Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
598/10.5T2AND.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: EXPLORAÇÃO FLORESTAL
ARBORIZAÇÃO E REARBORIZAÇÃO COM ESPÉCIES FLORESTAIS
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RP20151105598/10.5T2AND.P1
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se na data em que foi feita a plantação dos eucaliptos num determinado prédio este se integrava numa área de terrenos todos eles afectos à exploração de floresta e mato, essa plantação podia ser feita até à linha divisória e não passa a ser ilegal quando o proprietário confinante decide alterar a utilização do seu terreno para a construção urbana.
II - O DL n.º 96/2013, que aprovou o regime jurídico das acções de arborização e rearborização com espécies florestais, revogou o DL n.º 28.039, de 1937, que até aí proibia a plantação de eucaliptos a menos de 30 metros de distância dos prédios urbanos, não existindo actualmente na nossa ordem jurídica norma legal contendo essa proibição ou proibição similar.
III - O dono das árvores cujas raízes penetram no subsolo do prédio vizinho causando danos ao respectivo proprietário, só incorre em responsabilidade pelos danos a partir do momento em que a sua actuação se torna ilícita e culposa, o que apenas sucede se e quando for avisado pelo proprietário lesado da acção das raízes e por este interpelado para as arrancar e remover.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 598/10.5T2AND.P1 [Comarca de Aveiro/Inst. Local/Anadia/Sec. Genérica]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
B…, contribuinte fiscal n.º ………, residente na Rua …, n.º .., Anadia, instaurou acção judicial contra C… e mulher D…, contribuintes fiscais nos. ……… e ………, residentes em …, …, Anadia, pedindo a condenação dos réus a absterem-se de plantar arrancarem os eucaliptos existentes na faixa de 30 metros ao longo do limite da sua propriedade confinante com o prédio do autor, e a pagar ao autor a quantia de €6.965,19, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento, e bem ainda que seja fixada sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no não arranque dos eucaliptos já existentes, respectiva ramagem e raízes.
Para o efeito, alegou que é proprietário de um prédio urbano composto por casa de habitação que adquiriu em 2002, o qual confina com um prédio rústico dos réus, no qual estes plantaram diversas árvores, maioritariamente eucaliptos, que se encontram a menos de 30 metros de distância do muro divisório que separa ambas as propriedades e o ultrapassam mesmo com ramos e raízes.
Acrescentou que em Fevereiro de 2009 um eucalipto da propriedade dos réus foi cortado, desconhecendo-se por quem, e caiu sobre a vedação que divide os prédios, danificando-a; que as raízes dos eucaliptos existentes no prédio dos réus entraram e continuam a entrar pelo prédio do autor danificando o pavimento, partindo e entupindo constantemente as canalizações da casa e rebentando tubos, causando estragos que o autor se viu obrigado a reparar e a perda de água provinda do abastecimento público que o autor foi obrigado a pagar; que esta situação lhe causa incómodos, arrelias e aborrecimentos. Mais alegou que contactou por diversas vezes os réus expondo-lhe a situação mas estes nada fizeram.
A acção foi contestada, pugnando-se pela improcedência total do pedido, mediante a impugnação dos factos alegados pelo autor relativos aos danos e a alegação de que quando os réus adquiriram o seu prédio este já era um eucaliptal e a zona onde se situam ambos os prédios era uma zona de mato e floresta, destinada à produção de pinheiros e eucaliptos. Os eucaliptos estão plantados no prédio dos réus há mais de 20 anos, tal como havia eucaliptos no prédio do autor antes de este ser transformado e nele construída a casa de habitação. Por fim, que o autor nunca comunicou aos réus a existência de prejuízos causados pelas raízes, nunca lhes deu conhecimento da invasão do seu prédio por árvores e raízes e não realizou, como podia, ele mesmo o corte das raízes.
Após julgamento, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os réus dos pedidos.
Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I. A questão colocada no presente processo insere-se no âmbito do chamado "direito de vizinhança" em sede de restrições legais ao direito de propriedade.
II. O direito de propriedade tem assento constitucional – art. 62º – aí se consagrando o direito à propriedade privada e a sua transmissibilidade inter vivos ou mortis causa.
III. Por sua vez, "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas." (art. 1305º do CC).
IV. O direito de propriedade não é, pois, um direito absoluto, já que a lei prevê situações em que é necessário impor limites ao seu exercício. A par das limitações de interesse público de que sobressai, desde logo, a expropriação (art. 62º, nº 2, da Constituição, Código das Expropriações e 1310º do Código Civil), sofre também o direito de propriedade de limitações de interesse particular.
V. A problemática dos conflitos de vizinhança não deriva da aplicação rigorosa da protecção da propriedade como direito absoluto, mas sobretudo da "relação de facto" emergente da utilização da propriedade em consequência do exercício da actividade económica privada, socialmente vinculada, cujo equilíbrio da "coexistência pacífica" é rompido pela perturbação anormal ou excessiva, isto é intolerável.
VI. Daí que por vezes se empregue a noção de "quase contrato de vizinhança" para realçarem as obrigações recíprocas entre titulares de prédios vizinhos.
VII. É justamente o rompimento desse equilíbrio, com a violação das obrigações recíprocas de vizinhança, que faz desencadear o mecanismo sancionatório, com vista á reposição do "satus quo ante", quer através da tutela ressarcitória, quer da tutela inibitória, também chamada de "acção negatória".
VIII. A restrição à plantação de eucaliptos consta de legislação especial, conforme se pode comprovar da leitura do n.º 2 do artigo 1366º do Código Civil.
IX.O art. 1.º do DL n.º 28.039 proíbe a plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias da espécie denominada dealbata, conhecida como acácia mimosa, a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos.
X. Ora, a sentença apelada também faz uma errada interpretação do disposto no art. 1.º do DL 28039, de 14/09/37 e do n.º 2 do art. 1366.º do CC, além de violar outros dispositivos legais aplicáveis ao caso sub judice.
XI. Na verdade, dentro das limitações criadas ao direito de propriedade encontramos a que figura no art. 1366.º que impõe as restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos nas proximidades de prédios urbanos.
XII. Sendo certo que, é do conhecimento geral que os eucaliptos são árvores nefastas geradoras de inúmeros danos e daí o DL nº 28.039 de 14.09.1937 proibir a plantação ou sementeira de eucaliptos a menos de 20 m de terrenos cultivados e a menos de 30 m de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos.
XIII. Recorrendo à hermenêutica jurídica no intuito de alcançar o sentido que o legislador pretendeu dar àquele artigo, a plantação ou sementeira, forçoso será concluir que, além do sentido literal, que evidencia que o que se pretende não o é sentido dinâmico de plantar e semear mas o sentido estático de plantação ou sementeira, há que ter em conta o conflito de interesses que importa conciliar.
XIV. Ora, no caso sub judice, temos, por um lado, o interesse do A. que vê prejudicada a sua qualidade de vida e a dos seus bens que são constantemente danificados (ex. os pavimentos e as canalizações) e o interesse dos RR. em manter árvores no seu terreno.
XV. Da ponderação de ambos, é patente que os interesses aqui em causa são notoriamente desiguais e incompatíveis, devendo sempre prevalecer o que deva considerar-se superior -art. 335.° do CC – e que, no caso presente, é manifestamente o do A.
XVI. Não se mostrando, por isso, necessária a preexistência da casa para que se proceda ao arrancamento dos eucaliptos.
XVII. Por outro lado, se é certo que o art. 1366.º, n.º 1, do CC dispõe que ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar os ramos que sobre ele propendem, se o dono da arvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de 3 dias, sempre se dirá que este dispositivo apenas tem lugar quando, para o efeito, o dono do prédio afectado com tais ramos não tenha de invadir a propriedade do prédio vizinho que, face a altura e grandeza dos eucaliptos, não é o caso dos autos, não tendo, por isso, aqui aplicação o disposto neste artigo.
XVIII. Ao afastar a aplicabilidade da Lei 1951 ao caso vertente, por se entender que os eucaliptos foram plantados em momento anterior à construção da casa, a Sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação desta mesma lei.
XIX. Além disso resultou dos autos que os eucaliptos já foram cortados 2 a 3 vezes, pelo que nunca seria a mesma plantação a que estará aqui em causa.
XX. Mas ainda que se aceitasse tal inaplicabilidade e a desobrigação de que a plantação distasse 30 metros do prédio do Recorrente, encontrando-se peticionado subsidiariamente a indemnização dos danos sofridos, danos esses dados como provados, a sucumbência deste pedido traduz uma incorrecta aplicação da lei aos factos provados e violação de lei.
XXI. Contrariamente à interpretação dada ao art. 1366° do C.C. na fundamentação de direito da sentença recorrida, na parte decisória da mesma é entendido que ao A. resta cortar as ramagens que invadam o seu prédio, não existindo nenhuma obrigação a impender sobre os proprietários das árvores.
XXII. Ora, esta última interpretação, além da contradição assinalada, é incorrecta, pois aquele dispositivo legal encerra uma faculdade e, não, a obrigatoriedade do vizinho cortar as ramagens que invadam o seu prédio, nada mais podendo fazer para além disso.
XXIII. OU seja, estando em causa direitos da mesma natureza, conforme é dito na sentença, nomeadamente, o direito de cada uma das partes poder dispor e fruir dos prédios em causa, conflituantes em virtude da sua vizinhança, conduz precisamente à aplicação da matéria relativa à colisão de direitos. Ao assim não o entender, ocorreu violação de lei.
XXIV. Ao A/Recorrente assiste o direito de ir além da estatuição prevista no art. 1366°, por forma a pôr termo a tais perigos e prejuízos em definitivo, pois a exercerem a faculdade prevista naquele preceito legal, teriam de o fazer amiúde e, mesmo assim poderiam não evitar os riscos e estragos provocados na sua casa pelos eucaliptos.
XXV. Na verdade, atenta a matéria provada, as normas que no entendimento do Tribunal " a quo" regulam a situação em apreço eram insuficientes para acautelarem os direitos e deveres das partes, conforme não ficaram acautelados.
XXVI. Contrariamente ao que consta da decisão recorrida, o pedido de eliminação dos danos provocados no prédio do Recorrente não deriva do facto dos eucaliptos não se encontrarem a mais de 30 metros daquele, mas sim no facto destes terem provocado danos, cuja reparação se peticionou.
XXVII. As premissas em que assentou a improcedência deste pedido estão erradas e são contrárias aos factos provados.
XXVIII. Nestes termos deve a sentença recorrida ser substituída por outra que condene os RR. ao arranque dos eucaliptos existentes numa faixa de 30 metros ao longo da sua propriedade confinante com o prédio do A e ao pagamento da quantia de 6.965,19€ referente aos prejuízos sofridos em virtude da invasão das ramagens e raízes dos eucaliptos existentes no terreno dos RR. no prédio do A
XXIX. Razões pelas quais se pugna por que os venerandos Juízes Desembargadores … prolatem Acórdão que revogue decisão recorrida e julguem os pedidos formulados pelo A. totalmente procedentes …

Os recorridos, em articulado conjunto, responderam a estas alegações, defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
1 - Deve o recurso interposto pelo autor ser considerado totalmente improcedente como o considerou o Tribunal a quo;
2 - Se o Tribunal ad quem vier a considerar o recurso interposto pelo A., procedente, o que não se espera, deverá a resposta à matéria de facto dada pelo Tribunal a quo quanto aos factos constantes sob os n.ºs 13, 14, 17, 19, 20, 22, 25, 27, 29, [a saber: 13 - Danificando e partindo o pavimento; 14 - O A. começou por ter o pavimento todo em betão no entanto as raízes começaram a rachar, partir e levantar o betão; 17 - As raízes acabaram por partir uma primeira vez o pavimento cerâmico que o A. havia colocado; 19 - As raízes voltaram a partir o pavimento uma terceira vez; 20 - Além do pavimento as raízes partem e entopem as canalizações de casa do A.; 22 - As raízes destruíram a canalização da dita casa de banho rebentando, entre outros, um tubo que se situa debaixo da base de chuveiro; 25 - Tal rebentamento levou a um aumento desproporcional do consumo de água em Janeiro e Fevereiro de 2010; 27 - E em Fevereiro de 2010, pagou o valor de 1.005,94 €; 29 - por força deste rebentamento, o autor teve de reparar os tubos danificados, implicando um custo de 2.401,46 €] ser alterada e considerá-los como não provados, por ausência de prova, tendo o Tribunal a quo cometido um erro na apreciação dessa matéria de facto;
3 - O Tribunal a quo considerou provados os factos constantes sob os n.ºs 13, 14, 17, 19, 20 e 22, com base nos depoimentos das testemunhas do A. E…, F… e G… e o vertido em 25,27 e 29 com base nos documentos de fls. 25 a 28;
4 - Do depoimento de tais testemunhas e dos documentos citados, não se podem tirar necessariamente tais conclusões, antes pelo contrário, deve-se considerar não provados todos esses factos;
5 - Nenhuma das testemunhas ouvidas refere ou corrobora os factos dados como provados pelo tribunal a quo, nomeadamente, as testemunhas consideradas pelo Tribunal a quo: - E…, cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação em uso no tribunal, com início 00:00:01 a 00:16:15, cf. ata de fls.…; - F…, cujo depoimento se encontra gravado no referido sistema, com início 00:00:01 a 00:17:07, cf. ata de fls.…; - G…, cujo depoimento se encontra gravado no referido sistema, com início 00:00:01 a 00:34:34, cf. ata de fls.…
6 - Nenhuma dessas testemunhas, ou as outras, referem factos que pudessem levar a tal conclusão a que chegou o Tribunal a quo;
7 - Quanto ao vertido em 20, o Tribunal a quo com base nas indicadas testemunhas apenas poderia considerar provado que as raízes entupiram a tubagem de acesso ao W.C. do Rés-do-Chão e partiram o tubo de água entre o contador e o quadro de distribuição;
8 - Também não poderia o Tribunal a quo considerado provados os factos vertidos sob os n.ºs 27 e 29, por, contrariamente ao considerado pelo Tribunal, inexistir prova que aponte no sentido em que decidiu o Tribunal recorrido;
9 - Nenhuma testemunha ouvida refere que o autor tenha pago o que quer que seja, e dos documentos não se pode concluir existir pagamento;
10 - Os docs. fls. 25 a 28, são uma Conta Corrente e Fatura – na Conta Corrente refere que o valor pago respeitante a Fevereiro de 2010 é "0,00 €" e nas facturas não consta qualquer pagamento, não foi junto qualquer meio de pagamento, nomeadamente recibo que é meio idóneo para demonstrar um pagamento;
11 - Os meios de prova considerados pelo Tribunal a quo para dar como provada tal factualidade não são idóneos, nem suficiente para demonstrar tais factos;
12 - Deverá o Tribunal ad quem alterar a resposta à matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, no que tange aos factos constantes dos n.ºs 13, 14, 17, 19, 20, 22, 25, 27, 29 considerando-se tais factos não provados por ausência de prova;
13 - A douta decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 234 C.C. e 607º C.P.C.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.
As conclusões das alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões:
i) Se existe a obrigação de os réus arrancarem os eucaliptos plantados no seu prédio a menos de 30 metros de distância do muro do prédio urbano do autor.
ii) Se estão preenchidos os pressupostos para condenar os réus a pagar ao autor uma indemnização por danos emergentes da introdução de raízes e sobreposição de ramos dos eucaliptos dos réus no prédio do autor.

III.
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. O autor é dono e legítimo proprietário do prédio urbano, sito em …, no concelho de Anadia, composto por casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar, confronta a norte com H…, a sul com I…, a nascente com J… e a poente com a estrada municipal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 2054 da freguesia de … e inscrito na matriz predial sob o artigo 2762 da respectiva freguesia.
2. O autor adquiriu o prédio referido no n.º 1 por escritura pública de compra e venda, lavrada no Cartório Notarial de Cantanhede, no dia 15 de Julho de 2002.
3. Foi o Sr. K… e a Sra. L… que mandaram construir a moradia que o autor viria a adquirir em 2002 e que desde essa data passou a utilizar para sua habitação própria permanente.
4. A moradia começou a ser construída em 2001, tendo ficado concluída durante o ano de 2002.
5. Os réus são donos e legítimos proprietários do prédio rústico, pinhal e eucaliptal, que confronta a norte com M…, a sul com N…, a nascente com os herdeiros de O… e a poente com a estrada, inscrito na matriz sob o número 2948, da Conservatória do Registo Predial de Anadia.
6. Ambos os prédios são confinantes entre si, confrontando o prédio dos réus a sul com o prédio do autor.
7. No prédio do autor está implantada a sua habitação, casa de morada de família.
8. No prédio dos réus existem diversas árvores, nomeadamente e maioritariamente, eucaliptos.
9. Os eucaliptos encontram-se ao longo de toda a propriedade, estendendo-se ao longo do muro que separa as propriedades de autor e réus.
10. Ultrapassando-o quer com ramagem, quer com raízes.
11. Os eucaliptos plantados pelos réus encontram-se a menos de 30 metros de distância do muro divisório das propriedades.
12. As raízes dos eucaliptos existentes no prédio dos réus que se encontram junto ao muro, entraram e continuam a entrar pelo prédio do autor.
13. Danificando e partindo o pavimento.
14. O autor começou por ter o pavimento todo em betão no entanto as raízes começaram a rachar, partir e levantar o betão.
15. Perante esta situação resolveu mandar assentar um pavimento cerâmico em cima do cimento por ser mais resistente.
16. No entanto nem tal pavimento conseguiu resistir à força das raízes dos eucaliptos que brotam do prédio dos réus e entram pelo seu prédio dentro.
17. As raízes acabaram por partir uma primeira vez o pavimento cerâmico que o autor havia colocado.
18. O autor voltou a reparar o pavimento cerâmico e passado pouco tempo dessa primeira reparação as raízes voltam a partir o pavimento cerâmico tendo novamente o autor mandado proceder à reparação do mesmo.
19. As raízes voltaram a partir o pavimento uma terceira vez o pavimento.
20. Além do pavimento as raízes partem e entopem as canalizações de casa do autor.
21. O autor teve que fazer tubos e caixas de água e saneamento numa das vezes que as raízes invadiram inclusivamente as canalizações de uma casa de banho existente no rés-do-chão da casa, a sensivelmente 5 metros da extrema que divide os prédios do autor e dos réus.
22. As raízes destruíram a canalização da dita casa de banho rebentando, entre outros, um tubo que se situava debaixo da base de chuveiro.
23. Para reparar os tubos que se situavam debaixo da base de chuveiro, os canalizadores tiveram que a arrancar, o que levou inevitavelmente a que partissem a mesma, deixando-a completamente inutilizada.
24. As raízes rebentaram ainda numa outra ocasião um tubo de polietileno que alimenta os anexos da habitação com água e que está enterrado debaixo do pavimento supra mencionado.
25. Tal rebentamento levou a um aumento desproporcional do consumo de água, em Janeiro e Fevereiro de 2010.
26. Sendo que em Janeiro de 2010 o autor pagou de consumo de água o valor de €357,79.
27. E em Fevereiro de 2010 o valor de €1.005,94.
28. Quanto a média mensal anterior rondava os €150,00.
29. Por força deste rebentamento, o autor teve de reparar os tubos danificados, implicando um custo de €2.401,46.
30. Em 9 de Fevereiro de 2009, o autor enviou aos réus carta registada com aviso de recepção com o seguinte teor: “Pela presente, sou, na qualidade de dono e legítimo proprietário do imóvel sito no lugar e freguesia de … inscrito na matriz urbana da ferida freguesia sob o n.º 2948 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 2237/19990120, a contacta-lo na sua qualidade de proprietário do prédio confinante o Sul, no sentido de proceder ao arrancamento dos eucaliptos plantados e situados a uma distância inferior a trinta (30) metros relativamente à génese do imóvel de minha propriedade”.
31. O autor teve incómodos, arrelias, aborrecimentos, com as situações descritas.
32. O prédio referido em 5 dos factos provados foi adquirido pela ré e marido, por compra, a P…, em 17/6/1991.
33. O prédio é descrito no registo predial com a composição de eucaliptal.
34. Os eucaliptos existentes no prédio da ré estão ali plantados há mais de 20 anos.
35. E foram plantados numa zona que era de terrenos de mato e floresta, na época.
36. O prédio dos réus, tal como o próprio prédio do autor, estava exclusivamente destinado a produção de mato, pinheiros e eucaliptos.
37. Os eucaliptos já existiam no terreno dos réus, quando o então proprietário confinante transformou o seu terreno, que era também mata, construindo ali uma casa de habitação.

IV.
i) nota prévia:
Antes de mais uma nota quanto ao modo como se encontra formulado o recurso.
Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do novo Código de Processo Civil, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e de precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o artigo 641.º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (artigo 639.º, n.º 3).
Ora, no caso, como infelizmente se vai tornando norma, verifica-se que o recorrente redigiu as suas alegações, dividindo-as em parágrafos numerados com letras do alfabeto, depois escreveu a expressão “em conclusão” e a seguir repetiu na íntegra, sem qualquer síntese, redução ou expurgo, as alegações, com a única diferença de estas virem numeradas com numeração romana.
Do ponto de vista substancial, o recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, limitou-se a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal (conforme a criatividade, esta prática surge nos processos dissimulada de várias formas, designadamente usando diferentes numerações para as ditas “alegações” e as supostas “conclusões”, uma ordinal e a outra cardinal, uma numérica e a outra alfabética, por vezes as “alegações“ não são sequer numeradas e a numeração só aparece nas supostas “conclusões”).
Por conseguinte, do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve a mera desatenção ou até lapso informático, deve aplicar-se por maioria de razão às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a repetir o texto das alegações, não podendo deixar de saber que não está a formular, como devia, quaisquer conclusões.
Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar o recorrente a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, que isso representaria apenas mais uma perda de tempo e de forma a não permitir que esta falha seja vista como um obstáculo inesperado ao conhecimento efectivo do recurso (prejudicando a própria parte que é quem tem o direito a que as suas razões de discordância da decisão sejam apreciadas, para o que espera que essas razões sejam, ao menos, expostas pelo seu mandatário como determina a lei processual, sob pena de irrelevância da intervenção deste) decidimos, no entanto, prosseguir sem mais com a análise dos fundamentos do recurso, deixando, no entanto, perfeitamente ressalvada a possibilidade de passar a decidir diferentemente em casos futuros.

ii) do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28.039, de 14.09.1937
As normas do Código Civil que relevam para a decisão a proferir são as seguintes:
- Artigo 1305º, n.º 1: “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas”.
- Artigo 1366.º, n.º 1: “É lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias”.
- Artigo 1366.º, n.º 2: “O disposto no número antecedente não prejudica as restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias ou outras árvores igualmente nocivas nas proximidades de terrenos cultivados, terras de regadio, nascentes de água ou prédios urbanos, nem quaisquer outras restrições impostas por motivos de interesse público”.
O diploma especial para que remetia o Código Civil, com interesse para o caso, era o Decreto-Lei n.º 28.039 de 14-09-1937, cuja redacção era a seguinte:
É proibida a plantação ou sementeira de eucaliptos (…) a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos.
§ único. Exceptuam-se do disposto neste artigo os eucaliptos … plantados ou semeados dentro das referidas faixas, se entre essas árvores e os terrenos, nascentes, terras de regadio, muros e prédios urbanos mediar estrada, via férrea e curso de água, caminho público, ou desnível de mais de 4 metros ou no caso de se reconhecer que a forma mais conveniente de aproveitamento do terreno em que estiverem radicados e dos terrenos vizinhos é a arborização com aquelas ou outras espécies semelhantes”.
A questão das distâncias a guardar na plantação de eucaliptos em relação ao prédio vizinho e das condições em que a inobservância dessas distância gera a obrigação de arrancamento dos eucaliptos, foi já abordada e decidida em diversos Acórdãos das Relações, em termos que nos parecem praticamente pacíficos, designadamente no Acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011, relatado por Carlos Gil, nos Acórdãos da Relação do Porto de 09.03.2010, relatado por Sílvia Pires, e de 10.05.2012, relatado por Filipe Caroço, ou no Acórdão da Relação de Guimarães de 19.11.2009, relatado por Isabel Rocha, todos in www.dgsi.pt, os quais por merecerem a nossa inteira concordância iremos, com a devida licença, acompanhar de perto, com os acrescentos que oportunamente assinalaremos.
“O direito de propriedade é, dos direitos reais de gozo, o que apresenta um conteúdo de maior amplitude: o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (art.º 1305º do Código Civil).
São suas características essenciais a plenitude e a exclusividade, no sentido de que a lei permite o aproveitamento da coisa até aos confins das possibilidades jurídicas permitidas pelo bem, e de que o titular tem ainda o ius excludendi omnes alios, ou seja, a faculdade de repelir todos os estranhos que se interponham entre o titular e a coisa objecto.
Poderia assim entender-se que o direito de propriedade é um direito absoluto. Mas não é, justamente, na medida em que sofre limitações e restrições impostas por lei. É o que emerge também do citado art.º 1305º, in fine, com base de sustentação na função social da propriedade, através da realização de fins de interesse colectivo, mas também pela protecção de interesses individuais quando as restrições e limitações ao direito resultam da necessidade de proteger, por exemplo, determinadas relações de vizinhança, ou mesmo quando o exercício do direito se revela abusivo ofendendo um interesse de terceiro digno de tutela jurídica)” – apud Acórdão da Relação do Porto de 10.05.2012 cit. -.
“A regra geral vigente no nosso direito civil quanto ao plantio ou sementeira [..] de árvores e arbustos [..] é a de que a cada um, no seu prédio, são lícitos esses actos, desde que se efectivem até à linha divisória dos prédios.
No entanto, o dono do prédio vizinho tem a faculdade de arrancar e cortar as raízes [..] que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, desde que o dono da árvore ou arbusto, depois de intimado para o efeito, judicial ou extrajudicialmente, não proceda ao arrancamento e corte das raízes e ao corte de troncos ou ramos de árvores ou arbustos que invadam, respectivamente, o espaço subterrâneo ou aéreo do prédio do vizinho.
A solução actualmente vigente já se encontrava, no essencial, consagrada no artigo 2317º do Código Civil de 1867 [..] e daí que se entenda que o regime actual tem carácter interpretativo nos segmentos em que se verificaram algumas alterações meramente formais [..]. Já no direito vigente antes do Código Civil de 1867, o regime jurídico era diverso, devendo sempre deixar-se uma faixa de terreno entre o arbusto e a linha divisória, faixa cuja largura variava consoante a espécie vegetal em causa [.].
Independentemente da faculdade genérica de plantio ou sementeira de espécies arbóreas e arbustivas até à linha limite de cada prédio previstas no Código Civil de 1867 e no Código Civil actualmente vigente, dando eco a uma preocupação que vinha já dos confins dos tempos [..], o legislador decretou por meio da Lei nº 1:951, publicada no nº 56, da Iª série do Diário do Governo, de 9 de Março de 1937, a proibição da plantação ou da sementeira de eucaliptos ou de acácias a menos de vinte metros de distância de terrenos cultivados e a menos de quarenta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos, salvo se entre umas e outras mediar curso de água, estrada ou desnível de mais de quatro metros.
No mesmo ano, volvidos poucos mais de seis meses, mediante o decreto-lei nº 28:039, publicado na Iª série do Diário do Governo, nº 215, a 14 de Setembro de 1937, o legislador veio proibir a plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias da espécie denominada dealbata, vulgarmente conhecida por acácia mimosa, e de ailantos, a menos de vinte metros de terrenos cultivados e a menos de trinta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos (corpo do artigo 1º, do decreto-lei nº 28:039).
Exceptuou-se do disposto nesta legislação os eucaliptos, acácias e ailantos plantados ou semeados dentro das referidas faixas, se entre essas árvores e os terrenos, nascentes, terras de regadio, muros e prédios mediar estrada, via férrea e curso de água, caminho público, ou desnível de mais de quatro metros, ou no caso de se reconhecer que a forma de aproveitamento do terreno em que estiverem radicados e dos terrenos vizinhos é a arborização com aquelas ou outras espécies semelhantes (§ único do artigo 1º, do decreto-lei nº 28:039).”- Apud Acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011 cit. –.
“Tem sido entendido, de modo, pelo menos, maioritário [..], que a restrição ao exercício do direito de propriedade a que se refere o art.º 1º do Decreto-lei nº 28 039 só opera se a plantação ou sementeira de eucaliptos ocorre em momento posterior ao cultivo dos terrenos confinantes ou à construção de edifício nesse prédio [.]. É no momento em que se semeiam ou plantam as árvores que se afere da existência das aludidas restrições e do consequente direito dos interessados a obter o respectivo arrancamento. A letra do art.º 1º do Decreto-lei nº 28 039 vai nesse sentido: o que se proíbe é o acto de semear e plantar em violação das restrições ali referidas. O arrancamento das árvores tem como pressuposto a violação de alguma das normas que proíbem a plantação ou sementeira da respectiva espécie com desrespeito por determinadas distâncias em relação a terrenos cultivados, nascentes e prédios urbanos (art.º 5º do Decreto-lei 13 658, Base I da Lei 1.951 e art.º 1º do Decreto-lei 28 039).
Foi nesta senda que no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8.11.1984, na sequência, aliás, do anterior acórdão do mesmo Alto Tribunal de 25.3.1971 [..], se considerou que a violação da proibição em causa não ocorre se a plantação ou sementeira tiverem lugar quando no prédio vizinho ainda não existiam os edifícios ou as culturas para que se pretende a protecção, «necessariamente que não pode impor-se, com base nessas normas, o arrancamento das árvores…não podendo o proprietário transformar em actos ilegais aqueles actos dos vizinhos que eram legítimos à data em que foram praticados» [..]” – apud Acórdão da Relação do Porto de 10.05.2012 cit. –.
“As previsões legais que os recorrentes invocam para alicerçar o pedido de arrancamento dos eucaliptos da ré, numa faixa de trinta metros a contar da estrema poente do seu prédio, do ponto de vista literal, referem-se à proibição de plantação e de sementeira dentro de certo espaço, para certas espécies vegetais, no acto da plantação ou da sementeira.
Do ponto de vista racional, percebe-se que assim seja, porquanto os imóveis, não são uma realidade cristalizada no tempo, podendo o seu dono, no uso do seu poder de transformação, apanágio da faculdade de disposição que lhe compete (artigo 1305º do Código Civil) [..], alterar as culturas, proceder a captação de água e implementar agricultura de regadio, se possível ou até, se legalmente autorizado, construir edificações no imóvel, transformando-o de prédio rústico em urbano. Ora, a interpretação sufragada pelos recorrentes contenderia com o direito de propriedade, na sua vertente do poder de disposição e constituiria uma inadmissível restrição do mesmo.
Finalmente, quer a Lei nº 1:951, quer o decreto-lei nº 28:039 dão uma indicação preciosa de que a proibição em análise opera, como regra, no momento da plantação ou da sementeira, quando prevêem um caso de responsabilidade por facto lícito no caso de plantações ou sementeiras feitas antes da vigência da Lei nº 1:951 (vejam-se a alínea a), da Base II, da Lei nº 1:951 e o § único do artigo 2º, do decreto-lei nº 28:039). Na verdade, se apenas nestes casos é conferido o direito a requerer o arrancamento, tal significa que relativamente a plantações ou sementeiras licitamente efectuadas ao abrigo da Base I da Lei nº 1:951 e do artigo 1º do decreto-lei nº 28:039 não existe essa faculdade [..].
Importa ainda vincar que o acto de plantação ou de sementeira não se confunde com a rebentação natural de uma espécie vegetal subsequente a um corte. O eucalipto é uma espécie vegetal cujas toiças têm aptidão para rebentar, vigorosamente, no espaço de dois ou três cortes e, numa exploração normal, o silvicultor conta com estas potencialidades da espécie, pois que evitam despesas com nova plantação e permitem um crescimento mais rápido do povoamento e menos sujeito a mortalidade. Nestes casos, a rebentação é da árvore que ali existia e que foi objecto de corte. Deste modo, a circunstância dos eucaliptos da ré já terem sofrido algum corte não significa que cada rebentação que surge após o corte deva ser tratada como uma nova plantação [..].
Num prisma de justiça material, mal seria que o conteúdo do direito de propriedade de alguém pudesse ficar dependente da prática de actos voluntários por parte de outrem. De facto, foram os autores que no uso do poder de transformação inerente ao direito de propriedade de que são titulares alteraram a destinação dos três prédios rústicos de pinhal e mato de que eram donos (…) e aí construíram uma casa, apesar do local de construção se achar rodeado por todos os lados de pinhais e eucaliptos (…). Nessa medida, bem sabiam em que condições se achava a envolvente do seu prédio, expuseram-se a um notório risco de incêndio e poderia até existir abuso de direito da sua parte, na modalidade de supressio [.], na pretensão de eliminação de uma situação que voluntariamente criaram e com a qual conviveram durante quase dez anos.” – Apud Acórdão da Relação de Coimbra 18.01.2011, cit. –.
“O artº 1º do DL 28.040 refere que as plantações e sementeiras feitas contra as disposições da Lei nº 1951, podem ser arrancadas a requerimento dos interessados. Isto é, é no momento em que se semeiam ou plantam as árvores que se afere da existência das aludidas restrições e do consequente direito dos interessados a obter o respectivo arrancamento. Também a letra do artº 1º da lei 1951 vai no mesmo sentido: o que se proíbe é o acto de semear e plantar em violação das restrições ali referidas.” – Apud Acórdão da Relação de Guimarães de 19.11.2009, cit. –.
Podemos acrescentar que esta interpretação é reforçada pela parte final da redacção do § único do artigo 1.º Decreto-Lei n.º 28039 de 14-09-1937.
Este segmento do preceito excepciona da proibição de plantação dos eucaliptos aquém da distância consagrada no corpo do preceito, as situações em que a forma mais conveniente de aproveitamento do terreno em que estiverem radicados e dos terrenos vizinhos seja a arborização com aquelas ou outras espécies semelhantes.
Ora se no caso os prédios de autor e réus se inseriam numa zona de mata e floresta, em que os terrenos eram destinados exclusivamente pelos seus proprietários à produção de mato, pinheiros e eucaliptos, podemos deduzir facilmente dessa circunstância que para os próprios interessados nos terrenos, à data da plantação dos eucaliptos no prédio dos réus, a forma de aproveitamento económico mais conveniente dos terrenos da zona envolvente era precisamente a plantação destas espécies de árvores. Por conseguinte, pode entender-se que na data da plantação, anterior à desafectação do terreno hoje do autor para a ocupação imobiliária, a obrigação legal de afastar os eucaliptos nem sequer se colocava na situação concreta.
Façamos agora a aplicação desta interpretação jurídica ao caso em apreço.
Resultou provado que os eucaliptos existentes no prédio dos réus foram plantados numa zona que à época da sua plantação era composta por terrenos de mato e floresta, encontrando-se então quer o prédio do autor quer o prédio dos réus afectos exclusivamente à produção de mato, pinheiros e eucaliptos. Resultou ainda provado que os réus adquiriram o seu prédio em 1991, que os eucaliptos foram ali plantados há mais de 20 anos, que a construção da cada de habitação no prédio do autor só foi iniciada em 2001 e que este adquiriram o seu prédio em 2002.
Sendo assim, não custa concluir que na data em que a plantação foi feita no prédio dos réus nada obrigava quem os plantou a deixar entre eles e o prédio vizinho, hoje do autor e à data da plantação igualmente afecto à exploração das mesmas árvores, a distância que o autor pretende agora que seja guardada.
A circunstância de no exercício dos poderes inerentes ao seu direito de propriedade, o proprietário de um dos prédios confinantes ter, posteriormente, mudado a afectação do seu prédio e, em vez de o usar para a exploração florestal, como até aí, construir nele uma habitação para vender, não coloca o proprietário confinante que mantém a utilização do seu prédio que até então vinha fazendo de um modo perfeitamente regular, numa situação de ilegalidade no tocante à plantação das árvores.
É claro que a proibição da plantação de eucaliptos a menos de 30 metros de muros e prédios urbanos consagrada no Decreto-Lei nº 28.039, de 14 de Setembro de 1937, encerra em si mesma a proibição, em simultâneo, da existência de eucaliptos aquém dessa distância, uma vez que se não puderem ser plantados eles não poderão existir.
Todavia, se a proibição não existia aquando da plantação, na medida em que o prédio vizinho não era terreno cultivado, nem possuía muros ou era prédio urbano (era também um pinhal e eucaliptal), a proibição legal não podia sobrevir em resultado de uma actuação não imputável ao autor da plantação, excepto se a norma legal consagrasse expressamente a proibição não apenas nos casos em que o prédio vizinho já fosse um terreno cultivado ou prédio urbano ou tivesse muros de vedação, mas igualmente nas situações em que este viesse a adquirir posteriormente essas qualidades ou características. Essa não é, como vimos, a redacção do Decreto-Lei n.º 28.039.
Desde 2013, existe, contudo, um dado legal, posterior aos referidos arestos e por isso neles não tratado que altera a perspectiva jurídica da questão que nos ocupa e que convém abordar.
Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de Julho, que aprovou regime jurídico a que estão sujeitas, no território continental, as acções de arborização e rearborização com recurso a espécies florestais, o qual entrou em vigor 90 dias após a respectiva publicação, encontrando-se actualmente em vigor (artigo 23.º).
No artigo 22.º, este diploma legal revogou, entre outros, a Lei n.º 1951, de 9 de Março de 1937, o Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937, o Decreto n.º 28040, de 14 de Setembro de 1937, o Decreto-Lei n.º 175/88, de 17 de Maio, e a Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho.
Os três primeiros diplomas referidos são precisamente aqueles que até aí de forma expressa definiam as distâncias mínimas a guardar em relação aos prédios vizinhos na plantação de eucaliptos. Os dois últimos reportavam-se às acções de arborização e rearborização com recurso a espécies florestais de rápido crescimento, onde se compreende o eucalipto (cf. artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 175/88), consagrando que a aprovação dessas acções dependia da observância do requisito relativo à distância estabelecido no Decreto-Lei n.º 28039 (artigo 1.º, alínea e) da Portaria nº 528/89).
Assim, pese embora a declaração contida na exposição de motivos do diploma, segundo a qual a aplicação do mesmo não iria “pôr em causa o cumprimento das demais normas legais e regulamentares condicionantes ou incidentes sobre as intervenções florestais e o uso do solo” e que “os objectivos de interesse geral salvaguardados na Lei n.º 1951, de 9 de Março de 1937, nos Decreto-Lei n.º 28039 e Decreto n.º 28040, ambos de 14 de Setembro de 1937, nos Decretos-lei n.os 139/88, de 22 de Abril, 175/88, de 17 de Maio, 180/89, de 30 de Maio, e nas Portarias n.os 513/89, de 6 de Julho e 528/89, de 11 de Julho, que ora se revogam, e que mantêm actualidade e validade técnica, continuam a ser plenamente prosseguidos, quer pelo presente decreto-lei, quer por outra legislação especial já em vigor” [os sublinhados são obviamente nossos], certo é que, entre outras consequências que levaram os opositores do diploma a apodá-lo de “lei do eucalipto livre”, deixou de vigorar na ordem jurídica nacional qualquer disposição legal que contenha a proibição de se plantarem eucaliptos a menos de vinte metros de terrenos cultivados e a menos de trinta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos, assim se tendo posto fim a uma proibição com quase 80 anos de vigência e a que o legislador reconhecia …“actualidade e validade técnica” (!).
Quando a acção foi instaurada, o Decreto-Lei n.º 96/2013 ainda não tinha sido aprovado e entrado em vigor, o que, no entanto, já sucedia no momento em que a decisão recorrida foi proferida (na qual não se aborda a questão) e sucede agora.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.02.2015, relatado por Falcão de Magalhães, no processo n.º 145/12.4TBPBL.C1, in www.dgsi.pt, sustenta-se em nota de rodapé que este diploma é “manifestamente inaplicável” ao processo onde foi proferido, o que, como se retira do respectivo número único, ocorreu em 2012.
Com todo o devido respeito, não concordamos com este entendimento porquanto se nos afigura que a proibição da plantação de eucaliptos a menos que certa distância do prédio vizinho constitui uma restrição ou condicionante ao direito do proprietário de um prédio rústico de nele fazer plantações ou sementeiras cujo regime jurídico o Decreto-Lei n.º 96/2013 veio regular. A ser assim, como pensamos, caímos na previsão da segunda parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, segundo a qual quando a lei nova dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
A nosso ver, o Decreto-Lei n.º 96/2013 veio regular a relação jurídica do direito de propriedade sobre imóveis e da utilização dos prédios para arborização ou rearborização e fê-lo sem consagrar a proibição legal antes existente (que para o efeito revogou), pelo que a inexistência dessa proibição (melhor dizendo, as faculdades inerentes ao direito de plantação tal qual passou a estar regulado) se aplica imediatamente às plantações existentes na data da sua entrada em vigor, tal como sucederia, por exemplo, se aquele diploma tivesse alterado o artigo 1366.º do Código Civil e os termos em que a plantação pode ser feita.
Nessa medida, ainda que se entendesse que a plantação de eucaliptos no prédio dos réus era proibida anteriormente, o desaparecimento da proibição legal de plantação de eucaliptos aquém da mencionada distância veio eliminar essa eventual ilegalidade, tornando legítima a plantação dos réus.
O recorrente esgrime ainda com a figura da colisão de direitos, sustentando que estão em causa direitos desiguais e que o seu é manifestamente superior.
Estabelece o artigo 335º, nº 1, do Código Civil, que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”. O n.º 2 do preceito acrescenta que “se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior”.
“Trata-se de uma regra geral, que tem concretização em muitas normas específicas e que só deve ser aplicada quando falte uma disposição especial para regular um conflito de determinados direitos de igual valor. Ora, no caso concreto, existem normas específicas para regular tal conflito, que são precisamente as normas que, na sentença recorrida se aplicaram, ou seja, essencialmente a norma do artº 1366º do CC e a referida legislação de 1937”. – Apud Acórdão da Relação de Guimarães de 19.11.2009, cit. –.
Existem “normas legais que resolvem o conflito no exercício dos dois direitos em causa. De um lado, temos a licitude do plantio dos eucaliptos no prédio da ré derivado do não preenchimento da previsão proibitiva do artigo 1º do decreto-lei nº 28:039. De outro lado, temos a permissão do nº 1, do artigo 1366º do Código Civil que confere um remédio ao titular do prédio vizinho daquele onde é efectuada a plantação e que lhe permite reagir contra a invasão subterrânea de raízes e a invasão aérea de tronco e ramos.
Neste circunstancialismo, seja por existirem normas preventivas que obstam à verificação de um conflito de direitos, seja por não se verificar efectivamente uma impossibilidade de exercício simultâneo dos dois direitos de propriedade em confronto [.], não se preenche a figura da colisão de direitos, como é pretendido pelos recorrentes, não havendo por isso lugar à aplicação da terapêutica prevista legalmente para tais casos.” – Apud Acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011, cit. –.
Acrescentamos o seguinte:
Ao contrário do que sustenta o recorrente o conflito não é entre o direito à habitação do autor e o direito de exploração florestal dos réus. O conflito é entre ambos os direitos de propriedade e a forma do seu exercício, uma vez que, conforme já se assinalou, quando a casa do autor foi construída a zona envolvente já era composta por mata e floresta de pinheiros e eucaliptos. Portanto, quando o autor comprou a casa acabada de construir pelo anterior proprietário que modificou a utilização do terreno que até aí vinha sendo feita, ele já sabia que a casa tinha essa envolvência florestal (e não foi sequer alegado que o pudesse fazer ali ou houvesse algum interesse especial atendível em instalar a sua residência ali e não noutro qualquer lugar).
O autor não pode reivindicar para si a liberdade de alterar a utilização do seu prédio conforme a sua conveniência e negar aos vizinhos que mantenham a utilização que sempre fizeram dos seus, sob pena de manifesto abuso do direito.
Enquanto subsistir a situação preexistente à construção da casa no que respeita à utilização normal dos terrenos envolventes, a sua opção não pode tornar-se um encargo para os vizinhos, ainda que se admita que a modificação daquela situação (p. ex. através da expansão da urbanização para essa zona, o que ao representar um factor de valorização dos terrenos pode compensar o encargo da restrição à ocupação florestal dos mesmos e, portanto, tornar abusiva nova plantação que se venha a pretender fazer sem guardar alguma distância em relação aos prédios que aportaram para a zona a natureza urbana) possa justificar solução diferente. Enquanto essa modificação não ocorrer os direitos em confronto são iguais ou da mesma espécie e a sua concatenação é feita pelo artigo 1366.º do Código Civil que exclui a intervenção jurisdicional conformadora do modo de adequação.

iii) da indemnização por danos:
O autor reclama uma indemnização por danos resultantes da introdução das raízes dos eucaliptos dos réus no seu terreno.
Ficou provado a este propósito (factos, aliás, que não são objecto da ampliação do recurso à matéria de facto formulado na resposta dos recorridos ao recurso e que como tal se tornaram definitivos) que os eucaliptos dos réus se encontram plantados ao longo de todo o seu prédio, estendendo-se ao longo do muro que o separa do prédio do autor, e que as raízes dos eucaliptos dos réus se introduziram e continuam a introduzir no prédio do autor, tal como a respectiva ramagem ultrapassa o muro divisório.
Ficou ainda provado que em 9 de Fevereiro de 2009, o autor escreveu aos réus intimando-os a “proceder ao arrancamento dos eucaliptos plantados e situados a uma distancia inferior a 30 metros” do seu prédio, nada referindo, portanto, especificamente sobre o arrancamento das raízes ou danos por estas causados.
“Uma das restrições de interesse privado ao direito de propriedade é a referente à plantação de árvores e arbustos, visando-se com a mesma evitar que as plantações de árvores e arbustos causem prejuízo aos proprietários dos prédios vizinhos. O n.º 1 do art.º 1366º do C. Civil, permitindo a plantação (…) até à linha divisória dos prédios, confere, no entanto, ao dono do prédio vizinho o direito de arrancar e cortar as raízes que se tenham introduzido no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propendem, se o dono das árvores, tendo sido interpelado judicial ou extrajudicialmente para tomar tais medidas, não o fizer no prazo de três dias.
Daqui resulta que o proprietário do prédio invadido não pode exercer este direito sem previamente avisar o dono das mesmas, uma vez que o art.º 1366º, n.º 1, do C. Civil, só permite o seu exercício depois daquele previamente ter solicitado ao proprietário das árvores a realização da referida acção sem que este a tenha executado no prazo de três dias.
O poder assim conferido ao dono do prédio vizinho configura a legitimação do recurso à auto-tutela do seu direito de propriedade, depois de solicitação feita ao dono das árvores e do não cumprimento por este do seu dever de impedir que aquelas causem danos ao prédio vizinho.
No entanto, há casos em que ao proprietário do prédio onde se verifica a intromissão das raízes, é impossível proceder ao corte das mesmas, nomeadamente pelo facto das árvores estarem juntas a muros ou a prédios urbanos, e ao qual a infiltração das raízes pode causar danos, sem que ele possa actuar de acordo com a previsão do art.º 1366º, n.º 1, do C. Civil [..].
Nestas situações tem vindo a admitir-se que ao proprietário lesado é permitido impor ao dono das árvores a prática dos actos necessários a evitar os referidos danos, exigindo-lhe o corte das raízes ou das árvores, conforme se mostre necessário à salvaguarda dos seus interesses. (…)
A hipótese aqui em discussão só foi regulada pela primeira vez entre nós no Código de Seabra. Este não seguiu a tradição romanística reflectida no Código Civil Francês – art.º 671º e 672º – que impunha distâncias às extremas na plantação de árvores e que era proposta por Correia Telles [..], Coelho da Rocha [..] e Lobão [..], tendo admitido a plantação de árvores pelo proprietário do terreno até às extremas, mas permitindo aos proprietários confinantes cortarem os ramos e arrancarem as raízes que os invadissem, numa solução idêntica à do B.G.B. – § 910 –, e que também já constava das propostas de Coelho da Rocha e Lobão [..], que a combinavam com a exigência das distâncias às extremas.
O C. Civil de 1966 manteve esta orientação, seguindo o projecto de Pires de Lima – art.º 67º – [..], tendo considerado que “qualquer solução restritiva do direito de propriedade podia trazer inconvenientes graves de ordem económica, designadamente nas regiões como o Minho, onde a propriedade rústica se encontra muito dividida” [..]. Já, anteriormente, Delfim Maia dizia “…marcar distâncias para a plantação de árvores, querendo fomentar a todo o custo a criação delas seria até certo ponto inconsequência, e em todo o caso impecer o fim contrariando o costume geral de desterrar as árvores para as extremas” [..].
Tem vindo a ser entendido, quase unanimemente, que o art.º 1366º, do C. Civil não atribui ao vizinho prejudicado com a invasão das raízes e ramos das árvores, o direito a pedir ao dono das mesmas qualquer indemnização, nomeadamente a destinada a compensar os danos causados por essa invasão no seu prédio [..].
Considera-se que, sendo conferido ao proprietário, cujo prédio foi invadido pelos ramos ou raízes das árvores implantadas em prédio confinante, o direito de autotutelarmente os cortar, ele tem a possibilidade de evitar que eles causem danos no seu prédio, pelo que, verificando-se esses danos, os mesmos são-lhe imputáveis, não se justificando a responsabilização do dono das árvores que pode nem sequer ter a possibilidade de se aperceber da situação danosa.
Lorenzo González [.], entende, contudo, que quando é solicitado ao dono das árvores que proceda ao corte dos ramos e raízes que invadem a propriedade vizinha e este não corresponde ao solicitado, daqui decorre um incumprimento de uma obrigação que o fará incorrer na reparação de todos os danos a que deu causa com o seu incumprimento – art.º 798º, 562º e 566º, todos do C. Civil [.]”. – Apud Acórdão da Relação do Porto de 9.3.2010, cit. –.
No mesmo sentido cf. Pires de Lima, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 95.º, pág. 367, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, pág. 230, e Santos Justo, in Direitos Reais, 2007, pág. 247, e, para além dos Acórdãos já citados, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 6.7.82, in Colectânea de Jurisprudência, 1982, tomo IV, pág. 33; da Relação de Lisboa de 22.9.92, relatado por Almeida Amaral, in Colectânea de Jurisprudência, 1992, tomo IV, pág. 149; da Relação de Guimarães de 22.3.06, relatado por Proença da Costa no processo n.º 2479/05-1, e de 12.6.07, relatado por António Magalhães no processo n.º 640/07-2; e da Relação do Porto de 28.2.02, relatado por Leonel Serôdio no processo n.º 0230250, estes últimos in www.dgsi.pt.
Acrescentamos o seguinte:
Como é sabido, para surgir a obrigação de indemnizar, não basta que ocorra um dano e que o mesmo tenha como causa adequada um facto de terceiro ou uma coisa da titularidade de outrem. A regra básica de distribuição dos riscos e que constitui um dos princípios básicos da responsabilidade traduz-se na máxima casum sensit dominus. A imputação delitual dos danos a outrem pressupõe a lesão de direitos subjectivos, de posições jurídicas que mereçam ser protegidas de qualquer agressão.
Daí que a constituição da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito dependa da ilicitude do facto e da imputação do facto ao agente que se desdobra na imputabilidade e na culpa do agente do facto, sendo certo que a obrigação de indemnizar por facto lícito só ocorre nas hipóteses excepcionais legalmente previstas e que a obrigação de indemnizar independentemente de culpa só existe nos casos especificados na lei (artigo 483º do Código Civil) – neste sentido cf. o Acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011 citado –.
No que concerne à plantação dos eucaliptos já se justificou porque motivo se exclui a respectiva ilicitude. De todo o modo, como acentua o recorrente nas alegações de recurso, o facto ao qual atribuiu a causação de danos não é a plantação dos eucaliptos propriamente dita, mas sim à introdução das respectivas raízes no prédio do autor, pelo que a responsabilidade que se imputa aos réus não advém do facto de manterem a plantação, mas antes do facto de não impedirem a difusão das raízes das suas árvores para o terreno vizinho.
Todavia, como vimos, o entendimento maioritário e a que se adere é o de que não comete um acto ilícito que o faça incorrer em responsabilidade o proprietário que planta árvores nos limites do seu prédio ainda que as respectivas raízes e ramos invadam o espaço subterrâneo ou aéreo do prédio vizinho.
Nos termos do artigo 1344.º do Código Civil a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo com tudo o que nele se contém. Acrescenta a norma que o proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que pela sua altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir. Daqui resulta que por princípio se podia admitir que toda a violação do espaço aéreo e do subsolo do prédio por actos ou coisas de terceiros é ilícita, excepto se não houver interesse em a impedir, no que se compreenderia a invasão das ramagens do espaço aéreo e a infiltração das raízes pelo subsolo.
Sucede, no entanto, que o artigo 1366.º do Código Civil estabelece um compromisso entre o interesse do proprietário em plantar árvores até ao limite do seu prédio e o interesse do proprietário vizinho em não ver o subsolo do seu prédio ocupado por raízes das arvores do vizinho ou o espaço aéreo invadido pelos respectivos ramos. O legislador partiu do pressuposto de que ambos os interesses são compatíveis e podem coexistir pacificamente.
Todavia, entendeu consagrar a possibilidade de o proprietário lesado se opor a essa situação, não condicionando sequer essa opção à ocorrência de danos ou de um interesse legítimo. Mas essa opção tem um requisito: o de o proprietário lesado manifestar a sua oposição ao crescimento das árvores para o seu prédio, instando o vizinho a arrancar e cortar as raízes e os ramos invasores das árvores (e isto independentemente de o poder fazer por si ou de para o fazer por si ter de invadir o prédio vizinho).
Por isso, ainda que se siga a tese de que quando o dono das árvores é interpelado para cortar os ramos e raízes que invadem a propriedade vizinha e não corresponde ao solicitado, incorre na obrigação sucedânea de reparar os danos a que deu causa com a sua omissão, teremos de aceitar que a ilicitude do comportamento dono das árvores só sobrevém se essa solicitação for feita e naturalmente após a mesma.
Ora no caso, como vimos, o autor apenas interpelou os réus para arrancarem os eucaliptos situados a menos de 30 metros da estrema, que era uma exigência a que não tinha direito pelas razões expostas, não os interpelou para, independentemente daquilo ou subsidiariamente, arrancarem e cortarem as raízes e os ramos.
Acresce uma outra razão que conduz à improcedência do pedido de indemnização e que se reporta agora ao requisito da culpa, na modalidade de dolo ou negligência.
Como sabemos a culpa, enquanto juízo de censura ético-jurídico dirigido à actuação do agente, decorre da violação dos deveres de cuidado pressupostos pela ordem jurídica, ou seja, da circunstância de o agente não adoptar a prudência do bom pai de família, não actuar conforme actuaria o bom pai de família nas concretas circunstâncias com que se depara, de modos que lhe fosse exigível que actuasse de outro modo. Como escreveu A. Varela, loc. cit., pág. 514, “agir com culpa é actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou a censura do direito, o que se verifica quando ele podia e devia ter agido de outro modo. Por outras palavras, a culpa exprime um juízo de reprovação ou de censura normativa da conduta do agente baseado quer em inconsideração, imperícia ou negligência, que na inobservância de preceitos legais ou regulamentares”.
É fácil de ver que as raízes das árvores crescem e se propagam através do subsolo, não sabendo nem podendo saber o proprietário das árvores em que direcção e/ou profundidade elas se estão a prolongar.
Ora, para imputar o facto à vontade e assim legitimar a censura ético-jurídica da actuação inerente à formulação do juízo de culpa, em princípio é necessário demonstrar que o agente previu ao menos a verificação do evento. Nessa medida, apenas depois de ter sido interpelado pelo proprietário lesado para arrancar e cortar as raízes que já invadiram o subsolo do seu prédio, o proprietário das árvores adquire o conhecimento que lhe torna exigível que actue para o evitar, se torna passível do juízo de censura normativa que constitui a culpa.
Nos autos não se provou que o autor tenha avisado previamente os réus que as raízes das suas árvores se introduziram no prédio dele e lhe provocaram danos ou, ao menos, que o autor lhe tenha pedido para arrancarem e cortarem essas raízes. Também não se provou que o autor não tenha condições ou lhe seja particularmente difícil ou oneroso proceder ele mesmo ao arranque e corte das raízes. E, finalmente, os danos alegados e cuja indemnização o autor pretende são todos eles anteriores à instauração da acção, através de cuja citação os réus ficaram a saber da presença das raízes (e da necessidade de as cortar para impedir o surgimento de novos danos), pelo que em relação a esses danos não é possível afirmar nem uma actuação culposa dos réus que seja a causa adequada dos danos, nem a ilicitude da omissão dos réus quanto ao arranque e corte das raízes.
Por esses motivos os pedidos formulado na acção pelo autor não podiam deixar de improceder, como improcede igualmente o recurso.
A improcedência das questões suscitadas no recurso, torna ainda desnecessário que esta Relação proceda nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, à apreciação da impugnação da decisão sobre os pontos da matéria de facto visados na resposta dos recorridos para prevenir a hipótese, não verificada, de procedência das questões por este suscitadas, pelo que não se fará essa apreciação.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Porto, 5 de Novembro de 2015
Aristides Rodrigues de Almeida (Rto230)
Teles de Menezes
Mário Fernandes