Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
715/13.3PEGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: ASSISTENTE
RECURSO PENAL
INTERESSE EM AGIR
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP20150304715/13.3PEGDM.P1
Data do Acordão: 03/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REJEIÇÃO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O assistente carece de interesse em agir, na interposição de recurso da sentença penal quanto à parte criminal, ao recorrer da medida da pena sem pretender alcançar qualquer efeito útil para si.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 715/13.3 PEGDM.P1
Recurso penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
No âmbito do processo comum que, sob o n.º 715/13.3 PEGDM, correu termos pelo 1.º Juízo Criminal da Comarca de Gondomar (e agora corre pela Secção Criminal da Instância Local de Gondomar, Comarca do Porto), B…, melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento, por tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada.
Além de se ter constituído assistente, C…, devidamente identificado nos autos, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença em 04.07.2014 (fls. 297 e segs.), depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, julga-se a acusação totalmente procedente e decide-se:
a) Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. h), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

b) Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano, subordinada a um regime de prova, com acompanhamento e orientação da DGRSP.

c) (…)

d) Julgar procedente o pedido de indemnização civil e condenar o demandado a pagar ao demandante a quantia de € 5.000 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, indo no mais, absolvido.
e) (…)”.
Inconformado, veio o assistente interpor recurso da sentença, apenas quanto à matéria penal, com os fundamentos explanados na respectiva motivação que “sintetizou” nas seguintes “conclusões” (em transcrição):
I. “O presente recurso restringe-se à apreciação da matéria de direito;

II. O Recorrente discorda da decisão de suspensão da execução da pena de prisão de um ano aplicada ao Arguido;

III. Entende que a Mma. Juiz a quo não relevou como, salvo o devido respeito e melhor opinião, deveria, a matéria dada como provada nos autos quanto à personalidade do Arguido, bem como quanto à sua conduta anterior e posterior ao crime, nem quanto às circunstâncias em que o crime foi praticado, pois se assim tivesse procedido não teria decretado a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, mas sim o seu cumprimento efectivo.

Assim,

IV. os factos dados como provados, que impunham decisão diversa quanto ao cumprimento da pena, são os factos 4º, 5º, 6º, 8º, 9º, 10º, 13º, 15º, 16º, 17°, 18º, 23º, 24º, 28º e 39º dos "A) Factos provados" da "Fundamentação" da douta sentença recorrida, os quais, por economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos e integrados para os legais efeitos.

V. Além destes, salienta-se o facto de o Arguido, após ter cometido o crime e a poucos dias de se iniciar a audiência de discussão e julgamento (de 5/06/2014), ter continuado a intimidar o Assistente e a sua família, mormente, esposa e irmã, levando a que as mesmas tenham apresentado queixas-crime contra o mesmo, a primeira, pela prática do crime de fotografias ilícitas e a segunda por injúrias (fls. 316 e segs.);

VI. Acresce que o Arguido, igualmente quando o processo se encontrava já em curso e não ignorando que D…, seu vizinho, era testemunha nos presentes autos, ameaçou o mesmo de que se este depusesse mataria a sua filha, obrigando a referida testemunha a requerer protecção junto do Ministério Público, conforme fls. 124 e 125;

VII. Dos supra referidos factos, resulta pois, em suma, que:

a) O Arguido agiu com o intuito concretizado, assumido e levado a cabo de forma livre, voluntária e consciente de lesar a integridade física do Assistente, e fê-lo com recurso a um meio perigoso, uma faca, que deliberadamente foi a casa buscar;

b) As circunstâncias em que o crime foi cometido - o motivo fútil subjacente às ofensas (a chamada de atenção por causa do cão que estava a urinar junto à esplanada), a utilização da faca, o facto de ter ido buscá-la a casa premeditadamente, o facto de ter atingido o Assistente na presença de várias pessoas que o acompanhavam, o facto de ter desferido um primeiro golpe sem que estivesse a ser agredido ou sob a ameaça de agressão e o facto de ter desferido o segundo golpe quando o Assistente se encontrava indefeso, e já a sangrar, no chão - revelam que o Arguido se trata de uma pessoa imprevisível, cuja adaptabilidade e recursos psicológicos para a convivência em sociedade são quase nulos e que nada teme nem receia;

c) O Arguido trata-se de uma pessoa irascível, agressiva, impulsiva, indiferente às consequências dos seus actos, desprovida de consciência moral pessoal, e como tal, de sentimento de culpa;

d) Como muito bem observou a Mma. Juiz a quo na douta sentença recorrida a pág. 11, o Arguido mostrou ser uma pessoa «com “pouca adaptabilidade, pois não foi capaz de aceitar a crítica” e revelou uma “personalidade conflituosa, permeável e agressiva. Mais demonstrou não ser capaz de conter os seus impulsos e de se autocontrolar» (negrito nosso);

e) O Arguido tem antecedentes criminais que consistem na condenação pela prática de crime de resistência e coação a funcionário na pena de 3 meses de prisão, substituída por dias de multa, pena essa já extinta;

f) Crime este que, atenta a sua natureza, revela o carácter insubordinado e subversivo do Arguido, carácter esse também patente no comportamento por si adoptado após o cometimento do crime sub judice, ao não cessar de intimidar tudo e todos, mesmo com os presentes autos em curso, totalmente indiferente às consequências que daí podiam advir - mormente queixas crime e protecção de testemunhas requerida junto do Ministério Público;

g) O Arguido sabia que os seus actos tinham sido presenciados por muitas pessoas, sabia que as mesmas seriam - como foram - ouvidas nos autos, e ainda assim não se coibiu de criar uma nova versão dos factos, versão esta em que o mesmo figurava como uma vítima do ataque de todas elas. O que revela uma personalidade perigosamente perversa.

VIII. “I - A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo, que pressupõe relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado.
II – Na base de uma decisão de suspender a execução de uma pena está sempre uma prognose social favorável, baseada num risco prudencial

III - Porém, o juízo de prognose que o tribunal faz não tem carácter discricionário, e muito menos arbitrário. O tribunal, ao decretar a medida, terá que reflectir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infracção (ac. STJ de 9 de Janeiro de 2002, proc. n.º 3026/01-3ª; SASTJ, n.º 57, 63)

IX. A Mma. Juiz a quo parece assentar a fundamentação para a suspensão de execução da pena de prisão no facto de o Arguido estar familiarmente inserido e estar a frequentar um curso de formação profissional;

X. Ora, não consegue o Recorrente entender como pôde a Mma. Juiz a quo, sopesando tais factos com todos os demais, relativos à personalidade do Arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias em que o crime se deu - que acima se descreveram e que constam ainda do elenco de "Factos Provados" já mencionado em IV - formular, ainda assim, um juízo de prognose favorável ao Arguido no sentido de crer suficiente a simples censura do facto e a ameaça de prisão!!;

XI. O Recorrente não compreende e não concorda com tal juízo, entendendo que as finalidades preventivas de punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, impunham decisão diversa, e essa decisão era da determinação de uma pena de prisão efectiva.

XII. A Mma. Juiz a quo não relevou como, salvo o devido respeito e melhor opinião, deveria, a matéria dada como provada nos autos quanto à personalidade do Arguido, bem como quanto à sua conduta anterior e posterior ao crime e quanto às circunstâncias em que o crime foi praticado, pois se assim tivesse procedido não teria certamente, e salvo o devido respeito, decretado a suspensão da execução da pena de prisão determinada, mas sim o cumprimento efectivo da mesma, assegurando assim as necessidades de prevenção que perante o Arguido se impunham.

XIII. Ao não fazê-lo, violou a Mma. Juiz a quo o disposto no artigo 50º n.º1 e 2 do C.Penal, disposição que, se correctamente interpretada e aplicada, deveria ter conduzido à determinação de uma pena de prisão efectiva, e não suspensa, de um ano, ao Arguido.

XIV. Como se requer”.
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Admitido o recurso (despacho a fls. 337) e notificados os sujeitos processuais por ele afectados, à respectiva motivação responderam, quer o Ministério Público, quer o arguido.
O primeiro rematou a sua resposta com o seguinte quadro conclusivo:
1) “A decisão recorrida fixou a pena de prisão aplicada ao recorrente (de) forma criteriosa e adequada.
2) Da análise de todos os elementos constantes dos autos, sendo devidamente tidas em conta as necessidades de prevenção geral e especial sentidas na situação em apreço, ainda resulta que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação de um juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, razão pela qual se impõe que se proceda à suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido”.
O arguido pugnou, igualmente, pela improcedência do recurso.
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Ordenada a subida dos autos ao tribunal ad quem, e já nesta instância, na intervenção prevista no art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que manifestou a sua concordância com a posição tomada pelo Ministério Público na 1.ª instância, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem resposta do recorrente.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo, pois, apreciar e decidir.
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II – Fundamentação
O recorrente tem de enunciar especificamente os fundamentos do recurso (ou seja, dizer por que discorda da decisão que impugna), devendo terminar com a formulação de conclusões.
Sabendo-se que são as conclusões pelo recorrente extraídas da motivação do recurso que, sintetizando as razões do pedido, recortam o thema decidendum (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal) e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso, está evidenciada a importância desse ónus a cargo do recorrente.
O assistente é bem claro na delimitação do objecto do seu recurso: cinge-se à matéria de direito na parte penal e limita-se a pôr em causa a opção do tribunal a quo pela aplicação de uma pena de substituição não detentiva, concretamente, a suspensão da execução da pena de prisão, por entender que se impunha uma pena de prisão efectiva.
Pode o assistente recorrer da sentença que condena em pena cuja espécie e/ou medida ele considera insuficientes? Pode a sentença em crise considerar-se uma decisão proferida contra o assistente ou que directamente o afecta?
Nos termos do disposto no art.º 420.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, constitui fundamento de rejeição do recurso, além de outras, a verificação de uma “causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º”.
Nos termos desse n.º 2, não pode ser admitido o recurso “quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer”, expressão que, está bom de ver, inclui as situações de ilegitimidade para recorrer e de falta de interesse em agir.
Pelo já mencionado despacho proferido a fls. 337, foi reconhecida a legitimidade do assistente para recorrer e o seu recurso, considerado tempestivo, foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
No entanto, a decisão que admita um recurso (tal como a que lhe fixa o regime de subida e o efeito) não faz caso julgado e não vincula o tribunal superior (n.º 3 do citado art.º 414.º), pelo que nada obsta, antes se impõe, que se conheça da questão acima equacionada.
A posição de relativa subordinação do assistente face ao Ministério Público (já que, embora se lhe reconheça voz autónoma, permitindo-lhe uma acção conformadora do sentido da decisão final do processo, tem a posição de colaborador do Ministério Público – artigo 69.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal) tem gerado alguma controvérsia no que respeita à definição dos seus poderes, designadamente em matéria de recursos.
Se, por um lado, se lhe reconhece o direito de recorrer das decisões que o afectem, independentemente da posição que tome o Ministério Público (artigo 69.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Penal), por outro, é pacífico o entendimento de que não pode recorrer sempre que discorde da justiça da decisão.
Assim acontece quando discorde da espécie e medida da pena aplicada.
No entendimento de Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª edição actualizada, 1028), se o assistente não tiver deduzido acusação nem acompanhado a acusação pública, carece de legitimidade para recorrer autonomamente da espécie e da medida da pena. No entanto, se o fizer (i.e., se deduzir acusação própria ou aderir à acusação do Ministério Público), não lhe reconhecer legitimidade para recorrer autonomamente constituiria uma violação da Constituição[1].
Na jurisprudência, a uma grande diversidade de entendimentos[2] seguiu-se a uniformização com o acórdão n.º 8/99 do Pleno das Secções Criminais do STJ, de 30.10.1997 (DR, I-A, de 10.08.1999) em que se decidiu que “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.
Já foi testada a constitucionalidade da interpretação das normas ínsitas nos artigos 69.º, n.º 2, al. c) e 401.º, n.os 1, al. b), e 2 do Código de Processo Penal fixada naquele aresto, questionando-se o exercício de um direito autónomo ao recurso pelo assistente, relativamente à espécie e medida da pena aplicada ao arguido, enquanto se lhe exige uma específica e concreta demonstração de um particular interesse em agir, que não se reconduza à pura e simples invocação da qualidade de assistente no processo penal, tendo o Tribunal Constitucional concluído que a limitação imposta ao assistente não afecta o núcleo essencial da intervenção do ofendido como assistente na tramitação do processo penal, nem o princípio da confiança ínsito no Estado de direito democrático, pois este não fica impedido de recorrer, mesmo desacompanhado do Ministério Público, quanto à espécie e medida da pena, apenas se lhe impondo o ónus de demonstrar um concreto e próprio interesse em agir (Ac. n.º 205/2001[3]).
Da bondade desta orientação não se mostra convencido o Professor G. Marques da Silva, que manifesta “muitas dúvidas quanto à (sua) razoabilidade e legalidade” (Curso de Processo Penal, vol. I, Verbo, 6.ª edição, 366).
Não obstante, não vemos como contrariar a asserção de que as questões atinentes à espécie e medida da pena fazem parte do núcleo punitivo do Estado, do seu jus puniendi, cuja defesa não cabe aos particulares, sendo antes um ónus do Ministério Público, e, portanto, não se reconhece ao assistente, desacompanhado do Ministério Público, um direito subjectivo a exigir do Estado a punição de um crime público ou semi-público com uma determinada pena.
Por isso só deverá reconhecer-se legitimidade ao assistente “quando, no caso, tiver um interesse concreto e próprio em agir, por da medida da pena poder tirar um benefício” (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, “Recursos Penais”, Rei dos Livros, 8.ª edição, 57).
É essa a orientação largamente predominante (podendo mesmo considerar-se uniforme) na jurisprudência, exigindo-se que o assistente demonstre que só através do recurso assegura a tutela de um direito subjectivo seu, pois “se a punição do arguido está dominada por um interesse público, não pode competir ao assistente ser ele o intérprete do interesse colectivo, designadamente se conflituar com a posição assumida a esse respeito pelo Ministério Público. No que contende com o cerne do jus puniendi do Estado, o assistente não pode deixar de estar subordinado ao MP” (acórdão do STJ, de 07.05.2009, acessível em www.dgsi.pt) ou, como também se pode ler no acórdão da Relação de Guimarães, de 18.12.2006 (disponível no mesmo sítio), se o assistente, que se limitou a aderir à acusação pública e deduziu pedido de indemnização civil, apenas discorda da pena aplicada ao arguido, sem que vise extrair qualquer efeito que lhe seja útil em termos de indemnização, “não tem, por conseguinte, necessidade de tutela dos tribunais para defender um direito seu, sendo certo que o agravamento das penas que peticiona se insere no exercício do “jus puniendi” do Estado, que ao Ministério Público cabe promover, assim se entendendo que carece de interesse em agir devendo, por isso, rejeitar-se o recurso”[4].
Ora, no caso, o recorrente não pretende, nem vai, alcançar qualquer efeito útil para si com a interposição do recurso da sentença quanto à matéria criminal (na parte cível, o assistente conformou-se com a sentença que condenou o arguido a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 5 000,00).
Por outro lado, a posição do assistente conflitua com a posição assumida pelo Ministério Público (em ambas as instâncias), sobre quem recai o ónus do exercício do jus puniendi do Estado.
Concluindo, o recorrente/assistente, relativamente à matéria penal da sentença recorrida, carece de interesse em agir, pelo que o recurso terá de ser rejeitado.

IIIDispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em não conhecer do objecto do recurso do assistente C…, que, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, rejeitam por falta de interesse em agir do recorrente.
Em virtude da rejeição do recurso, o recorrente pagará uma quantia correspondente a 5 (cinco) UC (artigo 420.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 04-03-2015
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
______________
[1] O autor cita em abono da sua posição o acórdão do STJ, de 09.01.2002, CJ/Acs. STJ, X, T. I, 160, que, no entanto, está na linha da orientação jurisprudencial dominante, que não é exactamente aquela que defende.
[2] Enunciamos aqui, apenas, alguns:
- o assistente não pode recorrer se, tendo acusado conjuntamente com o Ministério Público, não tiver pedido nenhuma pena em concreto e o tribunal tiver condenado, mesmo que em pena suspensa (acórdão da Relação do Porto, de 05.06.1991, Proc. n.º 200/91);
- o assistente pode recorrer do acórdão que condenou o arguido em pena inferior ao máximo do seu limite legal, por, na diferença entre esse máximo e a pena aplicada, a decisão ser contra ele proferida (acórdão do STJ, de 11.12.1991, CJ XVI, T: V, 21);
- o assistente não tem legitimidade para pedir o agravamento da pena em que o arguido foi condenado, uma vez que essa decisão não é contra si proferida (acórdão da Relação do Porto, de 01.07.1992, Proc. n.º 9210393, e acórdão do STJ, de 14.12.1995, Proc. n.º 48182);
- no caso de se tratar de procedimento que não dependa de acusação do assistente, e porque aí só poderá acusar se o Ministério Público o fizer, também só poderá recorrer da medida da pena se o M.º P.º interpuser recurso (acórdão do STJ, de 15.01.1997, CJ/Acs. STJ, V, T. I, 188);
- o assistente, em relação aos crimes em que é ofendido, tem direito de recorrer da decisão final, mesmo que o M.º P.º não recorra; e a pedir a agravação da pena aplicada, por ainda assim estar a colaborar na administração da justiça, submetendo a decisão a exame por um tribunal superior, por a mesma não realizar o direito segundo o seu entendimento (acórdão do STJ, de 09.04.1997, CJ/Acs. STJ, V, T. II, 172);
- o assistente não tem legitimidade para recorrer, ao pedir o agravamento da pena imposta ao arguido ou a sua condenação por crime diverso do considerado no acórdão recorrido (acórdão do STJ, de 06.11.1997, CJ/Acs. STJ, V, T. III, 231);
- as decisões absolutórias de crimes por que o assistente deduzira acusação (directamente ou por adesão à do M.ºP.º) são proferidas contra ele, são decisões que o afectam, por forma a assistir-lhe, nos termos dos artigos 69.º, n.º 2, al. c) e 401.º, n.º 1, al. b), do CPP, legitimidade subjectiva para delas recorrer, mesmo que o M.º P.º o não tenha feito.
A mera situação determinante do interesse genérico em agir, pressuposto da admissão e intervenção como assistente, não importa interesse em agir para, não recorrendo o Ministério Público, impugnar em recurso a medida da pena (acórdão do STJ, de 16.10.2002, Proc. n.º 2536/02-3);
- a lei não reconhece ao assistente em processo penal, desacompanhado do Ministério Público, um direito substantivo a exigir do Estado a punição de um crime público com determinada pena. Tal significaria uma manifestação do espírito de vindicta privada, que progressivamente tem sido postergado por sistemas penais modernos (acórdão do STJ, de 06.03.2001, Proc. n.º 113/06-3);
- estando em causa um crime público e não tendo o M.º P.º interposto recurso, é de admitir o recurso do assistente se a decisão judicial tiver sido contra si proferida, entendendo-se esta como aquela em que, em sentido amplo, o desfavorece e contrarie posição processual anteriormente assumida, mas já não aquela que afecte interesses pessoais seus (acórdãos do STJ, de 17.05.2001 e de 27.03.2003).
[3] Com um voto de vencido do Conselheiro Luís Nunes de Almeida
[4] Ainda neste sentido, ver, com interesse, o acórdão do STJ de 29.03.2007 (Proc. n.º 799/06-5ª), acessível em ww.dgsi.pt