Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
394/22.7GBOBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DO VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
NATUREZA JURÍDICA
APLICABILIDADE
PODER-DEVER
Nº do Documento: RP20230215394/22.7GBOBR.P1
Data do Acordão: 02/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O regime de permanência na habitação é um meio de execução da pena de prisão (efetiva).
II – O cumprimento da pena de prisão na cadeia é a opção derradeira para execução de penas de prisão (efetivas) até dois anos.
III – São pressupostos da aplicação do regime: - consentimento do condenado; - pena de prisão (efetiva) a cumprir não superior a dois anos; - realização de forma adequada e suficiente das finalidades da execução da pena de prisão.
IV – O facto de se ter sofrido uma condenação anterior a cumprir em regime de permanência na habitação não obriga, de per si, que a seguinte tenha de ser cumprida na cadeia, pois que, verificando-se os seus pressupostos, o Tribunal tem o poder-dever de ordenar a execução da pena de prisão (efetiva) segundo aquele regime.

[Sumário da exclusiva responsabilidade do Relator]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 394/22.7GBOBR.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No processo abreviado nº 394/22.7GBOBR, Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro - Juiz 2, foi julgado o arguido AA e condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão (efetiva); e ao abrigo do disposto no artigo 69º, n.º 1, al. a) e nº 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de dois anos.
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Não se conformando com esta sentença, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«1.ª – Ao contrário do entendimento vertido na Douta Sentença recorrida pelo Douto Tribunal a quo, entendemos ainda ser possível aplicar ao arguido pena menos gravosa do que a aplicação de prisão efetiva, nomeadamente, o regime de permanência na habitação, com recurso a meios de vigilância electrónica (art.º 43.º do CP).
2.ª – Os antecedentes criminais do recorrente, são quase todos por condução de veículo em estado de embriaguez, pelo que, como bem se vê, apesar de o recorrente contar com várias condenações no seu registo criminal, salvo melhor juízo, o mesmo não se trata de um delinquente.
3.ª – O recorrente viu-se “obrigado” a “crescer rápido”, a ter necessidade de trabalhar cedo para ajudar no sustento da sua família e a ser “forçado” a “andar para a frente” a todo o custo, pelo que, ainda que interiorizasse as anteriores condenações, percebe que não o fez da forma mais adequada e eficaz.
4.ª – Dos seus antecedentes criminais, resulta como última condenação a transitada em julgado em 18-09-2019, por factos de igual natureza, tendo o recorrente nessa altura, iniciado consultas de alcoologia no Centro de Saúde ..., as quais apenas abandonou quando começou a trabalhar.
5.ª – O recorrente está perfeitamente consciente e concordante com o desvalor e a ilicitude da sua conduta, porém, não pode deixar de destacar que não obstante as condenações já sofridas, o mesmo nunca interveio em nenhum acidente de viação, o que sempre tem de ser valorado a seu favor, já que faz denotar, preocupação, respeito e atenção em relação a terceiros.
6.ª – Não pode o Tribunal ignorar que desde a última condenação em 03.07.2019 e a data dos factos em causa nestes autos, 18-07-2022, mediou um período de 3 anos, o que, atento o histórico do recorrente (registo criminal), torna perfeitamente possível um juízo de prognose favorável quanto à postura que o mesmo irá adoptar relativamente à condução de veículos, daqui em diante.
7.ª – O recorrente reside no concelho de Oliveira do Bairro, pelo que tem necessidade de percorrer até ao seu local de trabalho, vários quilómetros, pelo que, naturalmente durante tal lapso temporal de 3 anos, caso conduzisse em estado de embriaguez, já teria sido alvo de outras “abordagens”/”operações” por parte dos Senhores Agentes da Autoridade, assim se vendo que não o fez, pelo que, as anteriores condenações de que o recorrente foi alvo, contribuíram para uma postura diferente do mesmo,
8.ª – O recorrente não tem qualquer sentimento de impunidade.
9.ª – O recorrente não pode ser considerado irresponsável e inconsequente, até porque assume honrosamente todos os compromissos que tem a seu encargo.
10.ª – A pena aplicada nestes autos, impossibilitará o recorrente de conseguir cumprir todos os seus compromissos mensais, nomeadamente o apoio financeiro que presta à sua mãe.
11.ª – A pena aplicada ao recorrente, terá necessariamente, não só repercussões irreparáveis na esfera jurídica do mesmo, mas também na dos que o rodeiam, nomeadamente à sua mãe, de 72 anos que ficaria a residir sozinha.
12.ª – Uma pena privativa da liberdade, com as consequências supra descritas que acarretará, nomeadamente, a necessidade que o recorrente terá de deixar de cumprir os seus compromissos, e de prestar apoio à sua mãe, implicará um estigma social que acompanhará o resto da sua vida, que conta com 27 anos de idade, sendo um fardo demasiado pesado para o recorrente, que neste momento é conhecido, como sendo uma pessoa respeitada e respeitadora, trabalhadora e bem reputado entre os que o rodeiam.
13.ª - As exigências de prevenção especial diminuem, já que, e salvo melhor juízo, a situação pessoal, social e profissional do recorrente, assim, como a sua abstinência da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez durante mais de 3 anos, se sobrepõe às anteriores condenações do mesmo.
14.ª - Aquando das anteriores condenações, não tinha o recorrente as responsabilidades que tem hoje em dia.
15.ª - Ao contrário do que consta da Douta Sentença recorrida, o e recorrente bem sabe do desvalor da sua conduta, como aliás se percebe, da conjugação de todos os factos dados como provados.
16.ª - Salvo devido respeito, a decisão recorrida viola a doutrina proposta pela habitualidade jurisprudencial, no que respeita às finalidades das penas, a saber, prevenção geral positiva de integração e prevenção especial.
17.ª – O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no caso concreto, velocípede com motor, é punido com uma pena máxima de 1 ano de prisão, pelo que, condenar ao recorrente na pena máxima e ainda em prisão efetiva, salvo devido respeito, o Douto Tribunal a quo está a desconsiderar excessivamente todo o percurso favorável do recorrente desde a data da última condenação até à data dos factos em causa nestes autos, e bem assim, tudo o quanto consta dos factos dados como provados na Douta Sentença em crise e que abonam em favor do recorrente, relativamente à sua vida profissional e social, e ao futuro imediato do mesmo,
18.ª – Pelo que, a pena de um ano, a cumprir de forma efetiva, em estabelecimento prisional, salvo devido respeito, mostra-se excessiva e inadequada, por desproporcional.
19.ª – E, é neste contexto, de desfasamento com a actual realidade do recorrente, que a decisão recorrida, salvo o sempre devido e merecido respeito, também enferma de uma atitude omissiva – de análise da situação actual do recorrente – e, já por acção, de uma mera e efémera remissão para o registo criminal do mesmo como forma de sustentar a aplicação de uma pena de prisão privativa da liberdade – sem substituição pelo regime de permanência na habitação – em detrimento da respectiva e adequada substituição.
20.ª – Para além dessa substituição pelo regime de permanência na habitação, sempre poderá e deverá este Douto Tribunal Superior, permitir que o recorrente, conjugada com a já anteriormente aplicada pena em regime de permanência na habitação, com recursos a meios de vigilância electrónicos, possa deslocar-se para o seu local de trabalho e daí para a sua habitação, cumprindo um horário fixo, na empresa “A..., Lda.”, com instalações em ..., Águeda), o que se requer,
21.ª – Podendo assim este prosseguir a sua actividade profissional estruturante e ressocializante, e dessa forma, continuar a honrar mensalmente todos os seus compromissos.
22.ª – Esta reacção penal afigura-se-nos mais adequada e potencialmente não menos eficaz, podendo até ser geradora de uma nova e mais cuidada orientação de vida, já que tem em si um conteúdo pedagógico que não nos parece ineficaz, particularmente no caso do recorrente.
23.ª – Ao contrário do que consta na Douta Sentença em crise, tal reacção penal não porá em causa as finalidades de prevenção geral e especial.
24.ª – Pretende assim o recorrente que lhe seja aplicada uma pena em Regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a qual se deverá desenvolver de modo a permitir que o mesmo se possa ausentar da sua habitação por um período diário correspondente ao seu horário de trabalho,
21.ª – Ou, caso assim se não entenda, que possa cumprir a pena de prisão em que foi condenado, em regime de permanência na habitação, com recursos a meios de vigilância electrónicos, de modo a prestar o necessário à sua mãe de 72 anos de idade.
22.ª – O carácter sancionatório da pena neste caso concreto estará sempre salvaguardado, perante o comprovado sentido de punição e desvalor perante a sua conduta por parte do recorrente, assim como o seu arrependimento.
23.ª – Germano Marques da Silva refere que “«o regime de permanência na habitação é um regime flexível, podendo o juiz ao determinar o regime estabelecer que a obrigação de permanência se faça apenas em períodos limitados do dia para permitir ao condenado o exercício de profissão, de frequência escolar, cumprimento de preceitos religiosos, etc.», concretizando, em nota, o autor «O juiz deve ter em atenção que a obrigação de permanência na habitação representa para o condenado uma permanente tensão, um desafio para não violar a obrigação (…). Por isso que enquanto Presidente da Comissão de Acompanhamento do Sistema de Vigilância Electrónica sempre recomendámos aos Serviços do IRS que propusessem ao juiz regimes com alguma flexibilidade para evitar o mais possível a desinserção social do condenado, mas também para facilitar o cumprimento da pena. A experiência alheia mostra que a obrigação de permanência na habitação cumpre melhor as suas finalidades quando tem alguma flexibilidade …» - [cf. ob. cit., pág. 92] – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12.03.2014, no âmbito do processo n.º 3/13.5SFGRD.C1 -.
24.ª – “Sobre esta questão pronunciou-se o acórdão do TRP de 17.02.2010, proferido no proc. n.º 42/06.2TAOVR-C.P1 (…) do qual se respiga: «… não vislumbramos incompatibilidade alguma entre o conteúdo e a natureza da pena de permanência na habitação e as saídas para o exercício pelo condenado de actividade laboral, desde que a sua periodicidade e duração se mostrem compatíveis com as finalidades de prevenção que lhe estão subjacentes e tendo em atenção o consignado no artigo 3º, n.º 2, da Lei n.º 122/99, de 20/08.
Certo é que no artigo 46º, do CP (regime de semidetenção) se consagrou expressamente que o regime «consiste numa privação da liberdade que permita ao condenado prosseguir a sua actividade profissional normal, a sua formação profissional ou os seus estudos, por força de saídas estritamente limitadas ao cumprimento das suas obrigações» e no regime de permanência na habitação não se faz referência alguma a estes objectivos e saídas com vista a atingir este escopo. – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12.03.2014, no âmbito do processo n.º 3/13.5SFGRD.C1 -.
25.ª – “Da inexistência dessa consagração expressa não resulta, em nosso entender, que a lei pretenda afastar, à partida, que o condenado no regime de permanência na habitação prossiga a sua actividade profissional, a sua formação profissional ou os seus estudos (salvaguardando sempre, como já ficou referido, a compatibilidade com as finalidades de prevenção), sendo que apenas se impõe como necessária essa consagração no regime de semidetenção por se tratar ainda de um cumprimento de prisão intramuros, uma privação da liberdade com recurso ao sistema prisional, com efectivo ingresso num estabelecimento prisional (…)» – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12.03.2014, no âmbito do processo n.º 3/13.5SFGRD.C1 -.
26.ª - “Não se vislumbra que o exercício de actividade laboral pelo recorrente, nos termos em que impetrado foi, coloque em crise as finalidades de prevenção que conduziram à aplicação do regime de permanência na habitação, sendo certo que contribuirá para a sua ressocialização (e se o recorrente não aproveitar esta oportunidade que o sistema lhe concede de se pautar por uma forma de vida afastada da criminalidade, então certamente que acabará por ter a opção de a sua reinserção comunitária se efectivar em meio de reclusão institucionalizado, a saber, no interior dos muros de um estabelecimento prisional)” (negrito nosso) - cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17.02.2010, no âmbito do processo n.º 42/06.2TAOVR-C.P1 -.
27.ª – Por fim, face ao exposto, diga-se ainda que uma vez que o comportamento anterior do Recorrente não inviabilizou, de acordo com a decisão recorrida, o juízo favorável à satisfação das necessidades de prevenção especial mediante a imposição do regime de permanência na habitação, não se reconhece ao mesmo percurso delituoso aptidão para comprometer as finalidades preventivas da pena caso ao arguido seja permitido cumprir a pena de prisão em habitação, e até prosseguir com a sua atividade profissional, dada a reconhecida contribuição daí adveniente para a sua ressocialização e tendo em conta o empenho profissional do arguido que se extrai da matéria provada e atento o disposto no art.º 43.º, n.º 3 do Código Penal - Ac. Tribunal da Relação do Porto, datado de 13.03.2019, no âmbito do Processo n.º 166/18.3GDAND -.
TERMOS EM QUE,
Nos melhores de direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências requer-se, que em integral provimento deste Recurso, seja a Douta Sentença proferida em 1.º Instância totalmente revogada e substituída por outra, que dê total provimento a este recurso nos exactos termos peticionados pelo recorrente, por assim ser de lei de inteira Justiça!»
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
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Nesta instância a Exma. Procuradora-geral Adjunta, no seu parecer, pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º-2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão a apreciar e decidir é a da escolha do meio de execução da pena de prisão: que o recorrente pretende seja em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (RPHVE), com permissão de ausências por um período diário correspondente ao seu horário de trabalho.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e de direito, que é a seguinte (transcrição das partes relevantes para o presente recurso):
«(…)
Fundamentação:
Factos provados:
O Tribunal tem como provados os seguintes factos:
1. No dia 18-07-2022, cerca das 23h45m, o arguido conduziu um velocípede com motor na Rua ..., via pública da localidade de Oliveira do Bairro, área desta Comarca.
2. O arguido tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução daquele veículo.
3. Submetido a exame de pesquisa a álcool no sangue através do ar expirado, em alcoolímetro aprovado para fiscalização e verificado pelo Instituto Português da
Qualidade, o arguido apresentava uma taxa de, pelo menos, 2,03 gramas de álcool por litro de sangue, correspondente à taxa registada de 2,21 g/L, deduzida a margem de erro máximo admissível.
4. O arguido sabia que a ingestão de bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução poderia determinar uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, como determinou.
5. O arguido sabia que não podia conduzir veículos após ingerir bebidas alcoólicas em quantidade suscetível de determinar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l, mas quis conduzir, como conduziu, nessas circunstâncias.
6. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era, como é, proibida e punível pela lei penal.
7. O arguido reconheceu a prática dos factos que lhe são imputados.
8. O arguido foi condenado:
a) Nos autos de processo especial sumário n.º 196/15.7GBOBR, que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Oliveira do Bairro – Juízo de
Competência Genérica – Juiz 2, por sentença de 8-06-2015, já transitada em julgado a 8-07-2015, pela prática, a 26-05-2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 55 dias de multa, à razão diária de € 5,00;
b) Nos autos de processo especial sumário n.º 133/16.1GBOBR, que correram termos no Tribunal da Comarca da Comarca de Aveiro – Oliveira do Bairro – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2, por sentença de 5-04-2016, já transitada em julgado a 5-05-2016, pela prática, a 25-03-2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à razão diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículo a motor pelo período de 5 meses;
c) Nos autos de processo especial sumário n.º 173/16.0GBOBR, que correram termos no Tribunal da Comarca da Comarca de Aveiro – Oliveira do Bairro – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2, por sentença de 12-09-2016, já transitada em julgado a 12-10-2016, pela prática, a 22-04-2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa à razão diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 7 meses;
d) Nos autos de processo especial sumário n.º 105/17.9GBOBR, que correram termos no Tribunal da Comarca da Comarca de Aveiro – Oliveira do Bairro – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2, por sentença de 15-03-2017, já transitada em julgado em 24-04-2017, pela prática, a 14-03-2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 4 meses de prisão substituída por 250 dias de multa à razão diária de € 5,50 na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 7 meses;
e) Nos autos de processo especial sumário n.º 75/19.9GDAND, que correram termos no Tribunal da Comarca da Comarca de Aveiro – Oliveira do Bairro – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2, por sentença de 5-04-2019, já transitada em julgado em 14-05-2019, pela prática, a 29-03-2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de desobediência qualificada, nas penas, respetivamente, de 10 e 6 meses de prisão, que redundaram numa pena única de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução, com imposição, entre o mais, da regra de conduta de efetuar uma consulta de alcoologia e, se necessário, tratamento médico e/ou medicamentoso de alcoologia, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 17 meses;
f) Nos autos de processo especial sumário n.º 137/19.2GDAND, que correram termos no Tribunal da Comarca da Comarca de Aveiro – Oliveira do Bairro – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2, por sentença de 3-07-2019, já transitada em julgado em 18-09-2019,, pela prática, a 11-06-2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 (oito) meses de prisão, e de um crime de desobediência qualificada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão; em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 10 (dez) meses de prisão, em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 17 meses.
9. No âmbito do acompanhamento realizado no processo n.º 75/19.9GDAND, o arguido beneficiou de consultas de alcoologia na Unidade de Saúde Familiar ... e de acompanhamento psicossocial, que interrompeu por sua iniciativa no início de 2022.
10. O arguido, atualmente com 36 (trinta e seis) anos de idade, não aproveitou tal acompanhamento nem o período de reclusão que se seguiu como oportunidade para deixar de ingerir bebidas alcoólicas, pelo menos antes de iniciar a condução de veículos, e decidiu, novamente, sujeitar-se e sujeitar terceiros aos perigos decorrentes da sua condução sob influência do álcool.
11. As anteriores condenações não foram assim suficientes para afastar o arguido da prática de novos factos ilícitos, que repete, continuando a demonstrar manifesto desprezo pelos valores necessários a uma vivência comunitária reta e de acordo com o Direito, nomeadamente, o respeito pelas regras de condução e a segurança rodoviária, revelando uma personalidade impermeável àqueles valores e à acção da justiça.
12. O arguido tem tendência para abusar de bebidas alcoólicas, já foi intercetado a conduzir cinco vezes em estado de embriaguez, já beneficiou de acompanhamento para desabituação alcoólica mas desinteressou-se, abandonando-o.
13. O arguido AA nasceu em França, durante o período em que os pais ali estiveram emigrados, tendo vindo para Portugal aos 5 anos de idade, juntamente com o agregado familiar, do qual também fazia parte um irmão mais velho, à data com 21 anos, fixando residência em Oliveira do Bairro. Nesta localidade, o progenitor passou a exercer trabalho na área da construção civil, tendo a progenitora passado a dedicar-se ao trabalho doméstico.
14. Do ponto de vista relacional e dos padrões e dinâmicas de funcionamento intrafamiliar, parece haver indicadores de normatividade, com regras e limites definidos, e acompanhamento de proximidade por parte dos pais durante o período de infância e adolescência do arguido. A relação entre este e o irmão mais velho é descrita, pela progenitora, como próxima e positiva. No entanto, o regresso do irmão a França, onde se manteve em situação de emigração, imprimiu distanciamento afetivo e conflituosidade nesta relação, em parte associada ao quadro de dependência alcoólica que o irmão de AA foi desenvolvendo.
15. O arguido iniciou o seu percurso educativo em idade normativa, com registo de dificuldades de aprendizagem até ao final do 2.º ciclo do ensino básico. A transição para o terceiro ciclo foi pautada, contrariamente à fase anterior, por alguma instabilidade e permeabilidade à influência de pares, com impacto negativo e prejuízo no seu desempenho académico. Aos 15 anos integrou um curso de formação na APPACDM de ..., que frequentou durante dois anos letivos. Após esse percurso formativo, e tendo em vista a sua integração no mercado de trabalho, AA passou quatro meses em França, ficando a residir com o irmão, ali emigrado. Dadas as dificuldades de integração do arguido, e alguns episódios que indiciam agressividade física e emocional por parte do irmão, o arguido regressou a Portugal, reintegrando o agregado familiar dos progenitores.
16. Entre os 18 e os 21 anos de idade, fez um percurso profissional instável, com colocação laboral irregular e sem estabelecimento de vínculo contratual. A partir dos 22 anos de idade, começou a desempenhar funções numa oficina mecânica, em ..., onde se manteve afeto durante cerca de oito anos, executando, em paralelo, trabalho agrícola pontual, sempre que lhe era solicitado.
17. Aos 20 anos de idade, estabelece relação afetiva de namoro com BB (35 anos), durante um ano e meio, num contexto relacional que o arguido descreve como globalmente positivo. O término deste relacionamento teve um impacto negativo na vida de AA, sendo por este assumida a dificuldade na resolução e gestão emocional dessa perda.
18. Do ponto de vista do consumo abusivo de álcool, e do desenvolvimento de um padrão de dependência, AA refere um contacto precoce com bebidas alcoólicas. Numa primeira fase, limitado a um consumo pontual em contexto associado a lazer e convívio com pares, e numa fase posterior, com maior regularidade e impacto mais severo no seu funcionamento diário, e consequente prejuízo e envolvimento em diversos processos e contactos com o sistema de Justiça, tendo chegado a cumprir pena de prisão em regime de permanência na habitação, com obrigação de frequência de consulta de alcoologia, no Centro de Saúde ..., que interrompeu por sua iniciativa no início de 2022.
19. Durante o cumprimento desta pena, e na sequência do falecimento do pai, por doença oncológica, AA passou por uma fase de acentuada instabilidade emocional, com necessidade de recurso a psicofármacos, e evolução negativa no seu auto-controlo e manutenção de abstinência.
20. AA reside com a mãe (CC, 72 anos, reformada), em moradia de propriedade familiar com razoáveis condições de habitabilidade, e área útil de ocupação distribuída por três quartos, uma sala, uma cozinha, dois quartos de banho. O imóvel dispõe ainda de pátio, quintal e garagem.
21. Com integração profissional desde 22/10/2021 na empresa A..., Lda., com instalações na Zona Industrial ..., em ..., Águeda, tem contrato de trabalho de um ano, renovável, auferindo mensalmente o Salário Mínimo Nacional. Na sequência de um acidente doméstico, encontra-se em situação de Incapacidade Temporária para o Trabalho há cerca de um mês.
22. Ao nível socioeconómico e de integração comunitária, AA encontra-se numa fase de maior estabilidade, embora sejam identificados períodos em que o valor do seu salário e o valor de pensão da mãe são insuficientes para fazer face às despesas fixas mensais. Integrado numa zona de características rurais, o arguido mantém um registo adequado na relação com elementos do meio, não havendo sinais de rejeição por parte da comunidade.
23. O arguido evidencia uma relação de dependência em relação à mãe, fazendo-se acompanhar por esta na maior parte dos compromissos que AA perceciona com maior carga de responsabilidade, designadamente deslocações a serviços e/ou entidades para comparência em entrevistas para as quais é convocado no âmbito do sistema de Justiça, Segurança Social, Saúde, entre outras.
24. Do ponto de vista da sua dependência alcoólica, apresenta um discurso de minimização e desvalorização, não assumindo um padrão de dependência.
25. AA evidencia consciência crítica e censura moral perante factos idênticos àqueles de que se encontra acusado, e reconhece a importância e necessidade de intervenção e atuação do sistema penal.
26. Confrontado com o desenvolvimento e impacto que possa advir do presente processo, o arguido assume um discurso de aceitação das consequências que daí possam resultar, com evidência de preocupação relativamente ao impacto e prejuízo ao nível da sua situação pessoal e familiar, bem como ao nível do seu contexto profissional atual.
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Com relevo para a decisão a proferir não existem factos por provar.
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Motivação:
A convicção do Tribunal quanto à factualidade considerada provada radicou nas declarações integralmente confessórias do arguido.
No que concerne aos antecedentes criminais, o Tribunal atentou no teor do certificado de registo criminal de fls. 128 e seguintes e bem assim nas certidões extraídas dos processos em que sofreu as anteriores condenações.
Finalmente, no tocante à situação pessoal e socioeconómica do arguido o Tribunal assentou a sua convicção para dar como provada tal factualidade com base no relatório social de fls. 44 a 47.
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(…)
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Escolha e determinação da medida da pena:
O arguido cometeu um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º do Código Penal.
O ilícito aqui em apreço é punido com pena de prisão ou com pena de multa.
Uma vez que a referida norma admite, em alternativa, as penas principais de prisão e de multa, cumpre, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena a aplicar ao arguido.
Ora, estipula o artigo 70.º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
De acordo com o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, as finalidades da punição consistem na proteção de bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade.
Por conseguinte, a atividade de escolha da pena é determinada apenas e só por considerações de prevenção geral e especial.
Ora, quanto à prevenção geral, refira-se a inequívoca relação direta entre o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e os acidentes rodoviários que ocorrem nas estradas portuguesas.
A frequência com que se cometem este tipo de crimes (sendo que, de acordo com o relatório anual de segurança interna de 2013, acessível através do sítio da internet www.portugal.gov.pt, o tipo de crime de condução de veículo em estado de embriaguez foi o terceiro tipo com mais registos verificados) e as consequências a ele associadas em termos de sinistralidade, entre o mais, elevam, de forma significativa, as necessidades de prevenção geral, impondo-se, por via da punição, desincentivar a prática de atos semelhantes aos descritos nos autos, e ainda, reforçar as expectativas comunitárias na norma violada, quer pelo referido efeito dissuasor, quer pelo combate a uma ideia de impunidade que, por vezes, subsiste, quanto a crimes desta natureza.
Quanto à prevenção especial, refletem-se contra o arguido os seus antecedentes criminais.
Na verdade, o arguido conta já com 5 condenações pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, uma condenação pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal e uma pela prática de um crime de desobediência qualificada.
Ora, a reiteração da conduta do arguido na prática de crimes de idêntica natureza são reveladores da indiferença do mesmo para com o ordenamento jurídico.
Com efeito, as anteriores condenações parecem não ter tido qualquer efeito sobre a personalidade do arguido, que vem reiterando a prática de condutas ilícitas de natureza rodoviária.
Tendo em consideração o exposto e, sobretudo, os antecedentes criminais do arguido, temos que as necessidades de prevenção especial assumem particular acuidade, razão pela qual se entende que a aplicação ao arguido de uma pena de multa não se revela adequada nem suficiente para assegurar as finalidades da punição.
Opta-se, assim, pela aplicação, ao arguido, de uma pena de prisão.
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Quanto à determinação da medida concreta da pena, ela efetua-se nos termos do artigo 71º, n.º 1, do Código Penal.
Prescreve aquele normativo o seguinte:
“A determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Deverão ainda ser consideradas, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude, sobretudo no que concerne ao desvalor do resultado da conduta do agente, a intensidade do dolo, as condições pessoais do agente e sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
Há a valorar as seguintes circunstâncias:
a) no que toca às exigências de prevenção geral, a inequívoca relação direta entre o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e os acidentes rodoviários que ocorrem nas estradas portuguesas;
a) o grau de ilicitude da conduta do arguido, indiciado na taxa de alcoolemia de que era possuidor, 2,03 g/l, o que impõe a conclusão de que o mesmo é elevado.
b) o seu dolo, o qual é máximo, porque direto e atenta a elevada taxa de álcool no sangue registada reveladora quer da quantidade quer da qualidade das bebidas alcoólicas ingeridas;
c) no que concerne com as exigências de prevenção especial, os seus antecedentes criminais, de onde resulta que o mesmo conta já com 5 condenações pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, uma condenação pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal e uma pela prática de um crime de desobediência qualificada.
Na última condenação que sofreu nos autos de processo especial sumário n.º 137/19.2GDAND, que correram termos no Tribunal da Comarca da Comarca de Aveiro – Oliveira do Bairro – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2, por sentença já transitada em julgado, pela prática, a 11-06-2019, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 (oito) meses de prisão, e de um crime de desobediência qualificada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão; em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 10 (dez) meses de prisão, em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
d) ainda quanto às exigências de prevenção especial, e desta feita, a seu favor, o facto de o arguido se encontrar familiar, profissional e socialmente inserido e ter confessado integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, o que revela uma postura colaborante com a descoberta da verdade.
Não obstante, e por outro lado, importa referir que a postura do arguido revelou dificuldades na interiorização e assimilação de que a sua conduta não é compaginável com o dever-ser jurídico-penal.
Com efeito, nos autos de processo especial sumário n.º 137/19.2GDAND, que correram termos no Tribunal da Comarca da Comarca de Aveiro – Oliveira do Bairro – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2, por sentença já transitada em julgado, pela prática, a 11-06-2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 (oito) meses de prisão, e de um crime de desobediência qualificada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão; em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 10 (dez) meses de prisão, em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Por outro lado, no âmbito do acompanhamento realizado no processo n.º 75/19.9GDAND, o arguido beneficiou de consultas de alcoologia na Unidade de Saúde Familiar ... e de acompanhamento psicossocial, que interrompeu por sua iniciativa no início de 2022.
As anteriores condenações não foram assim suficientes para afastar o arguido da prática de novos factos ilícitos, que repete, continuando a demonstrar manifesto desprezo pelos valores necessários a uma vivência comunitária reta e de acordo com o Direito, nomeadamente, o respeito pelas regras de condução e a segurança rodoviária, revelando uma personalidade impermeável àqueles valores e à ação da justiça.
Do exposto resulta claro que as exigências de prevenção geral são relevantes tendo em conta o elevadíssimo número do cometimento deste tipo de ilícito, associado à sinistralidade rodoviária e, portanto, à insegurança de todos os que circulam na estrada.
Por outro lado, são muito intensas as exigências de prevenção especial, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido e a postura por si revelada.
Pelo que, ponderando tudo quanto se acaba de referir, e sobretudo as necessidades de prevenção especial, face aos antecedentes criminais do arguido, e atentas as molduras previstas para o crime de condução em estado de embriaguez, julga-se por adequada, justa e proporcional aplicar ao arguido uma pena de prisão de 1 (um) ano de prisão.
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Da substituição da pena de prisão por multa.
De acordo com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º”.
Resulta do preceito legal citado que a substituição da pena de prisão até um ano por pena de multa é a regra, só não devendo ser efetuada a sua substituição se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir a prática de futuros crimes.
No caso sub judice, a pena de prisão concreta aplicada ao arguido tem uma medida inferior a um ano.
Contudo, face aos antecedentes criminais registados do arguido, entendemos que a prevenção do cometimento de futuros crimes não ficará acautelada com a substituição da pena de prisão por uma pena de multa, desde logo, porque, tendo o arguido sofrido já duas condenações que redundaram na aplicação ao mesmo de penas de multa, isso não o inibiu de voltar a cometer crimes de natureza rodoviária.
Assim, in casu, as exigências de prevenção especial são particularmente elevadas mostrando-se necessário impor de modo mais impressivo ao arguido que a prática de ilícitos desta (ou de qualquer outra) natureza não é compatível com o ordenamento jurídico.
Pelo exposto, decide-se não substituir a pena de prisão aplicada ao arguido por uma pena de multa.
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Da substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.
Nos termos do disposto no artigo 58.º n.ºs 1 e 5 do Código Penal, a pena de prisão não superior a dois anos deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, desde que obtida a aceitação do arguido, sempre que se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
No caso concreto, o arguido não se manifestou sobre a possibilidade da substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.
Contudo, ainda que o mesmo tivesse anuído nesse sentido, entendemos que a prestação de trabalho a favor da comunidade também não seria apropriada a realizar de forma adequada as finalidades da punição pelos mesmos fundamentos supra expostos quanto à possibilidade de substituição da pena de prisão por pena de multa e para os quais expressamente se remete.
Por outro lado, em termos de prevenção geral, a substituição da pena aplicada ao arguido por trabalho a favor da comunidade não seria compreensível pela comunidade, tão pouco fomentaria o apaziguamento dos sentimentos dos cidadãos relativamente à conduta do arguido.
Afasta-se, portanto, a substituição da pena de prisão por trabalho.
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Da suspensão da execução da pena de prisão.
Cumpre ainda ponderar, de harmonia com o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, a suspensão da execução daquela pena de prisão, uma vez que a mesma se cifra em número de anos inferior a cinco.
Dispõe o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, que “o tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Este é, pois, um poder-dever do tribunal, o qual suspenderá a execução da pena de prisão sempre que, atentos os fatores preceituados por aquele normativo, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, ou seja, sempre que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarem para afastar o delinquente da criminalidade.
Revertendo ao caso que ora se cura, verifica-se que o arguido tem já vários antecedentes criminais.
Contudo, está laboral e socialmente inserido.
Por outro lado, o arguido confessou a prática dos factos, o que se julga demonstrar, neste caso concreto, uma predisposição para levar a vida em diante segundo os valores da sociedade e conforme ao Direito.
Não obstante o que se deixa dito, no caso concreto, tendo em consideração que o arguido conta já com 6 condenações pela prática de crimes rodoviários e 1 crime de desobediência qualificada. Foram-lhe aplicadas desde penas de multa a prisão substituída por trabalho. A última condenação pela prática de crime de condução em estado de embriaguez redundou na aplicação ao arguido de uma pena de prisão a executar em OPH.
Não obstante, o arguido voltou a praticar novo crime de condução de veículo em estado de embriaguez apresentando uma taxa elevada de 2,03 g/l.
Ou seja, a pena de prisão em OPH já cumprida pelo arguido não teve ainda reflexos visíveis no seu comportamento, pelo que é forçoso concluir que a execução da prisão é reclamada pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes rodoviários.
Desde modo, sendo a execução da prisão efetiva já a única pena exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, é forçoso concluir que o arguido deve cumprir tal pena efetiva de prisão.
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
No caso dos autos, entendeu o tribunal recorrido que a pena de prisão fixada ao arguido não fosse cumprida, nos termos do artigo 43º do Código Penal, em regime de permanência na habitação.
Pretende o recorrente que a execução da pena de prisão ocorra em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (RPHVE), com permissão de ausências por um período diário correspondente ao seu horário de trabalho.
Apreciemos.
O regime de permanência na habitação é um meio (ou incidente) de execução da pena de prisão (efetiva) não superior a 2 anos[1], não se confunde com as penas de substituição (multa, suspensão da execução da pena de prisão, trabalho a favor da comunidade).
Ninguém duvidará que no sistema penal português, por imposição constitucional decorrente dos princípios da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18º, n.º 2 da CRP e, entre outros, artigos 70º e 98º do CP), a pena de prisão é a ultima ratio da política criminal[2].
Com a redacção actual do artigo 43º do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, poderemos acrescentar que o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional é a opção derradeira para a execução de penas de prisão (efetivas) até dois anos[3].
Com efeito, nos termos do artigo 43º, n.º 1 do Código Penal «Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão (efetiva) não superior a dois anos;
b) A pena de prisão (efetiva) não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º»
É que o regime de execução de privação da liberdade deve ser, também em obediência ao princípio constitucional da proporcionalidade da restrição dos direitos, o menos restritivo possível do direito à liberdade[4].
Daí o advérbio sempre com que se inicia a norma legal, a confirmar perentoriamente como opção derradeira a execução da prisão intra muros.
Resulta do artigo 43º do Código Penal que são pressupostos da aplicação do regime de permanência na habitação como meio de execução da pena de prisão:
- o consentimento do condenado;
- que a pena de prisão (efetiva) que o condenado tenha de cumprir não seja superior a dois anos;
- que pelo regime de permanência na habitação se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
Verificando-se estes pressupostos, o Tribunal tem o poder-dever de ordenar a execução da pena pelo regime de permanência na habitação.
Descendo ao caso dos autos, verificamos que os pressupostos formais – consentimento (é o que o condenado pede no recurso) e pena de prisão (efetiva) não superior a dois anos – estão preenchidos.
Passemos ao pressuposto material – as finalidades da execução da pena de prisão.
As finalidades da execução da pena de prisão, no seguimento do disposto no artigo 40º do Código Penal, são a da prevenção especial de ressocialização e a da satisfação das exigências de prevenção geral positiva.
É o que resulta do disposto no artigo 42º, n.º 1 do Código que dispõe: «A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.»
Ora, para a ressocialização do condenado é preciso desde logo tentar minimizar os efeitos criminógenos da reclusão e tentar aproximá-lo, tanto quanto possível, das condições de vida dos cidadãos em liberdade. Objetivos esses que o regime de permanência na habitação, enquanto meio de execução da pena de prisão, estará decerto melhor apetrechado para atingir.
Voltando ao caso dos autos, perguntemo-nos:
A execução em regime de permanência na habitação da pena de um ano de prisão (efetiva) aplicada ao condenado nestes autos servirá, por um lado, para o preparar para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, e, por outro, será suficiente para manter a confiança da generalidade dos cidadãos nas normas que proíbem a condução de veículos em estado de embriaguez?
Ou, inversamente, só o cumprimento da pena de prisão dentro do estabelecimento prisional servirá para atingir tais fins?
Antes de responder, é preciso que se note de que se trata sempre da execução de uma pena de prisão (efetiva) – de uma reacção criminal privativa da liberdade.
Não falamos de penas alternativas ou de substituição da pena de prisão. A pena de multa, a de prisão suspensa, o trabalho a favor da comunidade são realidades bem diversas.
Aqui o que está em causa são apenas dois modos diferentes de execução da pena de prisão (efetiva) – duma pena privativa da liberdade -, na cadeia ou em casa.
E não se diga que a perda de liberdade executada na habitação não é uma pena dura, um mal pouco significativo imposto à pessoa condenada. Basta lembrarmo-nos dos confinamentos à habitação decretados ou impostos nos tempos da pandemia, para vermos que assim não é. A nossa população por eles passou e sabe o que custa essa perda da liberdade.
É certo que, como se alude na sentença recorrida, o arguido conta já com 6 condenações pela prática de crimes rodoviários e 1 crime de desobediência qualificada, embora constatemos que sejam já algo antigas (proferidas há 7, 6, 5 e 3 anos), tendo-lhe sido aplicadas desde penas de multa a prisão substituída por trabalho, sendo que a última condenação pela prática de crime de condução em estado de embriaguez redundou na aplicação ao arguido de uma pena de prisão a executar em RPHVE e que, não obstante, o arguido voltou a praticar novo crime de condução de veículo em estado de embriaguez apresentando uma taxa elevada de 2,03 g/l.
E certo é que tudo junto parece impedir a formação de um juízo de prognose favorável à aplicação de uma pena de substituição, exigindo a aplicação duma pena de prisão (efetiva), até por razões de prevenção geral positiva, solução que o recorrente não põe em causa.
Mas uma coisa é concordar com a necessidade de aplicação de uma pena de prisão (efetiva), algo diferente é rejeitar a possibilidade de a pena de prisão (efetiva) poder ser executada em regime de permanência na habitação.
Para afastar o regime de permanência na habitação discorreu o tribunal recorrido nos seguintes termos:
«Ou seja, a pena de prisão em OPH já cumprida pelo arguido não teve ainda reflexos visíveis no seu comportamento, pelo que é forçoso concluir que a execução da prisão é reclamada pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes rodoviários.
Desde modo, sendo a execução da prisão efetiva já a única pena exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, é forçoso concluir que o arguido deve cumprir tal pena efetiva de prisão.»
Convém assinalar algumas incorreções à argumentação do tribunal recorrido. Em primeiro lugar não se trata de OPH (medida de coação), mas de RPH (forma de execução da pena de prisão). Depois, o cumprimento da pena de prisão através da permanência na habitação não deixa de ser uma execução da prisão (efetiva), como já atrás referimos. Não se trata de uma pena substitutiva, como parece deixar pairar a argumentação da sentença, mas antes de uma pena dura, com aplicação dum mal grave, a perda efetiva da liberdade.
Quem está em RPH está em cumprimento de uma pena de prisão (efetiva), só que em casa em vez de na cadeia.
Assim, o facto de se exigir, por razões de prevenção, o cumprimento de uma pena de prisão (efetiva), não impede que a mesma seja cumprida em casa, em regime de permanência na habitação.
Depois é de assinalar que o argumento de que tendo a última condenação do arguido sido em regime de permanência na habitação e não o ter impedido de cometer novo crime da mesma natureza leva a que se tenha de concluir pelo cumprimento na cadeia, implica algumas considerações extra.
Ora, o facto de se ter sofrido uma condenação anterior em pena de prisão (efetiva) a cumprir em regime de permanência na habitação não obriga, de per si, que a seguinte tenha de ser cumprida no estabelecimento prisional, sob pena de frustração das exigências de prevenção.
Não é assim, uma vez que as exigências de prevenção geral, de confiança da comunidade nas normas e até as de prevenção especial podem ser satisfeitas com a aplicação renovada da permanência na habitação, eventualmente com um regime mais restritivo ou diferente. Não existe lei, ou sequer regra do normal suceder das coisas da vida, que imponha uma subida da gravidade da aplicação das penas, de degrau em degrau até atingir o topo do mal (pena) possível de ser infligido.
A moderação das penas é uma ideia que na aplicação de um direito penal humanista como o nosso não se pode abandonar e o princípio constitucional da necessidade das penas, com incidência também na escolha e determinação da medida delas, não pode ser nunca olvidado.
E no caso dos autos é preciso não esquecer que, embora o arguido tenha cometido um crime da mesma natureza após a última condenação em prisão (efetiva), a cumprir em regime de permanência na habitação, a verdade é que tal condenação teve lugar em 3-07-2019, transitada em julgado em 18-09-2019, relativa a factos de 11-06-2019.
Ora, tendo decorrido cerca de três anos entre a prática dos factos e da condenação anterior, até ao cometimento do novo crime agora em causa, é de concluir que, se durante esses três anos o arguido não cometeu qualquer crime, a condenação anterior algum efeito terá surtido, embora não com a extensão pretendida.
Também uma outra ideia que resulta da decisão recorrida, a de que o facto de o novo crime ter sido cometido com um grau de ilicitude elevado atenta a taxa de alcoolemia de 2,03 g/l, o que, além de ter contribuído para a aplicação da pena máxima (1 ano de prisão) prevista abstratamente na lei, também impediria a aplicação do regime de permanência na habitação, impõe que se teçam algumas considerações.
Se é certo por um lado que nos crimes de condução em estado de embriaguez a taxa de álcool é um dos elementos que contribui para aferição do grau de ilicitude, é preciso não deixar de ter em conta outros fatores relacionados com o modo de execução do crime e com a perigosidade, nomeadamente o tipo de veículo conduzido (velocípede – velocípede com motor – ciclomotor – automóvel ligeiro - pesado de mercadorias – pesado de passageiros) ou o facto de serem ou não transportados passageiros pelo condutor alcoolizado. É muito diferente em termos de ilicitude a condução em estado de embriaguez dum velocípede a motor sem passageiros, de um autocarro carregado de passageiros ou de um pesado com mercadorias perigosas.
Assim, se a ilicitude do caso dos autos se mostra por um lado algo elevada atento o grau de alcoolemia registado, também não se há de deixar de ter em conta que se tratava de um velocípede com motor em que circulava apenas o condutor, o que modera um pouco o grau de ilicitude, que embora algo elevada não é extrema.
Aliás, face aos fatores de pena a ter em conta no caso dos autos, em especial a ilicitude dos factos, temos até alguma dificuldade em entender como se conseguiu atingir o máximo de pena previsto abstratamente na lei, o qual só seria de alcançar num caso de ilicitude extrema a reclamar em termos de prevenção a pena de prisão máxima. Mas nesta parte o recorrente nada pediu, pelo que está vedado a este tribunal de recurso alterar a decisão recorrida.
Posto isto, procuremos então dar resposta à questão que colocámos da suficiência da execução da pena de um ano prisão (efetiva) aplicada em regime de permanência na habitação.
Começando pelas exigências de prevenção geral, cabe referir que numa situação como a dos autos, não obstante o grau de ilicitude da conduta seja algo elevado, o são sentimento da comunidade na confiança na validade das normas que proíbem a condução em estado de embriaguez legal haverá de ficar satisfeito e reforçado com o cumprimento de uma pena de prisão (efetiva): seja na cadeia ou em casa.
A perda de liberdade implicada é decerto suficiente para reforçar tal sentimento comunitário.
Passando às exigências de prevenção especial, diremos que também estas serão satisfeitas, dada a liberdade que o condenado nos autos perderá e o controlo apertado que sofrerá. Acresce que o arguido está laboral e socialmente inserido e conforme se refere na decisão recorrida «confessou a prática dos factos, o que se julga demonstrar, neste caso concreto, uma predisposição para levar a vida em diante segundo os valores da sociedade e conforme ao Direito». Dos factos provados resulta também que o arguido tem apoio familiar, reside com a mãe em moradia de propriedade familiar com razoáveis condições de habitabilidade, mantém um registo adequado na relação com elementos do meio, não havendo sinais de rejeição por parte da comunidade, no meio social de residência detém uma imagem social positiva, evidencia consciência crítica e censura moral perante factos idênticos àqueles de que se encontra acusado, e reconhece a importância e necessidade de intervenção e atuação do sistema penal.
Sendo ainda de acrescentar em sentido positivo em sede de prevenção especial que o regime de permanência na habitação não se limita à mera colocação do condenado na habitação, pois que na individualização da execução tem ainda lugar um plano de reinserção social, o que também contribuirá positivamente para a sua ressocialização, designadamente através da frequência de programas de prevenção rodoviária e de reencaminhamento para consultas (se consentidas) para atacar os problemas relacionados com o abuso de bebidas alcoólicas.
A única vantagem da execução da pena de prisão em estabelecimento prisional no caso dos autos seria a da chamada prevenção de inocuização na sua forma mais pura (na cadeia) e indesejável, o que não acreditamos ser imposto na situação. De facto, a natureza do crime cometido, o passado do arguido e as suas condições de vida e personalidade não parecem impor tal solução derradeira. Bastará, cremos nós, o cumprimento de uma pena de prisão (efetiva), mas executada em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal.
Quanto à pretensão formulada pelo recorrente de que a execução da pena de prisão (efetiva) através do regime de permanência na habitação seja levada a cabo com a permissão de ausências por um período diário correspondente ao seu horário de trabalho, haverá de se referir que tal possibilidade está prevista no n.º 3 do artigo 43º do Código Penal (O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.) e é até de encarar como um dos fatores de ressocialização (ou não dessocialização) de maior relevo previstos nesta forma de execução da pena de prisão, tendo paralelo no campo da execução da pena de prisão em estabelecimento prisional com o regime aberto no exterior (artigo 12º, n.º 3-b do CEPMPL) que se caracteriza pelo desenvolvimento de atividades de ensino, formação profissional, trabalho ou programas em meio livre, sem vigilância direta.
Aliás, seria um contrassenso e uma grave contradição do sistema admitir-se para a execução da pena de prisão (efetiva) na cadeia um regime com possibilidade de desenvolvimento de atividades de ensino, formação profissional, trabalho ou programas em meio livre e não o fazer para a modalidade de execução da pena de prisão (efetiva) na habitação.
Tal permissão de ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado, tanto pode ter lugar logo na sentença como posteriormente, até ao termo da pena, em sede de modificação das condições do regime de permanência na habitação, quando ocorram circunstâncias supervenientes relevantes nos termos do artigo 44º, n.º 1 do Código Penal (As autorizações de ausência e as regras de conduta podem ser modificadas até ao termo da pena sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.)
No caso dos autos há uma circunstância que não aconselha que seja fixado, pelo menos desde já e sem que surjam alterações relevantes, tal regime, pois que como resulta dos factos o arguido tem cometido crimes de condução em estado de embriaguez, o que denota um problema com o uso abusivo do álcool, sendo que no âmbito da pena de prisão em regime de permanência na habitação que lhe foi aplicada, com obrigação de frequência de consulta de alcoologia, acabou por interromper tal frequência por sua iniciativa no início de 2022. Acresce que, como também resulta dos factos provados, do ponto de vista da sua dependência alcoólica, o arguido apresenta um discurso de minimização e desvalorização, não assumindo um padrão de dependência.
Ora esta circunstância de uso abusivo do álcool, interrupção da consulta de alcoologia e minimização do problema, desaconselha de todo, face às exigências de prevenção especial, que se autorizem saídas tão amplas como as pretendidas ausências por um período diário correspondente ao seu horário de trabalho.
Assim, um dia, havendo mudança relevante destas circunstâncias, então poderá ser de ponderar, face ao disposto no artigo 44º, n.º 1 do Código Penal, a eventual modificação do regime de ausências.
Nesta parte não merecerá provimento ao recurso.
Resumindo: O regime de permanência na habitação é um meio de execução da pena de prisão (efetiva). O cumprimento da pena de prisão na cadeia é a opção derradeira para execução de penas de prisão (efetivas) até dois anos. São pressupostos da aplicação do regime: - consentimento do condenado; - pena de prisão (efetiva) a cumprir não superior a dois anos; - realização de forma adequada e suficiente das finalidades da execução da pena de prisão. O facto de se ter sofrido uma condenação anterior a cumprir em regime de permanência na habitação não obriga, de per si, que a seguinte tenha de ser cumprida na cadeia, pois que, verificando-se os seus pressupostos, o Tribunal tem o poder-dever de ordenar a execução da pena de prisão (efetiva) segundo aquele regime.
Concluindo, preenchidos que estão os pressupostos de que, nos termos do artigo 43º, n.º 1 do Código Penal, depende a aplicação do regime de permanência na habitação, resta a concretização das questões técnicas para a execução da medida, nomeadamente as relativas à instalação dos meios de vigilância electrónica, ao consentimento de familiares, à agilização dos horários de ausência consoante as necessidades que se forem verificando, designadamente para a frequência de programas de prevenção rodoviária ou outros que vierem a constar do plano de reinserção social e de reencaminhamento para consultas (se consentidas) para atacar os problemas relacionados com o abuso de bebidas alcoólicas. Concretização essa que caberá ao Tribunal de primeira instância, realizando as diligências necessárias.
Desde já se afirma que, caso não seja possível a concretização das condições técnicas necessárias à execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, o condenado terá de cumprir a pena em estabelecimento prisional.
Assim, caberá dar parcialmente provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida, decretando que a execução da pena de prisão efetiva aplicada ao arguido seja cumprida em regime de permanência na habitação.
*
3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, determinar que a pena de um ano de prisão aplicada ao arguido seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
O Tribunal de primeira instância realizará as diligências necessárias à concretização da execução da medida.
*
Sem custas.
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Notifique.

Porto, 15 de fevereiro de 2023
William Themudo Gilman
Liliana Páris Dias
Cláudia Rodrigues
________________
[1] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p.106 e 114
[2] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p.20-21.
[3] Cfr. sobre a aplicação do Regime de Permanência na Habitação em contexto de crime rodoviário, o Ac. TRP de 18-12-2018 - proc. 229/18.5GAFLG.P1 (William Themudo Gilman), in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4ca6077de029732f802583a9003f252f?OpenDocument, bem como, relativamente a um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o Ac. TRP de 21-09-2022 (Proc. n.º 67/20.5GEVNG.P1), não publicado em www.dgsi.pt, mas consultável através da plataforma citius no livro de registo de decisões desta Relação).
[4] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 106.