Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1053/15.2T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: DESPEDIMENTO
DECLARAÇÃO DE VONTADE
DECLARAÇÃO DE SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
Nº do Documento: RP201610101053/15.2T8VLG.P1
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 246, FLS.137-SS.)
Área Temática: .
Sumário: I - As conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
II - O despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.
III - Para que exista um despedimento, embora ilícito, porque não precedido do procedimento legalmente previsto, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.
IV - Essa declaração deve ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, o qual é apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador.
V - A declaração de situação de desemprego apresentada pela Ré junto da segurança social é, um mero elemento de prova, sujeito à livre apreciação do juiz, segundo a sua prudente convicção (art.º 607.º n.º5, CPC), nessa ponderação levando em conta, necessariamente, a demais prova produzida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 1053/15.2T8VLG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca de Comarca do Porto, Valongo - Inst. Central, B…, intentou a presente acção declarativa com a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C…, Unipessoal, Lda, a qual veio a ser distribuída à 4 ª Sec. Trabalho – J2, deduzindo contra esta os pedidos seguintes:
1) Seja declarado ilícito o despedimento do A., operado pela R. em 06/03/2015;
2) Se condene a R. a pagar ao A.:
A) As retribuições que deixou de auferir desde 06/03/2015 até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos que declare a ilicitude do despedimento, liquidando-se, na data da instauração da acção, em 1.575,00€;
B) A indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 35 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, devendo ser considerado o tempo que decorrer até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos presentes autos, liquidando-se, na mesma data, em 9.450,00€;
C) A retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano civil da cessação do contrato de trabalho, considerando-se tal na data do trânsito da decisão a proferir nos presentes autos.
D) Os juros calculados à taxa legal sobre as verbas pedidas nos pontos anteriores, desde a data de vencimento de cada uma das parcelas.
Para sustentar os pedidos alega Autor, em síntese, que foi admitido pela ré, mediante um contrato de trabalho, em 22.06.2009, tendo prestado trabalho à ré, exercendo as funções inerentes à categoria de oficial de primeira, e mediante retribuição – especificando a que recebia em 2015 -, até 06.03.2015.
Nessa data, alega, a ré despediu-o verbalmente.
Procedeu-se à audiência de partes, nos termos previstos no art.º 55.º do CPC, mas sem que se tenha logrado obter o acordo.
Regularmente citada, a Ré veio apresentar contestação. Em suma, aceitando que celebrou com o autor o invocado contrato de trabalho, nega que o tenha despedido. Contrapõe, ainda, que devido às dificuldades que a empresa vinha atravessando, autor e ré entabularam conversações com vista à cessação por acordo do contrato de trabalho que os ligava, tendo chegado a consenso para o efeito, mas que o autor – faltando à palavra dada – não compareceu para “formalizar/assinar” esse acordo, deixando de comparecer nas instalações da ré.
Deduziu reconvenção, invocando como fundamento do pedido reconvencional formulado, no essencial, o abandono do trabalho por parte do autor e a falta de aviso prévio, bem assim que os seus serviços administrativos, por lapso, efectuaram transferências de dinheiro, que não lhe era nem é devido, para a conta bancária do autor.
O autor respondeu, pugnando desde logo pela inadmissibilidade da reconvenção. Para além disso, contesta os fundamentos alegados pela ré para o pedido que contra si deduz.
Pediu a condenação da ré como litigante de má-fé.
A reconvenção não foi admitida, tendo-se proferido despacho a absolver o autor da instância reconvencional.
Proferiu-se despacho a reconhecer a validade e a regularidade da instância, julgando-se verificados os necessários pressupostos processuais.
Na consideração de que a selecção da matéria de facto não se afigura tarefa de grande complexidade, ao abrigo do disposto no art. 49.º n.º 3 do C.P.T., foi dispensada a organização da base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância das legais formalidades.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, integrando a decisão sobre a matéria de facto, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Pelo exposto, decide-se:
Julgando parcialmente procedente a acção, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 742,50 (setecentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal, a calcular desde 06.03.2015 até efectivo e integral pagamento.
Quanto ao mais, absolve-se a ré do pedido.
Custas pelo autor e pela ré, na proporção do respectivo decaimento.
(..)».
I.3 Inconformado com essa decisão o autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1) O presente recurso é admissível nos termos do disposto no art. 629º, n.º 1 do CPC, art. 79º, a), do CPT, na medida em que na presente ação está em causa o despedimento do A. enquanto trabalhador da R..
2) Foram incorretamente julgados os factos constantes dos arts. 14º e 15º da Petição Inicial e do art. 19º da Contestação.
3) Tendo em devida consideração os meios probatórios constantes do processo e gravação nele realizada, designadamente:
a. O Comprovativo de Declaração de Situação de Desemprego enviado pela R. à Segurança Social, junto com a Petição Inicial e o Doc. n.º 4, junto com a Resposta à Contestação;
b. O depoimento/declaração de parte da R. prestado pela sua sócia gerente de D… gravado em 09-12-2015, 15:17:38, nas passagens: I) 03:20 – 04:00; II) 04:14 – 04:22; III) 04:56 – 05:10; IV) 05:20 – 05:28; V) 06:20 – 06:37; VI) 15:05 – 15:23; VII) 6:24 – 16:40; VIII) 17:56 – 18:12; IX) 18:30 – 18:40; X) 24:56 – 26:00; XI) 28:57 – 29:07; XII) 32:15 – 32:38.
c. O depoimento da testemunha E…, gravado em 17-12-2015, 11:02:12, nas passagens: I) 06:22 – 07:22.
d. Ainda o depoimento desta mesma testemunha E…, gravado em 17-12-2015, 11:21:51, nas passagens: I) 00:25 – 03:38;
e. O depoimento da testemunha F…, gravado em 17-12-2015, 11:11:21, nas passagens: I) 06:00 – 08:24; II) 09:40 – 10:22.
f. O depoimento da testemunha G…, gravado em 17-12-2015, 11:30:13, nas passagens: I) 01:40 – 03:50; II) 04:38 – 06:50; III) 10:00 – 12:00.
4) Resulta do Comprovativo de Declaração de Situação de Desemprego enviado pela R. à Segurança Social, junto com a Petição Inicial e do Doc. n.º 4, junto com a Resposta à Contestação, que a R. declarou à Segurança social, às 10 horas do dia 06/03/2015, ter feito cessar o contrato de trabalho que tinha com o A., nessa mesma data, por sua iniciativa, por extinção do posto de trabalho;
5) Resulta do depoimento/declaração de parte da R., nos segmentos supra indicados:
a. que, por decisão da R., no dia 06/03/2015, o A. deixaria de pertencer aos quadros da empresa, iria-se embora e iria para o fundo de desemprego;
b. que o A. entrou em gozo de férias no período imediatamente anterior a 06/03/2015 para que ao valor da indemnização a que tinha direito fosse descontado o pagamento das férias;
c. que no dia 06/03/2015, o A. iria à empresa receber os seus direitos e seguir a vida dele;
d. que no dia 06/03/2015 comunicou à Segurança Social a cessação do contrato de trabalho do A. por extinção do posto de trabalho e entregou ao A. o comprovativo dessa comunicação;
e. que houve uma reunião antes do despedimento do A., entre a R. e todos os seus trabalhadores, onde aquela, na pessoa da sua sócia gerente, expôs as condições em que a firma se encontrava e lhes comunicou que alguns deles iriam ser despedidos;
f. que a R. teria que optar entre encerrar a empresa ou mandar embora alguns funcionários, entre eles o A.;
g. que a R. comunicou ao A. individualmente essa sua decisão.
6) Resulta do depoimento da testemunha E…, nos segmentos supra indicados:
a. que o A. foi chamado pela R. e foi-lhe comunicado que seria despedido e que, por via disso, foi gozar férias obrigatoriamente;
b. que, em reunião ocorrida entre a R. e todos os seus trabalhadores, aquela, na pessoa da sua sócia gerente, anunciou que teria que mandar embora as pessoas que ganhavam mais na empresa e que uma dessas pessoas era o A. pois era um dos que ganhava mais.
7) Resulta do depoimento da testemunha F…, nos segmentos supra indicados:
a. Que numa reunião existente entre a R. e todos os seus trabalhadores, antes do despedimento do A., aquela, na pessoa da sua sócia gerente, anunciou que o A. teria que se ir embora, iria ser despedido.
8) Resulta do depoimento da testemunha G…, nos segmentos supra indicados:
a. Que numa reunião existente entre a R. e todos os seus trabalhadores, antes do despedimento do A., aquela, na pessoa da sua sócia gerente, anunciou que teria que mandar embora os trabalhadores que ganhavam mais e que o A. era um dos visados;
b. Que o A. iria de férias e depois seria despedido.
9) Impunha-se que o tribunal de 1ª instância, em face da prova produzida e fazendo recurso às presunções judiciais e regras da experiência, se fosse necessário, desse como provado, em relação ao alegado pelo A. nos arts. 14º e 15º da sua Petição Inicial, que “Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, fez cessar o contrato de trabalho vigente, despedindo o A.” e “Justificou tal despedimento, com a extinção do posto de trabalho do A.”;
10) E em relação ao alegado pela R. no art. 19º da Contestação, que desse como provado que “Nessa reunião foi também dito e explicado a todos os trabalhadores pela sócia-gerente da R. que a situação só era possível de ser ultrapassada, pelo menos no imediato, baixando os custos da empresa, o que passaria pela inevitável diminuição dos postos de trabalho” com o esclarecimento de que “a diminuição dos postos de trabalho passaria pelo despedimento de alguns trabalhadores, nos quais se incluía o A.”.
11) Da matéria de facto provada, sem prejuízo das conclusões anteriores, sempre resultaria que a R., através de declaração tácita, despediu o A., ou seja, que houve um despedimento de facto.
12) Um declaratário normal, colocado na posição do A., ao receber das mão da gerente da R., um comprovativo da Declaração de Situação de Desemprego (Mod. RP 5044 – DGSS) que esta apresentou à Segurança Social e do qual consta que despediu o A. por extinção do seu posto de trabalho, por sua iniciativa (da R.), num quadro circunstancial, em que a gerente da R. já tinha previamente anunciado que iria proceder a despedimentos e que um dos visados seria o A., não pode deixar de entender do comportamento da R. outra coisa que não seja a intenção de despedi-lo.
13) Tanto mais que o formulário Mod. RP 5044 – DGSS contempla todas as hipóteses para a cessação do contrato de trabalho, entre elas a extinção do posto de trabalho por iniciativa do empregador e a revogação por acordo, tendo a R. assinalado, como motivo para a cessação do contrato de trabalho, a extinção do posto de trabalho do A., por sua iniciativa (da R.).
14) Não entendendo desta forma, o Meritíssimo Juiz da primeira instância fez uma errada interpretação e aplicação dos arts. 217º, n.º 1, segunda parte e 236º, n.º 1, ambos do Código Civil.
15) Por outro lado, o Meritíssimo juiz não teve em devida conta o disposto nos arts. 43º, 73º, 85º, n.º 3, do DL n.º 220/2006, de 3 de novembro; nem o Despacho nº 13263/2013, de 3 de outubro, D.R. (II série) de 17 de outubro que aprovou o formulário Mod. RP 5044 – DGSS; nem o conteúdo deste formulário.
Conclui pedindo a procedência do recurso e a consequente revogação da sentença recorrida.
I.4 A Recorrida apresentou contra alegações finalizadas com as conclusões seguintes:
I. Não é legalmente possível e a R. opõe-se à junção aos autos do documento que acompanha as doutas alegações do A., uma vez que não o consente o disposto nos artigos 423º, 425º e 651º nº 1, todos do C. P. C.;
II. Inexiste qualquer erro de julgamento da matéria de facto no tocante a esta parte relacionada com os artigos 14º e 15º da p. i. e com o artigo 19º da contestação da R., sendo certo que aquilo que ocorreu foi antes um nítido e indiscutível insucesso da prova que o A. se propôs fazer (e do seu ónus), particularmente quanto ao por si alegado despedimento verbal de que disse ter sido alvo no dia 6 de Março de 2015;
III. Com efeito, tanto do seu depoimento de parte como especialmente das suas declarações de parte transcritas em parte nestas linhas (estas últimas tomadas no final de toda a restante produção de prova a que, aliás, assistiu) decorre uma evidente ausência de qualquer conflitualidade (ou mesmo de um simples desconforto) entre A. e R. que a situação de ruptura (e, mais ainda, de surpresa) como aquela avançada naqueles itens 14º e 15º petitório faria seguramente antever, mais não fosse por razões de lógica e de experiência comum;
IV. Além de que, e nessa linha, o A. confirmou (pelo menos isso) a existência de prévias negociações com a sua então entidade patronal (bem como, e nesse contexto, de outras opções/propostas colocadas à sua consideração) no sentido da cessação do contrato por mútuo acordo com base na extinção do posto de trabalho atentas as consabidas e manifestas dificuldades financeiras da R. (negociações que, no entendimento da R., até foram concluídas), não se manifestou e/ou protestou em momento algum contra o teor do documento/declaração que junta e do qual expressamente consta a existência de um acordo, sendo ainda de realçar que até se serviu desse documento por ele (ou por outrem) não contestado para requerer a concessão de subsídio de desemprego;
V. Acresce ser totalmente indesmentível que os concretos meios probatórios de que o A. se serve para criticar e, supostamente, abalar a decisão do Tribunal a quo sobre estes itens da matéria de facto não permitem que a sua tese alcance o por si pretendido, pois que, por um lado, o “famoso” print (um documento dirigido a entidade terceira, como bem se diz na decisão) é pelo menos frontal e visivelmente contrariado pelo conteúdo da declaração a que se fez referência, e, por outro, de acordo, aliás, com o seu próprio depoimento de parte/declarações de parte, mais ninguém (excepto ele próprio e a sócia-gerente da R. que negou peremptoriamente a(s) sua(s) versão(ões) dos factos, mas também, ao que se percebe, o marido desta que – lembre-se - confirmou a existência de um acordo) esteve presente no dia 6 de Março de 2015, data do alegado despedimento verbal expresso;
VI. É ainda de saudar integralmente a fundamentação da douta sentença naquela parte que considera que nem sequer se verifica(ou) uma declaração tácita de despedimento do A. (e, obviamente, muito menos a declaração expressa do dia 6 de Março de 2015 alegada pelo A.), mas também naqueloutra parte respeitante à constatação que faz (e, pelo antes dito, tinha de fazer) de não ter o A. cumprido, como se propôs (e consta, de resto, do artigo 342º do Cód. Civil), o ónus da prova dos factos constitutivos do direito por ele invocado;
VII. Por tudo isso, e porque manifestamente a sentença não viola qualquer um dos normativos legais que o A. chama à colação nas suas alegações de apelação, deverá ser julgado totalmente improcedente este recurso do A., assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.
I.5 O Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido de não ser atendida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e pela improcedência do recurso no que concerne a alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos provados, na consideração de que “também não foi feita prova de que houve um despedimento tácito, como alega o apelante em sede de recurso, porque a declaração feita pela ré no modelo RP 5044 – DSS [de que tina despedido o autor por exinção do posto de trabalho], tendo como destinatário a segurança social (terceiro) não faz prova plena de que ela tenha, na verdade, procedido, ou pretendido proceder, ao despedimento do autor e que o tenha feito com invocação dessa causa, sendo qe, nesta parte, o documento está sujeito à livre apreciação do julgador”.
I.5.1 O recorrente autor respondeu ao parecer do Ministério Público, reiterando a posição defendida no recurso.
I.6 Foram cumpridos os vistos legais, apresentado o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinado que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Admissão de documento
Como questão prévia coloca-se a questão de saber se pode ser admitido o documento junto pelo recorrente autor com as alegações.
Com o requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações, o A. juntou um documento, em concreto, um exemplar de “DECLARAÇÃO DE SITUAÇÃO DE ESEMPREGO”, mencionando no corpo daquelas que “[E]ste formulário pode ser obtido no sitio da internet www.seg-social.pt, consta do Despacho nº 13263/2013, de 3 de outubro, D.R. (II série) de 17 de outubro, e junta-se com a presente alegação para melhor compreensão”.
Opõe-se a recorrida à admissibilidade do aludido documento, sustentando que a sua junção não possível, uma vez que não o consente o disposto nos artigos 423º, 425º e 651º nº 1, todos do C. P. C. (conclusão 1).
Vejamos então.
Em princípio a junção de documentos deve ser feita com o articulado em que se alegam os factos que constituem fundamento da acção ou da defesa (n.º1, do art.º 423.º do CPC). A lei permite, também que a junção seja feita até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que não os pode oferecer com o articulado (n.º 2, do mesmo artigo 423.º). Para além disso, a junção documentos é ainda possível após o limite temporal estabelecido naquele n.º2, mas restringida àqueles cuja “apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (n.º3, do mesmo art.º 423.º).
Por seu turno, o art.º 425.º /CPC dispõe que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Da conjugação destas disposições resulta, pois, que a regra é a junção de documentos na 1.ª instância, com a amplitude permitida no art.º 423.º.
Em consonância com esse princípio, o art.º 651.º do CPC, no seu n.º1, vem estabelecer que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Assim, a apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excepcional, dependendo de não ter sido possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva) ou, numa segunda ordem de casos, quando a sua junção se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
No que respeita à junção fundada no facto do documento se ter revelado necessário em face da decisão da 1.ª instância, é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a mesma deve ser recusada quando os documentos visem provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não lhe servindo de pretexto invocar a surpresa quanto ao sentido da decisão [António Abrantes Geraldes, Recursos No Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 185].
No mesmo sentido, reportando-se a pretérito CPC, observam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ser «(..) evidente que (..) a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão proferida» [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, pp. 531 a 534].
Ao recorrente cabe justificar a apresentação dos documentos nesta fase, de modo a permitir o julgamento sobre a admissibilidade, necessariamente enquadrada numa daquelas possibilidades.
No caso vertente, a justificação apresentada – “para melhor compreensão” de argumentos esgrimidos pelo recorrente na alegação, designadamente para sustentar a impugnação da matéria de facto - não se enquadra em qualquer uma das situações em que é admissível a junção de documentos.
Como bem refere a recorrida nas suas alegações, se porventura o recorrente autor «(..) entendia que a junção desse documento era importante para a sua pretensão probatória (ou, como só agora diz, “(…) para melhor compreensão”) devia tê-lo juntado até ao limite processualmente admissível».
Assim, à luz da disciplina enunciada, mormente o estabelecido no n.º1 do art.º 651.º CPC, impõe-se rejeitar a admissão do documento em causa por falta de justificação atendível.
Concluindo, rejeita-se a junção do documento requerida pelo Apelante.
E, configurando a situação um incidente processual anómalo, importará condená-lo nas respectivas custas, fixando-se a TJ em 1 UC.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelo recorrente para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova produzida, ao considerar não provado o alegado nos artigos 14º e 15º da Petição Inicial e provado o artigo 19º da Contestação (conclusões 1 a 10).
ii) Na aplicação do direito aos factos provados, pois “ sempre resultaria que a R., através de declaração tácita, despediu o A., ou seja, que houve um despedimento de facto” [conclusões 11 a 15).
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo considerou encontrarem-se provados os factos seguintes:
Da petição inicial:
1 – O A. foi admitido como trabalhador ao serviço da R. para prestar a sua actividade, no âmbito da organização e sob a autoridade, orientação e disciplina da R., exercendo as funções inerentes à categoria profissional de oficial de primeira, na sede da R.. (do art. 1.º)
2 - A R. era quem beneficiava da actividade prestada pelo A.. (do art. 2.º)
3 - A actividade prestada pelo A. era realizada na sede da R.. (do art. 3.º)
4 - Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo A. pertenciam à R.. (do art. 4.º)
5 - A actividade do A. era prestada em horário fixado pela R., observando horas de início e de termo da prestação. (do art. 5.º)
6 - Sendo-lhe paga, como contrapartida da mesma, uma retribuição mensal certa, a que acresciam os subsídios de férias e de Natal de igual montante. (do art. 6.º)
7 - A R. estava organizada numa estrutura hierarquizada, na qual exercia as funções de gerente D…, praticando efectivamente todos os actos de gestão da R., entre os quais o de dar ordens e instruções ao A. respeitantes à execução e disciplina do trabalho. (do art. 7.º)
8 - O A. integrou-se nessa organização da ré. (do art. 8.º)
9 - O A. foi admitido como trabalhador em 22/06/2009. (do art. 9.º)
10 - Prestou essa actividade de forma continuada e ininterrupta desde essa data até 05/03/2015, sem prejuízo de desde o dia 02/02/2015 até ao dia 05/03/2015, ambos inclusive, o autor se ter encontrado de férias. (do art. 10.º)
11 - Como contrapartida da actividade prestada, era paga pela R. ao A., com referência ao ano de 2015, mensalmente, a retribuição base de 1.350,00€ à qual acrescia, a título de subsídio de refeição, 6,75€ por cada dia de trabalho efectivamente prestado e 1/12 de subsídio de féria e subsídio de natal (1/12 x 1.350€ x 2 = 225,00€). (do art. 11.º)
12 - Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, entregou ao autor um documento escrito, intitulado de “DECLARAÇÃO”, emitido pela ré, datado desse mesmo dia, e não assinado, documento esse conforme cópia que consta de fls 9 v. e cujo conteúdo aqui se dá por integramente reproduzido, nomeadamente que a ré aí fez constar que “declara que o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado no dia de hoje, 6 de Março de 2015, com o Exmo Senhor B… por mútuo acordo, se encontra compreendida nos limites estabelecidos na alínea a) do n.º 4 do art. 10.º do Decreto – Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, bem como declara que informou o referido trabalhador desse facto”. (dos art.s 14.º e 15.º)
13 - Nessa mesma data, a R. comunicou à segurança social a cessação do contrato de trabalho do A., invocando como motivo da mesma a extinção do posto de Trabalho. (do art. 16.º, e também do art. 38.º da contestação).
14 - E entregou ao A. o comprovativo dessa comunicação. (do art. 17.º)
15 – A ré não promoveu qualquer procedimento com vista ao despedimento do autor, designadamente o procedimento previsto para o despedimento por extinção do posto de trabalho. (dos art.s 18.º e 19.º)
Da contestação:
16 – No dia 06/03/2015 o autor apareceu na empresa, altura em que lhe foram entregues os documentos mencionados em 12 e 14, pelo menos. (dos art.s 6.º, 9.º e 33.º e 34.º)
17 - Posteriormente ao dia 6 de Março de 2015 (exclusive) o A. não mais esteve nas instalações e sede da R. ou ali se deslocou, ainda que de passagem. (do art. 7.º)
18 - No dia 9 de Janeiro de 2015, teve lugar nas instalações da R. uma reunião que contou com a presença de todos os trabalhadores da empresa, A. incluído. (do art. 15.º)
19 - Nessa reunião, a sócia - gerente da R. apresentou a todos os trabalhadores (ao A. também) as contas da empresa dos últimos três anos e particularmente mostrou a evolução (muito negativa) das vendas (e logo da facturação) desse período. (do art. 16.º)
20 - As vendas da R. bem como os resultados destas, nomeadamente na facturação da empresa, tinham registado uma trajectória descendente nesse período de tempo, a que não era estranha a circunstância de muitos dos seus clientes operarem na área da construção civil, sector de actividade este que atravessou (e atravessa) ainda uma grave crise. (do art. 17.º)
21 - Apesar de a R. ter procurado diversificar a sua área de actuação e diversificar também e nessa medida a sua oferta, o declínio da saúde financeira da empresa foi demonstrado e explicado a todos os trabalhadores da empresa (A. incluído). (do art. 18.º)
22 - Nessa reunião foi também dito e explicado a todos os trabalhadores pela sócia - gerente da R. que a situação só era possível de ser ultrapassada, pelo menos no imediato, baixando os custos da empresa, o que passaria pela diminuição dos postos de trabalho. (do art. 19.º)
23 - Pois que já não se justificava e nem era necessária a manutenção integral da força de trabalho da empresa e dos respectivos custos fixos. (do art. 20.º)
24 - Ainda nessa reunião, a sócia - gerente da R. propôs aos trabalhadores que se aguardasse até ao final desse mês de Janeiro de 2015 na expectativa de algo mudar na actividade e saúde financeira da empresa, mormente no respeitante às vendas. (do art. 21.º)
25 - No dia 30 de Janeiro de 2015 teve lugar na sede da R. uma outra reunião, reunião essa onde estiveram presentes o A. e também a sócia - gerente da R. (do art. 22.º)
26 - Não ocorreu durante esse mês de Janeiro de 2015 qualquer alteração positiva na situação da empresa e particularmente quanto à diminuição de vendas e de encomendas e de trabalho. (dos art.s 23.º e 24.º)
27 - A R. abordou o A. no sentido de envidar esforços para lhe arranjar emprego numa outra empresa (H…, Lda.) ao que o A. não aquiesceu. (do art. 28.º)
28 - O A. gozou as suas férias entre os dias 2 de Fevereiro de 2015 e 5 de Março de 2015. (do art. 31.º)
29 – Essa não era a “época normal” de gozo de férias, sendo que a empresa encerra habitualmente duas semanas no mês de Agosto, como, aliás, estava programado, o A. bem o sabia e aconteceu. (do art. 32.º)
30 - No dia 9 de Março de 2015 a R. tentou por várias vezes o contacto telefónico com o A., contudo a R. não conseguiu contactar o A. nesse dia 9 de Março de 2015 ou em qualquer outro posterior a esse. (dos art.s 41.º e 42.º)
31 – Foi atribuído subsídio de desemprego ao autor, pelo período de 840 dias, com início em 07.03.2015 e com data de término provável em 06.07.2017, sendo que no período de 07.03.2015 a 06.09.2015 o valor diário do subsídio de desemprego foi de € 26,69/valor mensal de € 800,70, e a partir de 07.09.2015, e até à indicada data de término provável, o valor diário passou a ser de € 24,02/valor mensal de € 720,60. (da instrução do processo)
O Tribunal a quo assinalou, ainda, que não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente não se provou, da petição inicial, que a sócia – gerente da ré tenha produzido alguma declaração verbal comunicando ao autor que estava despedido, como este alega em 14.º, nem o pagamento de retribuições alegado em 31.º, nem se provou, da contestação, o alegado em 25.º, 26.º, 27.º, 29.º, o acordo alegado em 30.º, que a entrega ao autor do documento referido em 33.º tenha ocorrido no dia 5 de Março, que nesse dia ou noutro a ré tenha entregado ao autor o documento que menciona em 34.º (“minuta”), e bem assim o alegado nos artigos 35.º, 36.º (sem prejuízo de se ter provado que o autor compareceu nas instalações da ré no dia 6 de Março de 2013) 37.º e 39.º.
E, consignou, no que tange à matéria do art. 4.º da contestação provou-se o que resulta da resposta ao art. 10.º da PI (ponto 10 da matéria de facto).
II.2 Reapreciação da matéria de facto
Insurge-se o A. quanto à decisão que procedeu à fixação dos factos provados, defendendo que o tribunal a quo errou o julgamento na apreciação da prova produzida, ao considerar não provado o alegado nos artigos 14º e 15º da Petição Inicial e provado o artigo 19º da Contestação (conclusões 1 a 10).
Por seu turno, a recorrida nada opõe ao recebimento da impugnação, mas contrapõe argumentos no sentido de defender que o Tribunal a quo fez uma correcta apreciação e valoração da prova produzida.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Contudo, como também observa o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter” [Op. cit., p. 235/236].
Com efeito, o art.º 640.º do NCPC, correspondente ao art.º 685.º B, do anterior diploma, impõe ao recorrente que pretenda ver reapreciada a matéria de facto o ónus de impugnação, cujo cumprimento exige a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas conclusões, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Vale isto por dizer, no que se refere à indicação dos meios probatórios, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto não se basta com a mera indicação genérica da prova que, na perspectiva do recorrente, justificará uma decisão diversa da impugnada. É necessário que o recorrente concretize não só os pontos da matéria de facto sobre que recai a discordância, mas também que especifique quais as provas produzidas que, por incorrectamente consideradas, deveriam levar a outra decisão. E, para além disso, quando esse for o meio de prova, é também necessário que o recorrente indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações. Como elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-02-2010, “não se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza nas conclusões tudo o que alegou no corpo alegatório e preenche os requisitos enunciados no art. 690º-A, nº1, als. a) e b) e nº2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara. Esta consideração não dispensa, todavia, o recorrente de nas conclusões fazer alusão àquela pretensão sobre o objecto do recurso, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados (..)” [Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].
O mesmo entendimento é seguido, entre outros, nos recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2015, [Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS]; de 19/02/2015 [proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES] e de 12-05-2016 [Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES], todos eles disponíveis em www.dgsi.pt].
Importa, pois, começar por apreciar e decidir se o recorrente observou com a suficiência mínima, quer nas conclusões quer nas alegações, os apontados ónus de impugnação.
No que respeita às conclusões, constata-se que o recorrente cumpriu o que a jurisprudência assinalada vem entendendo ser exigível, dado que concretiza quais os facto que pretende ver reapreciados e em que sentido, na sua perspectiva, deverão considerar-se provado, afirmando ainda com suficiente clareza quais os meios de prova em que sustenta a sua divergência relativamente à decisão recorrida.
O mesmo é de dizer quanto à prova testemunhal, dado que não só os indica individualizadamente os testemunhos, como também menciona quais os extractos que entende relevantes e, para além disso, observa a imposição de proceder à indicação com precisão das passagens da gravação em que os mesmos se encontram.
Em suma, entende-se que o recorrente cumpriu s ónus de impugnação estabelecidos no art.º 640.º CPC, nada obstando à reapreciação da matéria de facto.
II.2.1 Recorrendo às alegações para melhor se compreender o essencial da pretensão do recorrente, releva deixar aqui transcrito o extracto seguinte:
O A. alegou, nos arts. 14º e 15º da sua Petição Inicial, que:
a) No art. 14º - “Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, fez cessar o contrato de trabalho vigente, despedindo verbalmente o A..”
b) No art. 15º - “Justificou tal despedimento, com a extinção do posto de trabalho do A..”
O Meritíssimo Juiz do tribunal da 1ª instância, julgou não provados os factos alegados nestes artigos.
No entendimento do A., o Meritíssimo Juiz do tribunal da 1ª instância deveria ter julgado provado que “Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, fez cessar o contrato de trabalho vigente, despedindo o A..” e que “Justificou tal despedimento, com a extinção do posto de trabalho do A..”
Por outro lado, a R. alegou no art. 19º da sua Contestação que:
Nessa reunião foi também dito e explicado a todos os trabalhadores pela sócia-gerente da R. que a situação só era possível de ser ultrapassada, pelo menos no imediato, baixando os custos da empresa, o que passaria pela inevitável diminuição dos postos de trabalho.”
O Meritíssimo Juiz do tribunal da 1ª instância, julgou provados os factos alegados neste artigo.
No entendimento do A., o Meritíssimo Juiz do tribunal da 1ª instância deveria ter julgado provado esses factos com o esclarecimento de que a diminuição dos postos de trabalho passaria pelo despedimento de alguns trabalhadores, nos quais se incluía o A».
II.2.2 Antes de nos debruçarmos sobre os fundamentos do recorrente, importa começar por deixar duas notas.
A primeira para assinalar que o Tribunal a quo deu como provado um facto, decorrente do alegado nos artigos 14 e 15 da PI, que o recorrente impugna, inculcando a ideia que nada foi considerado provado. Com efeito, como mencionado na sentença, o facto provado 12 resulta do alegado naqueles artigos da PI, nele constando o seguinte:
12 - Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, entregou ao autor um documento escrito, intitulado de “DECLARAÇÃO”, emitido pela ré, datado desse mesmo dia, e não assinado, documento esse conforme cópia que consta de fls 9 v. e cujo conteúdo aqui se dá por integramente reproduzido, nomeadamente que a ré aí fez constar que “declara que o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado no dia de hoje, 6 de Março de 2015, com o Exmo Senhor B… por mútuo acordo, se encontra compreendida nos limites estabelecidos na alínea a) do n.º 4 do art. 10.º do Decreto – Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, bem como declara que informou o referido trabalhador desse facto”.
Portanto, em bom rigor, o que o A. pretende é ver alterada essa resposta explicativa, eliminando-a, para ser substituída nos termos que propõe.
A segunda nota serve para deixar aqui transcrita a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto do Tribunal a quo, embora cingindo-nos à parte aqui relevante, isto é, no que respeita aos factos impugnados. Assim, para além do mais, dela consta o seguinte:
-«(..)
Quanto à demais matéria de facto que com referência à PI consideramos provada – matéria referente aos artigos 10.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º - tivemos em especial consideração, para a convicção que formamos, o depoimento e as declarações de parte da legal representante da ré e bem assim o depoimento e as declarações de parte do próprio autor.
Assim, a legal representante da ré, D…, embora não fosse peremptória na identificação do dia em que entregou os documentos em causa ao autor como sendo o dia 06.03.2015, admitiu que fosse este (e sempre o situou, de qualquer forma, ou antes do final do gozo das férias pelo autor mas num dos últimos dias ou logo após o términus das férias, e confirmou que o último dia de férias foi o dia 05.03.2015), e referiu ademais que entregou ao autor o comprovativo mencionado em 17.º da PI logo aquando da comunicação à Segurança Social (sendo que, como resulta do documento de fls 9 – comprovativo de declaração de situação de desemprego - tal comunicação foi efectuada no dia 06 de Março de 2015) e que na mesma altura entregou o documento que consta de 9 v. – Declaração, datada de 6 de Março de 2015 -, sendo o autor peremptório na afirmação de que os documentos em questão – mencionados na resposta conjunta aos artigos 14.º e 15.º da PI (ponto 12 da matéria de facto) e na resposta ao artigo 17.º da PI – foram-lhe entregues, pela legal representante da ré, em 06.03.2015. Diga-se, já agora, que a testemunha I… (companheira do autor), que declarou ter acompanhado o autor às instalações da ré no dia em questão, asseverou tratar-se do dia 06.03.2015.
(..)
Relativamente à matéria da contestação que consideramos provada, assinala-se que (..).
(..) , e quanto à matéria dos artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 27.º, de uma forma geral confirmada também pelo autor e, com base no que foi sendo comunicado por este, pela companheira, foi também genericamente assentida pela legal representante da ré e ainda, com maior ou menor rigor, nas aspectos essenciais confirmada pelas restantes testemunhas em cujos depoimentos foi abordada, v.g. da testemunha J… (que declarou ser cunhado do autor e encontrar-se com ele regularmente), das testemunhas E…, F…, G… e K…, que desde há vários anos são trabalhadores da ré, à excepção deste último que disse prestar-lhe serviços, e da testemunhas L…, marido da sócia – gerente da ré, e também trabalhador da ré, para além da já identificada testemunha M….
(..)
Relativamente aos factos não provados, tal ficou a dever-se à falta de prova com um mínimo de credibilidade e consistência de que os mesmos ocorreram.
Assim, e no que tange em particular à matéria alegada no art. 14.º da PI, no respeitante ao alegado despedimento verbal, diga-se que, além do autor, e da companheira (a já identificada testemunha I…), mas esta baseada no que o autor lhe comunicou, pois ficou claro que não estava presente no local em que o autor reuniu com a gerente da ré (embora tivesse acompanhado o autor até às instalações da ré), ninguém mais depôs no sentido de confirmar tal matéria, sendo que a legal representante/gerente da ré a negou de forma peremptória, e sendo certo que o autor referiu que então – quando esteve reunido com a sócia – gerente da ré, D…, no dia 06 de Março -, para além deles só estava também presente o marido dessa sócia - gerente, e também trabalhador da ré, L…, este inquirido como testemunha, como já se referiu, negou também que a esposa tenha por qualquer forma despedido o autor, dizendo antes que o autor e a gerente da ré chegaram a um acordo para a cessação do contrato de trabalho.
Aliás, alegando o autor que foi despedido nesse dia 06 de Março e não em dia anterior, e tendo o próprio autor, como a dita testemunha/companheira, admitido que o autor não se apresentou nas instalações da ré com “roupa de trabalho” (conquanto referindo que o autor levou a farda no carro, para que se a D.ª D… tivesse “mudado de ideias” o autor trocar de roupa e prestar trabalho), pretendendo o autor falar com a gerente da ré sobre a sua situação profissional, isso pelo menos indicia, em termos de normalidade das coisas, que havia então conversações entre a ré e o autor com vista à cessação do contrato de trabalho.
(..)
Ademais diremos que:
Analisados todos os depoimentos, conjugadamente, cria-se a sólida convicção de que por via da falta de trabalho/encomendas e das inerentes dificuldades, v.g. de ordem financeira, que a ré atravessava, e porque era necessário diminuir custos, e para além de outras medidas que a ré procurou implementar, foram propostas pela sua gerente ao autor várias possíveis «soluções» para o seu caso, designadamente redução do valor da retribuição mensal, diminuição do período de trabalho e cessação do contrato de trabalho, tendo o autor, porque não lhe interessaram as duas primeiras hipóteses referidas, concordado em negociar com a ré a sua saída da empresa, sendo que a gerente da ré e o autor tiveram conversações em que abordaram expressamente essa possibilidade, que desde logo passaria pelo pagamento de uma quantia indemnizatória/compensatória ao autor, e sendo no âmbito dessas conversações e da perspectiva da sua saída que o autor gozou férias em Fevereiro e início de Março de 2015.
Todavia, não ficou claro se no dia 06 de Março de 2015 autor e ré tinham efectivamente concluído já o processo negocial, se já tinham consensualizado os termos do acordo, que por algum motivo não esclarecido (a gerente da ré adiantou um motivo – mostrar o documento no Banco, porque supostamente tinha umas regalias, caso ficasse desempregado, no âmbito de um contrato de empréstimo bancário -, mas as suas declarações não nos mereceram qualquer credibilidade no que concerne a esta matéria: por exemplo, no documento de fls 64, que a gerente da ré afirmou ser cópia do “Acordo de revogação de contrato de trabalho por mútuo acordo” que entregou ao autor no dia 06 de Março de 2015, e que o autor se obrigara a assinar e entregar, consta, na cláusula 5.ª, que “A 1.ª contraente pagou já ao 2.º contraente, em numerário, todas as quantias decorrentes da presente revogação e da cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, pelo que este 2.º contraente dá no presente documento a competente quitação e declara nada mais ter a haver ou a reclamar ou a exigir da 1.ª contraente, seja a que título for.”, e tendo a gerente da ré declarado que tinha dinheiro para pagar ao autor a quantia acertada, de € 8.000,00, logo que o autor comparecesse para formalizar o acordo, as testemunhas M… e B…, respectivamente, como se disse, empregada administrativa da ré e marido da gerente da ré e também trabalhador da empresa, afirmaram, de forma clara e concordante, que não havia dinheiro para pagar aquela quantia de uma só vez, que a gerente da ré dizia que era para pagar de acordo com as disponibilidades da empresa, e que até se disponibilizou perante o autor para “garantir” o pagamento emitindo cheques da sua conta pessoal) não foi logo nesse dia assinado – e se o autor, «desaparecendo» da empresa e contrariando o que havia dito, inviabilizou a respectiva formalização -, e se, como alvitrou a gerente da ré, foi por ter sido já alcançado esse consenso que logo no dia 6 de Março a ré comunicou à segurança Social a situação de desemprego do autor ou se, ao invés, a ré pretendeu impor ao autor a cessação do contrato de trabalho nos moldes que entendeu, e foi assim e por isso que comunicou à Segurança Social a situação de desemprego do autor e lhe entregou os documentos que, como supra se consignou, lhe foram efectivamente entregues no dia 06.03.2015 (sendo certo que o autor, como declarou, instruiu o requerimento de concessão do subsídio de desemprego com o documento que consta de 9 v. – Declaração, datada de 6 de Março de 2015 -, e mais tarde com uma declaração do mesmo teor mas assinada, que entretanto lhe foi solicitada pelo IEFP e veio posteriormente a obter da ré).
(..)».
A este propósito mostra-se pertinente assinalar que, como se pode constatar pela sua leitura, a fundamentação é bem clara e exaustiva, elucidando cabalmente sobre o percurso lógico seguido pelo Tribunal a quo e quais os meios de prova valorados e porque razão, quer para considerar provado o que consta no facto 12 - numa resposta explicativa que se enquadra nos limites do alegado pelo A. nos artigos 14.º e 15.º da PI -, quer para dar como provado o que consta no facto 22, correspondente ao art.º 19.º da contestação.
II.2.3 Como deixámos dito, um dos ónus de impugnação que recai sobre o recorrente que pretende ver alterada a decisão sobre a matéria de facto consiste na indicação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Também já concluímos que o recorrente cumpriu esse ónus.
Mas a questão que se coloca de imediato é outra, em concreto, a de saber se o Tribunal a quo poderia ter respondido à matéria de facto nos termos propostos pelo recorrente. Recorde-se que o A. pretende que se dê como provado o seguinte:
- Do art.º 14.º da PI, que “Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, fez cessar o contrato de trabalho vigente, despedindo o A.
- Do art.º 15.º da PI, que “Justificou tal despedimento, com a extinção do posto de trabalho do A..
- Do art. 19º da Contestação, acrescendo ao que se considerou provado - “Nessa reunião foi também dito e explicado a todos os trabalhadores pela sócia-gerente da R. que a situação só era possível de ser ultrapassada, pelo menos no imediato, baixando os custos da empresa, o que passaria pela inevitável diminuição dos postos de trabalho.” - o esclarecimento: “nos quais se incluía o A».
Antecipa-se já que, a nosso ver, não poderiam, nem podem, dar-se por provados os supostos “factos”. Passamos a explicar as razões que sustentam esta asserção.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
No mesmo sentido, o Senhor Desembargador Henrique Araújo [no estudo “A MATÉRIA DE FACTO NO PROCESSO CIVIL”, publicado no sítio desta Relação do Porto, acessível em www.trp.pt] observa que “(..) questão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.
Entendimento igualmente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].
Pois bem, no caso vertente, como é evidente, o thema decidendum ou, por outras palavras, a questão essencial em discussão, é a de saber se o A. foi efectivamente despedido, cabendo assinalar que foi nesses termos conclusivos que aquele fez a sua alegação na PI, dizendo: “Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, fez cessar o contrato de trabalho vigente, despedindo verbalmente o A..” e que “Justificou tal despedimento, com a extinção do posto de trabalho do A..”
Não é despiciendo notar, como assinala a Recorrida nas contra-alegações, que o A. “deixou cair” a alusão a parte final do alegado na PI – despedindo verbalmente o A - , para agora pretender que se dê como provado: “Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, fez cessar o contrato de trabalho vigente, despedindo o A..”
Não obstante, essa alteração não afasta o carácter conclusivo do que se pretende provado. Pelo contrário, a formulação que se pretende ver provada não só continua a encerrar uma conclusão de direito respeitante à questão fulcral controvertida, como até a intensifica, significando isso que nem poderia ser dada como provada nesses temos pelo Tribunal a quo, nem tão pouco o pode ser por este Tribunal ad quem.
O mesmo é de dizer quanto ao conteúdo do art.º 15.º da PI: “Justificou tal despedimento, com a extinção do posto de trabalho do A..”. Assim como ao aditamento que se pretende à resposta dada ao art.º 19.º da contestação – “nos quais se incluía o A.”, pretendendo deixar a conclusão no sentido de que a “inevitável diminuição dos postos de trabalho” abrangia o A.
Com efeito, quer a resposta ao facto 15 da Pi quer o aditamento /esclarecimento à resposta dada ao facto 19, tal qual pretendidos pelo recorrente, reconduzem-se à questão fulcral de saber se há um despedimento ilícito e incorporam uma resposta ou uma componente de resposta a essa questão, pelo que pelas mesmas razões que se deixaram explicadas não podiam, nem podem considerar-se como provadas [Cfr., ainda, o Ac. do STJ de 22-04-2015 [Proc.º n.º 822/08.4TTSNT.L1.S2, Conselheiro Melo Lima, disponível em www.dgsi.pt].
Saber de o A. foi “despedido” ilicitamente, é uma conclusão de direito a retirar na sentença, na aplicação do direito aos factos concretos dados como provados. Sendo certo, como é consabido, que o ónus de alegação dos factos necessários para tanto, recai sobre o autor (art.º 342.º 1 do CC), acrescendo, repete-se, que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].
Por conseguinte, sendo essa a questão fulcral, atenta a natureza conclusiva das alegações que o recorrente pretende ver provadas, não pode a sua pretensão ser atendida.
Improcede, pois, a impugnação sobre a decisão da matéria de facto.
III. MOTIVAÇÃO de DIREITO
Ainda que não veja alterada a matéria de facto, defende o recorrente que da matéria de facto provada, sempre resulta que a R., através de declaração tácita, despediu o A., ou seja, que houve um despedimento de facto (conclusão 11 e seguintes).
Para tanto sustenta, no essencial, que um declaratário normal, colocado na sua posição, ao receber das mão da gerente da R., um comprovativo da Declaração de Situação de Desemprego (Mod. RP 5044 – DGSS) que esta apresentou à Segurança Social e do qual consta que o despediu por extinção do seu posto de trabalho, por sua iniciativa (da R.), num quadro circunstancial, em que a gerente da R. já tinha previamente anunciado que iria proceder a despedimentos, não pode deixar de entender do comportamento da R. outra coisa que não seja a intenção de despedimento. Esse quadro, decorre, segundo alega, e pela ordem que indica, dos factos provados 18,22, 13 e 14.
Argumenta, ainda, que o formulário Mod. RP 5044 – DGSS contempla todas as hipóteses para a cessação do contrato de trabalho, entre elas a extinção do posto de trabalho por iniciativa do empregador e a revogação por acordo, tendo a R. assinalado, como motivo para a cessação do contrato de trabalho, a extinção do posto de trabalho do A., por sua iniciativa (da R.).
Conclui, sustentando que a primeira instância fez uma errada interpretação e aplicação dos arts. 217º, n.º 1, segunda parte e 236º, n.º 1, ambos do Código Civil (conclusão 14) e que não teve na “devida conta o disposto nos arts. 43º, 73º, 85º, n.º 3, do DL n.º 220/2006, de 3 de novembro; nem o Despacho nº 13263/2013, de 3 de outubro, D.R. (II série) de 17 de outubro que aprovou o formulário Mod. RP 5044 – DGSS; nem o conteúdo deste formulário” (conclusão 15).
Vejamos então.
III.1 Comecemos por deixar nota dos factos invocados pelo A. Contudo, porquanto se trata de um facto essencial, para que o quadro factual que rodeou o alegado despedimento 6 de Março de 2015, fique mais completo, àqueles factos invocados acrescentamos o facto 12. Assim:
[18] No dia 9 de Janeiro de 2015, teve lugar nas instalações da R. uma reunião que contou com a presença de todos os trabalhadores da empresa, A. incluído.
[22] Nessa reunião foi também dito e explicado a todos os trabalhadores pela sócia - gerente da R. que a situação só era possível de ser ultrapassada, pelo menos no imediato, baixando os custos da empresa, o que passaria pela diminuição dos postos de trabalho.
[12] - Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, entregou ao autor um documento escrito, intitulado de “DECLARAÇÃO”, emitido pela ré, datado desse mesmo dia, e não assinado, documento esse conforme cópia que consta de fls 9 v. e cujo conteúdo aqui se dá por integramente reproduzido, nomeadamente que a ré aí fez constar que “declara que o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado no dia de hoje, 6 de Março de 2015, com o Exmo Senhor B… por mútuo acordo, se encontra compreendido nos limites estabelecidos na alínea a) do n.º 4 do art. 10.º do Decreto – Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, bem como declara que informou o referido trabalhador desse facto”.
[13] Nessa mesma data, a R. comunicou à segurança social a cessação do contrato de trabalho do A., invocando como motivo da mesma a extinção do posto de Trabalho.
14 - E entregou ao A. o comprovativo dessa comunicação.
III.2 O Código do Trabalho não contém, assim como não continha precedente Código do Trabalho /2003, nem a legislação anterior, uma definição de despedimento.
Porém, segundo o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, o despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.
Por outras palavras, define-se como ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade empregadora, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho. O despedimento “(..) é estruturalmente um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício (o que significa que deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção para o futuro do contrato de trabalho” [cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1999, p. 299].
O art.º 340º do Código do Trabalho refere as formas de cessação do contrato de trabalho, depois concretizando, no que respeita à cessação por iniciativa do empregador, o despedimento por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º), o despedimento colectivo (art.º 359.º), o despedimento por extinção do posto de trabalho (art.º 367.º) e o despedimento por inadaptação (art.º 373.º). O procedimento próprio a ser observado pela entidade empregadora em cada um desses casos é regulado nos artigos imediatamente seguintes aos citados.
Nestes casos de despedimento lícito, é pressuposto da licitude, para além da observância do procedimento legal previsto em concreto para cada uma das diferentes formas de despedimento, que aquela declaração de vontade da entidade empregadora de pôr termo ao contrato de trabalho seja expressa e que obedeça ao formalismo legalmente exigido para a decisão de despedimento.
A comunicação do despedimento tem um destinatário: o trabalhador. É, por isso, uma declaração negocial recipienda (ou receptícia), na terminologia da doutrina, sujeita à disciplina do art.º 224.º n.º1, do Código Civil, onde se dispõe que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; (..)”.
Dito de outro modo, a declaração de vontade do empregador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, só é eficaz depois de ter sido recebida pelo destinatário, isto é, o trabalhador. Significa isto, então, que até esse momento não se pode falar de cessação do contrato de trabalho, mantendo este a plenitude dos seus efeitos relativamente a ambas as partes.
Revertendo ao caso, pretende o recorrente que dos factos elencados, mormente do facto da R. ter apresentado à Segurança Social a Declaração de Situação de Desemprego (Mod. RP 5044 – DGSS), dessa comunicação tendo-lhe dado comprovativo, da qual consta que o despediu por extinção do seu posto de trabalho, por sua iniciativa (da R.), deve retirar-se que se consumou um despedimento de facto. Estriba-se nos artigos arts. 217º, n.º 1, segunda parte e 236º, n.º 1, ambos do Código Civil.
Começámos por dizer que o despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. À luz do disposto no n.º1 do art.º 217.º, do CPC, essa declaração negocial pode ser expressa ou tácita. Diz-se que é expressa, quando “(..) feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade” ; e, admite-se a possibilidade de ser tácita, “(..) quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.
Assim, como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, para que exista um despedimento, embora ilícito, porque não precedido do procedimento legalmente previsto, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro [Cfr, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 2.ª Edição revista e actualizada, Principia, 2002, pp. 74; e, na jurisprudência publicada e mais recente do STJ, os acórdãos de 05.4.2006, proc.º 05S3822, Vasques Dinis; de 14.03.2007, prc.º 06S2844, Mário Pereira; de 12.09.2009, proc.º 08S3617, Sousa Grandão; de 16.01.2008, proc.º 07S535, Mário Pereira; de 27.02.2008, proc.º 07S4479, Pinto Hespanhol; de 23.04.2008, proc.º 07S4101, Bravo Serra; de 16.06.2008, proc.º 08S1249, Bravo Serra; de 3.06.2009, proc.º 08S3696, Sousa Grandão; de 17.06.2009, proc.º 08S3717, Sousa Grandão; e, 21.10.2009, proc.º 272/09.5YFLSB, Vasques Dinis, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Pelas razões que se referiram, isto é, por se tratar de uma declaração recipienda (ou receptícia), a declaração de vontade tácita torna-se eficaz quando chega ao seu destinatário, o trabalhador (art.º 224.º 1 do CC).
E, conforme é igualmente entendimento pacífico, tratando-se de declaração tácita, para que possa ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC), deve ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, o qual deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador [cfr. jurisprudência citada].
Essa inequivocidade visa “(..) tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora” [Ac. STJ de 7 de Março de 1986, proc.º 001255, Miguel Caeiro; e, Ac. STJ de 05-04-2006, proc.º n.º 05S3822, Vasques Dinis; disponíveis em www.dgsi.pt/jstj].
Finalmente, importa ter presente que de acordo com as regras sobre o ónus de prova, sobre o trabalhador recai o ónus de alegar e provar o acto de despedimento promovido pela entidade patronal – art.º 342º nº1 do Cód. Civil.
III.3 O Tribunal a quo pronunciou-se sobre esta questão se saber se «(..)ponderado todo o acervo de factos que efectivamente resultaram provados, pode concluir-se que existe uma “declaração tácita” no sentido do despedimento do autor por parte da ré (cf. art. 217.º/1 do CC), ou como também é uso dizer-se, ocorreu um “despedimento de facto”.
Nessa apreciação, num percurso próximo ao que deixámos no ponto que antecede, fazendo apelo à jurisprudência a propósito, após elencar os princípios gerais a considerar, prosseguiu para concluir o seguinte:
Ora, concordando nós com tal visão das coisas, o certo é que a pertinente matéria de facto apurada é, no caso, manifestamente exígua para se possa concluir, de forma inequívoca, que a ré despediu o autor.
Efectivamente, o que sabemos, com base nos factos, é que no dia 6 de Março de 2015 a ré comunicou à Segurança Social a cessação do contrato do trabalho, invocando como motivo da mesma a extinção do posto de trabalho e, através da sua gerente, entregou ao autor um “print” dessa comunicação e um documento escrito, intitulado de “DECLARAÇÃO”, emitido pela ré, datado desse mesmo dia, e não assinado, documento esse conforme cópia que consta de fls 9 v. e cujo conteúdo aqui se dá por integramente reproduzido, nomeadamente que a ré aí fez constar que “declara que o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado no dia de hoje, 6 de Março de 2015, com o Exmo Senhor B… por mútuo acordo, se encontra compreendida nos limites estabelecidos na alínea a) do n.º 4 do art. 10.º do Decreto – Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, bem como declara que informou o referido trabalhador desse facto” – o realce é meu.
Ora, um declaratário normal, mesmo que não familiarizado com o direito, certamente inferiria de tal declaração que a ré concordava, queria, a cessação do contrato de trabalho, sim, mas por acordo com o autor.
E esse eventual acordo é perfeitamente harmonizável com a alusão que na dita declaração se faz, por exemplo, à “extinção do posto de trabalho”.
Com efeito, o DL 220/2006 de 3/11 (diploma que estabelece o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem), estabelece efectivamente no seu art. 10.º, cuja epígrafe é Cessação por acordo:
“1 - Consideram-se desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, as situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efectivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão.
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior considera-se:
(…)
4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes:
a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio;
(…)”
Nem tão pouco assim, e independentemente do rigor técnico da informação, causaria estranheza que o contrato supostamente cessasse por acordo e na comunicação efectuada à Segurança Social a ré indicasse que o contrato cessou por “extinção do posto de trabalho (iniciativa do empregador)”, sendo certo que, porque se trata de um documento dirigido a uma entidade terceira (Segurança Social) vale o que vale, mas não demonstra por si a realidade do facto em causa (cf., no sentido de que tal documento não faz prova plena quanto à veracidade dos factos contidos na declaração, Acórdão do TRP in www.gde.mj.pt/jtrp, Proc.618/09.6TTOAZ.P1.)
Não parece curial que, colocado o autor na posição de um declaratário normal, tomasse a apontada conduta da ré como concludente de que o queria despedir.
Se não estava disposto a acordar nos termos pretendidos pela ré impunha-se, salvo melhor opinião, que o transmitisse claramente à ré, o que parece claro não ter feito (aliás, no dia 9 de Março de 2015 – 1.º dia útil após o dia 06.03.2015 - a ré tentou por várias vezes o contacto telefónico com o autor mas não o conseguiu contactar, nem em qualquer outro dia posterior a esse), antes de imediato requereu a concessão de subsídio de desemprego servindo-se da “declaração” em questão.
E, repete-se, não se provou que a ré comunicou de forma expressa ao autor que estava despedido, fosse em que termos fosse».
III.4 Como melhor se compreende agora, é esta fundamentação e a respectiva conclusão a que chegou o Tribunal do Tribunal a quo que o recorrente pretende pôr em causa. E, o seu principal argumento é o facto da R. ter apresentado à Segurança Social a Declaração de Situação de Desemprego (Mod. RP 5044 – DGSS), dessa comunicação tendo-lhe dado comprovativo, na qual mencionou que o despediu por extinção do seu posto de trabalho.
Pois bem, não vimos que lhe assista fundamento, antes merecendo a nossa inteira concordância a criteriosa fundamentação do tribunal a quo, que pela sua profundidade dispensa grandes considerações.
Contudo, em acréscimo, importa assinalar que o apelante, para se lhe opor, parte de uma afirmação que, em boa verdade, não tem qualquer sustento no quadro factual que invoca. Com efeito, contrariamente ao que afirma, não decorre desses factos, nem de quaisquer outros do elenco factual provado, “que a gerente da R. já tinha previamente anunciado que iria proceder a despedimentos e que um dos visados seria o A.”.
Dos factos 18 e 22 apenas se retira que na reunião de 9 de Janeiro de 2015, com a presença de todos os trabalhadores da empresa, A. incluído., “foi também dito e explicado a todos os trabalhadores pela sócia - gerente da R. que a situação só era possível de ser ultrapassada, pelo menos no imediato, baixando os custos da empresa, o que passaria pela diminuição dos postos de trabalho”. Ora, diminuição dos postos de trabalho não pressupõe necessariamente que R. “iria proceder a despedimentos”, pois esse propósito poderia ser licitamente alcançado pela cessação de contratos de trabalho por mútuo acordo, nos termos previstos nos artigos 340.º al. b) e 349.º do Código do Trabalho.
De resto, como o tribunal a quo bem assinala, resultou provado (facto 12) que no dia em que o A. veio alegar ter sido “despedido verbalmente”, «Em 06/03/2015, a R., na pessoa da sua sócia gerente, entregou ao autor um documento escrito, intitulado de “DECLARAÇÃO”, emitido pela ré, datado desse mesmo dia, e não assinado (..)», no qual, para além do mais, aquela «(..) fez constar que “declara que o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado no dia de hoje, 6 de Março de 2015, com o Exmo Senhor B… por mútuo acordo, se encontra compreendido nos limites estabelecidos na alínea a) do n.º 4 do art. 10.º do Decreto – Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, bem como declara que informou o referido trabalhador desse facto”.
Portanto, salvo o devido respeito, nesse quadro, que em rigor é o que resulta dos factos provados, não se vê que haja fundamento para ver na entrega desse documento um comportamento da R., susceptível de ser interpretado como uma declaração inequívoca, pelo autor, ou por qualquer declaratário dotado de normal capacidade de entender e diligência, daquela pôr termo ao seu contrato de trabalho por sua iniciativa.
Mas para além disso, também não altera esta conclusão, o facto da Ré lhe ter entregue o comprovativo da Declaração de Situação de Desemprego (Mod. RP 5044 – DGSS) que apresentou à Segurança Social, assinalando no mesmo que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por sua iniciativa “por extinção do seu posto de trabalho”.
Na verdade, parafraseando o Acórdão desta Relação e Secção, de 24-15-2010, há que ter em conta que “[A] Declaração de Situação de Desemprego, emitida e entregue ao trabalhador pelo empregador nos termos e para os efeitos dos art. 43º e 73º do DL 220/2006, de 03.11. (destinada a instruir, junto da Segurança Social, o requerimento de concessão das prestações de desemprego) e na qual se faz constar como causa da cessação do contrato de trabalho o “Despedimento por extinção do posto de trabalho”, tem como destinatário a Segurança Social, não fazendo prova plena quanto à veracidade dos factos contidos na declaração, ou seja, não fazendo prova plena de que o contrato de trabalho cessou por despedimento por aquele promovido” [proc.º n.º 231/08.5TTLMG.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt].
Neste mesmo sentido, no sumário do recente acórdão do STJ de29-10-2015 [Proc.º n.º 193/13.7TTCVL.C1.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt], afirma-se o seguinte:
[I] O despedimento, enquanto ato unilateral do empregador, constitui-se numa declaração receptícia da vontade inequívoca no sentido da extinção da relação juslaboral.
[II] A declaração confessória extrajudicial feita a um terceiro, constante de documento particular, não tem eficácia probatória plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelas Instâncias.
[III] O impresso da Segurança Social preenchido com vista à obtenção do subsídio de desemprego, em que o empregador assinala como causa da cessação do contrato de trabalho a ‘extinção do posto de trabalho’, não tem força probatória plena contra o confitente.
Por conseguinte, salvo o devido respeito, também não tem fundamento vir o apelante sustentar que o Tribunal a quo “não teve em devida conta o disposto nos arts. 43º, 73º, 85º, n.º 3, do DL n.º 220/2006, de 3 de novembro; nem o Despacho nº 13263/2013, de 3 de outubro, D.R. (II série) de 17 de outubro que aprovou o formulário Mod. RP 5044 – DGSS; nem o conteúdo deste formulário” [conclusão 15].
A declaração de situação de desemprego apresentada pela Ré junto da segurança social é, pois, um mero elemento de prova, sujeito à livre apreciação do juiz, segundo a sua prudente convicção (art.º 607.º n.º5, CPC), nessa ponderação levando em conta, necessariamente, a demais prova produzida.
Foi justamente essa a apreciação feita pelo Tribunal a quo, na parte final da fundamentação (acima transcrita) deixando claramente explicadas as razões que levaram concluir “Não parece[r] curial que, colocado o autor na posição de um declaratário normal, tomasse a apontada conduta da ré como concludente de que o queria despedir”.
Entre essas razões referindo que “Se (o A.) não estava disposto a acordar nos termos pretendidos pela ré impunha-se, salvo melhor opinião, que o transmitisse claramente à ré, o que parece claro não ter feito (aliás, no dia 9 de Março de 2015 – 1.º dia útil após o dia 06.03.2015 - a ré tentou por várias vezes o contacto telefónico com o autor mas não o conseguiu contactar, nem em qualquer outro dia posterior a esse), antes de imediato requereu a concessão de subsídio de desemprego servindo-se da “declaração” em questão”, argumento que reputamos de toda a pertinência, mas que foi posto em causa pelo recorrente.
Na verdade, o recorrente A. limita-se a esgrimir com o conteúdo da Declaração da Situação de Desemprego. Aliás, note-se, de forma até contraditória, como passamos a ilustrar.
Com efeito, se por um lado, reportando-se à mesma, diz nas suas alegações “Se bem que se possa discutir a força probatória desta declaração feita pela R., como declaração confessória, não pode a mesma deixar de ser considerada como meio probatório documental. E nessa medida, este meio de probatório é idóneo para prova de que a R., em 06/03/2015, fez cessar o contrato de trabalho do A., despedindo-o, com a justificação de extinção do seu posto de trabalho»; por outro, tal afirmação surge imediatamente após fazer a invocação seguinte:
A R. ao apresentar este formulário à Segurança Social indicou como motivo da cessação do contrato de trabalho do A., dentro do grupo “Iniciativa do empregador”, “Despedimento por extinção do posto de trabalho”.
Tal indicação é provada pelo “Comprovativo de Declaração de Situação de Desemprego” junto com a Petição Inicial e pelo Doc. n.º 4 junto com a Resposta à Contestação, donde consta ter sido apresentada naqueles serviços “(…) uma Declaração de Situação de Desemprego (Mod. RP 5044-DGSS), na qual consta como motivo da cessação do seu contrato de trabalho "Despedimento por Extinção do Posto de Trabalho (iniciativa do empregador)".
Daqui se retira, pois, que na sua perspectiva, a apresentação do declaração da situação de desemprego pela recorrida Ré nos serviços da segurança social, fazendo indicação na mesma daquela menção, seria o bastante para considerar provado prova “de que a R., em 06/03/2015, fez cessar o contrato de trabalho do R., despedindo-o, com a justificação de extinção do seu posto de trabalho”.
Mas como não o é, pelas razões que se deixaram explicadas, e como a demais prova articulada com este meio de prova também não possibilitam essa conclusão, deve concluir-se que não merece censura a decisão recorrida.
Em suma, não existe fundamento para o A. sustentar que o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos arts. 217º, n.º 1, segunda parte e 236º, n.º 1, do Código Civil e que não teve na “devida conta o disposto nos arts. 43º, 73º, 85º, n.º 3, do DL n.º 220/2006, de 3 de novembro; nem o Despacho nº 13263/2013, de 3 de outubro, D.R. (II série) de 17 de outubro que aprovou o formulário Mod. RP 5044 – DGSS; nem o conteúdo deste formulário”.
Concluindo, o recurso improcede igualmente na vertente do alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
i) Rejeitar a admissão do requerimento junto pelo A. com as alegações.
ii) Jugar improcedente a apelação, na vertente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
iii) Julgar improcedente a apelação, na vertente da impugnação da decisão do Tribunal a quo na aplicação do direito aos factos.
iv) Em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso e do incidente anómalo a cargo do recorrente, fixando-se estas últimas em 1 UC.

Porto, 10 de Outubro de 2016
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares