Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
450/17.3T8OBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES
FUNDAMENTOS
CLÁUSULA GERAL
RUPTURA DEFINITIVA DO CASAMENTO
Nº do Documento: RP20190411450/17.3T8OBR.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO DE DIVÓRCIO SEM O CONCENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º170, FLS.80-86)
Área Temática: .
Sumário: I - O actual regime do divórcio, instituído pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e alargou os fundamentos objectivos da ruptura conjugal através da cláusula geral prevista no artigo 1781.º, alínea d), do Código Civil.
II – A ruptura definitiva do casamento a que alude a mencionada alínea d) pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, incluindo os passíveis de preencher as previsões das alíneas a) a c) do mesmo preceito sem o período temporal neles previsto, desde que sejam graves, reiterados e demonstrativos de que, objectiva e definitivamente, deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 450/17.3T8OBR.P1 – 3ª Secção (Apelação)[1]
Rel. Deolinda Varão (1161)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Madeira Pinto
I.
B… instaurou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra C….
Pediu que fosse decretado o divórcio e dissolvido o casamento celebrado entre ambos.
Como fundamento, alegou, em síntese, que contraiu casamento com a ré a 03.01.98 e que, desde há cerca de um ano e meio que, não obstante habitarem na mesma casa, deixaram de dormir na mesma cama e passaram a ter uma vida social autónoma; que a 05.03.17, a ré o proibiu de entrar na casa de morada de família e, desde então, deixaram, ininterruptamente de habitar na mesma casa e de tomar refeições em conjunto, de se auxiliar nas tarefas domésticas, de se ajudarem mutuamente e de cooperar nas despesas domésticas e encargos do casal; e que, desde 05.03.17, apenas contactam um com o outro por telefone e para falar dos filhos menores e que desde tal data que não pretende restabelecer a vida em comum com a ré.
Procedeu-se à realização da tentativa de conciliação a que alude o artº 931º, nº 1 do CPC, não tendo sido possível obter a reconciliação dos cônjuges nem a conversão da acção em divórcio por mútuo consentimento.
A ré contestou, defendendo-se por impugnação motivada.
Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, não decretou o divórcio entre o autor e a ré e não declarou dissolvido o casamento celebrado entre ambos.
*
O autor recorreu, suscitando, nas suas conclusões, as seguintes questões:
- Alteração da matéria de facto;
- Procedência da acção, ainda que a matéria de facto não seja alterada.
A ré não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação do apelante (artºs 635º, nº 3 e 639º, nºs 2 e 4 do CPC) – são as que se enunciaram no ponto I:
- Alteração da matéria de facto;
- Procedência da acção, ainda que a matéria de facto não seja alterada.
1. Alteração da matéria de facto
O autor impugnou o ponto 3. da matéria de facto provada e as als. e), f) e g) da matéria de facto não provada.
No ponto 3. foi considerado provado que o autor não pretende restabelecer a vida em comum com a ré desde data não concretamente apurada.
O autor pretende que seja considerado provado que não pretende restabelecer a vida em comum com a ré desde Março de 2017.
Na al. e), o autor pretende que seja considerado provado que desde 05.03.17, autor e ré, ininterruptamente, deixaram de se auxiliar nas tarefas domésticas, de se ajudarem mutuamente e de cooperar nas despesas domésticas e encargos do casal.
Na al. f), pretende que seja considerado provado que, pelo menos desde Abril de 2017 que o autor e a ré apenas contactam um com o outro para falar sobre os filhos.
Na al. g), pretende que seja considerado provado que o referido em 3. ocorre desde Março de 2017.

As testemunhas D… (que conhece o autor por ser amiga da irmã dele, E…) e F… (amiga do autor e frequentadora da casa dos pais deste) revelaram nada mais saber para além do facto de o autor ter deixado de habitar com a ré na mesma casa em Março de 2017 (facto que já está assente no ponto 2. da factualidade provada).
D…: Houve uma altura que o comecei a lá ver [na casa dos pais], desde o início do ano, Fevereiro/Março. A irmã é que me comentou que ele estava lá a morar. Pelo menos nas festas do Verão, ele ainda lá estava a viver. A irmã dele disse que eles estavam separados. A irmã disse-me que ele estava com uma rapariga e não estava cá.
F…: Ele vivia com a esposa. O B… está em casa da mãe desde Março. Quando era pelas festas, ele ia sempre com os meninos a minha casa e comentava que o relacionamento dele com a mulher já não estava muito forte. Veio para casa dos pais porque já não se dava com a esposa. Agora neste momento ele está em França. Foi sozinho e arranjou lá uma namorada. A casa da mulher nunca mais regressou.

Já os depoimentos das testemunhas E… (irmã do autor e cunhada da ré) e G… (sogra do autor e mãe da ré) assumem relevância para a decisão da matéria de facto impugnada.
Do depoimento da primeira resultou que, à data em que saiu da casa do casal, em 05.03.17, o autor estava hesitante em retomar ou não a vida em comum com a ré, e que, a conselho da própria depoente, ainda teve contactos com a ré até Abril daquele ano, visando uma reconciliação; a partir de Abril, aqueles contactos tiveram por finalidade obter um acordo sobre pensão de alimentos e visitar os filhos; desde que saiu de casa, o autor deixou de contribuir para os encargos da casa do casal, tendo o seu vencimento, a partir de Abril, passado a ser depositado numa conta que foi aberta em nome da depoente:
Houve [separação] desde Março. Estava eu, o meu irmão, uma prima minha e o meu namorado estávamos num café lá perto da zona do meu irmão, já eram umas tantas da noite, saímos para fora, quando eu vi a minha cunhada e a mãe dela. Eu segui para minha casa, o meu irmão foi para casa dele, passado um bocado, toca o telemóvel, era o meu irmão e vira-se para mim e disse-me assim: “Ó mana, tu tens um quarto vago para mim?”. Eu disse: “Tenho, porquê?”. “Ah, é que eu vou para aí dormir”. Eu fiz-lhe a cama, ele veio para lá. Foi de Sábado para Domingo. Foi no início de Março. Devia ser umas 3, 4 da manhã. Disse que residia na casa dos pais. O meu irmão ainda foi lá falar com ela. Uma semana mais ou menos foi lá falar com ela para chegarem a um acordo. Para lhe dar uma pensão. Ele ao princípio teve aquela ideia de que já as coisas não funcionavam mais. Ele ao princípio quando esteve lá em casa não queria retomar [a relação do casal]. Eu depois eu virei-me para ele e disse: “Pensa bem, pensa nos teus filhos, pensa na vida que construíram”. Ele ainda foi falar algumas vezes com a C…, como a C… veio falar algumas vezes com ele. Isso foi decorrendo, Março, Abril, eles andaram aí ainda um tempo a falar um com o outro. Ele falava-me a mim em casa que queria chegar a um acordo com ela. Era quanto à C… e aos filhos, também. Primeiro foi pela reconciliação e depois já para o final era mais da pensão de alimentos. Perguntada se seria por Março/Abril, respondeu que sim. Perguntada se se conseguiram reconciliar, respondeu que não. Só foi lá [à casa de morada de família] para ir buscar os miúdos. Perguntada se, depois de sair de casa, o autor continuou a contribuir para as despesas de casa, respondeu: Não, não continuou. Eu abri uma conta em meu nome e ele depositava o dinheiro [do vencimento] nessa conta. Em Abril abriu a conta. Foi o que ele me disse, que não tinha contribuído nada [em Março]. Não deve querer porque ele está a viver com outra senhora em França. Desde Outubro.

Do depoimento de G… resultou que, após a data de saída do autor da casa do casal (05.03.17), houve contactos entre autor e ré, um deles em que a testemunha estava presente, mas sabendo apenas que autor e ré conversaram, outro em casa de uns familiares em que a testemunha e os filhos do autor e da ré também se encontravam presentes e um outro em que a ré foi com a filha oferecer ao autor uma prenda do dia do Pai; referiu ainda que a última vez que o autor entrou na casa de morada do casal foi para buscar roupas.
Do depoimento da testemunha também resultou que o autor, desde que saiu de casa do casal, nunca mais auxiliou a ré nem contribuiu para as despesas domésticas, designadamente para o sustento dos filhos menores, o que levou a ré a dirigir-se à Segurança Social com vista a acautelar aquela situação:
Dia 05 de Março [o autor saiu de casa]. Fomos lá [a um café], ele estava lá com a irmã e mais outra rapariga. Mais nada, vim-me embora para casa e não vi mais nada. Depois disso entrou lá muita vez. A última vez foi lá buscar roupas. Ela tomava conta da casa da vizinha, eu andava lá mais ela a trabalhar, ele foi lá ter com ela e disse que queria falar e ela foi lá ter com ele e estiveram lá os dois a falar. No dia 15 de Junho, dia do Corpo de Deus, ele esteve lá em casa das minhas primas e depois já estava toda a gente a almoçar, eu e os meus meninos e a minha filha, todos quatro e eu disse: “Ó B…, queres almoçar?” e ele disse “Não, já almocei”. Ela foi falar com ele a casa dos pais dele. Foi levar a prenda do dia dos pais, mais a menina. Foi logo lá na sexta-feira [a seguir ao dia 05.03], foi lá buscar roupas sim senhor. Não, nunca lá foi a casa [ajudar]. Só cooperou ao fim de quatro meses porque ela foi tratar das coisas à Segurança Social, aí é que ele começou a cooperar. Nunca deu nadinha. Ela foi tratar da Segurança Social para dar sustento aos meninos. Acho que não [não contribuía para as despesas lá da casa]. Diz que está na França. Disse aos filhos.

As testemunhas E… e G… depuseram sobre factos de que tinham conhecimento directo, e fizeram-no de forma serena e desapaixonada, sendo os seus depoimentos coerentes e concordantes, pelo que nos merecem credibilidade.
Com fundamento naqueles depoimentos, podemos, assim, considerar provado que, desde 05.03.17, o autor e a ré, ininterruptamente, deixaram de se se auxiliar nas tarefas domésticas e de se ajudarem mutuamente e de cooperar nas despesas domésticas e encargos do casal (al. e) dos factos não provados).
E também que, pelo menos desde Abril de 2017, o autor não pretende restabelecer a vida em comum com a ré (ponto 3. dos factos provados e al. g) dos factos não provados).
Quanto ao facto vertido na al. f) dos factos não provados, a prova produzida foi insuficiente para considerar provado que, pelo menos desde Abril de 2017, o autor e a ré apenas contactaram um com o outro por telefone para falar sobre os filhos, pois que nenhuma das duas referidas testemunhas relatou o teor das conversas havidas entre autor e ré, para além do já referido de que, a partir de Abril, tais conversas já não tinham como propósito da reconciliação do casal; além de que a testemunha G… relatou um contacto pessoal em 15.06.17, como se alcança do excerto do seu depoimento que acima transcrevemos.

A impugnação da matéria de facto procede, assim, apenas quanto ao ponto 3. da factualidade provada às als. e) e g) da factualidade não provada, improcedendo quanto à al. f) da factualidade não provada.

Por se afigurar ter interesse para a decisão da causa (pelas razões que adiante aduziremos) há ainda que considerar provado o seguinte facto:
O exercício das responsabilidades parentais em relação aos filhos menores do autor e da ré foi regulado no processo nº 329/17.9T8CNT, que correu termos no Juízo Local Cível de Cantanhede, por sentença proferida em 30.06.17.
Este facto foi alegado pelo autor no artº 4º da petição inicial e está provado pela certidão junta a fls. 31 vº e seguintes dos autos, pelo que este Tribunal tem poderes para, oficiosamente, o considerar provado[2].

A matéria de facto passa, assim, a ser a seguinte (colocando-se a negrito as alterações efectuadas):
Factos provados:
1. B… e G… casaram catolicamente, um com o outro, no dia 03.01.98.
2. Desde o dia 05.03.17 que autor e ré deixaram, ininterruptamente, de habitar na mesma casa.
3. Pelo menos desde Abril de 2017, o autor não pretende restabelecer a vida em comum com a ré.
4. A presente acção deu entrada em 10.07.17.
5. Desde 05.03.17, o autor e a ré, ininterruptamente, deixaram de se se auxiliar nas tarefas domésticas e de se ajudarem mutuamente e de cooperar nas despesas domésticas e encargos do casal.
6. O exercício das responsabilidades parentais em relação aos filhos menores do autor e da ré foi regulado no processo nº 329/17.9T8CNT, que correu termos no Juízo Local Cível de Cantanhede, por sentença proferida em 30.06.17.
Factos não provados:
a) Desde há cerca de um ano e meio (tendo por referência a data de entrada da petição inicial – 10.07.17), que autor e ré, não obstante habitarem na mesma casa, ininterruptamente, deixaram de dormir na mesma cama e passaram a ter uma vida social autónoma.
b) No dia 05.03.17, a ré proibiu o autor de entrar e de habitar na casa de morada de família.
c) Desde o referido em b) que o autor não mais retornou à casa de morada de família.
d) Desde o referido em b) que autor e ré, ininterruptamente, deixaram de tomar refeições em conjunto.
e) eliminado.
f) Desde o referido em b) que autor e ré apenas contactam um com o outro por telefone e para falar sobre os filhos menores.
g) eliminado.
2. Procedência da acção
A questão da procedência da acção será apreciada em face das alterações da matéria de facto efectuadas por este Tribunal.

Na fundamentação de direito da sentença recorrida, escreveu-se o seguinte:
Segundo dispõe o art.º 1577.º do Código Civil na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2010 de 31/05, “casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”.
Dispõe o art.º 1671.º n.º 1 do Código Civil que “o casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”, sendo certo que, em face do estabelecido no art.º 1672.º do mesmo diploma legal, “os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência”.
A cessação de relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges ocorre, em regra, pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento (art.º 1688.º do Código Civil), sendo certo que, uma das formas de dissolução é precisamente o divórcio sem consentimento do outro cônjuge (art.º 1788.º do Código Civil).
Dispõe o art.º 1773.º n.º 1 do Código Civil na redacção supra referida que “o divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges”.
O n.º 3 do mesmo preceito legal estabelece, por seu turno, que “o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artigo 1781.º”.
Ora dispõe o art.º 1781.º do Código Civil na redacção supra referida que “são fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a) A separação de facto por um ano consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dura há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”.
O novo regime jurídico do divórcio consagrado na Lei n.º 61/2008 de 31/10 fez desaparecer qualquer referência ao divórcio-sanção e à culpa.
Eliminou-se assim a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais, entendendo-se que o divórcio não deve ser uma sanção.
Como se refere na exposição de motivos do projecto da mencionada lei “o cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado “divórcio ruptura”, por “causas objectivas”, designadamente a separação de facto”.
Conforme refere Tomé d’Almeida Ramião in “O divórcio e questões conexas – Regime Jurídico Actual”, pág. 57, “o legislador optou por consagrar o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, apenas com fundamento em causas objectivas, independentemente de culpa dos cônjuges, baseado na ruptura ou no fracasso objectivo do casamento, integrando a separação de facto, como fundamento do divórcio, no denominado “divórcio-remédio””.
(…).”.

Sobre a delimitação e definição do âmbito da al. d) do citado artº 1781º do CC, escreveu-se no Ac. desta Relação e Secção de 14.02.13[3]:
(…)
É indiscutível que a nova lei adoptou claramente a ideia do divórcio-consumação ou divórcio-falência, ao afirmar o princípio de que a dissolução do casamento pode sempre fundar-se na ruptura definitiva do casamento.
É também pacífico que a previsão da citada al. d) não comporta o pedido de divórcio apenas por vontade unilateral e infundamentado de um dos cônjuges, tendo de estar demonstrados factos que consubstanciem à luz da normalidade das relações entre duas pessoas, que se verifica uma rutura na comunhão de vida entre elas.
Assim, o preenchimento do conceito indeterminado de “ruptura definitiva do casamento” implica que não se esteja perante factos banais e esporádicos, mas é suficiente que se esteja perante factos que demonstrem o comprometimento consolidado da vida em comum, permitindo a lei que o causador desse rutura possa pedir com base nesses factos o divórcio.
Como decidiu o citado acórdão do STJ [[4]]: “Efectivamente, a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, limitou-se a aprofundar o modelo “moderno” de casamento, por contraposição ao seu modelo “tradicional”, modelo esse que “desvaloriza o lado institucional e faz do sentimento dos cônjuges, ou seja, da sua real ligação afectiva, o verdadeiro fundamento do casamento”, que passa a ser “tendencialmente”, ou, no limite, antes que uma “instituição”, “uma simples associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua felicidade e a sua realização pessoal” ideia que justifica e propugna a dissolução jurídica do vínculo matrimonial quando, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido, definitivamente, e, sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum.”
(…).”.
A primeira questão que se coloca é saber se a ruptura definitiva do casamento pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos ou antes se os factos passíveis de integrar as previsões das al.s a) a c), não podem ser considerados para esse efeito.
Numa visão formalista podíamos ser tentados a considerar que tendo os factos sido alegados para integrarem a previsão da al. a) do art.1781º – separação de facto há mais de um ano – e não se provando integralmente essa factualidade, designadamente por se ter demonstrado a separação com essa duração, estava afastada a possibilidade dessa factualidade ser considerada para integrar a previsão da al. d) do mesmo artigo.
No entanto, funcionando a al. d) como uma “clausula geral” não se nos afigura que se justifique uma interpretação que comporte essa exclusão.
Não há fundamento legal que impeça que uma situação de separação de facto por período não apurado possa ser valorada, para se aferir se existe ou não uma ruptura do casamento, o que é relevante é que os factos provados sejam graves e reiterados e demonstrativos que objectivamente e com carácter definitivo deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges.
Quando essa separação tem a duração de 1 ano consecutivo, o legislador presume iruis et de iure que a ruptura definitiva do casamento se consumou, não sendo necessário provar outros factos mas da não prova do decurso desse prazo não se pode tirar a ilação oposta, ou seja, que não há ruptura definitiva.
(…).”.

No aresto de cuja fundamentação extraímos o excerto acima transcrito entendeu-se ser de decretar o divórcio com fundamento no disposto na al. d) do artº 1781º do CC numa situação em que o divórcio havia sido requerido com fundamento na al. a) do mesmo preceito (separação de facto por um ano consecutivo); não se tendo provado a separação de facto por um ano consecutivo, entendeu-se, no entanto, que a factualidade provada era suficiente para concluir que se estava perante uma situação de ruptura definitiva do casamento e não perante um pedido de divórcio por vontade unilateral discricionária do autor.
No mesmo sentido e numa situação em que se provou factualidade similar à que se provou nos presentes autos (após a reapreciação da prova por este Tribunal), se decidiu no Ac. da RG de 14.03.13[5], citado pelo autor nas suas alegações de recurso.

Ora, no caso dos autos, o divórcio não foi sequer pedido com fundamento no disposto na al. a) do artº 1781º do CC, mas sim com fundamento na cláusula geral prevista na al. d) do mesmo preceito, conforme se alcança da leitura da petição inicial.

Está provado que o autor saiu da casa do casal em 05.03.17, tendo o autor e a ré, desde aquela data, ininterruptamente, deixado de habitar na mesma casa.
Está ademais provado que, desde aquela data, o autor e a ré, ininterruptamente, deixaram de se auxiliar nas tarefas domésticas e de se ajudarem mutuamente e ainda de cooperar nas despesas domésticas e encargos do casal.
Provando-se ainda que, pelo menos desde Abril daquele ano de 2017, o autor não pretende restabelecer a vida em comum com a ré.
Finalmente, provou-se que, por sentença de 30.06.17, já foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos menores do casal.

Os factos de o autor e a ré terem deixado de habitar na mesma casa, a falta de auxílio mútuo nas tarefas domésticas e a falta de contribuição para as despesas domésticas e encargos do casal, ocorrendo toda aquela situação de forma ininterrupta, bem como o facto de já ter sido regulado o exercício das responsabilidades parentais em relação aos filhos, são reveladores de que a separação entre o autor e a ré se mostra consolidada, existindo, da parte do autor, uma vontade irreversível de pôr termo ao casamento.
Assim, pese embora não seja longo o lapso de tempo decorrido desde o início daquela situação até à instauração da presente acção, temos de concluir que estamos perante uma situação de ruptura definitiva do casamento.
Tem-se, por isso, por demonstrado o fundamento de divórcio previsto no artº 1781º, al. d) do CC, devendo ser decretado o divórcio entre o autor e a ré.
*
III.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência:
- Decreta-se a dissolução do casamento, por divórcio, entre o autor B… e a ré C….
Custas pela ré em ambas as instâncias.
Cumpra o disposto no artº 78º, nºs 1 e 2 do Código de Registo Civil.
***
Porto, 11 de Abril de 2019
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Madeira Pinto
_____________
[1] Divórcio – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 2013, págs. 225 e seguintes.
[3] Relator Des. Leonel Serôdio, www.dgsi.pt.
[4] De 09.02.12, www.dgsi.pt.
[5] www.dgsi.pt.