Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOAQUIM MOURA | ||
Descritores: | CONTRATO PROMESSA LIBERDADE CONTRATUAL IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP202306058814/21.1T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A norma jurídica (artigo 442.º, n.º 2, do CC) que estabelece a regra da perda do sinal prestado não é imperativa e o princípio da liberdade contratual, amplamente consagrado no artigo 405.º do Código Civil, permite que as partes condicionem o cumprimento da promessa à obtenção, pelo promitente-comprador, de financiamento bancário, sem o qual este não tem condições de celebrar o contrato prometido, e estipular que o accipiens restituirá o sinal se o tradens, sem culpa, não lograr obter o crédito; II – Não tendo o promitente-comprador logrado obter os meios financeiros necessários para pagar o preço convencionado da fracção a adquirir, a verificar-se impossibilidade de cumprimento, será uma impossibilidade relativa ou subjectiva, uma vez que só operaria em relação a si próprio; III – A impossibilidade de cumprimento não deixa de ser culposa se o promitente-comprador não buscou uma solução alternativa que lhe permitisse cumprir a obrigação resultante do contrato-promessa, nem demonstrou que não era possível fazer-se substituir na sua execução. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 8814/21.1 T8VNG.P1 Juízo Local Cível de V.N.de Gaia (Juiz 5) Comarca do Porto Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório[1] 1. Configuração da acção Em 19 de Novembro de 2021, AA intentou no Juízo Local Cível de V.N. de Gaia, Comarca do Porto, a presente acção declarativa sob forma de processo comum contra BB e CC, alegando, em síntese, o seguinte: Em 03/05/2021, celebrou com os RR. um contrato pelo qual prometeu comprar-lhes e estes prometeram vender-lhe, pelo preço de €97.500,00, a fracção autónoma designada pela letra “J“, destinada a habitação, a que corresponde o quarto andar direito, do prédio sito na Rua ..., V. N. de Gaia (melhor identificado no artigo 1.º a p.i.). Com a assinatura do contrato, entregou aos réus, promitentes vendedores, a quantia de €10.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento. Não dispondo de fundos próprios suficientes para pagar o preço estipulado, teve de recorrer ao crédito bancário; quem tratou de todo o processo de aquisição da dita fracção, incluindo os contactos com a Banco 1... com vista à concessão do empréstimo de que necessitava, foi a Dra. DD da “Imobiliária A... Gaia”, incumbida de mediar o negócio. Inicialmente, a Banco 1... dispôs-se a conceder um crédito de €78.000,00, que prontamente aceitou, mas posteriormente baixou a aprovação para, apenas, €50.000,00. Frustradas as suas expectativas de obter a concessão do crédito de que necessitava para pagar o preço convencionado para a aquisição da fracção, desistiu dessa aquisição e, por carta de 27.07.2021, dirigida aos réus, comunicou-lhes a denúncia do contrato-promessa, pois que, por circunstâncias alheias à sua vontade, não tinha condições objectivas para o cumprir. Concluiu a sua peça processual pedindo a condenação dos réus a devolverem-lhe a quantia de €10.000,00 que lhes entregou a título de sinal e princípio de pagamento do preço, acrescida de juros de mora. 2. Oposição Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, defendendo-se por impugnação. Confirmaram a celebração do contrato-promessa, o recebimento da quantia de €10.000,00 entregue pelo autor a título de sinal e princípio de pagamento e, bem assim, a recepção da carta do autor a denunciar o contrato. Impugnam tudo o mais, já por não corresponder à verdade (artigos 39.º, 40.º e 41.º da p.i.), já por desconhecerem, e não terem a obrigação de saber, se os factos alegados são verdadeiros. Rejeitam que sobre si recaia a obrigação de restituir o valor do sinal recebido, pois foi o autor quem não cumpriu o contrato-promessa, resolvendo-o. Concluíram pela improcedência da acção. 3. Saneamento e condensação Sem oposição das partes, em 27.04.2022, dispensou-se a realização da audiência prévia e o despacho previsto no artigo 596.º, n.º 1, do CPC, fixou-se o valor da causa (€10.000,00), foram admitidos os requerimentos probatórios e designou-se data para a audiência de julgamento. 4. Audiência final e sentença Realizou-se, em 12.09.2022, a audiência final, em uma só sessão, após o que, com data de 23.09.2022, foi proferida sentença[2] que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido. 4. Impugnação da sentença Inconformado com a sentença, veio o autor, em 07.11.2022, dela interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes “conclusões”: «1.ª) A douta sentença que julgou improcedente a ação intentada pelo Autor, aqui Recorrente, ao considerar o incumprimento do Autor culposo por causa de impossibilidade subjetiva, e, nessa sequência, improcedente, por conseguinte, o pedido de devolução do sinal no montante de €10.000,00 (dez mil euros) constitui o objeto do presente recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, assim como na valoração da factualidade contravertida, com a consequente errónea qualificação jurídica do objeto do litígio. 2.ª) O objeto da ação delimitado pelo Tribunal a quo “consiste em saber se existe um incumprimento não culposo por parte do R. [na verdade, é por parte do A., tratando-se de mero lapso de escrita contido na página 2, in fine, da douta sentença, mas que em nada afeta a sua compreensão], que sustente o pedido de devolução do sinal prestado.” 3.ª) Tratava-se, pois, de apurar, se face às circunstâncias concretas em que se desenhou o recorte contratual do contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma, identificada nos autos, celebrado entre o Recorrente e os Recorridos, o Recorrente, ao não ter celebrado o contrato prometido de compra e venda, faltou culposamente ao seu cumprimento. 4.ª) O Tribunal a quo, com os seus fundamentos de facto e de direito, decidiu que a não celebração do contrato prometido ficou a dever-se a impossibilidade subjetiva do Recorrente, mas que, por não se tratar de uma obrigação de facto infungível a que aquele se havia obrigado, considerou o incumprimento culposo e, consequentemente, não condenou os Recorridos na devolução do sinal em singelo como peticionado. 5.ª) Sucede, porém, que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, em face do objeto do litígio que delimitou a que se refere a Conclusão 2.ª, desconsiderou factos alegados pelo Recorrente que deveriam ter sido dados como provados na decisão da matéria de facto e que são essenciais e determinantes para fundear uma decisão diversa, tendo sido produzida a respetiva prova em sede de audiência de discussão e julgamento. 6.ª) O contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o Recorrente e os Recorridos não aconteceu no quadro tradicional de celebração contratual, isto é, resulta dos próprios autos e da prova produzida, que o contrato-promessa foi mediado por sociedade imobiliária e que, face à circunstância de o Recorrente residir nos Estados Unidos da América, tudo foi tratado sem que todos os contraentes tivessem contacto pessoalmente entre si (cf. depoimento da testemunha DD, gravado em suporte digital e que corresponde ao ficheiro informático 20220912143756 - 16073474_2871624, que consta da ata de audiência de julgamento datada 12.09.2022 – gravado de 00:01- 22:15 - e que acima se transcreveu o respetivo excerto). 8.ª) Da prova produzida em sede de discussão e julgamento, é seguro extrair-se o facto segundo o qual o Recorrente não tinha a totalidade de fundos próprios para adquirir a fração autónoma, facto de que deu sempre conhecimento à imobiliária e que esta, por causa disso, encetou diligências junto de instituições bancárias para obtenção de crédito bancário (cf. depoimento da testemunha DD, gravado em suporte digital e que corresponde ao ficheiro informático 20220912143756_ 16073474_2871624, que consta da ata de audiência de julgamento datada 12.09.2022 – gravado de 00:01- 22:15 -e que acima se transcreveu o respetivo excerto; cf., ainda, e a este respeito, o depoimento da testemunha EE gravado em suporte digital que corresponde ao ficheiro informático 20220912152059_ 16073474_2871624, que consta da ata de audiência de julgamento datada 12.09.2022 gravada de 00:01 – 11:41 cujo excerto, de seguida, se transcreve, resulta claro que o Recorrente teria de recorrer ao crédito bancário). 9.ª) Questionada a testemunha DD, ainda, sobre se os vendedores, aqui Recorridos, sabiam que o Recorrente estava a recorrer a crédito bancário, respondeu que disso informou a Colega que era a agente dos Recorridos e que ela estava a par da situação. Ora, de acordo com as regras da experiência comum e no quadro de normal desenvolvimento das regras de agenciamento imobiliário não é desrazoável concluir que tal circunstância foi levada ao conhecimento dos promitentes vendedores, tanto mais que, se o Recorrente tivesse a globalidade dos fundos não seria necessário estipular um prazo de 90 (noventa) dias para a celebração da compra e venda. 10.ª) Assim, de acordo com as regras da experiência comum, não é difícil aceitar que os Recorridos estavam a par dos contornos do negócio: de que o mesmo iria ser feito com recurso a crédito bancário, sendo certo, também, diga-se em abono da verdade, que provavelmente desconheciam o quantum que era necessário. 11.ª) Constitui, pois, um facto essencial o de que o Autor, aqui Recorrente, não tinha fundos próprios suficientes para adquirir a fração autónoma dos Recorridos e disso transmitiu à sociedade imobiliária que assumiu a obrigação de, em seu nome, tratar da documentação para obtenção de crédito. 12.ª) Facto esse que o Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto a ele faz referência (cf. página 12 da sentença, onde se lê: “Os factos presentes nos números 10. e 11. Dos factos provados decorrem do documento nº 11, sendo certo que nos parece evidente que, se o A não assumiu o negócio porque não reunia condições financeiras para suportar o negócio com um financiamento apenas de €50.000,00, nem com o modelo de financiamento das outras entidades bancárias.” E continua, afirmando: “Se assim fosse, e se tivesse capacidade financeira para ir mais além na proporção dos capitais próprios, não teria feito as tentativas que fez para tentar salvar o negócio (como avançando com um fiador, por exemplo), mas que, todavia, não o dá como facto provado na própria decisão da matéria de facto, e, devia tê-lo feito. 13.ª) Assim, devia o Tribunal a quo ter proferido decisão de facto na qual constasse o facto a que vimos fazer referência, porquanto, da prova testemunhal e documental junto aos autos (cf. doc. n.º 10 e doc. n.º 11 juntos com a p.i.) pelo que, ao abrigo do disposto nas alínea b) e c) do artigo 640.º do CPC, se impugna a matéria de facto, devendo, tal impugnação ser julgada procedente e, em consequência ser aditado à matéria de facto dada como provada o seguinte facto (alegado pelo Autor na sua p.i., designadamente, no artigo 6.º): “O Autor não dispunha de fundos próprios suficientes para adquirir a fração autónoma já identificada nos autos, tendo a sociedade imobiliária A... diligenciado, em seu nome, para obter o montante o financiamento bancário.” Sem conceder, 14.ª) Como resulta também evidente da prova produzida em sede de discussão e julgamento, a sociedade imobiliária dispunha de um mecanismo para diligenciar junto de instituições bancárias com vista a que os seus clientes pudessem obter financiamento bancário para aquisição de imóveis que se encontram no mercado para comercialização; este mecanismo é explicado, também, pela testemunha que trabalha no Banco (cf. o depoimento de FF, em suporte digital e que corresponde ao ficheiro informático 20220912150306_16073474_2871624, que consta da ata de audiência de julgamento datada 12.09.2022 gravado 00:01-16:54, que se transcreveu). 15.ª) O depoimento testemunhal de FF, conjugado com os depoimentos das testemunhas DD e EE, respetivamente, a pessoa da imobiliária que tratou, em nome do Recorrente, do pedido de financiamento junto da Banco 1..., e o irmão do Recorrente, resulta claro que este fez várias diligências para lograr obter o crédito, remetendo toda a documentação que lhe fora solicitada (quer aquando do primeiro momento em que ficou convicto de que o empréstimo em montante de que necessitava havia sido aprovado, quer em um segundo momento em que lhe foram solicitados documentos adicionais, quer até mesmo mediante a proposta de garantia da fiança (propondo o irmão como fiador). 16.ª) Assim, devia o Tribunal a quo ter proferido decisão de facto na qual constasse o facto a que vimos fazer referência, porquanto o mesmo se extrai da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e da prova documental junta aos autos pelo que, ao abrigo do disposto nas alínea b) e c) do artigo 640.º do CPC, se impugna a matéria de facto, devendo, tal impugnação ser julgada procedente e, em consequência ser aditado à matéria de facto dada como provada o seguinte facto (alegado pelo Autor na sua p.i., designadamente, nos artigo 39.º e 40.º): “O Autor, através da sociedade imobiliária, fez várias diligências para obter o crédito bancário, designadamente, entregando toda a documentação solicitada pela Banco 1... e até propondo um fiador, para conseguir concretizar o contrato de compra e venda, as quais, a final, se revelaram infrutíferas.” Sem prescindir, 17.ª) O Tribunal a quo ao não ter dado como provados os factos cujo aditamento aos factos provados se requer, violou, ainda, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado nos n.º 4 e n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, por que, tal princípio estruturante da produção de prova implica que o julgador, em processo civil, em face da delimitação do objeto do processo, apure toda a factualidade alegada e sobre a qual foi produzida prova em sede de audiência de discussão e julgamento, dando-a como provada ou como não provada, o que, também pelos fundamentos supra expostos, manifestamente não sucedeu, tornou a decisão da matéria de facto impugnável também por violação do referido princípio. Ainda e sem conceder, 18.ª) A impugnação da matéria de facto, com o consequente requerido aditamento dos factos acima referidos pelo Recorrente, e que aqui se dão por integrados e reproduzidos por uma questão de economia processual, demonstram que o enquadramento jurídico da relação controvertida nos autos feito pelo Tribunal a quo é, também por si, merecedor de reparo. 19.ª) O Recorrente ancorou o seu pedido na verificação de uma situação de impossibilidade objetiva de cumprimento da obrigação, por causa que, todavia, não lhe deve ser imputada. 20.ª) O Tribunal a quo não entendeu assim, tendo, a nosso ver e com o devido respeito, andado mal, entendendo que a circunstância de o Banco não ter concedido empréstimo bancário para aquisição da fração autónoma constitui causa subjetiva de incumprimento culposo. 21.ª) Esta visão parece, contudo, demasiado simplista atendendo às concretas circunstâncias em que o Recorrente formou a sua vontade de contratar. 22.ª) Ficou demonstrado à saciedade, e comprovado, que o Recorrente não tinha a totalidade dos fundos para, por si só, celebrar o contrato de compra e venda e pagar o preço. 23.ª) Que desse facto a imobiliária era conhecedora e que, em seu nome, instruiu o processo de pedido de financiamento que foi aprovado inicialmente, nos precisos moldes quantitativos que permitiam adquirir a fração autónoma. 24.ª) Acresce que, na celebração do contrato de compra e venda, os contraentes jamais contactaram pessoalmente entre si, tudo tendo sido feito através das agentes da imobiliária que sabiam e acompanhavam o processo. 25.ª) Fica demonstrado e provado que o Recorrente tudo fez para conseguir reverter a situação, em uma segunda fase, em que a Banco 1... entendeu ser de solicitar mais documentação, inclusive oferecendo fiança que seria prestada pelo seu Irmão, estando, porém, convicto de que iria obter financiamento como lhe fora comunicado pela agente imobiliária (cf. doc. n.º 10 junto com a p.i.). 26.ª) A concessão de crédito bancário não dependia da vontade do Recorrente para que pudesse – ou não – cumprir o contrato-promessa, mas que era uma condição essencial para cumprimento da obrigação principal decorrente da celebração do contrato prometido (isto é, o contrato de compra e venda). Trata-se de uma condição objetiva, cuja não verificação inviabilizou a realização da compra. 27.ª) Não obstante isto, o Tribunal a quo, quedando-se na pureza concetual, alheando-se da concreta realidade que estava a apreciar, entendeu que: “Com o contrato promessa não nasceu nenhuma obrigação, para o A., de pagamento de um preço. A obrigação de pagamento do 28.ª) E, concluiu, de modo um tanto ou quanto simplista a nosso ver, que “(...) o Autor não estava impedido de assinar o contrato prometido. Não estava hospitalizado e incapacitado para assinar. Portanto, não celebrou o contrato prometido (a escritura de compra e venda) porque não quis. Não foi porque não pôde.” 29.ª) A visão do Tribunal a quo é demasiado simplista e, por conseguinte, redutora, porquanto, se é certo que com o contrato-promessa o promitente comprador se obriga, por via deste, a celebrar o contrato prometido de compra e venda, ninguém olvidará também que a obrigação principal a cargo daquele é a de pagamento do preço, para cujo cumprimento não logrou obter financiamento bancário. 30.º) O Tribunal a quo, ao dizer que o Recorrente não quis celebrar o contrato prometido, desconsiderou um princípio fundamental e estruturante da teoria dos contratos que é o princípio da boa fé, o qual, acompanha não somente a formação da vontade de contratar, mas que permanece durante a execução contratual, nos termos do disposto no artigo 227.º e no artigo 762.º, ambos do Código Civil. 31.ª) Ora, se o Recorrente, bem sabendo que não tinha fundos próprios para cumprir a obrigação principal de pagamento do preço e outorgasse a escritura de compra e venda, estaria a agir de má-fé, o que, isso sim, ser-lhe-ia imputável de forma culposa, e que, manifestamente, não sucedeu. 32.ª) Assim, a decisão recorrida viola, pois, o artigo 762.º, o n.º 1 do artigo 790.º, n.º 1 do artigo 410.º conjugado com a alínea c) do artigo 879.º, todos do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por decisão que declare o incumprimento não culposo por parte do Recorrente e extinção da sua obrigação por impossibilidade objetiva.» Os réus contra-alegaram, pugnando pela confirmação do julgado. O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo) por despacho de 18.01.2023. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo). O recorrente insurge-se contra a sentença impugnando-a, quer na sua vertente fáctica, quer no enquadramento jurídico dos factos provados. São, assim, questões a apreciar e decidir: - se o tribunal cometeu erro de julgamento em matéria de facto, impondo-se uma alteração da decisão; - se o tribunal errou na subsunção dos factos ao direito e se impõe solução jurídica diversa, concretamente, se o incumprimento do contrato-promessa por parte do autor não é censurável, ou seja, se o incumprimento não é culposo. II – Fundamentação Fundamentos de facto Delimitado o thema decidendum, atentemos na factualidade que a primeira instância deu por assente, bem como a que considerou não provada. Factos provados 1. Por escrito com a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda”, subscrito pelo punho do A. e dos RR., datado de 03/05/2021, constam como Primeiros Outorgantes e na qualidade de promitentes vendedores “BB” e CC”, e como Segundo Outorgantes e na qualidade de promitentes comprador “AA”. 2. No contrato mencionado no número 1. as partes estipularam que: Cláusula Primeira (Objeto) Pelo presente contrato os Primeiros Outorgantes prometem vender ao Segundo Outorgante que por sua vez promete comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, a FRAÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra “J” correspondente uma habitação no quarto andar direito, com entrada pelo nº ...2 da Rua ...’ Este, qual faz parte integrante do prédio urbano, (…) descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o dito número ... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo nº ...04 (…) Cláusula Segunda (Preço e Condições de Pagamento) 1. A fração autónoma objeto do presente contrato é prometida pelo preço de €97.500,00 (…), livre de quaisquer ónus ou encargos; (…) 3. Como sinal e princípio de pagamento, o Segundo Outorgante entrega, nesta data, a quantia €10.000,00 (dez mil euros), através de transferência bancária para o IBAN ...67, SWIFT ... conta titulada por B... Unipessoal, Lda, de que o Primeiro Outorgante dará a respetiva quitação, com o presente contrato, após boa cobrança. (…) Cláusula Quarta (Contrato Definitivo) 1. A compra e venda definitiva será realizada no prazo de 90 (noventa) dias contados da data da outorga da presente promessa de compra e venda. (…) 3. O prazo para a celebração da compra e venda definitiva poderá ser alterado por convenção das partes a formalizar em aditamento ao presente contrato. Cláusula Quinta (Incumprimento) 1. Em caso de incumprimento definitivo e culposo, total ou parcial do presente contrato promessa de compra e venda, imputável ao Segundo Outorgante, confere-se aos Primeiros Outorgantes, o direito de resolver o presente contrato e optar por fazer suas todas as importâncias recebidas a título de sinal”. 3. O acompanhamento do negócio, do lado do A., foi efetuado pela Srª Drª DD, da Imobiliária A... Gaia ..., sendo que esta não era a mediadora imobiliária contratada pelos RR. 4. Tendo o A. recorrido a financiamento bancário, a mesma mediadora imobiliária, também na pessoa da Senhora Dra. DD, tratou do processo com vista à concessão do empréstimo bancário junto da Instituição bancária Banco 1..., no âmbito da disponibilização de determinados serviços conexos com a finalidade da conclusão do negócio de venda e compra. 5. Em 7 de maio de 2021, através de email da mediadora Dr.ª DD, o A. tomou conhecimento do seguinte: o departamento de risco da Banco 1... sob o seu pedido de financiamento – “bom dia Sr AA Acabo de receber a resposta da decisão do departamento de risco da Banco 1..., sob o seu pedido de financiamento. Neste sentido, informo que há abertura para aprovar esta proposta, até 80% do valor do investimento, ou seja, financiamento de €78.000,00. podemos avançar nestas condições?”, tendo o A., em resposta, indicado “Boa tarde. Sim, por favor avance com o processo. Atentamente AA” 6. Nessa sequência, a aludida mediadora enviou ao A. a documentação necessária para abrir a conta na Banco 1..., balcão de .... 7. A agência da Banco 1... submeteu ao departamento de risco, tendo sido pré-aprovado o crédito, condicionado à entrada de 20% do capital próprio. 8. O A. anuiu procedeu ao pagamento das despesas do dossier para aprovação do crédito, nomeadamente para efeitos de realização de avaliação do imóvel e comissão à Banco 1... que lhe foram solicitadas. 9. Após a entrega da carta da entidade empregadora, na qual não era indicada a expressão trabalhador efetivo e apenas trabalhador “full Time”, a Banco 1... comunicou que o máximo de empréstimo a conceder seria afinal de €50.000,00, e sendo que essa redução também se ficou a dever ao facto do A. ter outras obrigações de quase 900 dólares mensais nos EUA. 10. A mediadora DD efetuou depois simulações noutras entidades bancárias, tendo remetido ao A. as seguintes simulações: - Banco 2...: face à sua última declaração de trabalho referir que iniciou o vínculo em fevereiro de 2021, este banco considera ainda ser um trabalho precário e, portanto, não consegue enquadrar a operação nas regras do banco; - Banco 3...: este banco com os documentos enviados não vê entraves para a operação. Contudo para submeter o processo a decisão definitiva terá de ter todos os seus documentos pré validados pelo Consulado. - Banco 4...: este banco realça que, pese embora o processo reúna algumas particularidades, parece reunir condições de viabilidade. Remeto em anexo simulação de taxa variável e taxa mista (taxa fixa 30 anos e taxa variável 5 anos). - Banco 5...: em operações que os clientes adquirem habitação como secundária, este banco financia 70% do valor de avaliação. Por exemplo, se uma nova avaliação vier pelo valor que foi agora avaliado (104,000 * 70%, o banco financiaria 72,800€). Se vier uma avaliação superior, tanto melhor para estes cálculos. 11. Por email de 23/06/2021, o A., por não poder assumir estes encargos (o pagamento dos de capitais próprios necessários ao financiamento de acordo com o descrito nos números 9. e 10. dos factos provados), comunicou a DD que: “Foram erros processuais e falta de profissionalismo, zelo e cuidado por parte da Banco 1... que fizeram que o processo chegasse a este ponto. Já me foram cobrados comissões e taxas por parte da Banco 1... as quais muito provavelmente não posso nem vou voltar a pagar a outro banco porque alguém não fez o devido trabalho ao analisar os documentos que inicialmente me foram pedidos. Houve negligência processual onde eu estou a sair lesado, por estes motivos não posso nem quero seguir com a aquisição do imóvel”. 12. A Dra. DD, apresentou à Banco 1... pedido de reanálise do processo, tendo depois o A., em 29/06/2021 indicado o seu irmão como fiador, não tendo, ainda assim, sido suficiente para a Banco 1... efetuar o contrato de mútuo, tendo sido recusado o empréstimo. 13. Por carta datada de 27/07/2021 e repetida em 02/08/2021, dirigida aos RR., o A., através da sua mandatária comunicou que: “Na qualidade de mandatária do Sr. AA, promitente comprador da fração que V. Exas são proprietários, a qual corresponde a fração autónoma, designada pela letra "J" no quarto andar direito, com entrada pelo n.º ...2 da Rua ...'Este, a qual faz parte integrante do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana n.º ...04 e descrito na conservatória do registo predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...93. Venho por este meio reiterar, o que também já é do conhecimento de V. Exas. Através da Imobiliária A... Gaia ..., que infelizmente a Banco 1... não concedeu, o empréstimo para habitação própria e permanente. O crédito inicialmente aprovado previamente pela Banco 1... com os documentos remetidos pela "A... Gaia Imobiliária", acontece que no decurso de uma análise mais aprofundada esta veio a comunicar a não concessão de crédito para aquisição do imóvel de V. Exas são proprietários. O meu constituinte, através da imobiliária encetou todas as diligências junto da Instituição Bancária no sentido de obter o referido crédito que constituía uma condição para a realização do negócio prometido (compra do imóvel). Acontece porém, que, em face da decisão da instituição bancaria de indeferimento do seu pedido, o meu constituinte vê-se objetivamente impossibilitado de dar cumprimento ao contrato-promessa. Trata-se de uma circunstância alheia a sua vontade que, por isso não lhe é imputável, uma vez a decisão de não financiamento do negócio é exclusivamente da instituição bancária. Assim sendo, perante a verificação da circunstância descrita não imputável ao meu constituinte, venho, em representação solicitar - no prazo de 30 (trinta) dias contados da recção da presente - a devolução do sinal no montante de €10.000,00, por parte cda V. G. liquidado por transferência a ordem Imobiliária B... Unipessoal”. 14. Por carta datada de 05/08/2021, os RR. responderam ao A. que: “Reportamo-nos ao Contrato-Promessa de compra e venda (CPCV) celebrado em 3/5/2021 e à carta datada de 27/7/2021 da s/ mandatária. que só agora recebemos. Não resulta do CPCV celebrado qualquer condição resolutiva relativa ao financiamento bancário, pelo que a alegada falta de financiamento não constitui motivo para o incumprimento do mesmo CPCV, que não deixa de ser objetivamente culposo. Havendo declaração expressa no sentido de que não vai cumprir o CPCV - e mostrando-se, inclusive, esgotado o prazo previsto na Cláusula Quarta para proceder à marcação da prometida escritura de compra e venda - consideramos definitivamente incumprido. com as legais e contratuais consequências. nomeadamente a perda do sinal passado. Entendemos, pois, que existe incumprimento culposo e não procedermos à devolução do sinal, tendo, inclusive, já suportado diversos custos, nomeadamente com a comissão da Mediadora Imobiliária, pelo que a indemnização que resulta da perda do sinal destina-se, precisamente, à reparação dos danos causados”. Factos não provados 1. Depois dos factos indicados no número 5. dos factos provados foi assinado o contrato promessa indicado no número 1. dos factos provados. 2. A Banco 1... rejeitou a carta da entidade empregadora do A. * O recorrente que pretenda impugnar, com sucesso, a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de cumprir (“sob pena de rejeição”)[3] vários ónus de especificação (artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), dos quais sobreleva o de especificar os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, obrigação que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida[4]. Ónus esse que decorre dos princípios, considerados estruturantes do processo civil, da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais.Ponto importante a ter, também, em consideração pelo recorrente, mas que é frequentemente ignorado, é o de que a reapreciação da decisão em matéria de facto tem carácter instrumental, o mesmo é dizer, só faz sentido se visar reverter a favor do recorrente uma certa decisão jurídica alicerçada em determinada realidade factual que lhe é desfavorável, pois que, de contrário, essa reapreciação torna-se num acto inútil, num mero exercício cognitivo inconsequente. Analisados os fundamentos do recurso, constata-se que o recorrente não indica nenhum ponto da decisão de facto (do elenco de factos provados, mas também dos considerados não provados) que considere incorrectamente julgado. Na realidade, o que o recorrente pretende é a ampliação da matéria de facto, com o aditamento de dois outros pontos ao acervo dos provados e que enuncia assim: «O Autor não dispunha de fundos próprios suficientes para adquirir a fração autónoma já identificada nos autos, tendo a sociedade imobiliária A... diligenciado, em seu nome, para obter o montante o financiamento bancário» que corresponde ao alegado no artigo 6.º da p.i. e «O Autor, através da sociedade imobiliária, fez várias diligências para obter o crédito bancário, designadamente, entregando toda a documentação solicitada pela Banco 1... e até propondo um fiador, para conseguir concretizar o contrato de compra e venda, as quais, a final, se revelaram infrutíferas.» que corresponderia ao alegado em 39.º e 40.º do mesmo articulado. Se o primeiro ponto corresponde, basicamente, ao alegado no artigo 6.º («Como o Autor não tinha fundos próprios suficientes para proceder ao pagamento do valor integral teve de recorrer ao crédito bancário»), já o segundo ponto pouco ou nada tem a ver com o alegado nos artigos 39.º e 40.º («39. Deste modo, o Autor agiu sempre de boa-fé e encetou todas as diligências junto do banco no sentido de obter o crédito que era a condição para a realização do negócio de compra e venda.» e «40. Sendo uma circunstância alheia à vontade do Autor e até mesmo contrária às legítimas expectativas que criou perante a posição inicial do banco de lhe ser garantida a concessão do empréstimo.). Também de assinalar que não se enxerga por que é que não ter o tribunal dado como provados esses factos constitui uma violação do princípio da livre apreciação da prova, como alega o recorrente (conclusão 17.ª). Seja por iniciativa das partes, seja oficiosamente, pode a Relação ampliar a matéria de facto (trecho final da alínea c) do n.º 1 do artigo 662.º do CPC). Ponto é que essa ampliação possa ser considerada indispensável, ou seja, que à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, e tendo em conta o objeto do recurso, tais factos sejam essenciais para dar suporte a uma dessas soluções. Ora, afigura-se-nos que a impugnação do recorrente, salvo o devido respeito, não passa do exercício cognitivo inútil e inconsequente a que aludimos, pois os factos que quer ver aditados nada acrescentam de relevante (para a solução jurídica por que se bate) ao complexo factual apurado e em especial ao conteúdo do ponto 4. Esmiuçando o caso sub iuditio, importa começar por salientar que, divergindo da afirmação do recorrente de que o contrato «não aconteceu no quadro tradicional de celebração contratual», estamos perante um vulgar contrato-promessa de compra e venda de uma fracção predial autónoma em que foram promitente-comprador o autor/recorrente AA e promitentes-vendedores os réus BB e CC e na sua celebração interveio, como mediadora imobiliária, “A... Gaia ...”, através da sua colaboradora Dr.ª DD. No elenco de factos provados está reproduzido o respectivo clausulado (mais precisamente, as cláusulas que foram consideradas relevantes para a decisão sobre o mérito da causa) e importa começar por destacar a cláusula segunda, n.º 3, em que se estipulou que, como sinal e princípio de pagamento, o segundo outorgante (promitente-comprador) entregou aos primeiros (promitentes-vendedores) a quantia de €10.000,00 e, relacionada com esta, a cláusula quinta, n.º 1, que estabelecia as consequências do incumprimento definitivo culposo, pelo segundo outorgante, do contrato-promessa: conferia aos primeiros outorgantes (aqui réus) o direito de resolver o contrato e, em sintonia com o disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, de fazer sua a quantia recebida a título de sinal. Com efeito, nos termos desta disposição legal, se o tradens do sinal deixar de cumprir a obrigação (resultante do contrato-promessa) por causa que lhe seja imputável, tem o contraente fiel o direito de fazer sua a coisa entregue a esse título. Mas a norma que estabelece a regra da perda do sinal prestado não é imperativa. O princípio da liberdade contratual, amplamente consagrado no art.º 405.º do Código Civil, permite que as partes, dentro dos limites da lei, fixem livremente o conteúdo dos contratos, designadamente incluindo neles as cláusulas que lhes aprouver e os promitentes podem convencionar coisa diversa. Podem, designadamente, fazer condicionar o cumprimento da promessa da obtenção, pelo promitente-comprador, de financiamento bancário, sem o qual este não tem condições de celebrar o contrato prometido, e estipular que o accipiens restituirá o sinal se o tradens, sem culpa, não lograr obter o crédito. Dir-se-á até que é de elementar prudência a inserção no contrato-promessa de uma tal cláusula se for possível antecipar dificuldades na obtenção do financiamento. Apesar do afirmado na conclusão 26.ª (e do conteúdo da carta datada de 27.07.2021), a verdade é que no contrato-promessa que aqui se discute as partes não convencionaram que o seu cumprimento estaria condicionado à concessão do crédito bancário e que, não o obtendo, isso implicaria considerar não culposo o incumprimento do autor, com direito a restituição do valor do sinal. No entanto, não se questiona que o recorrente não dispunha de meios financeiros próprios para pagar o preço convencionado da fracção predial prometida vender pelos réus/recorridos e só obtendo empréstimo poderia cumprir a promessa. Também não se controverte que, para tanto, recorrendo aos serviços da mediadora “A... Gaia ...”, formulou junto da Banco 1... pedido de empréstimo e que satisfez o que lhe foi solicitado, nomeadamente quanto à entrega de documentos destinados a instruir o respectivo processo. Não há, assim, necessidade de acrescentar ao elenco de factos provados os pontos indicados, pelo que improcede a impugnação do recorrente. 2. Fundamentos de direito O contrato-promessa tem por objecto a celebração de um outro contrato: o chamado contrato prometido ou contrato definitivo. O seu cumprimento traduz-se, pois, na emissão, por cada uma das partes (promessa bilateral), das declarações de vontade que irão integrar o contrato prometido. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art.º 762.º do Código Civil). O cumprimento, para produzir os seus efeitos, deve ser exacto, isto é, completo, pleno, inteiramente coincidente com a prestação debitória. O devedor deve, portanto, efectuar a prestação exacta, no lugar e tempo próprios, nos precisos termos em que a obrigação se constituiu. Não foi o que aconteceu neste caso, pois o contrato prometido não chegou a ser celebrado. Por isso, a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se o não cumprimento dessa obrigação despoleta, imediatamente, o funcionamento comum do sinal (a sua perda ou a restituição em dobro). Como é sabido, a doutrina e a jurisprudência dividem-se quanto à resposta a dar a esta questão. Na doutrina, o entendimento que julgamos ser prevalecente[5] é o de que a simples mora faz com que se produzam os efeitos do sinal. Escreve, a propósito, o Professor A. Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo II, 2010, págs. 385-386): «O sinal visa simplificar o funcionamento do contrato. Marca-se uma data e passa-se sinal. Se na data aprazada não houver cumprimento, o sinal funciona. A alternativa de ter de colocar o devedor em mora, através de interpelação judicial ou extrajudicial (805.º/1, fixar-lhe, depois, novo prazo admonitório, através de nova interpelação (808.º/1), ou fazer a prova efectiva da perda do interesse objectivo do credor (808.º/1 e 2) é transformar a normalidade social numa via crucis burocrática. Se se opta por um prazo, com sinal, visa-se um prazo certo peremptório: um termo essencial. O sinal funciona logo que haja incumprimento, no momento aprazado e isso mesmo quando tal cumprimento ainda fosse ulteriormente possível»[6]. No polo oposto se posiciona o Professor J. Calvão da Silva (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Almedina, 1987, pág. 297), que expende: «O texto do art. 442.º, n.os 2 e 4, fala de não cumprimento e o regime nele contido está moldado para a falta definitiva de cumprimento. Não nos parece, assim, que, para o simples atraso ou mora, possam produzir-se os efeitos do sinal prescritos para o não cumprimento definitivo. Efectivamente, o regime do art. 442.º, n.º 2, pressupõe um incumprimento (de não escassa importância) definitivo imputável a uma das partes cuja consequência sancionatória é a indemnização aí prevista – constituindo o sinal antecipada fixação do dano – não sendo mais possível ou útil o cumprimento e execução específica»[7]. Já a orientação claramente dominante na jurisprudência, sobretudo do STJ, é a de associar o funcionamento do sinal ao incumprimento definitivo[8]. Não teremos de tomar posição nesta querela se, no caso, tiver ocorrido, como julgamos que ocorreu, uma situação de incumprimento definitivo por parte do promitente-comprador, ora recorrente. Não suscita controvérsia o entendimento de que se verifica o incumprimento definitivo de uma obrigação: - quando, objectivamente, o credor perca o interesse na prestação; - quando o devedor não cumpra num prazo razoavelmente fixado pelo credor, ou seja, havendo interpelação admonitória (artigo 808.º do Código Civil) ou - em caso de declaração antecipada de não querer cumprir, ou seja, quando o devedor emite declaração expressa de que não pretende cumprir ou adopta qualquer outra conduta incompatível com o cumprimento, que, inequivocamente, revela vontade de não cumprir. Está provado que, na sequência da informação que lhe foi feita de que a Banco 1... lhe concederia o empréstimo para a aquisição da fracção, mas no montante máximo de €50.000,00, o recorrente, através de email de 23.06.2021, comunicou à Dra. DD da mediadora “A... Gaia ...” que se considerava lesado pela Banco 1... por erros e negligência cometidos por esta instituição e que «por estes motivos não posso nem quero seguir com a aquisição do imóvel». Mais tarde, por carta datada de 27.07.2021 (repetida em 02/08/2021), dirigida aos réus, o recorrente, através da sua mandatária, comunicou-lhes que, por lhe ter sido recusado o pedido de empréstimo que formulou junto da Banco 1..., «vê-se objetivamente impossibilitado de dar cumprimento ao contrato-promessa» e pede a devolução do valor do sinal prestado, pretensão rejeitada pelos réus promitentes-vendedores que consideraram haver incumprimento culposo do promitente-comprador. Temos, pois, uma declaração inequívoca do promitente-comprador no sentido de que não cumprirá o contrato-promessa, declaração que a doutrina e a jurisprudência têm considerado equivaler a incumprimento definitivo. Incumprimento que o promitente-comprador diz não lhe ser imputável porque, não tendo meios próprios e tendo-lhe sido negado o financiamento bancário com que contava para pagar o preço de aquisição da fracção, ocorre impossibilidade objectiva de cumprimento. Nas suas próprias palavras, «a concessão de crédito bancário não dependia da sua vontade», mas era «condição essencial para cumprimento da obrigação principal decorrente da celebração do contrato prometido» (conclusão 26.ª). Estaria, assim, ilidida a presunção de culpa na falta de cumprimento (artigo 799.º, n.º 1, do CC). Na sentença recorrida, a questão foi assim analisada e decidida: «Com o contrato promessa não nasceu nenhuma obrigação, para o A., de pagamento de um preço. A obrigação de pagamento do preço decorreria do contrato prometido (a escritura de compra e venda). Ora, o A. não estava impedido de assinar o contrato prometido. Não estava hospitalizado e incapacitado de assinar. Portanto, não celebrou o contrato prometido (a escritura de compra e venda) porque não quis. Não foi porque não pôde. Por conseguinte, esta ação é improcedente logo à partida. O incumprimento do A. foi culposo. E sendo o incumprimento culposo, os credores podiam fazer seu o sinal prestado, tal como decorria da cláusula quinta do contrato promessa (e também do artº 442º, nº 2, do Cód. Civil). Por isso, é improcedente o pedido de devolução dos €10.000,00, sendo a ação improcedente. Dir-se-á: mas o pagamento do preço era imediatamente exigível com a escritura de compra e venda. E o A. não tinha esse montante relativo ao preço. Mas então era nesse momento – no momento em que tinha de pagar o preço – que nascia a questão da análise impossibilidade de cumprimento da obrigação de pagar o preço por parte do A., por falta de capacidade financeira. Que, valha a verdade, seria irrelevante para o Direito. Com efeito, estipula o artº 791º do Cód. Civil que “A impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro”. Ora, numa obrigação pecuniária, em abstrato é sempre possível ao devedor fazer-se substituir por terceiro. Desde que arranje alguém (um terceiro) disposto a pagar a sua dívida, ninguém o pode impedir de o fazer. Tem é de encontrar esse terceiro que o queira fazer. Por isso é que a impossibilidade subjetiva de cumprimento só existe nas obrigações infungíveis. Ora a obrigação pecuniária de pagamento do preço não é uma obrigação infungível. E é assim que, na situação do contrato prometido, a falta de pagamento do preço seria sempre, à partida, um incumprimento culposo (poderia não ser em situações excecionais, como por exemplo ser o credor que impede o pagamento do preço, mas são situações que não têm aplicação a este caso). Aliás, se o A. pensar bem, é por isso que a falta de pagamento das prestações bancárias é sempre culposa, mesmo em situações em que os devedores não pagam, não porque não queiram pagar, mas porque ficaram em situação de desemprego. Pense-se em Portugal, no tempo da Troyka (crise de 2011 – 2015), em que milhares de portugueses se viram sem as suas habitações (que tinham comprado com recurso ao crédito bancário, e que tiveram de as entregar em processos executivos). A maioria das situações de não pagamento das prestações bancárias ao Banco financiador resultava de situações de desemprego involuntário dos devedores. Alguma vez o desemprego involuntário foi considerado como isentando o devedor da culpa pelo incumprimento? Nunca. O motivo? O artº 791º do Cód. Civil.» Ressalvado o devido respeit0 pelo entendimento assim expresso, temos para nós que não é essa a melhor abordagem jurídica do caso. O caminho seguido na sentença recorrida tem implícito que é legítimo celebrar um contrato, mesmo sabendo uma das partes, de antemão, que não vai cumprir a principal obrigação dele emergente: o pagamento do preço da coisa vendida. Na actualidade, é um dado perfeitamente adquirido que as partes estão obrigadas, tanto nos preliminares como na formação e execução dos contratos, e, em certos casos, mesmo após eles (post pactum finitum) a agir de boa-fé, o mesmo é dizer, a adoptar uma conduta que não se desvie de certos deveres, que não adopte um comportamento eticamente censurável susceptível de trair a confiança da outra parte numa negociação honesta. Os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato. Podem ser violados, tanto por acção (com indicações inexactas), como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objectivo em conhecer. Os deveres de lealdade vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação correcta e honesta. Recorrendo, de novo, ao ensinamento do Professor A. Menezes Cordeiro (in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 1999, pág. 339): «as partes não podem, in contrahendo, adoptar comportamentos que se desviem da procura, ainda que eventual, de um contrato, nem assumir atitudes que induzam em erro ou provoquem danos injustificados. Os deveres de lealdade distinguem-se, com certa dificuldade, dos deveres de informação; pode, no entanto, considerar-se que neles não há apenas uma questão de comunicação; antes se joga, também, um problema de comunicação». O que, no fundo, se defende na sentença recorrida é que o autor, promitente-comprador, não estava vinculado a esses deveres e, em vez de comunicar aos promitentes-vendedores que não estava em condições de cumprir a promessa, devia ter celebrado o contrato prometido. Aliás, a construção jurídica elaborada na primeira instância também tem implícito que os promitentes-vendedores, sabendo que o preço de venda da fracção predial não lhes seria pago, ainda assim estavam obrigados a celebrar a venda prometida. Uma tal solução está em conflito com regras básicas do direito dos contratos, nomeadamente a exceptio non adimpleti contractus do artigo 428.º, n.º 1, do CC. Por outro lado, a comparação com a situação de falta de pagamento das prestações bancárias (deduz-se que se refere às prestações de amortização de empréstimo), sempre culposa, «mesmo em situações em que os devedores não pagam, não porque não queiram pagar, mas porque ficaram em situação de desemprego» não é particularmente feliz, uma vez que os contratos de mútuo bancário, em consonância com o disposto no artigo 781.º do CC, normalmente incluem uma cláusula de vencimento de todas as prestações em dívida em caso de simples falta de pagamento de uma delas, independentemente de culpa. Mas também a posição do recorrente não é defensável. Aparentemente, a sua tese de ilisão da presunção de culpa teria respaldo no acórdão da Relação de Lisboa de 17.01.2012 (processo n.º 5024/10.7TBALM.L1-1). Isto, a julgar pelo sumário com que foi publicado (www.dgsi.pt), que é do seguinte teor: «1. Para afastar a presunção de culpa estabelecida no art. 799º, n.º 1, do C. Civil, o devedor necessita apenas de provar a existência de circunstâncias que eliminem a censurabilidade da conduta, ou seja, que actuou com a diligência exigível. 2. Tendo no caso concreto o devedor (promitente-comprador) provado ter solicitado a concessão de um empréstimo bancário, a sua não concessão e a essencialidade do financiamento para efeitos de cumprimento do contrato-promessa, tem-se por afastada aquela presunção, sendo não culposo o incumprimento da obrigação principal. 3. Verificando-se a impossibilidade não culposa de cumprimento, o promitente-comprador tem direito à devolução do sinal entregue.»[9] No entanto, o sumário do acórdão não traduz, com rigor, os respectivos fundamentos, uma vez que, no caso, as partes convencionaram expressamente que, se o promitente-vendedor não obtivesse financiamento bancário, o contrato-promessa considerar-se-ia automaticamente resolvido e a promitente-vendedora devolveria o sinal recebido. Como já se sublinhou, uma tal estipulação é perfeitamente válida, mas, no caso que se julga, as partes não incluíram uma cláusula semelhante no contrato-promessa que celebraram. Vejamos, pois, qual a solução que se afigura juridicamente adequada. Nas palavras do Professor L.M. Menezes Leitão[10], o não cumprimento define-se como «a não realização da prestação devida por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação». Do incumprimento distingue-se a impossibilidade de cumprimento imputável ao devedor, embora o artigo o artigo 801.º, n.º 1, do Código Civil equipare os respectivos regimes: «Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse ao culposamente ao cumprimento da obrigação». Em ambas, a prestação devida não é realizada por facto imputável ao devedor; mas, se, no momento do cumprimento, a prestação é possível e o devedor não quis cumprir, haverá incumprimento; se, nesse momento, já não é possível realizar a prestação, estaremos perante uma impossibilidade culposa de cumprimento. Se a impossibilidade atingir o objecto do negócio, sejam quais forem as partes envolvidas, teremos uma impossibilidade objectiva; se a impossibilidade operar, apenas, em face dos sujeitos concretamente determinados, ocorre impossibilidade relativa ou subjectiva. Ao contrário do que sustenta o recorrente, é manifesto que, a verificar-se impossibilidade de cumprimento, será uma impossibilidade subjectiva, uma vez que só operaria em relação a si próprio, por não ter logrado obter os meios financeiros necessários para pagar o preço convencionado da fracção a adquirir. Impossibilidade que não se antolha como pode ser considerada não culposa, pois que, se é certo que o empréstimo que pretendia acabou por ser-lhe negado pela instituição bancária a que recorreu, também é verdade que não buscou uma solução alternativa, nomeadamente não tentou obter o financiamento junto de outra instituição de crédito. Compreende-se a sua indignação perante a posição da Banco 1... que, depois de numa primeira apreciação o ter considerado viável (despoletando a abertura do respectivo processo, com as inerentes despesas que teve de suportar), acabou por lhe recusar o empréstimo. No entanto, os réus promitentes-vendedores nenhuma responsabilidade têm na frustração desse objectivo, são completamente alheios a esse desaire. Ainda com interesse para o caso é a distinção entre impossibilidade inicial e a superveniente, conforme opere ab initio, logo no momento da celebração do contrato ou, apenas, mais tarde. A impossibilidade inicial implica a nulidade do negócio (artigo 280.º, n.º 1, do CC); na superveniente, se a impossibilidade for imputável ao devedor, aplicam-se as regras do incumprimento definitivo (citado artigo 801.º, n.º 1) e, se do contrato emergirem prestações recíprocas, pode o credor: - resolver o contrato, ficando desobrigado de realizar a contraprestação; - exigir a restituição do que haja prestado; - exigir ao inadimplente uma indemnização por todos ao danos que para si tenham resultado do não cumprimento. Estas são consequências que derivam, não só da impossibilidade culposa do cumprimento, mas também do incumprimento definitivo imputável ao devedor[11], pois uma e outra integram aquilo que a doutrina designa por “categoria ampla da falta de cumprimento”[12]. No caso, não há impossibilidade inicial porque não pode dizer-se que, quando celebrou o contrato-promessa de compra e venda, o autor/promitente-comprador não iria reunir os meios necessários para celebrar o definitivo. O que, seguramente, pode dizer-se é que o recorrente não foi suficientemente prudente, não ponderou todos os riscos do negócio: além de não ter feito incluir no contrato-promessa uma cláusula que salvaguardasse o direito à restituição do sinal para o caso de não obter financiamento bancário, concluiu o contrato (em 03.05.2021) ainda antes da avaliação preliminar do seu pedido feita pela Banco 1... (em 07.05.2021), quando a atitude mais avisada seria que aguardasse pela confirmação dessa informação inicial. Neste enquadramento, afigura-se-nos inevitável concluir que o recorrente não afastou a presunção de culpa que sobre si recaía. Aliás, como faz notar o Professor A. Menezes Cordeiro (Tratado…, II, tomo IV, pág. 180), só a objectiva ou absoluta é verdadeira impossibilidade. Cabe, por último, assinalar que o contrato-promessa em causa continua em vigor, visto que, considerando a factualidade apurada, não houve qualquer declaração resolutiva que tenha provocado a sua extinção. Mas o objecto do recurso é, apenas, a questão da restituição do sinal a quem o prestou e a conclusão é que a pretensão do recorrente não é fundada, pelo que improcedem todas as conclusões do recurso. III - Dispositivo Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação de AA e, em consequência, ainda que com fundamentos não coincidentes, confirmar a decisão recorrida. As custas do recurso serão suportadas pelo recorrente (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil). (Processado e revisto pelo primeiro signatário). Porto, 5/6/2023 Joaquim Moura Ana Paula Amorim Manuel Domingos Fernandes ___________________ [1] Segue-se, com alterações, o relatório da sentença recorrida. [2] Notificada às partes por expediente electrónico elaborado na mesma data. [3] Como se decidiu no Ac. STJ de 30.06.2020 (processo n.º 1008/08.3 TBSI.E1.S1), «III - A cominação para a falta de especificações constantes das als. a), b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC é a rejeição da impugnação da decisão de facto, não havendo lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento nos termos do n.º 3 do art. 639.º do CPC». [4] Sendo certo que, em casos-limite, a impugnação pode implicar toda a matéria de facto, nem por isso o recorrente está desobrigado de especificar os concretos pontos de facto por cuja alteração se bate (cfr. A.S. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5.ª edição, pág. 163, em nota de pé de página). Esta especificação serve para delimitar o objecto do recurso e por isso tem de constar das conclusões. [5] Embora Ana Afonso, em anotação ao artigo 442.º do Comentário ao Código Civil, Universidade Católica Editora, pág. 168, refira que «o entendimento mais generalizado, na doutrina e na jurisprudência, é o de que o regime legal do sinal é inaplicável em caso de simples atraso no cumprimento». [6] Como autores que se pronunciaram no mesmo sentido, são indicados os seguintes: Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª edição, pág. 352; Almeida Costa, Contrato-Promessa, 9.ª edição, pág. 70 e segs e 81, e Nuno Manuel Pinto Oliveira, Considerações em torno do artigo 442.º do Código Civil. [7] Também assim, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, 129, e L. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 8.ª edição, 240. [8] Por todos, o Ac. STJ de 02.02.2017 (Processo n.º 80/13.1TBCDN.C1.S1), em cujo sumário podemos ler: «II - A jurisprudência do STJ tem considerado que, salvo se da interpretação da vontade negocial resultar diversamente, o não cumprimento da obrigação de contratar constitui o devedor em simples mora, à qual não se aplica, sem mais, o regime da perda/exigência do sinal em dobro previsto no art. 442.º, n.º 2, do CC. III - Para que tal regime seja aplicável é necessário: (i) que exista mora nos termos do art. 805º do CC; e (ii) que esta se transforme em incumprimento definitivo por uma das vias do art. 808.º do CC: perda do interesse do credor apreciada objectivamente; decurso de um prazo adicional razoável fixado pelo credor (interpelação admonitória). [9] Em idêntico sentido, o Ac. TRG de 6/12/2011, processo 2729/09.9TBBRG.G1, in www.dgsi.pt [10] Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 12.ª edição, pág. 231. [11] Escreve, a propósito, o Professor A. Menezes Cordeiro (“Tratado…”, pág. 138-139): «O Código português, quando trata a resolução dos contratos, não estabelece, no entanto, expressamente, o não cumprimento da prestação recíproca como causa geral da resolução. Ocupa-se, contudo, dessa matéria a propósito do que chama a impossibilidade imputável ao devedor. (…) Não oferece dúvidas a aplicação deste regime ao incumprimento propriamente dito: aliás, o Código Civil equipara os regimes do incumprimento definitivo e da impossibilidade da prestação imputável ao devedor – artigo 801.º/1. A faculdade de exigir a restituição do que já tiver sido prestado deve ser aproximada da eficácia retroctiva da resolução artigo 434.º. A restituição tem a natureza da prevista para a invalidação (433.º e 289.º)». [12] Que inclui, ainda, o incumprimento parcial e o cumprimento defeituoso. |