Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
758/22.6T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: LIVRANÇA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
CLÁUSULA DE PREENCHIMENTO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20230420758/22.6T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é permitido a uma parte impugnar um documento particular, onde a sua assinatura foi reconhecida notarial sem, nos termos do art. 276º, do CC, alegar a falsidade desta e do seu conteúdo.
II - A ineptidão do requerimento executivo afere-se pela sua função, não sendo necessário alegar a causa concreta da obrigação exequenda se presumir a mesma.
III - O conhecimento do mérito na fase do saneador depende apenas da existência de elementos seguros que sejam aceites e corroborados pelo tribunal de recurso.
IV - A prescrição da obrigação cartular afere-se pela sua legislação própria.
V - O preenchimento abusivo é uma excepção material cujo ónus de prova cabe ao executado.
VI - Não existe qualquer abuso de direito nesse preenchimento se a exequente o efectuou 5 anos e alguns meses depois da declaração de insolvência do devedor principal e reclamou, entretanto, créditos nesse processo.
VII - Não viola o art. 15 do RGCCG uma cláusula que se limita a permitir o preenchimento do título, fixando as suas condições em conformidade com a obrigação subjacente sem quaisquer acréscimos.
VIII - Porque, a mesma não permite qualquer liberdade arbitrária de fixar nem a data do preenchimento, nem o seu montante, mas depende da data e valor do incumprimento que, por sua vez dependem da conduta voluntária, e que se presume responsável, dos apelantes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 758/22.6T8AGD-A.P1

Sumário:
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1. Relatório
Banco 1..., Lda intentou a presente execução para pagamento de quantia certa contra AA e BB, tendo por base terem avalizado as livranças em execução, as quais foram emitidas para garantia das operações identificadas nas livranças ... - Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente e ... - Contrato de Prestação de Garantia Bancária.
Foi deduzida oposição no qual se alegou existir, apenas: INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO, nos termos dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b) e 729.º, alínea c) do CPC, o PREENCHIMENTO ABUSIVO, a PRESCRIÇÃO; e ABUSO DE DIREITO. Alegou ainda que a cláusula contratual é proibida nos termos do o art.º 15º do RCCG; que foi ultrapassado o prazo de prescrição do art. 70º, da LULL e ao mesmo o do art. 310º, do CC.
Foi saneado o processo e proferido saneador sentença que decidiu: “julgo improcedentes os presentes embargos de executado deduzidos por AA e BB contra Banco 1..., SA determinando o prosseguimento da execução”.
Inconformados vieram os executados recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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2. Os apelantes apresentaram as seguintes CONCLUSÕES
I - Foi com alguma surpresa que os Embargantes foram notificados da sentença proferida nos presentes autos, em especial da matéria dada por assente e provada, já que com a exceção da declaração de Insolvência da empresa A..., Lda e de que os títulos oferecidos tinham sido subscritos pelos Embargantes, todos os demais factos –atenta a impugnação expressa do requerimento executivo e dos documentos oferecidos com o mesmo – que não os alegados no dito Embargo (com referência aos contratos celebrados e respetivo teor, aceites pela Embargada na sua contestação), eram controvertidos.
II - Pelo que nunca poderiam ter sido dados por provados, por estes motivos (atenta a invocação da inexigibilidade da dívida e/ou a divergência quanto ao montante em dívida e da data de emissão das livranças e da data do alegado incumprimento/vencimento da dívida), os factos B) e H), bem como (por tais documentos – cartas e registos - terem sido impugnados, não tendo sido produzida prova documental adicional que confirmasse o efetivo envio e a efetiva receção de tais comunicações) os factos T), U), V) e Z)
III - Podemos, por isso, considerar que houve neste parte um excesso de pronúncia por parte do douto Tribunal que gera a nulidade da respetiva sentença, o que aqui invocado, mais se impondo atento o alegado, e a entender-se que é possível conhecer de imediato o mérito da causa, que estes factos passem a constar dos factos não provados, com as demais consequências legais.
IV - Caso assim não seja, ou improcedendo as questões de direito cujo mérito possa eventualmente ser apreciado pelo Tribunal Superior, deverá ser revogada in totum a sentença, por se não estar perante uma situação em que o mérito dos autos possa ser conhecido de imediato, devendo o processo seguir os seus normais trâmites.
V - Sem prejuízo do supra alegado, existem questões, salvo melhor opinião, que poderão de imediato ser conhecidas por não contenderem com factos controvertidos e/ou quanto muito, e não havendo alteração da sentença quanto à matéria de facto (por não se entender ocorrer qualquer nulidade e/ou erro na apreciação da prova), porque a matéria dada por provada não influi no seu conhecimento, questões de direito essa que foram apreciadas pelo Tribunal de Primeira Instância, tendo, contudo, este adotado posições completamente contrárias as apresentadas pelos Embargantes no seu Embargo, com recurso a doutrina e jurisprudência distinta da citada na sentença.
VI - Em primeiro lugar, entendemos que existia ineptidão do requerimento Executivo, nos termos dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b) e 729.º, alínea c) do CPC, já que o requerimento executivo não menciona a relação e/ou os contratos subjacentes à emissão dos títulos, os termos da obrigação cartular, muito menos a forma de cálculo e/ou a decomposição dos valores apostos nas duas livranças mencionadas, o que, a nosso ver, consubstancia uma manifesta falta de causa de pedir e, consequentemente, a ineptidão do requerimento executivo apresentado nos autos executivos.
VII - Não existindo qualquer possibilidade de aperfeiçoamento, conforme tem sido entendimento jurisprudencial neste tipo de casos, até porque embora se presuma, nos termos legais, a relação cartular, a verdade é não pode a mesma deixar de ser alegada e a falta de alegação conduz irreversivelmente à absolvição da instância.
VIII - Por conseguinte, e sem necessidade de mais considerações, deve ser revogada a sentença e substituída por outra que absolva os Executados da instância, com as demais consequências legais.
IX – Sem prejuízo e caso assim não se entenda, sempre teria o embargo de executados apresentado de proceder, ao contrário do que foi decidido na sentença ora em crise, por ocorrer a prescrição dos créditos reclamados, bem como por existirem cláusulas nulas e abusivas nos contratos subjacentes às livranças executadas e por agir a Exequente em claro abuso de direito.
X – É que dos elementos constantes dos autos (nomeadamente que a Insolvência da Sociedade Devedora ocorreu em abril de 2016 e que a última prestação do crédito subjacente à operação bancária mencionada livrança n.º ... foi paga em 1/10/2014) resulta claro que o crédito em causa – a ser devido (o que se continua a disputar) - já prescreveu por lhe ser aplicável o prazo de prescrição quinquenal previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
XI - É que, a fixação de um prazo curto de prescrição, como refere a doutrina, tem por finalidade evitar que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor e na situação em apreço, entende-se, salvo o devido por melhor e superior entendimento, que se justifica a aplicação do prazo curto de prescrição, na medida em que, ainda que a prestação de capital fosse certa, à mesma acrescia juros e encargos mensalmente, o que torna a prestação total variável e mais onerosa com o tempo.
XII - No caso, devendo o devedor ter a conta aprovisionada não só com o capital devido, mas também com os juros vencidos mensalmente, crê-se que não faz sentido distinguir entre a obrigação de capital e a obrigação dos juros, em termos de prazo prescricional, mais sendo jurisprudência maioritária que este prazo prescricional é suscetível de ser aplicado a contratos de abertura de crédito em conta corrente.
XIII - Ora, aplicando-se este prazo de cinco anos, igualmente se terá de considerar que começou o mesmo a contar, nos termos do artigo 306.º do Código Civil, quando o direito pudesse “ser exercido”, o que in casu aconteceu, se não antes, pelo menos em Abril de 2016, quando foi declarada a Insolvente da empresa A..., Lda, e o Exequente considerou a dívida vencida na sua totalidade, tendo reclamado toda a quantia (alegadamente) contratualmente em dívida, ou seja, a totalidade do valor que lhe entendia ser devido ( nos termos do disposto na cláusula 20.º do referido contrato)
XIV - Logo, à data da instauração da execução, em Abril de 2022, já há muito havia prescrito o crédito (e respetivos juros – estes também ao abrigo da alínea d) do artigo do artigo 310.º do Código Civil) que vem a Exequente, sem qualquer fundamento, até porque o mesmo não é devido, tentar exigir coercivamente aos aqui Executados.
XV - Sendo irrelevante a data de preenchimento da respetiva livrança, a qual foi aposta dolosamente, uma vez que tendo a livrança dada à execução sido entregue em branco, com autorização de preenchimento, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cartular, ou seja, extinta a obrigação garantida, extingue-se a relação jurídica de garantia que lhe é meramente acessória.
XVI - De todo o modo, e caso assim não se entendesse, o que apenas se admite por mera hipótese académica, a verdade é solução idêntica teria de ser adotada nos presentes autos, por se considerar que houve preenchimento abusivo da livrança, não só porque a cláusula 25.º, n.º 1 n.º 2 do Contrato – que estabelece a liberdade da Exequente fixar qualquer data, quando quiser, de vencimento – é manifestamente nula e/ou inválida (por violar, entre outros, o disposto no artigo 15.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, mas também o disposto no artigo 239.º, 280.º, 300.º e 302.º do Código Civil), mas também face ao manifesto abuso de direito – aqui invocado nos termos do artigo 334.º do Código Civil - patente na presente situação, já que alegadamente a última prestação foi paga em 2014, a Devedora/Mutuada foi declara insolvente em 2016 e aí o crédito considerado vencido na sua totalidade antecipadamente, contudo, só em Setembro de 2021 a livrança é dolosamente preenchida!
XVII - Posição essa que é a também a nossa e implicará, em todo o caso, por uma via, por outra, a revogação da sentença ora em crise e a sua substituição por outra que considere o embargo por provado e procedente, com as demais consequências legais.
XVIII - Tudo o que até aqui escrevemos vale mutatis mutandis para a outra livrança executada (n.º ...), a qual apuraram os Executados, mais uma vez através da consulta do processo de insolvência da A..., Lda, se referir a um contrato para prestação de garantia bancária (com operação n.º ...), datado de 9/12/2010 (e não de 13/12/2010, conforme resulta das cartas de interpelação juntas pela Exequente), por igualmente já estar prescrito o respetivo crédito (por aplicação do artigo 310.º do Código Civil – já que também era pagável através de amortização de quotas/prestações de capital e juros, tendo segundo documentação do próprio Banco sido pagas pelo menos 13 prestações), o que igualmente importa a extinção da execução/prescrição da livrança (nos termos supra melhor desenvolvidos, em ultima ratio por via do abuso de direito e invalidade/nulidade da cláusula 20.º do contrato associado à operação bancária em causa), igualmente não se reconhecendo a existência em dívida do valor que reclama a Exequente.
XIX - Em suma, impõe-se a revogação da sentença, face à manifesta procedência das exceções oportunamente invocadas e supra melhor desenvolvidas, e, consequentemente, a revogação da sentença e a sua substituição por outra que se digne a considerar o embargo por provado e procedente.
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2.2. A parte contrária contra-alegou, cujo restante teor se dá por reproduzido e que se resumem em suma, nos seguintes termos:
- O recurso deve improceder desde logo, pois não podem os recorrentes querer fazer-se valer de uma alegação de que não pode o Tribunal proferir seaneador sentença, quando no momento oportuno não se pronunciaram, ou melhor não se opuseram, e de facto a questão decidenda é apenas e tão só de direito nos presentes autos.
- Não se verifica qualquer ineptidão do requerimento Executivo momento
- Não há qualquer situação de prescrição iniciando-se a contagem da mesma a partir da data do vencimento.
- A obrigação de alegar a relação jurídica subjacente por parte do exequente, incluindo os termos do pacto de preenchimento, só existe quando a livrança é dada à execução enquanto quirógrafo, por exemplo, quando se encontra prescrita a relação cambiária, e não quando é dada à execução enquanto título de crédito cambiário válido, como é o caso dos autos e pelo embargante não foi invocada a prescrição do título de crédito, pelo que está a exequente, dispensada de alegar a Por tudo relação jurídica subjacente à livrança dada à execução, assim como alegar e juntar o pacto de onde resultasse a autorização para o seu preenchimento.
- Não há qualquer violação do Pacto de Preenchimento
- O título é válido e eficaz.
- A livrança dada à execução cumpre pois todos os formalismos legais e não se verifica pois qualquer falta do requisito geral inerente ao preenchimento do título e não se verifica também qualquer preenchimento abusivo.
- Os valores são devidos e exigíveis.
- Não se verifica a nulidade das cláusulas do contrato indicadas nos autos por violação do artigo 15 do RGCCG.

3. questões a decidir:
1. Da nulidade da sentença
2. Da ineptidão do requerimento executivo;
3. Da nulidade processual sobre o conhecimento de mérito e da insuficiência de factos.
4. Do recurso sobre a matéria de facto
5. Do preenchimento abusivo, incluindo a existência de abuso de direito, violação do art. 15 do RGCCG, e da existência de prescrição.
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4. Da Nulidade da sentença
Do excesso de pronúncia
Dizem os apelantes “Podemos, por isso, considerar que houve nesta parte um excesso de pronúncia por parte do douto Tribunal que gera a nulidade da respetiva sentença, o que aqui invocado”.
Certamente por lapso, pois o excesso de pronúncia ocorre quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso, (615, nº1, al. d), do CPC). O que esta invoca é que esta apreciou matéria de facto alegada pelas partes em excesso. Ora, o tribunal pode conhecer, nos termos do art.. 5º, do CPC de todos os factos alegados pelas partes e ainda de factos instrumentais.
Logo não ocorreu qualquer excesso e por isso essa nulidade não foi cometida.
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5. Das nulidades processuais
5.1. Da ineptidão
Pretendem os apelantes que a petição é inepta.
Nos termos do art. 724º, al e), do CPC o exequente “Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges”.
Em termos sucintos podemos definir a causa de pedir como a realidade concreta que fundamenta a pretensão executiva a qual pode derivar de uma relação causal ou basear-se num simples documento que permite presumir a primeira. Nesta medida a causa de pedir será sempre suficiente se estiver identificada, para garantir o funcionamento do caso julgado, e depois, desde que seja apta para o desempenho da sua função, que é executar uma obrigação, neste caso pecuniária. Ora, o requerimento identifica as partes, discrimina o título e líquida a obrigação, logo é mais do apta a ser processualizada.
Acresce que, in casu o título executivo assume a natureza de um título de crédito, em cujo rosto, até foi aposta a identificação da operação que deu causa a essa dívida. Assim parece certo que o requerimento inicial da execução não teria de enunciar a causa genética da dívida, pois nos termos do art. 458º, do CC apresenta à execução um documento assinado pelo devedor, que faz por isso presumir a existência da relação fundamental. E, mesmo que assim fosse os títulos até fazem menção da origem da quantia no seu rosto identificando a respectiva conta. Logo, foi suficientemente enunciada os factos que fundamentam o pedido e nos termos do regime substancial sempre se presumiria a sua relação causal.
Improcede, pois, a questão suscitada.

5.2. Do conhecimento do mérito da causa nesta fase
Dispõe o art. 595º, nºç1, al. b), do CPC que o despacho saneador pode “b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”.
Ora, in casu é precisamente isso que acontece.
Por um lado, como vimos, a matéria comprovada permite já com segurança apreciar a procedência das questões alegadas, as quais, diga-se aliás, dizem respeito à mera aplicação de normas e não questões de facto.
Depois, como veremos a impugnação de parte dos factos é irrelevante e contraria regras de prova materiais.
Por fim, os apelantes conseguem nos seus 41 artigos da oposição suscitar inúmeras questões, mas esqueceram-se de alegar factos que possam vir a ser provados e que por isso obstem à procedência do pedido executivo.
Nessa medida note-se que usam 14 artigos para debater a ineptidão do requerimento.
Depois, no art. 15º violam as normas de direito probatório. E, nos artigos seguintes fazem apelo a situações ocorridas no processo falimentar que alegam demonstrar por documento.
Mas a realidade processual da insolvência não demonstra, como se alega esses factos.
Basta dizer que foi junto um complemento ao parecer sobre a qualificação da insolvência (doc nº 3); reclamação de créditos (doc nº 4); edital (doc 5); contrato abertura de crédito (doc 6); demonstração da nota de débito (doc nº 7); novo contrato (doc 8) e uma comunicação da divida datada de 2010 e montante em divida a 2016 (doc 9), que aliás comprova o montante inscrito na segunda livrança referente ao mesmo acrescido de juros vencidos em 5 anos..
Ou seja, nenhum desses documentos põe em causa que em 2021 o montante da divida fosse o excutido, tanto mais que foi considerados provado o valor à data reclamado (cfr. reclamação de créditos). Logo nenhum facto relevante foi alegado que impeça o conhecimento seguro e total das questões suscitadas.
Improcede, pois, esta questão.
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6.Do recurso sobre a matéria de facto
Do recurso sobre a matéria de facto
Dizem os apelantes que “com a exceção da declaração de Insolvência da empresa A..., Lda e de que os títulos oferecidos tinham sido subscritos pelos Embargantes, todos os demais factos –atenta a impugnação expressa do requerimento executivo e dos documentos oferecidos com o mesmo – que não os alegados no dito Embargo (com referência aos contratos celebrados e respetivo teor, aceites pela Embargada na sua contestação), eram controvertidos”.
Esquecem, porém, que existem regras de direito probatório material que se impõem ao princípio da livre valoração da prova.
Nestes termos o art. 376º, do CC é simples e claro: “1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”.
Nestes termos o contrato de abertura de crédito foi assinado pelos apelantes por assinatura reconhecida notarialmente (doc 1 junto com contestação).
O contrato para prestação de garantia bancária (doc 2) nos mesmos termos.
O segundo contrato para prestação de garantias bancárias também (doc nº 3).
E, por fim a alteração contratual (doc nº 4) também.
Logo, não pode a parte impugnar essa realidade sem invocar a falsidade da assinatura e, neste caso o seu conteúdo, claramente não o fez. Note-se aliás que os apelantes também juntam aos autos alguns desses documentos.
Por isso, o tribunal a quo não merece qualquer censura por considerar demonstrados esses factos, pelo que improcede o recurso sobre a matéria de facto.
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7. Motivação de facto
A) Foram dadas à execução as duas livranças, cujos originais se encontram junto aos autos principais.
B) A livrança n.º ... tem como data de emissão 27.09.2010, como local de emissão Aveiro, data de vencimento 24.09.2021, o valor de 120.765,00€ e no campo referente à assinatura do subscritor encontra-se o carimbo da sociedade A..., Lda. e a assinatura do seu legal representante.
C) No verso da livrança, em seguida à expressão “Dou o meu aval à firma subscritora” encontra-se a assinatura dos ora embargantes.
D) Subjacente à emissão da livrança identificada em B) está o contrato de abertura de crédito em conta corrente com o n. ..., celebrado entre a exequente, a sociedade subscritora da livrança e os embargantes, estes na qualidade de avalistas em 27.07.2010.
E) A cláusula 18. do referido contrato, com a epígrafe “Comunicações, Avisos e Citação (Domicílio/Sede) tem o seguinte teor: “a) As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela Banco 1... aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1... de qualquer alteração do referido endereço e, quando registados, presumem-se feitos, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for. b) As comunicações e os avisos têm-se por efetuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos. c) Para efeitos de citação, em caso de litígio judicial, o domicílio seda será o indicado pela parte no presente contrato.”
F) A cláusula 22. Denominada de Garantia –Aval, prevê o seguinte: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1... pela Cliente no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 25, caso a Banco 1... decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.”
G) A cláusula 25., epigrafada de Livrança em Branco, estabelece que: “25.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à Banco 1..., neste ato, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Banco 1... preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1... quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a Banco 1... decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança, c) A Banco 1... poderá inserir cláusula "sem protesto" e definir o local de pagamento. 25.2- A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias.”(…)”
H) A livrança n.º ... tem como data de emissão 09.12.2010, como local de emissão Aveiro, data de vencimento 24.09.2021, o valor de 3.605,00€ e no campo referente à assinatura do subscritor encontra-se o carimbo da sociedade A..., Lda. e a a assinatura do seu legal representante.
I) No verso da livrança, em seguida à expressão “Dou o meu aval à firma subscritora” encontra-se a assinatura dos ora embargantes.
J) Subjacente à emissão da livrança identificada em B) está o contrato para prestação de garantia bancária com o n. ..., celebrado entre a exequente, a sociedade subscritora da livrança e os embargantes, estes na qualidade de avalistas em 27.07.2010.
K) A cláusula 7 do contrato, denominada de “Comissões”, prevê o seguinte: “7.1 - A ORDENADORA obriga-se a pagar à Banco 1... as comissões previstas no preçário em cada momento em vigor na Banco 1..., publicitado nos termos legais e existente para consulta nas suas Agências, nomeadamente a comissão de processamento e de falta de provisionamento na conta DO, actualmente de €3,50 e de €29,00, acrescidas dos respectivos impostos. 7.2- Será ainda devida pela ORDENADORA uma comissão de garantia, de 1,75% (um vírgula setenta o cinco por cento), ao ano, sobre o valor de cada Termo de Garantia emitido e assumido pola Banco 1..., calculada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o minimo de € 29,28 por trimestre, sendo ambos os valores alteráveis pela Banco 1... antes de cada trimestre, face as alterações de mercado, o que será publicitado no preçário da Banco 1... existente junto dos seus balcões; 7.3- Se no final da vigência de cada Garantia não se completar um período de três meses, a comissão de garantia será calculada dia a dia e paga no termo do prazo de vigência.”
L) A cláusula 14. do referido contrato, com a epígrafe “Comunicações, Avisos e Citação (Domicílio/Sede) tem o seguinte teor: “a) As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela Banco 1... aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1... de qualquer alteração do referido endereço e, quando registados, presumem- se feitos, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for. b) As comunicações e os avisos têm-se por efetuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos. c) Para efeitos de citação, em caso de litígio judicial, o domicílio seda será o indicado pela parte no presente contrato.”
M) A cláusula 22. Denominada de Contragarantia –Aval, prevê o seguinte: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1... pela Ordenadora no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista noa cláusula seguinte, caso a Banco 1... decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.”
N) A cláusula 23., epigrafada de Titulação por Livrança em Branco, estabelece que: “23.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a Ordenadora e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à Banco 1..., relativamente a cada um dos termos da garantia, uma livrança em branco, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a mesma a preencher as sobreditas livranças, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1... quando, em caso de incumprimento pela Ordenadora das obrigações assumidas, a Banco 1... decida recorrer à realização coativa do respetivo crédito; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente o valor do crédito da Banco 1... que resultar dos pagamentos que a mesmas vier a fazer aos Beneficiários em execução do respetivo termo da garantia, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança; c) A Banco 1... poderá inserir a clausula “sem protesto” e definir o local de pagamento; d) A livrança não constitui novação do crédito que vier a ser apuado, pelo que se mantêm todas a contragarantias constituídas para segurança das obrigações emergentes do presente contrato, que se consideram também referidas à livrança.” d) Uma vez cancelada qualquer Garantia Bancária emitida ao abrigo do presente contrato e pagas as responsabilidades dela decorrentes, a Banco 1... devolverá a respetiva livrança nos termos atrás acordados.”
O) Este contrato foi alterado em 9 de dezembro de 2010.
P) A cláusula 8. do contrato, denominada de “Comissões”, prevê o seguinte: “8.1-A ORDENADORA obriga-se a pagar à Banco 1... as comissões previstas no preçário em vigor na Banco 1..., publicitado nos termos legais e existente para consulta nas suas Agências, nomeadamente a comissão de processamento e de falta de provisionamento na conta DO, actualmente de € 3,50 e de €29,00, acrescidos dos respetivos impostos. 8.2-Será, ainda, devida pela ORDENADORA uma comissão de garantia, de 1,5% (um virgula cinco por cento) ao ano, sobre o valor do Termo de Garantia emitido e assumido pela Banco 1..., calculada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o mínimo de €29,23 por trimestre/fração, sendo ambos os valores alteráveis pela Banco 1... antes de cada trimestre, face de alterações de mercado, o que será publicado no preçário da Banco 1... existente junto dos seus balcões. 8.3- Se no final da vigência da garantia não se completar um período de três meses, a comissão será calculada dia a dia e paga no termo do prazo de vigência.”
Q) A cláusula 19. Epigrafada de Contragarantia Aval determina que: “Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas a Banco 1... pela ORDENADORA no âmbito do presente contrato, quer a titulo de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 20 caso a Banco 1... decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.
R) A cláusula 20., com o nome “Titulação por livrança em branco, estabelece: “20.1- Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da operação, a ORDENADORA e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à Banco 1... uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Banco 1... a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1... quando, em caso de incumprimento pela ORDENADORA das obrigações assumidas, a Banco 1... decida recorrer à realização coativa do respetivo crédito; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente operação, nomeadamente o valor do crédito da Banco 1... que resultar dos pagamentos que a mesma vier a fazer à BENEFICIARIA em execução da Garantia Bancária, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança; c) A Banco 1... poderá inserir cláusula "sem protesto ou expressão equivalente e definir o local de pagamento. 20.2- A livrança não constitui novação do crédito que vier a ser apurado, pelo que se mantém todas as contragarantias constituídas para segurança das obrigações emergentes do presente contrato, que se consideram também referidas à livrança.”
S) Nos contratos supra identificados, os ora embargantes indicaram a seguinte morada: rua ..., freguesia ..., concelho de Ílhavo.
T) Em 27.01.2015, a exequente endereçou aos ora embargantes comunicações com o seguinte teor: “(…) Não obstante a nossa anterior comunicação enviada ao(s) Titular(es) verifica-se que continua por regularizar a dívida relativa à(s) operação(ões) a seguir indicada(s):
Assim, na qualidade de interveniente da operação, deverá proceder à regularização das quantias referidas, no prazo de 10 dias a contar da data de emissão dessa carta, sob pena de, não o fazendo, poder ser o processo remetido para um departamento especializado em cobranças e recuperação de crédito. Aproveitamos para esclarecer que a falta de pagamento do montante em dívida determinará a oportuna comunicação ao Banco de Portugal no âmbito da Central de Responsabilidades de Crédito em situação de incumprimento. (…).”
U) A comunicação foi dirigida ao embargante AA para a Rua ..., ..., ..., ... ....
V) A comunicação foi dirigida à embargante BB para a Rua ..., ..., ..., ....
W) A sociedade A..., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 05.04.2016, pelas 13:00 horas, no âmbito do processo 648/16.1T8AVR que correu termos na então Instância Central, 1ª Secção Comércio – J1 Anadia, da Comarca de Aveiro.
X) A exequente reclamou o crédito exequendo no âmbito do processo de insolvência referenciado em O), peticionando os seguintes montantes: - 81.882,20€ relativo ao contrato identificado em D); - 95.372,12€ de capital relativo ao contrato identificado em J).
Y) Os créditos reclamados foram reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, tendo sido ressalvado que o crédito no valor de 95.372,12€ era reconhecido sob condição, o pagamento ainda não havia sido exigido por parte da entidade beneficiária.
Z) A exequente, em 24.09.2021, enviou carta registada com aviso de receção dirigida à embargante BB para a Rua ..., ..., ..., ..., com o seguinte teor: “(…) CONTRATOS: Op. ... Op. ... TITULAR: A... LDA Preenchimento de livranças: €120.765,09 à data de 2021-09-24-Op. ... €3.605,00 à data de 2021-09-24- Op. ... Encontram-se vencidas e não pagas, as responsabilidades emergentes dos contratos acima mencionados, os quais foram celebrados em 2010-09-28 o 2010-12-13, respetivamente, De acordo com o estabelecido no referido contrato havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, são consideradas vencidas todas as restantes, sendo exigível a totalidade do crédito. Desta forma, e nos termos contratados, consideramos vencida, nesta data, a totalidade do crédito, tendo sido fixado, para o dia 24 de setembro de 2021, o vencimento das Iivranças, subscritas por A... LDA e avalizadas por AA BB, que preenchemos: -pelo valor de € 120.765,09 (Operação ...) correspondente ao valor total do crédito à data do vencimento fixado a que acrescem juros de mora legais e encargos até integral pagamento. -pelo valor de € 3.605,00 (Op. ...) correspondente ao valor total do crédito à data do vencimento fixado a que acrescem juros de mora legais e encargos até integral pagamento. Assim, vimos pela presente interpelar V. Ex. na qualidade de avalista, para, no prazo de 5 dias, a contar da receção da presente carta, proceder à liquidação daquele valor. Findo o prazo indicado, sem que tenha sido efetuado o respetivo pagamento, promoveremos, de imediato, sem mais aviso, a instauração da competente ação executiva. (…)”
AA) A carta veio devolvida com a indicação “Nova morada.”
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8. Motivação Jurídica

1. Da excepção de prescrição
Pretende a parte que o crédito já prescreveu nos termos do art. 310º, do CC.
Certamente por lapso, pois a prescrição afere-se em relação ao título executivo que é uma livrança e que possui um regime especial previsto no art. 70º, da LULL.
Ora, o prazo de 3 anos tendo em conta a data oposta no título (24.9.21) ainda não tinha decorrido quanto a execução foi intentada (2022).
Sempre se dirá que pretendem os apelantes ser aplicável o prazo de prescrição e que este começou a contar da data da insolvência (Abril de 2016), tendo, pois terminado apenas alguns meses antes da data de emissão da livrança.
Mas teremos de notar, que os apelantes esquecem que esses créditos foram reclamados nos autos de insolvência e reconhecidos pelo Sr. Administrador, pelo que nessa data e em relação ao principal devedor a prescrição foi interrompida nos termos do art. 323º, nº1, do CC. Logo, nos termos do art. 326º, do CC iniciou-se nessa data novo prazo que assim não se completou antes do preenchimento do título de crédito.
Por isso, mesmo nessa tese, inexiste qualquer decurso válido do prazo prescricional.

8.2. Do preenchimento abusivo
Invocam as partes três fundamentos para se concluir por esta situação.
a) Por um lado a nulidade da cláusula que o permite nos termos do art. 15 do RGCCG.
b) Depois, porque com a extinção da obrigação cartular extingue-se a relação jurídica de garantia que lhe é meramente acessória.
C) E, por fim porque existe abuso de direito
Comecemos, por este último.
Basicamente pretendem os executados que o preenchimento do título não possui qualquer causa ou justificação jurídica e por isso é abusivo.
Ora, independentemente das discussões doutrinais, é pacifico entre nós que todos os negócios jurídicos (latu sensu) têm ínsita uma causa objectiva e abstracta, que reside, pelo menos, no interesse que o contrato visa realizar para ambas as partes.
A este propósito, e no âmbito do direito comparado, é elucidativo o teor do art. 1131 do Código Civil Francês que dispõe: « l'obligation sans cause, ou sur une fausse cause, ou sur une cause illicite, ne peut avoir aucun effet ».
Entre nós a mesma conclusão pode ser retirada do art. 280º, do CC e tem vindo a ser aceite pela jurisprudência. Por isso como esclareceu o já muito antigo, mas ainda actual, Ac. STJ de 26.6.75, (in www.dgsi.pt), « improcede a acção cambiaria se o autor, como sacador de varias letras que representam prestações da totalidade de uma pretensa divida, demanda o aceitante delas ou quem como tal considera, e, portanto, o sujeito passivo da relação juridica imediata, uma vez que as instancias julgaram que a " causa debendi " não existe, por entre o autor e a ré não se ter efectuado qualquer transacção ou negocio jurídico ».
Podemos, portanto, concluir que nos contratos comutativos a ausência de causa consiste na inexistência da contra-prestação ou na existência de uma contraprestação ilusória ou apenas aparente.
In casu porém nada disso se provou.
Bem pelo contrário. A embargada comprovou que as livranças em causa foram assinadas e entregues no âmbito de um contrato de crédito, no qual a quantia exequenda ainda estava em dívida, tanto quanto resulta dos autos.
Nesta matéria a única factualidade alegada é que a insolvência foi declarada em 2016 e a livrança preenchida em 2021, logo 5 anos depois. Note-se, porém, que isto não demonstra qualquer abuso de direito, muito menos que esse seja flagrante, pois, é natural que a livrança apenas seja accionada após a liquidação e realização de pagamentos no processo de insolvência, pois, só assim saberia o credor qual o restante montante ainda em divida.
Mais, no decurso desse prazo essa quantia foi reclamada nos autos de insolvência o que só poderia beneficiar os apelantes. Ou seja, esta dilação no preenchimento até poderia beneficiar os apelantes ao permitir que a quantia excutida fosse menor.
Inexiste, pois, qualquer indício relevante de abuso de direito.
Logo, terá de improceder esta questão, porque, não está preenchido qualquer requisito do art. 334º, do CC.

2. Quanto à prescrição, parece que a simples entrega dos títulos de crédito com autorização de preenchimento consubstancia um negócio causal que permite, como já dissemos a aplicação do regime especial do art. 70º, da LULL.
Portanto, improcede também esta questão.

3. Quanto ao regime das cláusulas contratuais gerais.
a) O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais – constante do Dec. Lei nº 446/85 – tem como objectivo introduzir alguns mecanismos que visam, por um lado, evitar os abusos decorrentes da imposição unilateral de determinadas cláusulas por parte de um dos outorgantes e, por outro lado, colmatar, de alguma forma, as restrições ao princípio da liberdade contratual que são inerentes aos contratos de adesão e onde um dos contraentes não tem qualquer possibilidade de negociar e influenciar os termos do contrato.
Portanto, deveriam os embargantes alegar que o contrato em causa assume a natureza de uniformidade, inalterabilidade para que depois, o tribunal pudesse em concreto sindicar a sua conformidade com esse diploma.
Porque, o ónus de alegação dessa natureza cabe aos apelantes e depois caberia sim à apelada querendo, invocar alguns dos elementos do art.º 8º do Decreto-Lei n.º 446/85. Nessa medida, o Ac do STJ de 24-10-2006, é claro dizendo que “a contraparte tem previamente de provar que o contrato em causa reveste a natureza de contrato de adesão, definida no art. 1º do citado decreto-lei.”
Nos mesmos termos, Menezes Cordeiro[1]: “refere: “A exigência da falta de prévia negociação é um elemento necessário e autónomo, que deve ser invocado e demonstrado”.
*
b) Sempre se dirá que o art. 15.º desse diploma, dispõe que “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
A boa fé é uma norma de conduta material que visa modelar o comportamento contratual das partes, por comparação com critérios de adequação social, valores éticos, padrões morais e pautas de conduta consideradas exigíveis naquela situação concreta. A boa fé, será pois, um dos principio nucleares do direito civil, que desempenha não apenas uma função orientadora do comportamento das partes mas, neste caso, permite num juízo posterior, sindicar e valorar esse mesmo comportamento.
Note-se que, de facto, são inúmeras as situações que já foram subsumidas a essa previsão, até no mesmo sector de actividade[2]. Mas, o que nunca parece ter sido decidido é que a simples cláusula que autorize o preenchimento de um título de crédito seja, por si só e sem mais, violadora do dever de boa fé. O que pode ser violador desta não é a possibilidade de preencher, mas podem ser sim os termos da cláusula, as suas condições e o seu desequilíbrio no quadro global do contrato.
Ora, in casu, estamos perante um contrato de natureza comercial e não entre consumidores e uma instituição e crédito. Depois, não vislumbramos em que medida o teor da cláusula seja excessivo na medida em que visa operacionalizar a entrega da garantia do bom cumprimento do contrato. Na verdade, o facto de a livrança ter sido preenchida 5 anos depois da declaração da insolvência em nada contende com o teor da cláusula, mas sim apenas e só com a eventual existência de um abuso de direito.
Por fim, teremos de notar que o teor da cláusula, está densificado e limitado, fazendo depender esse preenchimento da obrigação subjacente, como consta dos factos provados.[3]
Ou seja, a mesma não permite qualquer liberdade arbitrária de fixar nem a data do preenchimento, nem o seu montante, mas depende sim da data e valor do incumprimento que, por sua vez dependem da conduta voluntária e que se presume responsável dos apelantes.
Nestes termos, o concreto preenchimento efectuado corresponde não apenas aos valores em dívida como dependeu da conduta dos apelantes que não cumpriram nesses termos as suas obrigações assumidas.
Improcede pois, a alegação em causa.

4. Do genérico abuso de preenchimento
Por fim, em termos gerais a invocação e ónus de prova dos elementos do preenchimento abusivo impende sobre, neste caso, os apelantes. Desde logo, porque isso é o que resulta da aplicação do art. 342º, do CC. Depois, porque estamos perante uma excepção material ao crédito exequendo, pelo que, conforme refere o Ac do STJ de 14.12.06[4], “Como excepção de direito material, o preenchimento abusivo deve ser alegado e provado pelo embargante em processo de embargos de executado, cumprindo ao embargante demonstrar que a aposição de data e montante foram feitas de forma arbitrária e ao arrepio do acordado.”.
Note-se aliás que, a propósito de um título de crédito semelhante, foi proferido o AUJ do STJ de 14/05/96[5] que fixou "Em processo de embargos de executado é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador ou a seu mando que recai o ónus de prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância".
Ora, no caso, foi isso que os apelantes não fizeram, pelo que terá de improceder esta sua alegação.
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9. Deliberação
Pelo exposto este tribunal, decide julgar a presente apelação improcedente por não provada e, por via disso, confirmar integralmente a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes porque decaíram completamente.

Porto em 20.4.2023
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
António Carneiro da Silva
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[1] Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte geral, Tomo I, 2005, Almedina, pág. 615.
[2] Entre vários, envolvendo avalistas, o Ac da RL de 25.3.21 (Pedro Martins), nº 6798/16.7T8LSB-A.L2-2; Ac da RC de 1.7.2014 (Anabela Luna), nº 712/11.3T2AGD-A.C1.
[3] O teor da cláusula é: “A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente operação, nomeadamente o valor do crédito da Banco 1... que resultar dos pagamentos que a mesma vier a fazer à BENEFICIARIA em execução da Garantia Bancária, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança”
[4] Proc. 06A2589.
[5] In DR I Série-A, de 11/07/96.