal da sua conduta.
8. A demandante recuperou, dos bens supra descritos, a TV, o PC e a máquina fotográfica.
9. Em consequência dos factos supra descritos a demandante accionou o seguro “Multirisco” celebrado com a Companhia de Seguros “J…”, tendo recebido da mesma, a 24.05.2016, €4.206,51 a título de indemnização pelos prejuízos sofridos.
10. Em consequência dos factos supra referidos a demandante ficou desgostosa, triste, perturbada, nervosa e inquieta.
11. Apesar de lhe ter sido proporcionado um processo de socialização dentro dos parâmetros de normatividade por parte do seu agregado familiar de origem, o arguido acabou por desenvolver, ao longo do seu percurso de vida, um conjunto de vulnerabilidades, nomeadamente ao nível do consumo abusivo de álcool.
12. Actualmente o arguido dedica-se a trabalhos à jorna na área da construção civil, em França, juntamente com o seu pai.
13. Quando em Portugal vive com a companheira e os 3 filhos desta, sendo a relação do casal retratada de forma positiva.
14. Embora de forma irregular, o arguido vai mantendo a frequência de consultas na Unidade de Alcoologia do Norte, estando, aparentemente, a ingerir agora bebidas alcoólicas de forma mais moderada.
15. O arguido foi condenado:
- em 24.03.2015, na Instância Central Criminal de Castelo Branco, pela prática de um crime de furto simples e três crimes de furto qualificado, nas penas de 90 dias de multa e 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e 4 meses, sujeita a regime de prova;
- em 11.11.2015, na Instância Local Criminal da Covilhã, pela prática de um crime de ameaça agravada, na pena de 180 dias de multa;
- em 27.05.2015, na Instância Local Criminal do Fundão, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, vindo, por decisão transitada em julgado em 25.01.2016, a ser feito neste processo o cúmulo jurídico da pena aí aplicada e das aplicadas na decisão primeiramente referida e a ser aplicada ao arguido, entre o mais, a pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova;
- em 19.12.2016, na Instância Local Criminal de Vila do Conde, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período.
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a causa, designadamente, que:
a) os objectos furtados tivessem o valor global de €8.550,19 (oito mil quinhentos e cinquenta euros e dezanove cêntimos);
b) em dia não concretamente apurado do mês de Fevereiro de 2016, mas seguramente posterior a 19 de Fevereiro de 2016, o arguido se deslocou à Feira K…, Porto, onde vendeu todos os objectos mencionados em §3, excepto uma TV, marca … ..-.-….., um computador portátil marca …, …, n.º série … .. ….., cor … e uma máquina fotográfica, marca …, Cybershot …-…, n.º …….. *
III – Motivação
Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.
Assim, quanto aos factos constantes da acusação o Tribunal, sendo certo que o arguido não quis prestar declarações, valorou, em conjugação com os autos e aditamentos de fls. 2, 3, 6, 7, 11 e 19 e com as regras da normalidade e da experiência comum, os depoimentos, todos prestados de forma que se nos afigurou séria, coerente e isenta, de C… (demandante), D… (mãe da demandante), E… e F… (agentes da PSP) e H… (amiga da demandante).
Concretamente, a demandante explicou que na altura aqui em questão, apesar de ter a sua própria casa, passava semanas em casa da sua mãe, que após uma dessas semanas (em que não esteve em sua casa) foi a sua casa num domingo à noite e verificou que a mesma tinha sido assaltada (sendo que tinha deixado a porta fechada à chave e nada estava arrombado nem partido) – faltando-lhe os objectos mencionados no aditamento de fls. 19, cujo valor, segundo explicou, é um valor estimado, sendo que de alguns objectos tinha facturas e de outros fez um cálculo tendo em conta o que pagou por eles e o tempo de uso que tinham -, tendo chamado a polícia, que, porque antes de ter ido a casa (no sábado anterior) deu por falta da 2ª chave do seu carro e das chaves de casa que tinha no carro e porque o arguido (cuja mãe é vizinha dos seus pais) tinha estado, imediatamente antes do sucedido (na semana imediatamente antes do furto, em Fevereiro de 2016), a fazer uns trabalhos na casa-de-banho em casa da sua mãe e também a ajudar a arranjar o seu carro (que tinha avariado, tendo ficado dois dias a reparar num senhor que arranja carros próximo de casa dos seus pais), desconfiou logo do arguido, que na 3ª feira seguinte a sua mãe lhe ligou a dizer que tinha visto o arguido a sair de casa (que é próxima) com um objecto tapado, que, suspeitando que este iria tentar vender a sua TV e conhecendo a loja de usados em questão, se deslocou à mesma de imediato e que aí teve a sorte de o apanhar em flagrante, acompanhado de uma senhora, a tentar vender a referida TV, que ainda estava com o tripé, sendo que os dois diziam que a TV era deles mas a demandante tinha consigo a respectiva garantia e a prova de compra e disse que ia chamar a polícia, pelo que os dois fugiram. A demandante esclareceu ainda que tinha umas chaves de casa no porta-luvas do seu carro e outras em casa da sua mãe (tendo sido com estas últimas que entrou em casa no dia aqui em questão), que tinha também as segundas chaves do carro em casa da sua mãe, que só a demandante e os pais têm a chave de casa destes, que recuperou, para além da TV, o computador e a máquina fotográfica (que lhe foram entregues pela polícia) e que este episódio a perturbou muito, nomeadamente o facto de saber que esteve alguém em sua casa sem o seu consentimento.
D…, por seu lado, referiu que a filha tanto passava tempo em casa dos pais como na sua própria casa, que na altura aqui em questão esteve em sua casa, que a dada altura a mesma se queixou de lhe ter desaparecido a chave de casa que tinha no carro e no domingo deu conta de que lhe tinham assaltado a casa, que o arguido, por estes dias, tinha andado a fazer umas obras em sua casa e também a ajudar o mecânico a arranjar o carro da sua filha, que na 3ª feira seguinte a testemunha viu o arguido a sair de casa da mãe com uma TV (que estaria embrulhada num cobertor, percebendo-se, no entanto, que era uma TV) e a entrar com a namorada pelo Parque L… e ligou de imediato à filha e que esta conseguiu recuperar a TV (assim como o computador e uma máquina fotográfica). Referiu ainda que a demandante ficou muito perturbada com tudo isto, tendo estado muito tempo sem voltar a casa.
E… relatou que o arguido se apresentou numa noite na esquadra, acompanhado por familiares, tendo, nesse contexto, sido elaborados o aditamento e o auto de fls. 3 e 6 e sido recuperados os objectos aí referidos (não se recordando se foi o arguido e a irmã ou apenas esta quem foi a casa a buscá-los).
F… confirmou o teor do aditamento de fls. 11, tendo explicado que foi chamado a esta loja pela demandante, que teria visto um vizinho a tentar vender a sua (da demandante) TV.
Finalmente, H… contou que há cerca de um ano a demandante lhe ligou a contar que a sua casa tinha sido assaltada, que numa 3ª feira pediu à testemunha para ir consigo à polícia, que quando estavam na polícia receberam uma chamada da mãe da C… a dizer que o arguido estava a sair de casa da mãe com um volume enorme, que se lembraram então (a testemunha e a demandante) que havia esta loja em Matosinhos, que vendia coisas em 2ª mão, que foram para lá e a C… foi a correr para a loja e que quando a testemunha chegou o arguido estava a sair a correr e a senhora que o acompanhava estava a dizer que a TV era dela, acabando esta senhora, no entanto, também, por sair.
Ora, conjugada a prova assim produzida, e salientando que o arguido teve acesso às chaves de casa da demandante (quer porque andou a fazer trabalhos em casa da mãe desta, quer porque ajudou na reparação do seu carro, dentro do qual se encontrava uma cópia destas chaves), que a entrada na mesma casa se fez com a respectiva chave (já que nada estava arrombado, forçado ou partido e a demandante tinha deixado a porta fechada à chave), que dois dias depois de a demandante ter dado pelo “assalto” foi encontrar o arguido a tentar vender a sua TV num estabelecimento (tendo o arguido, num primeiro momento, dito que a TV era sua mas abandonado o estabelecimento quando a demandante exibiu documentos comprovativos de que a TV lhe pertencia e disse que ia chamar a polícia), que no dia seguinte foram entregues na esquadra da PSP de …, por iniciativa do arguido, a máquina fotográfica e o computador que tinham sido subtraídos de casa da demandante e que o arguido não apresentou qualquer explicação para estes factos, a única conclusão lógica (a que resulta da normalidade e das regras da experiência comum) a retirar é a de que foi o arguido quem, depois de se ter apoderado da respectiva chave, entrou em casa da demandante e daí retirou os objectos em questão, não tendo, por conseguinte, o Tribunal quaisquer dúvidas de que foi o arguido o autor dos factos que vieram a ser dados como provados. Como, de resto, diga-se, o próprio deu conta ao Sr. Agente da PSP que elaborou o aditamento de fls. 3, não se concebendo outra razão para o ter feito que não seja por ser verdade.
Os factos constantes dos pontos 6 e 7 foram dados como provados por intermediação da prova produzida, nos termos sobreditos, conjugada com as regras da normalidade e da experiência comum.
Os factos enunciados nos pontos 9 e 10 foram dados como provados com base nas declarações da demandante, das testemunhas já referidas D… e H… e ainda da testemunha G… – amiga da demandante que igualmente confirmou que esta ficou muito afectada e assustada com os factos aqui em causa -, tendo-se valorado igualmente os documentos de fls. 112 e 113.
Relativamente à situação económica, profissional e familiar do arguido valorou-se o relatório social de fls. 147 e 148.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido valorou-se o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 133 a 136.
No atinente aos factos dados como não provados, não se fez qualquer prova do facto constante da alínea b), sendo, quanto ao referido na alínea a), que o valor aí indicado resulta, certamente, de erro de cálculo.»
*
O Recorrente impugna a matéria de facto pugnando pela sua alteração, considerando a verificação de erro de julgamento.
Encontrando-se documentada a prova produzida em audiência pode o tribunal de recurso reapreciá-la nos termos da alínea b) do artigo 431º do Código Processo Penal. Com efeito, de acordo com o estatuído no citado preceito “sem prejuízo do disposto no artigo 410°, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: (…) b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3 do artigo 412º”.
A respeito da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal, há que considerar o seguinte:
Como se refere nos doutos acórdãos do S.T.J de 15.12.2005 e de 09.03.2006, Procs. nºs 2951/05 e 461/06, respetivamente, ambos disponíveis in www.dgsi.pt e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».
A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (Neste sentido, acórdão do S.T.J. de 21.01.2003, Proc. nº 02ª4324, também disponível in www.dgsi.pt)
E, como se refere no acórdão desta Relação do Porto de 26.11.2008 de 2008 in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, págs. 176 e segs. «não podemos esquecer a perceção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido diretamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância».
A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores», fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reações, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» - vide, acórdão do S.T.J. de 09.07.2003, Proc. nº 3100/02, disponível in www.dgsi.pt)..
Deste modo, o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.
Quando, no artigo 412º nº 3 al b) do Código Processo Penal, se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.
Lendo as motivações do recurso, delas resulta que o Recorrente pretende o reexame da matéria de facto, procurando apenas contrariar a valoração que sobre a prova produzida foi feita na decisão recorrida, invocando que houve incorreto julgamento da matéria de facto.
Contudo, de acordo com a regra geral contida no artigo 127.º do Código Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Assim, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, a livre apreciação da prova «não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica» - Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal, 12.ª edição, pág. 339.
Sendo «a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» (Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, 1.º volume, pág. 202.) que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional -, impõe a lei (n.º 2 do artigo 374.º do Código Processo Penal) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção (indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correção pelas instâncias de recurso.
Dentro dos limites apontados, o juiz que em 1ª instância goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade.
É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355.º do Código Processo Penal, pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na receção direta de prova.
Como ensina Figueiredo Dias in obra cit. págs. 233-234 só os princípios da oralidade e da imediação «permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais corretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais».
A apreciação da prova processa-se segundo as regras da experiência e a livre convicção (exceção feita à prova vinculada) a significar que a prova deve ser analisada através da formulação de juízos assentes no bom senso e experiên­cia de vida, temperados pela capacidade crítica, o distanciamento e a ponderação adquiri­dos na experiência quotidiana do julgar.
E em sede de apreciação, a prova testemunhal é objeto dum tratamento cognitivo mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova podendo a mesma, tal como a prova indiciária, ser objeto de deduções ou de induções baseadas na correção do raciocínio.
A propósito do artigo 127º refere-se no acórdão de 9.11.95 do TC (Citado no Ac. do TC nº 197/97, publicado no DR., IIª Série de 29.12.98) que «o juiz pressuposto pelo legislador é o juiz responsável, capaz de pôr o melhor da sua inteligência e conhecimento das realidades da vida na apreciação do material probatório que lhe é fornecido».
No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
Não se podem confundir presunções ou situações de dúvida sobre factos com os raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, elaborados pelo julgador a partir de «indícios» ou factos indiretamente relevantes para alcançar a verificação dos «factos juridicamente relevantes». Como refere Karl Engisch, in Introdução ao Pensamento Jurídico, pág. 87 «como a maioria das ações puníveis, no momento do processo, apenas são apreensíveis pelo tribunal através de diferentes manifestações (ou efeitos) posteriores, são principalmente as regras da experiência e conclusões logicamente muito complexas que tornam possível a verificação dos factos».
Assim, como se expende no acórdão do T.C. nº 198/2004 de 24.03.04 in DR., II Série, de 02.06.04, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão» .
Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no artigo 127.º do Código Processo Penal e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.
Por outro lado, importa reter que, ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só é possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º 3 do artigo 412.º) - também neste sentido o acórdão da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível in www.dgsi.pt.
Com efeito, importa não esquecer que “impor decisão diversa da recorrida” não significa “admitir uma decisão diversa da recorrida”. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente. As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.
No caso em apreço, sustenta o Recorrente que, “Face à total ausência de prova, aos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, constante das gravações, nomeadamente os supra transcritos, e conjugação com o relatório pericial de fls._ entendemos que se impunha considerar os citados pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados, como materialidade não provada.”.
Porém, embora impugnando praticamente toda a factualidade provada (só o não faz relativamente à sua situação de vida), acaba por limitar essa impugnação à autoria do crime referindo, em síntese, que “não é possível, face à ausência de prova, dar-se como provado que o Recorrente foi o autor do furto pela qual veio a ser condenado”.
Para assim considerar, o Recorrente identifica e transcreve excertos dos depoimentos de três testemunhas as quais, na verdade e como o próprio afirma, não referiram ter visto o Recorrente a entrar em casa da ofendida e furtar os objetos em apreço; e nem isso o diz a decisão sob escrutínio.
De facto, o tribunal recorrido em parte alguma expressa ter alguém presenciado o Recorrente a entrar em casa da ofendida e daí retirar os objetos que considerou terem sido furtados; o que fez foi um juízo valorativo dos elementos de prova coligidos e devidamente concatenados entre si – testemunhal e documental, conjugados com as regras da lógica e da experiência comum.
E, desde já se adianta, a nosso ver corretamente.
Na verdade, é em situações como a presente que o indício se apresenta de grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas diretas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-jurídico intelectual necessário antes que se gere impunidade.
Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua atuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas diretas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria, na ausência de confissão, a qual, consabidamente, não ocorre a maioria das vezes, o fracasso do processo penal.
Por outro lado, a tese defendida pelo Recorrente levada às últimas consequências, equivaleria a negar ao julgador a possibilidade de se afirmar como ser inteligente; equivaleria a aceitar como limite da atividade jurisdicional a estrita vinculação do julgador às afirmações e negações das testemunhas, prescindindo em absoluto de qualquer juízo crítico, da consideração das regras da experiência ou mesmo do mero aflorar da inteligência relacional, cingindo a gnose judiciária ao sim e ao não ditos em audiência, sem qualquer espaço para a chamada valoração crítica.
Contrariando a extremada exigência probatória dos nossos tribunais, que fatalmente levou à consideração da “prova direta” como único fundamento válido de decisões condenatórias, exigência essa que aqui é defendida pelo Recorrente, escreve Euclides Dâmaso Simões, in “Prova Indiciária – Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente”, Rev. Julgar, nº 2, 2007 «A mais de século e meio de distância são, ainda, de Mittermayer as mais impressivas palavras sobre o tema: (iii) “… o talento investigador do Magistrado deve saber encontrar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio, apoiado na experiência e nos procedimentos que adopta para o exame dos factos e das circunstâncias que se encadeiam e acompanham o crime. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a Providência parece ter colocado à volta do crime para fazer ressaltar a luz da sombra em que o criminoso se esforçou por ocultar o facto principal; são como um farol que ilumina o entendimento do juiz e o dirige até aos vestígios seguros que basta seguir para chegar à verdade».
Como se referiu já supra, face ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal, compete ao tribunal de recurso aferir da legalidade e da bondade do caminho percorrido pelo tribunal recorrido para formar a sua convicção e alcançar o resultado que se traduziu na respetiva decisão em sede de matéria de facto.
Não basta, porém, que numa dada situação se verifique que os factos, considerados na singularidade das suas correlações imediatamente físicas e naturais, e no domínio da possibilidade material ou das projeções de vontade, poderiam não suscitar reparos.
Esta verificação não é bastante para afirmar a integridade do processo racional e lógico de formação da convicção sobre os factos e, por conseguinte, também da inexistência de «erro» na apreciação da prova.
Ora, para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão. Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova diretos, são os procedimentos lógicos para prova indireta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência» - Cfr. Vaz Serra, “Direito Probatório Material”, in BMJ, nº 112, pág. 190.
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (Vaz Serra, ob. e loc. cit.).
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
No caso ora em análise resultam comprovados factos (factos base) que permitem concluir pela existência de outros factos não diretamente provados, mediante recurso lógico e racional e fazendo apelo às regras da experiência e do normal acontecer.
Com efeito, valorando factos conhecidos, à luz do contexto em que ocorreram e com recurso às regras da experiência comum, é possível extrair conclusões relativas a factos que não foram objeto de prova direta, mas que nem por isso poderão deixar de considerar-se como provados.
Ademais, Importa realçar que não foi feita qualquer prova, ainda que indireta, suscetível de infirmar o juízo extraído dos factos indiciantes. Não se mostra, por isso, contrariado o valor probatório dos indícios positivos em que assentou a convicção do tribunal recorrido.
E o tribunal recorrido bem expressa na fundamentação da matéria de facto e que reputamos isenta de reparos, o percurso intelectual percorrido. Basta atentar ao segmento constante na motivação da decisão de facto que se transcreve:
«Ora, conjugada a prova assim produzida, e salientando que o arguido teve acesso às chaves de casa da demandante (quer porque andou a fazer trabalhos em casa da mãe desta, quer porque ajudou na reparação do seu carro, dentro do qual se encontrava uma cópia destas chaves), que a entrada na mesma casa se fez com a respectiva chave (já que nada estava arrombado, forçado ou partido e a demandante tinha deixado a porta fechada à chave), que dois dias depois de a demandante ter dado pelo “assalto” foi encontrar o arguido a tentar vender a sua TV num estabelecimento (tendo o arguido, num primeiro momento, dito que a TV era sua mas abandonado o estabelecimento quando a demandante exibiu documentos comprovativos de que a TV lhe pertencia e disse que ia chamar a polícia), que no dia seguinte foram entregues na esquadra da PSP de …, por iniciativa do arguido, a máquina fotográfica e o computador que tinham sido subtraídos de casa da demandante e que o arguido não apresentou qualquer explicação para estes factos, a única conclusão lógica (a que resulta da normalidade e das regras da experiência comum) a retirar é a de que foi o arguido quem, depois de se ter apoderado da respectiva chave, entrou em casa da demandante e daí retirou os objectos em questão, não tendo, por conseguinte, o Tribunal quaisquer dúvidas de que foi o arguido o autor dos factos que vieram a ser dados como provados. Como, de resto, diga-se, o próprio deu conta ao Sr. Agente da PSP que elaborou o aditamento de fls. 3, não se concebendo outra razão para o ter feito que não seja por ser verdade.»
Destarte, tendo-se o tribunal a quo socorrido da prova indireta e explanando na motivação da decisão de facto o percurso percorrido para chegar à conclusão do facto presumido, como fez, a decisão de facto não merece qualquer censura, pelo que improcede este fundamento do recurso.
Invoca ainda o recorrente ter sido violado o princípio in dubio pro reo.
O princípio do in dubio pro reo apresenta-se como corolário do princípio da presunção de inocência decorrente do artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa. Em obediência a tal princípio, impõe-se que, em caso de dúvida acerca de factos referentes ao objeto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, págs 50 e 51).
Afirmando-se tal princípio relativamente à prova, implica que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal.
«Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido (…) com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dúbio pro reo». - Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, I vol, pág. 213.
Tal não significa, porém, como reclama o Recorrente que, não se tendo produzido prova direta sobre determinados factos, nos moldes descritos e supra expendidos, fique o tribunal condicionado, em obediência a tal princípio, à formulação da sua convicção no sentido da sua não comprovação.
O que a violação deste princípio pressupõe, é um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo esta ser afirmada, quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
A este propósito permitimo-nos citar o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 17/10/2010, relatado pelo Sr. Desembargador Artur Oliveira, disponível in www.gde.mj.pt: «(…) sobre este tema a jurisprudência tem-se apresentado uniforme e constante: o princípio in dubio pro reo pressupõe que, após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos. Não se trata de uma dúvida hipotética ou abstrata, sugerida pela apreciação da prova que o recorrente faz. Trata-se de uma dúvida assumida pelo julgador: só há violação do princípio in dubio pro reo quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece [nesse sentido, Ac. STJ, de 15-07-2008, Processo nº 1787/08-5ª Secção: ”I – A invocação do princípio in dubio pro reo só tem razão de ser se, depois do tribunal a quo reconhecer ter caído num estado de dúvida, contornasse um non liquet decidindo-se, sem mais, no sentido mais desfavorável para o arguido. Mas já não assim se, depois de ultrapassadas as dúvidas que o pudessem ter assaltado, perfilhasse uma determinada convicção e decidisse coerentemente” – in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Secções Criminais, disponível em www.stj.pt]».
No caso vertente e conforme cristalinamente se extrai da motivação da materialidade fáctica constante da sentença recorrida, o tribunal a quo formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova (maxime, segundo o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal) e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à ocorrência e prática dos factos submetidos à sua apreciação que considerou que se provaram.
O tribunal a quo não invocou, na fundamentação da matéria de facto da sentença, qualquer dúvida em que o ora Recorrente praticou os factos que lhe eram imputados (e por isso deu-os como provados).
Ao invés, a motivação da matéria de facto provada denuncia uma tomada de posição inequívoca relativamente aos factos, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal a quo.
Assim, não tendo o tribunal a quo evidenciado quaisquer dúvidas sobre a prática dos factos desfavoráveis ao arguido que vieram a ser dados como provados, naufraga a pretensão do recorrente.
*
Insurge-se ainda o Recorrente quanto à medida da pena em que foi condenado, por entender que a mesma “não é justa nem proporcional, pecando por excessiva”, mais considerando dever ser, de todo o modo, suspensa na sua execução.
Vejamos se, neste aspeto, alguma razão assiste ao Recorrente.
As finalidades das sanções penais são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade não podendo a pena ultrapassar, nunca, a medida da culpa – artigo 40º, nº 1 e 2, do Código Penal.
À defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva, reporta-se a prevenção geral positiva ou de integração, finalidade primeira da pena, no quadro da moldura penal abstrata. Depois, a sua fixação estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Partindo destas considerações gerais, os artigos 70º e segs. do Código Penal estabelecem as regras da escolha e medida da pena.
Dispõe o artigo 71º nº 1 que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Acrescenta o nº 2: “Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
Percorridos estes itens, a medida da pena é-nos dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, ou seja, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente surge a culpa, que indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. - Neste sentido Anabela Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, Abril-Junho de 2002, págs. 147 e segs.
Retornando ao caso concreto, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.
O tribunal recorrido para a fixação da medida da pena considerou o seguinte:
« as exigências de prevenção geral são significativas, considerando o elevado número de crimes contra o património e, especialmente no que ao furto diz respeito, a insegurança e falta de confiança que este tipo de crime induz;
o grau de ilicitude, reflectido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica, é elevado, considerando o modus operandi e o valor dos objectos que o arguido subtraiu;
apenas a TV, o computador e a máquina fotográfica foram recuperados;
o dolo é directo, porquanto o arguido representou claramente o facto criminoso e actuou com intenção de o realizar, tendo tal facto constituído o objectivo primeiro e final da sua conduta;
à data da prática dos factos o arguido já tinha sido condenado pela prática do crime de furto qualificado e sofreu também condenação posterior pela prática do mesmo crime;
encontra-se familiar e profissionalmente integrado..»
Em concordância com o entendimento vertido pelo tribunal recorrido entendemos serem, efetivamente, significativas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que este tipo de crime é cometido e a insegurança que o mesmo gera na comunidade.
E idêntico grau de exigência se verifica no concernente à prevenção especial. De facto, o arguido apresenta já antecedentes criminais pela prática de crimes de furto (sendo cinco de furto qualificado e um de furto simples) pelos quais sofreu quatro condenações, três delas em datas anteriores aos factos ora em apreciação e, uma outra, já posteriormente aos mesmos.
Não pode a este respeito deixar de enfatizar-se encontrar-se o Recorrente, aquando o cometimento do crime destes autos, condenado numa pena de cinco anos de prisão suspensa na sua execução e nem, essa situação foi suficiente para o demover a voltar a delinquir, o que é demonstrativo de uma personalidade atreita ao cometimento de crimes.
A ilicitude revela-se igualmente intensa, face ao modo como o crime foi cometido, aproveitando-se o arguido da relação de confiança existente com a mãe da vítima, sua vizinha e que lhe proporcionou trabalho a levar a efeito no interior da sua residência, tendo o arguido logrado desse modo apoderar-se da chave da casa da ofendida e, na ausência desta, que bem conhecia, aceder ao interior da sua residência e dali retirando e fazendo seus os bens aquela pertencentes e cujo valor global é já relevante, sendo certo que a ofendida apenas recuperou uma TV, uma máquina fotográfica e um computador de um vasto conjunto de bens que lhe forma ilicitamente subtraídos pelo Recorrente.
A culpa assume o grau mais elevado, pois que o arguido atuou com dolo direto.
A seu favor milita a sua atual inserção familiar e profissional, bem como, por sua iniciativa, ter sido feito a entrega na esquadra de …, da máquina fotográfica e do computador que havia furtado e ainda se encontrava em seu poder.
Tudo ponderado, atenta a moldura penal abstractamente aplicável ao crime de furto qualificado – 2 a 8 anos de prisão – consideramos como adequada e proporcional a pena de 3 anos e 3 meses de prisão, justificando-se, assim, a intervenção corretiva deste tribunal.
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Clama, ainda, o Recorrente pela suspensão da execução da pena de prisão.
Preceitua o artigo 50º, n.º1 do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O preceito em referência atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.
Como se salientou no Ac. do STJ de 08.05.97 (Proc. nº 1293/96) «factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir».
Ponto é que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição. Como pode ler-se no Ac. do STJ de 28.07.2007, Proc. nº 1488/07, louvando-se na lição de Figueiredo Dias «O sentido destas é, aliás, nesta sede, o de se imporem como limite às exigências de prevenção especial, constituindo então o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que se não pode prescindir para que não sejam, em último recurso, defraudadas as expetativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos».
Assim, face à factualidade assente, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, o arguido não voltará a cometer novo crime; e ainda que as expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não sairão defraudadas.
Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena; concluindo-se em sentido contrário, deve a mesma ser negada.
É esta também a posição do Supremo Tribunal de Justiça.
A decisão recorrida, pronunciando-se sobre a aplicação da suspensão da execução da pena relativamente ao Recorrente, assim discorre: «o arguido praticou os factos aqui em causa (bem como os factos por que veio a ser condenado no processo nº 154/16.4GAPVZ) em pleno período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe tinha sido aplicada – por decisão transitada em julgado em Janeiro de 2016, ou seja, apenas uns dias antes dos factos objecto do presente processo - exactamente pela prática do mesmo crime. Assim sendo, o Tribunal entende que, em relação a este arguido, não produziu quaisquer efeitos a pena de prisão suspensa, motivo pelo qual não pode suspender a pena de prisão agora aplicada.
Ou seja, e em suma, o Tribunal considera que não foram suficientes nem surtiram qualquer efeito as anteriores penas aplicadas ao arguido, sendo manifesta a indiferença do arguido perante as penas não detentivas, motivo pelo qual a situação ora em análise reclama a aplicação de uma pena de prisão efectiva.
Sufragamos integralmente o entendimento vertido na decisão em crise.
Com efeito, no caso em apreço, para além de razões de prevenção geral já aludidas, não é possível formular, relativamente ao comportamento futuro do arguido, um juízo de prognose favorável que permita afirmar a capacidade de o mesmo sentir a ameaça a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida e a capacidade de vencer a vontade de delinquir.
Na verdade, o arguido sofreu já quatro condenações, três das quais por furtos qualificado, tendo beneficiado de três penas suspensas na respetiva execução e, não obstante, voltou a delinquir, praticando os factos em apreço no presente processo, em pleno período de suspensão da execução de uma pena de prisão que lhe havia sido aplicada pela prática do mesmo crime, o que é suficientemente revelador de que a suspensão da respetiva execução não surtiu os necessários efeitos dissuasores.
A suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, sem que o mesmo revele uma mudança prospetiva de atitude, seria vista pela comunidade como oportunidade não merecida, além de comprometedora da tutela mínima dos bens jurídicos violados.
Como refere Costa Andrade, in RLJ, 134º, pág.76 «nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia».
Assim, em conclusão, porque a matéria de facto provada não permite estabelecer, antes pelo contrário, afasta a formulação de um juízo de prognose favorável, ou mera expetativa razoável relativamente ao comportamento futuro do arguido e ao grau mínimo de tutela do ordenamento jurídico, carece de fundamento a pretendida suspensão da execução da pena de prisão aplicada na decisão recorrida, pelo que igualmente improcede nesta parte o recurso do arguido.
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Finalmente pretende o Recorrente pela improcedência do pedido de indemnização formulado.
A este respeito refere-se na decisão recorrida:
«A demandante C… deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €4.343,68, a título de danos patrimoniais e da quantia de €750,00 a título de danos não patrimoniais.
Pois bem.
De acordo com o artigo 129º do Código Penal, “a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”, pelo que há que atender ao estatuído nos artigos 483º e seguintes do Código Civil.
Nos termos do artigo 483º, nº 1, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. São, deste modo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, e da consequente obrigação de indemnizar: o facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto (podendo tal ilicitude traduzir-se na violação do direito de outrem, isto é, na infracção de um direito subjectivo, ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios); o nexo de imputação do facto ao agente (ou seja, a culpa, significando agir com culpa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito); o dano (com efeito, o facto ilícito culposo deve ter causado um prejuízo a alguém); e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo que, como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 17/05/93 - proferido no processo nº 9310102, disponível na Internet via www.dgsi.pt. -, “um facto não é causa adequada de um dano desde que seja irrelevante para a sua produção, segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias concretas, conhecidas do agente ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática do facto”).
Quanto à obrigação de indemnização de danos patrimoniais preceitua o artigo 563º do Código Civil que ela só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam sido sofridos se não fosse a lesão - consagrou-se, deste modo, e como já acima se deixou antever, a doutrina da causalidade adequada, assim formulada por Galvão Telles (citado por Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil anotado”, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 578): “determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” - e o artigo 562º que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Estabelece-se, assim, nesta última norma, “(…) como princípio geral quanto à indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural).” Sempre, todavia, que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro, medindo-se o seu montante pela diferença entre a situação (real) em que o credor se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (cfr. o artigo 566º) - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, págs. 578 e 579.
Posto isto, e tendo presente a matéria dada como provada, não restam dúvidas de que o arguido praticou um facto ilícito (violador do direito da demandante de, enquanto proprietária, fazer daquilo que lhe pertence o que quiser, de retirar do que é seu as gratificações ou utilidades correspondentes, direito protegido, nomeadamente, pelo artigo 203º do Código Penal) e culposo (reprovável ou censurável pelo direito, porquanto o arguido podia e devia ter agido de outro modo), tendo tal facto sido causa (adequada) dos danos sofridos pela demandante.
Por outro lado, os transtornos sofridos pela demandante apresentam a dignidade necessária para que sejam tutelados pela ordem jurídica.
Deste modo, verificam-se todos os pressupostos vertidos no artigo 483º, nº 1 do Código Civil, pelo que o arguido/demandado se constituiu na obrigação de indemnizar a demandante pelos danos patrimoniais sofridos.
Impendendo sobre o demandado a obrigação de repor a situação que existiria se não fosse o crime, a indemnização terá que corresponder, precisamente, ao prejuízo económico sofrido. Tal prejuízo ascende ao montante de €2.966,68 – valor dos objectos furtados que não foram recuperados (€7.173,19), deduzido o valor da indemnização paga pela Companhia de Seguros (€4.206,51).
No que toca aos danos não patrimoniais, em conformidade com o artigo 494º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 496º do mesmo diploma, a indemnização é fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpa do agente, à sua situação económica e às demais circunstâncias do caso. Devendo, além disso, e nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil anotado”, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 501), “(…) ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Tudo ponderado, entendemos equilibrada e adequada aos danos sofridos a peticionada indemnização de €750,00.
Pede ainda a demandante a condenação do demandado no pagamento de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Diga-se, todavia, e no que respeita aos danos não patrimoniais que, apesar da subjectividade relativa à questão de saber a partir de que momento se contabilizavam os juros de mora de uma indemnização atribuída por danos não patrimoniais (se desde a data da citação ou desde o encerramento da audiência), o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 9 de Maio de 2002 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 27.06.2002) entendeu que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto no art. 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1 também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”. Deste modo, não sendo os danos não patrimoniais susceptíveis de valores matemáticos exactos, os mesmos foram já calculados segundo um juízo actualista de equidade, conforme o disposto no artigo 496º, n.º 3, do Código Civil, pelo que sendo a quantificação da indemnização reportada à data em que a sentença foi proferida, só a partir daí haverá condenação em juros, até integral pagamento.
Quanto aos danos patrimoniais, dado que o demandado não pagou a quantia em causa apesar de interpelado judicialmente para cumprir, constituiu-se em mora por culpa sua, como se presume, e, por isso, incorreu na obrigação de indemnizar a demandante pelos prejuízos sofridos, nos termos dos artigos 798º e 799º do Código Civil.
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição da mora – artigo 806º, nº 1 do Código Civil -, ou seja, a partir da notificação.».

O Recorrente escora-se, também quanto a esta questão recursiva, na procedência da impugnação da matéria de facto que clamara.
Porém, como já se referiu, não obteve o Recorrente êxito nessa sua pretensão.
Assim, face à falência da pretensão do Recorrente e mantendo-se inalterada a matéria de facto, encontra-se prejudicada esta suscitada questão.
O Recorrente, porém, admitindo a inalterabilidade da matéria de facto nos termos impugnados, contesta a quantidade dos bens e respetivos valores considerados pelo tribunal a quo como tendo sido furtados à demandante.
Nesta parte recursiva, contudo, não invoca o Recorrente, como se lhe impunha nos termos do pré-citado artigo 412º, nº 3 al b) do Código Processo Penal, quais as provas em que se estriba para a impugnação que efetua, limitando-se a uma genérica invocação da sua discordância.
Daí que, verificando-se os pressupostos ínsitos no artigo 483º do Código Civil, como bem explana a sentença recorrida, terá o demandado de ser condenado ao ressarcimento dos danos sofridos pela demandante, improcedendo também o recurso neste segmento.
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III – Decisão:
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por B… condenando-o pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, confirmando-se, no mais, a decisão recorrida.

Sem tributação.
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Porto, 28 de fevereiro de 2018
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(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artigo 94 nº2 do Código Processo Penal)
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Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves