Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12700/09.5TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: SIMULAÇÃO
SOCIEDADE IRREGULAR
NULIDADE DO CONTRATO DE SOCIEDADE IRREGULAR
LIQUIDAÇÃO DE PATRIMÓNIO
Nº do Documento: RP2016042112700/09.5TBVNG.P1
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 57, FLS.265-285)
Área Temática: .
Sumário: I - Na simulação estamos perante uma operação complexa que postula três acordos: um acordo simulatório, um acordo dissimulado e um acordo simulado. O acordo simulatório visa a montagem da operação e dá corpo à intenção de enganar terceira. O acordo dissimulado exprime a vontade real de ambas as partes e visa: ou o negócio verdadeiramente pretendido por elas ou um puro e simples retirar de efeitos ao negócio simulado. Por último, o acordo simulado traduz a aparência do contrato, destinado a enganar a comunidade jurídica.
II - Para se poder falar de sociedade irregular é necessário que se demonstre existir um contrato destinado a constituir uma sociedade comercial, nos termos em que o art.º 1º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais a define, ou seja, que exista um acordo societário mínimo, mas em cuja constituição se não observaram todas as prescrições legais.
III - Quando os sócios iniciam a actividade para que se associaram, caímos na aplicação do n.º 2 do art.º 36.º do CSC. E deste normativo decorre que são aplicáveis às relações estabelecidas entre os sócios e com terceiros as disposições sobre as sociedades civis. Mas não decorre mais que isto.
IV - A falta de forma bastante do contrato de sociedade impede esta de existir, não podendo deixar de sujeitar o contrato à sanção da nulidade. O que se passa apenas é que quando os sócios dão início imediatamente às actividades sociais a lei é sensível à teia de relações negociais que se estabelecem, pelo que as consequências da declaração de nulidade fixado no direito comum (art.º 289.º n.º 1 do CC) não se revelariam adequadas ao caso.
V - Nulo o contrato de sociedade (...irregular), há lugar à sua liquidação, sendo o objecto da liquidação o património (o acervo patrimonial) societário, decorrente da affectio societatis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 12700/09.5TBVNG.P1
Relator: Fernando Baptista de Oliveira
Adjuntos:
Des. Ataíde das Neves
Des. Amaral Ferreira

I. RELATÓRIO

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto

B… e C…
intentaram acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra D…

Pedem:
- A condenação da Ré a pagar a cada um dos Autores a importância de €149 630,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde 29 de Agosto de 2003 até efectivo pagamento, vencidos à data da propositura da acção, no valor de € 75 490,56, e vincendos até efectivo e integral pagamento, em consequência da nulidade do negócio de compropriedade do estabelecimento comercial da Farmácia E….
Subsidiariamente, caso assim se não entenda,
- A condenação da Ré a restituir a cada um dos Autores, com fundamento no enriquecimento sem causa, a quantia por si recebida na venda da Farmácia, no valor de € 488 918,10, deduzida do valor já pago a cada um dos Autores, no montante de 299 240,40, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde 29 de Agosto de 2003

Alegaram, em síntese, que:
AA e Ré acordaram entre si adquirirem o estabelecimento de farmácia E…, em comum e partes iguais, tendo, no entanto, a escritura de aquisição sido outorgada apenas pela Ré, uma vez que só ela era licenciada em farmácia, como o impunha a legislação então em vigor. Combinaram, ainda, que a Ré seria directora técnica da farmácia, funções que acumulava com a de professora na L…, cabendo a gerência de facto ao Autor B… e ficando a contabilidade a cargo do Autor C…,
Mais tarde, impedindo a legislação que os Directores Técnicos da Farmácia cumulassem funções em cargos públicos, designadamente docência em estabelecimento de ensino público, combinaram AA e R contratar um director técnico e formar uma sociedade por quotas, o que fizeram, constituindo a sociedade Farmácia E…, Lda, com capital social distribuído em duas quotas, uma no valor de 450.000$00, titulada pela Ré, e outra, no montante de 50.000$00, titulada pela Dra. F…, a directora de farmácia contratada. No entanto, mantiveram-se as condições inicialmente acordadas, pertencendo a quota de 450.000$00, em comum e partes iguais, aos AA e R, tendo cada um deles contribuído com as respectivas participações, não figurando os AA, embora sócios de factos, como titulares de quotas sociais, por impossibilidade legal, uma vez que não detinham licenciatura em Farmácia.
Em 29 de Agosto de 2003 a farmácia veio a ser vendida, cedendo a Ré a sua quota pelo valor de € 1.346.754,33 e, simultaneamente, a Dra. F… cedeu a quota de que era formalmente titular pelo valor de €149.639,36.
A Ré obrigou-se a entregar a cada um dos Autores a parte que lhes cabia na venda da quota (448.918,10 €), mas apenas entregou a cada um, em 15.09.2003, €299.297,90, não obstante instada em 8 de Junho de 2009 para efectuar o restante pagamento.
Sustentam os Autores a existência de uma sociedade irregular, constituída entre eles e a Ré, nula, por vicio de forma, e que, sendo impossível a restituição em espécie da quota, lhes assiste o direito de obter daquela o valor correspondente à proporção que lhes cabia na quota formalmente apenas na titularidade da Ré, ou seja, o valor de € 448.918,10, deduzido do montante já entregue por esta, isto é, o valor de €149.620,20.
Subsidiariamente, e para o caso de assim se não entender, as quantias em causa sempre serão devidas pela Ré aos Autores, com base no instituto do enriquecimento sem causa.
A Ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos Autores-Reconvindos a pagarem-lhe, cada um deles, a quantia de € 269.368,11, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.
Em sede de contestação, por excepção, invoca a prescrição.
Em reconvenção, sustenta que os Autores recusaram a doação, do montante de € 269 368,11, que a cada um deles a Ré efectuou, assistindo-lhe o direito de revogar tais doações e de obter a restituição de tais quantias, acrescidas de juros de mora desde a notificação da reconvenção.
Sem prescindir, invoca que a admitir-se a existência de sociedade irregular, o respectivo contrato sempre seria nulo por falta de forma, o que apenas conferiria aos AA o direito de obter os capitais investidos na dita sociedade, que já receberam.

Os Autores replicaram e houve tréplica (nesta se respondendo à excepção de abuso do direito e se pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má fé).

A reconvenção foi admitida.
Procedeu-se à elaboração do despacho saneador e à selecção da matéria de facto, assente e a que constituiria a base instrutória, que foi objecto de reclamação por parte de AA e Ré, parcialmente deferida.
Procedeu-se a julgamento, findo o qual se fixou, sem reclamação, a matéria de facto constante da base instrutória.

Por fim foi sentenciada a causa nos seguintes termos:
«A - Julgo a acção parcialmente procedente e condeno a Ré D… a pagar ao Autor B… a quantia de €105.043,00 (cento e cinco mil e quarenta e três euros) e ao Autor C… igual quantia de € 105.043,00, ambas as quantias acrescidas de juros de mora, desde 9.06.2009, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;
B - Julgo a reconvenção improcedente e absolvo os Autores-Reconvintes do pedido formulado na reconvenção;
C- Não considero verificada a litigância de má fé de qualquer das partes, absolvendo AA e R dos pedidos que, a este titulo, reciprocamente formularam...».

Inconformada com esta sentença, dela recorreu a Ré D…, apresentando alegações que remata com as seguintes

«CONCLUSÕES:

a) É ilegal a sentença recorrida que reconhece as autores um direito de crédito quanto a parte do preço da alienação de sociedade comercial Farmácia E… Lda, condenando a ré no pagamento de € 105.043,00 a cada um, acrescida de juros desde a citação;
b) Independentemente da impugnação da matéria de facto não é possível identificar escopo societário na relação material que Autores e Ré mantiveram entre 1978 e 2003;
c) Foram distintas as actividades exercidas caracterizando-se a da Ré como uma actividade empresarial de natureza capitalista, própria da titularidade da farmácia de que não obteve outros rendimentos e a actividade dos Autores como uma actividade profissional de que obtiveram rendimentos regulares;
d) Enferma de erro de julgamento a decisão (i) da matéria de facto provada quanto aos factos 6, 8, 10, 17, 23, 24, 27, 42, 46 e 50, correspondente à resposta aos quesitos n°s 2, 4, 6, 9, 12, 13, 18, 20, 22 e 32 e (ii) da matéria de facto não provada quanto aos quesitos 26 e 27 da base instrutória;

e) Devem considerar-se não provados os factos;
a. O preço de aquisição de farmácia foi na realidade de 1.800 contos, tendo cada um dos Autores e a Ré participado com o valor de 600 mil escudos;
b. Foi por só a Ré ser titular de licenciatura em Farmácia que apenas esta interveio como compradora da escritura referida em 4.;
c. A gerência de facto da farmácia ficou a cargo do 1Q Autor;
d. As decisões mais importantes relativas ao desenvolvimento do negocio da Farmácia eram tomadas por AA e R em conjunto;
e. Face à imposição legal referida em 15. e 16. E porque a Ré não pretendia deixar de leccionar, para que a Farmácia se mantivesse legalmente a funcionar, acordaram então AA e R contratar um director técnico e constituir uma sociedade por quotas;
f. Ficando acordado que a quota de 450 mil escudos da titularidade da Ré pertencia em partes iguais à Ré e aos AA. cabendo a cada um deles o valor nominal de 150 mil escudos;
g. Tendo cada um dos AA e R contribuído com o referido valor de 150 mil escudos;
h. Para conferir segurança à realidade referida em 23. e 24., acordaram AA e R em que fosse outorgada à procuração abaixo referida em 28.;
i. As quantias referidas em 41. foram entregues pela Ré aos AA, para pagamento parcial da parte que lhes cabia no preço da cessão de quota referida em 39.
j. A Ré sobre a cessão de quota referida em 39. pagou mais valias que os AA se prontificaram a pagar-lhe, ficando a Ré de descontar as respetivas participações no remanescente que lhes reteve e ainda não entregou.
k. A Ré, até à data da recepção da carta referida em 49. sempre disse a familiares e amigos comuns que iria pagar aos seus irmãos.

f) Devem considerar-se provados os factos:
a. A decisão de aquisição da Farmácia por parte da Ré teve também em vista criar um emprego estável ao Autor B…;
b. E permitir ao Autor C… auferir, desde logo, uma remuneração equivalente à cobrada num gabinete de contabilidade.

g) A alteração da matéria resulta da correcta valoração dos seguintes meios de prova:
a. Declarações em audiência da Ré D…,
b. Declarações em audiência do Autor B…,
c. Declarações das testemunhas: (i) G…; (ii) H…; (iii) F…; (iv) J…; (v) K….

h) Do regime legal imperativo aplicável em matéria de propriedade da farmácia e de exercício farmacêutico, aprovados pelas leis n° 2125 de 20 de Março de 1965 e Decreto-Lei n° 48547 de 27 de Agosto de 1968, em vigor nos anos de 1978 (da alegada constituição da sociedade irregular), de 1992 (de constituição da sociedade por quotas denominada "Farmácia E…, Lda) e de 2003 (da cessão das quotas da mesma sociedade) resultava que aos Autores estava legalmente vedado aceder à propriedade e exercer a actividade farmacêutica;
i) Revestem natureza substantiva, e não apenas formal, os vícios relativos à constituição e exercício da alegada sociedade irregular, pelo que lhe são aplicáveis as regras dos artigos 76º, n° 2 do DL 48547, 280º, 293° e 294º do Código Civil;
j) Consequência da nulidade da (alegada) sociedade irregular é a restituição aos autores, exclusivamente, do capital com que entraram para o negócio, devidamente actualizado;
k) À relação material controvertida não são aplicáveis as regras dos artigos 980º e 1018° do Código Civil;
l) Não pode subsistir a sentença recorrida que reconhece direito de crédito dos Autores, quanto a parte do preço de venda da farmácia, em violação de lei expressa do regime imperativo de direito farmacêutico, em vigor à data dos factos materialmente relevantes;
m) Tal reconhecimento importa ainda a violação do regime do artigo 129 do Código Civil.
n) Devendo reconhecer-se ainda que as entregas efectuadas pela Ré a cada um dos Autores, no ano de 2003, além de corresponderem à restituição do capital prestado, devidamente actualizado, sempre compreenderia ainda eventual indemnização de que os Autores pudessem ser considerados credores em medida mais do que adequada e equitativa nos termos do art9 566 nº 3 do CC, face ao que poderia ser o seu interesse contratual,
o) Pelo que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com absolvição da ré dos pedidos formulados.

Como é de direito de justiça!»

Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. AS QUESTÕES

Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4 e 639º, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões suscitadas no recurso são:

A. Impugnação da decisão da matéria de facto:
• Se deve ser respondido “não provado” aos factos vertidos nos nºs 2, 4, 6, 9, 12, 13, 18, 20, 22 e 32 da base instrutória[1];
• Se devem ter a resposta de “provado” os factos 26 e 27 da base instrutória[2] - cremos que no que tange a estes quesitos 26º e 27º da base instrutória, os factos que os integram foram dados como provados, com excepção da expressão “por parte da Ré” (cfr. fls. 278 verso)[3].

A. Impugnação de direito:
• Aferir da natureza do “negócio” celebrado entre AA e Ré em 6 de Janeiro de 1978 relativo à aquisição do estabelecimento de Farmácia em causa nos autos; se estamos, ou não, perante uma sociedade de facto ou irregular (entre AA e Ré), com as legais consequências; se deveria o tribunal a quo, considerando a legislação vigente sobre a propriedade das farmácias e o exercício da actividade farmacêutica à data do mesmo negócio e bem assim à data da constituição da sociedade comercial por quotas (em 1992) e da alienação das participações sociais (2003), ter considerado e decidido que aos AA não assistia o direito a “quinhoar” em partes iguais com a Ré no valor da venda da Farmácia, antes, considerando o aludido “negócio” nulo por violar tais normas (de natureza imperativa), deveria ter aplicado tão somente as consequências típicas da declaração de nulidade (previstas no CC).
Se, tendo a Ré entregue a cada um dos AA a importância de €299.297,90, deve considerar-se paga a indemnização de que os mesmos pudessem ser considerados credores da Ré.

II.2. OS FACTOS

Vejamos os factos declarados provados pelo tribunal recorrido.

«É a seguinte a factualidade provada, tendo em conta a selecção da matéria de facto assente e as respostas aos quesitos da base instrutória;
1.AA e Ré são irmãos (al. A).
2.No ano de 1977 a mãe dos AA e Ré doou a cada um dos filhos a importância de 800.000$00 (oitocentos mil escudos), em troca de um armazém de que eles eram comproprietários, com outros irmãos (al. B).
3. AA e R acordaram entre si utilizarem parte do valor referido em 2. para, em conjunto e partes iguais, adquirem o estabelecimento de farmácia referido em 4 infra, (resposta ao quesito 1°)
4. Por escritura pública, celebrada em 6 de Janeiro de 1978 - cuja cópia está junta sob o doc, n° 1 com a petição, a fls. 31/35, e cujo teor se dá por reproduzido – N… e mulher declararam vender à Ré, que declarou comprar, pelo preço de trezentos mil escudos, que aqueles declararam já ter recebido, o estabelecimento de Farmácia, denominado "Farmácia E…", sito na Rua …, n° …, r/c, freguesia do …, concelho do Porto, com todos os seus utensílios, mercadorias ou existências e mais activo, designadamente os direitos ao arrendamento do local onde o estabelecimento se encontra instalado, e todas as licenças que autorizam o seu legal funcionamento, bem como o direito ao uso do nome e ao alvará (al. C).
5. À data da celebração da escritura pública referida em 4. era legalmente imposto a licenciatura em Farmácia (al, F).
6. O preço de aquisição da farmácia foi na realidade de 1 800 contos, tendo cada um dos Autores e a Ré participado com o valor de 600 mil escudos (resposta ao quesito 2º).
7. Cada um dos Autores e a Ré participaram ainda com quantia não determinada para a realização de obras de remodelação da farmácia (resposta ao quesito 3°).
8. Foi por só a Ré ser titular de licenciatura em Farmácia que apenas esta interveio como compradora na escritura referida em 4. (resposta ao quesito 4°).
9. Ficou, na altura, acordado entre AA e R que esta seria a Directora Técnica da Farmácia, funções que cumularia com as de assistente universitária na L… (resposta ao quesito 5°).
10. A gerência de facto da farmácia ficou a cargo do 1° Autor, B…, sendo este quem tomava as decisões de gestão corrente, quem fazia as compras e pagamentos, quem preenchia e assinava cheques, sendo que as decisões mais importantes relativas ao desenvolvimento so negócio da Farmácia eram tomadas por AA e R em conjunto (resposta ao quesito 6°).
11. A Ré não exercia no dia a dia as funções de gerência ou de directora técnica da farmácia, dedicando-se à actividade docente (resposta ao quesito 8°)
12. 0 Autor B… passou a ser funcionário da Farmácia, auferindo o vencimento mensal de 10 000$00 (al. D).
13. A contabilidade ficou a cargo do 2° Autor, C… que auferia por esses serviços o equivalente ao que pagariam a um gabinete de contabilidade (al, E).
14, A partir de 1990, o 2° Autor deixou a actividade profissional que desenvolvia e passou unicamente a fazer a contabilidade da farmácia, passando a receber montante superior ao que até então já auferia (resposta ao quesito 7°).
15. Posteriormente, foi legalmente imposto o impedimento de cumulação das funções de Director Técnico de Farmácia com funções em cargos públicos, designadamente a docência universitária em estabelecimentos do ensino público (al G).
16. Também por imposição legal, o Director técnico da farmácia teria de ser, pelo menos, comproprietário do mesmo (al. H).
17. Face à imposição legal referida em 15. e 16., e porque a Ré não pretendia deixar de leccionar, para que a Farmácia se mantivesse legalmente a funcionar, acordaram então AA e R contratar um director técnico e constituir uma sociedade por quotas (resposta ao quesito 9°).
18. Mantendo-se inalteradas as condições inicialmente acordadas entre AA e R (resposta ao quesito 10°).
19. Em 1992 foi constituída a sociedade comercial por quotas "Farmácia E…, Lda.", com o N.I.P.C. ……… e sede na Rua … n° …, freguesia de …, concelho do Porto, com o capital social de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), divido em duas quotas: Uma no valor 450.000$00 (quatrocentos e cinquenta mil escudos) titulada pela Ré e outra no valor de 50.000$00, titulada por F… (al. 1).
20. A gerência ficou afecta à Ré (al. J).
21. Foi o Autor B… que negociou com a Dra F… os termos e condições da sua integração na Farmácia e as condições em que ficaria a prestar serviço na farmácia (resposta ao quesito 10°-A).
22. Foi em concretização do referido em 17. e 18, supra que foi constituída a Farmácia E…, Lda, conforme referido em 19. (resposta ao quesito 11°).
23. Ficando acordado que a quota de 450 mil escudos da titularidade da Ré pertencia em partes iguais à Ré e aos AA, cabendo a cada um deles o valor nominal de 150 mil escudos (resposta ao quesito 12°).
24. Tendo cada um dos AA e R contribuído com o referido valor de 150 mil escudos (resposta ao quesito 13°).
25. A gerência de facto continuou a ser exercida nos termos referidos em 10. (resposta ao quesito 14°).
26. Posteriormente, exerceu também funções de gerente a sócia F… (al. L).
27. Para conferir segurança à realidade referida em 23. e 24., acordaram AA e R em que fosse outorgada a procuração abaixo referida em 28. (resposta ao quesito 18°).
28. Em 18 de Dezembro de 1998, a Ré constituiu seu bastante procurador o 1° A., ao qual concedeu os necessários poderes para dividir a quota de 450.000$00 (quatrocentos e cinquenta mil escudos) de que era titular naquela sociedade, em duas uma de 150.000$00 (cento e cinquenta mil escudos) e outra de 300.000$00 (trezentos mil escudos) e ceder esta última pelo preço e condições que entender, podendo outorgar e assinar a competente escritura de cessão de quotas e contrato de promessa, receber o preço e dele dar quitação, podendo contratar consigo mesmo, conforme cópia da procuração junta sob o doc. 3 com a petição, a fls. 45 e 46, cujo teor se dá por reproduzido (al. Q).
29. Em 31.12.1999, a Ré unilateralmente decidiu afastar da gerência de facto o 1° Autor e da contabilidade o 2° A. (resposta ao quesito 15°).
30. A partir de 1 de Janeiro de 2000, o 1° A. continuou a desempenhar as funções de ajudante técnico na referida Farmácia E… (al. N).
31. A partir de 1 de Janeiro de 2000, o 2° Autor deixou de desempenhar as funções de contabilista na sociedade Farmácia E… (al. O).
32. Entretanto, a Ré reformou-se da sua actividade de docente da L… e passou a trabalhar a tempo inteiro na farmácia (al, P).
33. A partir do referido em 32., a Ré passou a gerir a farmácia como bem entendeu, nunca consultando os AA nem lhes dando qualquer possibilidade de intervenção na respectiva administração (resposta ao quesito 16°).
34. Em 2001 foi efectuado um aumento de capital da referida sociedade, no montante de 502.410$00, por incorporação de reservas, passando o capital social a ser de 5.000,00 €, distribuído pelas mesma, duas quotas: ficando uma no valor de 4.500,00 € titulada pela Ré e outra no valor de 500,00 € titulada por Dra. F… (al, M)).
35. Em 2002 a outra sócia da sociedade, F…, conseguiu uma licença para abrir uma farmácia, o que a impedia de manter a direcção técnica e restantes funções que desempenhava na Farmácia E… (al. S).
36. A Ré iniciou várias negociações que manteve com potenciais compradores e, na sequência dessas negociações comunicou aos AA uma proposta final efectuada por 1,346,754,33 € (um milhão trezentos e quarenta e seis mil setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e três cêntimos (al. T).
37. A procuração referida em 28, veio a ser revogada em 6 de Maio de 2003, a pedido da Ré, invocando negociações para a venda da sociedade e a vontade de ser revogada a procuração antes da escritura respectiva, revogação que o Autor B… aceitou (al. R).
38.O Autor B… aceitou a revogação de tal procuração por ter confiado na Ré e por se ter convencido que esta lhe pagaria e ao co-Autor C… os valores que lhes seriam devidos com a venda da farmácia (resposta ao quesito 19°).
39. Por escritura de 29 de Agosto de 2003, lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Matosinhos, rectificada em 2 de Dezembro de 2003, a Ré cedeu a quota, no valor nominal de 4.500,00 €, pelo valor de 1.346.754,33 € (um milhão trezentos e quarenta e seis mil setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), que a Ré recebeu, à sociedade comercial "M…, Produtos Farmacêuticos, Limitada - cfr. docs n°s 4 e 5 juntos com a petição, a fis. 47149, cujo teor se dá por reproduzido (al. U).
40. Por sua vez, na mesma escritura, a Dra.F… cedeu a sua quota no valor nominal de 500,00 €, pelo valor de 149.639,36 € (cento e quarenta e nove mil seiscentos e trinta e nove euros e trinta e seis cêntimos) (al. V).
41. Em 15 de Setembro de 2003, a Ré entregou a cada um dos Autores, através de cheque, a importância de 299.297,90 € (duzentos e noventa e nove mil duzentos e noventa e sete euros e noventa cêntimos), não tendo entregue qualquer outra quantia (al. X).
42. As quantias referidas em 41. foram entregues pela Ré aos AA para pagamento parcial da parte que lhes cabia no preço da cessão de quota referida em 39. (resposta ao quesito 20°).
43. Tendo a Ré invocado que a restante quantia devida aos AA ficava retida para garantir eventuais dívidas à administração fiscal que viessem a surgir (resposta ao quesito 21°).
44. A Dra. F… não interferiu na decisão de AA e R de venderam a farmácia, nem retirou qualquer benefício económico na venda da quota referida em 40., tendo endossado à Ré e entregue a esta o cheque que a este título recebeu (resposta ao quesito 300).
45. Posteriormente, a Ré pagou à Drª F… as quantias referentes a impostos que esta suportara com mais valias (resposta ao quesito 31°).
46. A Ré sobre a cessão da quota referida em 39. pagou mais valias que os AA se prontificaram a pagar-lhe, ficando a Ré de descontar as respectivas participações no remanescente que lhes reteve e ainda não entregou (resposta ao quesito 32°),
47. O mesmo sucedendo relativamente às mais valias referidas em 45. (resposta ao quesito 33°).
48. Sobre o preço da cessão referida em 39., a Ré pagou IRS, a título de mais valias, calculadas à taxa legal, a quantia de €133 731, 65 (resposta ao quesito 34°)
49. Os AA, através do seu Mandatário, remeteram à Ré a carta datada de 8.06.09, recebida pela Ré em 9.06.09 - cuja cópia está junta a fls. 65 e cujo teor se dá por reproduzido - interpelando-a para proceder ao pagamento da quantia em falta que entendiam ser-lhes devida no preço de cessão de quota referido em 39. (al. Z).
50. A Ré, até à data da recepção da carta referida em 49., sempre disse a familiares e amigos comuns que iria pagar aos seus irmãos (resposta ao quesito 22°).
51. A Ré não entregou aos AA qualquer outra quantia para além da referida em 41. (al. Y).»
52. A decisão da aquisição da Farmácia teve também em vista cariar um emprego estável ao Autor B… e Permitir ao Autor C… auferir, desde logo, uma remuneração equivalente à cobrada a um gabinete de contabilidade (resposta aos quesitos 26º e 27º).

III. O DIREITO

Vejamos, então, as questões suscitadas no recurso.

A. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

• Impugna a Ré a decisão da matéria de facto, entendendo que:
- Se deve responder “não provado” aos factos dos nºs 2, 4, 6, 9, 12, 13, 18, 20, 22 e 32 da base instrutória;
• Se deve responder “provado” aos factos 26 e 27 da base instrutória[4].
**

Salvo melhor opinião, cremos que a impugnação da decisão da matéria de facto, atentos os termos em que vem plasmada, tem de ser, de imediato, rejeitada.
Vejamos.

A Apelante interpôs recurso da decisão da matéria de facto e a questão prévia que é de conhecimento oficioso, é a de saber se deu cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º do CPC.

Nos termos do art.640º n.º 1 do CPC quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente[5] especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes de processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que pretende que seja proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Diz o nº 2 al. a) do mesmo preceito que, no caso previsto na al. b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas, tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na referida parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (sublinhado nosso).

Este artigo, por conjugação com o subsequente art.º 662º, representa o culminar de uma evolução da competência das Relações em sede de recurso em matéria de facto, que passou de uma intervenção quase excepcional, no âmbito da aplicação da versão originária do art.º 712º do anterior Código de Processo Civil, para a assunção de uma função normal, cujo incremento decisivo foi dado pelo decreto-lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro.
Tal evolução, por significar um reforço de garantias dos direitos processuais das partes, designadamente ao reexame e à alteração da decisão em matéria de facto, teve, como contrapartida, o fortalecimento da auto-responsabilidade das partes, através da imposição de ónus de impugnação, de cumprimento de regras processuais, que variaram em função de alterações legislativas, estas, por sua vez, justificadas pela melhoria dos meios de gravação que foram sendo disponibilizados nos tribunais.
Por exemplo, a facilidade com que hoje se detectam os depoimentos gravados por meios electrónicos, passagens determinadas de cada um desses depoimentos e a sua audição por via informática, justifica plenamente que se tivesse abandonado o regime da sua transcrição obrigatória e da sua referência por indicação ao assinalado na ata de audiência, compreendendo-se perfeitamente que mais vale ouvir do que ler para uma melhor percepção da realidade de cada depoimento e da credibilidade dos depoentes.Todavia, a facilidade com que a Relação[6] hoje atinge a gravação, assim como os restantes meios probatórios constantes do processo, não significa a transformação do recurso num novo julgamento, e o recorrente continua adstrito à indicação de pontos concretos determinados sobre os quais pretende ver modificada a decisão.
Os ónus de impugnação que o citado art.º 640º impõe ao recorrente constituem o último reduto de exigência facilitador da complexa tarefa da Relação de reapreciação de matéria de facto já julgada. Determinados pontos da matéria de facto podem, efectivamente, não ter sido correctamente julgados – deve o recorrente indicá-los (al. a) do nº 1) – , devendo reavaliar-se a prova em função de parâmetros marcados pela al. b) do nº 1 e da al. b) do nº 2 também do citado art.º 640º.
ANTÓNIO ABRANTES GERALDES[7], referindo-se às exigências previstas naquele artigo, faz notar que devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, por se tratar «de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo». E acrescenta: «Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida, …».
A facilidade com que o recorrente pode indicar as passagens da gravação que tem como relevantes à defesa da sua posição, entre outras provas – a partir das quais, ouvindo-as, a Relação poderá considerar o recurso condenado ao insucesso ou partir para a audição de outros depoimentos e análise de outras provas constantes dos autos, porventura, todas elas – , os pontos concretos que considera mal julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, justificou mesmo que o legislador, obstasse à possibilidade do aperfeiçoamento do requerimento de recurso nesta matéria[8], evitando sobrecarregar a Relação ainda com a tarefa de identificação das deficiências do recurso e determinação do seu aperfeiçoamento, como que imputando imediatamente ao recorrente os efeitos da imperfeição no cumprimento de um ónus formal de indiscutível simplicidade, mas de grande vantagem para a identificação do erro de julgamento e da forma de o resolver, para o exercício do contraditório pela parte contrária e para a Relação na apreciação do recurso.
O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, deste modo, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do Recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento – o ponto ou pontos da matéria de facto – da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento e também a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, assim como uma síntese das provas concretas em que se baseia e que justificam a modificação pretendida.

Citando mais uma vez ANTÓNIO ABRANTES GERALDES[9], “…pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas”.
E acrescenta o mesmo Conselheiro[10] que “as conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art.º 635º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que efectivamente se pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões devem respeitar na sua essência cada uma das alíneas do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos”.

Ora, analisando as legações de recurso e as respectivas conclusões facilmente se percebe que a Apelante não deu cumprimento integral aos aludidos ónus.

1. No que tange às Conclusões:
Se é certo que a Apelante menciona os pontos de factos que entende deverem ser dados como provados e/ou não provados, (apenas, porém) por referência aos artigos da base instrutória (o que nos parece satisfazer o imperativo ínsito na al. a) do citado artº 640º/1 CPC), já não dá satisfação aos demais imperativos legais necessários a uma válida impugnação da decisão de facto.
É que, não apenas não indica (de todo) as “passagens da gravação em que se funda”, como (pior ainda) não indica “os concretos meios probatórios, constantes de processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Com efeito, o que ali faz a Apelante (para além da completa omissão das aludidas passagens da gravação....)cfr. fls.353 – é, tão somente, elencar (indiscriminadamente) os “meios de prova” que entende servirem para a alteração da matéria de facto, sem a mínima preocupação de os mencionar por referência a cada um dos pontos de facto impugnados. É que, obviamente, o que se lhe impunha é que dissesse, pelo menos, isto: a resposta positiva ou negativa ao facto a ou b resulta do(s) meio(s) probatório(s) c,d ou e, .... Não basta, obviamente, “atirar” para o ar nomes de testemunhas ou de partes para que o tribunal de recurso “escolha” de entre elas as que “servirão” ou não para modificar a resposta a este ou àquele (concreto) quesito. Esta “escolha” ou selecção incumbe ao Recorrente, pois o tribunal de recurso não sabe (nem pode saber) o que está na mente daquele, só ele sabendo com base em que concretos meios probatórios se sustentou para pedir a alteração da decisão do(s) concreto(s) facto(s) provado(s) ou não provado(s). Impõem-se-lhe que indique que meios probatórios precisos (e porquê...) serviram para que se altera o quesito x? Quais os que indica (e que respectivas e precisas passagens da gravação....) como fundamento para a modificação da resposta y?
Não sabemos!

2. No que respeita às alegações propriamente ditas:
Valem, mutatis mutandis, os mesmos vícios apontados supra – com a seguinte agravante: se é legítimo questionar-se se nas conclusões tem ou não o Recorrente de “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda” (cit. artº 640º/2/ a), do CPC), já parece não haver quaisquer dúvidas de que pelo menos no corpo das alegações tal ónus tem de ser religiosamente cumprido!
E não foi!
De facto, o que a Apelante fez foi isto e apenas isto: mencionar o dia em que teve lugar o depoimento das testemunhas (ou partes); indicar ”....o início .... e fim” da gravação (cfr. 313-317). Nada mais!
Veja-se que já no anterior art. 685.º-B n.º 2 do CPC se dizia que quando o fundamento da impugnação da decisão de facto fossem depoimentos gravados e fosse possível a identificação precisa e separada dos depoimentos nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C, incumbia ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se fundasse.
No art. 640.º n.º 2 al. a) vigente desapareceu a remissão para o assinalado na acta quanto ao início e termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento. Assim, independentemente do que consta da acta quanto ao início e termo de cada depoimento, o recorrente impugnante tem sempre que indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder transcrever os excertos que considere relevantes.

Por outro lado, também não se indicam de forma correcta “os concretos meios probatórios, constantes de processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
De facto, o que a Apelante fez foi, simplesmente, dizer que dos depoimentos das testemunhas ou partes que indica “resulta além do mais”.......o que, de forma conclusiva, refere – para, a título de remate, acrescentar que, “apreciando criticamente”: “não resulta líquido...” isto e aquilo; “resulta indiciado” isto e aquilo; “não resulta indiciado....” isto ou aquilo!
Mas não indica, muito menos com precisão (como se impunha), o que tais pessoas disseram, de concreto (não fez quaisquer transcrições, como podia fazer... – embora a tal não estivesse obrigada) e muito menos relaciona o que cada um dos depoentes terá dito relativamente a cada um dos pontos de facto que pretende impugnar.
Para sermos mais claros, não diz a Apelante (como se impunha): relativamente ao ponto x, o mesmo deve ser decidido no sentido y e com base nos depoimentos a, b ou c ou nos documentos d e e, já que disseram isto ou aquilo; quanto ao ponto z......(idem)....

Temos, assim, tudo muito vago, nada arrumado, nada preciso, nada concretizado, deixando-se ao tribunal de recurso o encargo de descobrir (!) “os concretos meios probatórios, constantes de processo ou de registo ou gravação nele realizada” a que se refere ou em que se estriba a apelante que, no seu ver, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (sobre este ou aquele ponto, discriminando-os...) ; e, outrossim, não se indica “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (sublinhados nossos).
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Importa apenas acrescentar que é nosso entendimento (aliás, já supra referido), seguindo a quase que pacífica posição da jurisprudência, não ser legalmente admissível o convite ao aperfeiçoamento das conclusões quanto ao recurso da matéria de facto, implicando, como expressamente estabelecem o n.ºs 1 e 2 do citado art. 640º, o não cumprimento dos ónus por ele impostos a rejeição imediata do recurso.
Anote-se, porém, que, ainda que a lei do processo admitisse a possibilidade de convidar a Recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões das alegações – no que não se consente, como vimos e face ao efeito da rejeição imediata que aquela norma prevê –, jamais a lei permite o aperfeiçoamento das alegações propriamente ditas[11].

Impõe-se, pois, rejeitar o recurso quanto à impugnação da decisão de facto.

A. DA MATÉRIA DE DIREITO

A. Impugnação de direito:

Como dito supra, em causa está: aferir da natureza do “negócio” celebrado entre AA e Ré em 6 de Janeiro de 1978 relativo à aquisição do estabelecimento de Farmácia em causa nos autos; saber se estamos, ou não, perante uma sociedade de facto ou irregular (entre AA e Ré), com as legais consequências; se deveria o tribunal a quo, considerando a legislação vigente sobre a propriedade das farmácias e o exercício da actividade farmacêutica à data do mesmo negócio e bem assim à data da constituição da sociedade comercial por quotas (em 1992) e da alienação das participações sociais (2003), ter considerado e decidido que aos AA não assistia o direito a “quinhoar” em partes iguais com a Ré no valor da venda da Farmácia, antes, considerando o aludido “negócio” nulo por violar tais normas (de natureza imperativa), deveria ter aplicado tão somente as consequências típicas da declaração de nulidade (previstas no CC); se, tendo a Ré entregue a cada um dos AA a importância de €299.297,90, deve considerar-se paga a indemnização de que os mesmos pudessem ser considerados credores da Ré.
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Apreciando.

Alega a apelante que a sentença recorrida não teve em conta a legislação (de natureza imperativa) referente à propriedade de farmácias – apenas considerou aplicável os arts. 107º do CCom e 980º e 1018º do CC –, pois (acrescenta a apelante) se a tivesse considerado teria de levar em conta que a legislação então vigente não permitia aos AA a titularidade de propriedade da farmácia por não serem farmacêuticos. E, sendo assim, não podia o tribunal a quo ter deixado de considerar que o “negócio” havido entre AA e Ré (em 1978) sempre seria nulo por violar disposições legais de carácter imperativo (ut Base II, nº2 da Lei nº 2125 de 20.03 de 1965 – que rege sobre a Propriedade de Farmácia – e artº 76º do DL 48547, de 20.03.1965 – sobre o exercício farmacêutico), não produzindo quaisquer efeitos práticos. Donde que não pudessem os AA quinhoar no produto da liquidação da sociedade eventualmente constituída entre as partes em 1978, antes, apenas e só, deveria o tribunal a quo fazer aplicar as consequências típicas da declaração de nulidade daquele “negócio” (quais sejam: 1. a restituição aos AA do capital com que concorreram para a aquisição da farmácia pela Ré em 1978; 2. a recondução do estabelecimento, da propriedade e do exercício farmacêutico a quem estivesse formalmente habilitado para o efeito – a Ré, entre 1978 e 1992; a sociedade por quotas constituída pela Ré e outra farmacêutica, entre 1992 e 2003; as sócias para quem o capital da Farmácia E…, Ldª foi transmitido por escritura de Agosto de 2003).
Como quer que seja, sustenta a Ré que, tendo entregue a cada um dos AA a importância de €299.297,90, este valor corresponde a muito mais do que o valor indemnizatório a que tinham direito (pois corresponde a 10 vezes superior ao capital actualizado que os AA “investiram” no ano de 1978). Daqui concluir que com aquelas entregas aos AA deve ser considerada paga a indemnização de que os mesmos pudessem ser considerados credores da Ré.

Vejamos.
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Antes de mais, no que tange à questão prévia” aludida pelos Apelados nas suas contra-alegações de recurso, obviamente, estaremos atentos ao objecto da apelação.
È certo que no requerimento de interposição do recurso a apelante diz que dele exclui a matéria da reconvenção. Mas logo a seguir, na delimitação do “objecto do recurso” indica, além do mais, como pontos a impugnar, os “vícios da fundamentação de direito” e bem assim o “erro na subsunção dos factos ao direito”, sendo que no “Direito aplicável” (fls. 332 ss) começa logo por suscitar a nulidade substantiva do negócio havido entre AA e Ré (por violação de normas imperativas, como procura explicitar).
Assim, parece evidente que quando a apelante refere que exclui da apelação a matéria da reconvenção, se está a reportar àquilo que de essencial ali suscitara: a revogação da “doação efectuada” aos AA e bem assim a “nulidade do mútuo” dos AA à Ré.
Aliás, vê-se do teor da reconvenção deduzida que o respectivo pedido assenta, precisamente, na pretendida “revogação da doação” efectuada pela Ré reconvinte aos AA reconvindos (“...A revogação produz efeitos imediatos, ficando os reconvindos obrigados a, de imediato também, restituírem os montantes indicados”, que receberam “por cheque de 15 de Setembro de 2003, no montante de €269.368,11”, cada um, a crescidos de juros – escreveu-se nos arts. 89 a 92 da contestação/reconvenção). Pedido esse que corresponde precisamente ao que a Ré deduziu via reconvencional (cfr. fls. 96).

Assim, portanto, não vemos que apreciando o todo do alegado nas doutas conclusões da alegação de recurso se extravase do âmbito do...... objecto do recurso aqui interposto!
**
Apreciemos, então, da questão ou questões (de direito) suscitadas pela Apelante nas conclusões das doutas alegações de recurso.
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Como vimos, “prende-se” a Apelante à legislação vigente sobre a propriedade das farmácias e o exercício da actividade farmacêutica à data do negócio havido entre AA e Ré (1978), da constituição da sociedade comercial por quotas (em 1992) e da alienação das participações sociais (2003), para concluir que, não dispondo os AA dos requisitos exigidos por tal legislação para serem proprietários de farmácia, o dito negócio (ou acordo) não pode deixar de estar ferido de nulidade, o que deveria ter sido declarado pelo tribunal recorrido, aplicando-se-lhe as respectivas consequências, ínsitas na nossa lei substantiva civil.
Cremos que aqui razão assiste aos apelados (e à sentença): a apelante parece lavrar num equívoco, pois que não está aqui em causa a validade ou não do negócio jurídico que envolveu a aquisição da farmácia. Este é juridicamente inatacável, pois foi celebrado ao abrigo e em conformidade com a legislação vigente sobre propriedade de farmácias e exercício da respectiva actividade.
Aliás, foi precisamente por respeito a tal legislação que os AA acordaram que a escritura de venda (de 1978) seria outorgada apenas pela Ré, já que só ela era titular de licenciatura em farmácia e, como tal, apenas ela dispunha da competência técnica necessária para o exercício de tal actividade, como era imposto por aquela legislação.
Manteve-se, porém, aquilo que entre AA e Ré havia sido acordado e firmado: um acordo de sociedade, uma sociedade de facto, ....irregular, como melhor à frente se verá.
O mesmo se diga no que tange à sociedade por quotas constituída em 1992: também aqui, foi precisamente para não violarem a legislação vigente sobre a propriedade e exercício da actividade farmacêutica (os AA., como dito, não eram farmacêuticos), que o capital social foi dividido em duas quotas, sendo uma de 450.000$00 titulada a favor da Ré (licenciada em farmácia, mas que não pretendia deixar as funções de assistente na L…) e outra de 50.000$00 titulada a favor da Drª F…, esta contratada como Directora técnica.
Mas esta realidade jurídica não afasta (nem afastou) a realidade factual acordada entre todos(AA e Ré): todos participaram, livremente, no negócio de aquisição da farmácia, em partes iguais e todos acordaram, também livremente, que quinhoavam/participavam em partes iguais nos respectivos benefícios (dado que todos haviam constituído um fundo comum que afectaram à aquisição do estabelecimento de Farmácia e à sua exploração comercial, fundo esse em que participaram em partes iguais, participação essa que se manteve com a constituição da sociedade e sempre na mesma proporção).

Em causa, portanto, está, não a validade jurídica da constituição da sociedade (esta foi constituída em conformidade com a legislação vigente), mas, sim (e apenas), a realidade de facto, traduzida na constituição de uma sociedade de facto, uma comunhão de facto entre todas as partes.
Foi esta a realidade material concreta – embora bem distinta, é certo, da realidade formal havida (apenas a Ré figurou na escritura de aquisição do estabelecimento de farmácia e, posteriormente, como titular da quota social na sociedade constituída para continuação da exploração da farmácia) – que o tribunal recorrido considerou, fazendo a respectiva subsunção jurídica por via da aplicação dos pertinentes normativos legais.

De facto, toda a realidade factual provada é de molde a se concluir, sem margem para dúvidas, que entre AA e Ré se constituiu uma sociedade para o dito fim, embora uma sociedade de facto ou irregular, já que esse contrato de sociedade não obedeceu aos requisitos formais estatuídos no Cód. Comercial. Foi isto, e só isto, que as partes quiseram fazer; esta e só esta a realidade contratual livremente havida entre elas.

Daqui que não faça relevante sentido trazer-se à colação a legislação atinente à propriedade de farmácias e à respectiva exploração para, com base na sua violação, se invocar uma nulidade do negócio com a consequente aplicação ao caso sub judice dos normativos previsto no CC sobre a nulidade do negócio jurídico e respectivas consequências (ut arts. 280º, 286º e 289º/1, do CC).
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Trás a Ré à liça, embora de forma algo “tímida”, a simulação negocial (do negócio de 1978, de aquisição da farmácia).
Não tem, porém, qualquer pertinência, salvo o devido respeito. E desde logo porque os requisitos da simulação não se encontram preenchidos, como claramente ressalta da leitura do art. 240.º do Código Civil: (1.) se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. (2.) O negócio simulado é nulo.

Sobre a simulação escrevemos em “Contratos Privados – das Noções à Prática Judicial”[12]:
«Assim, por simulação entende-se o acordo entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros.
Esta norma tem em vista caracterizar um vício negocial que assenta na intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, traduzida na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real: o mesmo não só sabe que a declaração emitida é diversa da sua vontade real, mas quer ainda emiti-la nestes termos.
Esta noção é correspondente à dada por Manuel de Andrade[13] e aceite pela generalidade da Doutrina[14].
Estamos perante uma divergência entre a vontade e a declaração que é livre[15], querida e propositadamente realizada tanto da parte do declarante como do declaratário.
A divergência em causa tem graus: é absoluta quando os contraentes fingem realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não querem realizar negócio jurídico algum; é relativa quando, sob a capa do negócio simulado, existe um outro que as partes quiseram realizar [16].
Num e noutro caso, há necessidade de verificação simultânea de três requisitos [17] – [18]:

1) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração: o declarante tem consciência que a declaração emitida não corresponde à sua vontade real e quer emiti-la nesses termos.
Trata-se duma divergência livre, que se distingue da que existe em caso de coacção física, já que nesta existe aquela mesma consciência, mas a vontade encontra-se tolhida por uma força exterior que não deixa alternativa ao declarante.
2) Acordo simulatório [19]: existência de conluio entre os contraentes[20] contemporâneo ou anterior à declaração de vontade.
Este elemento permite distinguir a simulação da reserva mental, pois nesta não existe qualquer acordo, embora possa suceder que o declaratário se aperceba da divergência entre a declaração e a vontade.
3) Intuito de enganar terceiros [21] [22]: não se exige que a simulação seja fraudulenta[23], ou seja, que se destine a prejudicar terceiros, mas somente que se crie uma ilusão[24] que tanto pode destinar-se a defender interesses próprios como a beneficiar terceiros[25].
Este elemento opera, mais uma vez, a distinção relativamente à reserva mental [26] e também às declarações não sérias[27].

Dito de outra forma, estamos perante uma operação complexa que postula três acordos: um acordo simulatório, um acordo dissimulado e um acordo simulado. O acordo simulatório visa a montagem da operação e dá corpo à intenção de enganar terceira. O acordo dissimulado exprime a vontade real de ambas as partes e visa: ou o negócio verdadeiramente pretendido por elas ou um puro e simples retirar de efeitos ao negócio simulado. Por último, o acordo simulado traduz a aparência do contrato, destinado a enganar a comunidade jurídica[28].

Tais requisitos, coevos da formação do contrato — acordo simulatório; propósito de enganar terceiros; divergência intencional entre a declaração de a vontade do declarante[29] — devem ser invocados e provados por quem pretenda prevalecer-se da
simulação ou de aspectos do seu regime[30]. O que está em sintonia com as regras de repartição do ónus da prova, pois trata-se de requisitos constitutivos do direito invocado.».

Perante estes escritos, cremos não ser necessário qualquer acrescendo para se concluir que, in casu, nunca se poderia concluir pela verificação deste instituto da simulação negocial, dado o não preenchimento de todos os seus requisitos – desde logo, portanto, o intuito de enganar terceiros.
Os factos provados atestam, com efeito, que não houve qualquer acordo para prejudicar quem quer que seja (terceiros ou não). O acordo havido entre AA e Ré foi, sim, para.....benefício de todos, em partes iguais (sem que se vislumbre ter havido qualquer intuito de enganar terceiros). Aliás, a simulação jamais poderia servir para benefício de uns em detrimento de outros.
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Anote-se que o contrato de sociedade celebrado em 1978 entre AA e Ré se manteve intocável com a constituição da sociedade comercial por quotas em 1992 (cfr., v.g., a resposta ao quesito 10), ali apenas não figurando os AA pelas razões já supra referidas (só a Ré era farmacêutica...).
Por outro lado, a validade do contrato de sociedade havido entre todos (embora apenas de facto) não era, obviamente, afectada pelo facto de nenhum dos AA figurar como gerentes.
E relativamente à censura da Ré à sentença por aplicar um normativo que diz estar revogado quando foi constituída a sociedade comercial (o artº 107º do CCom), é claro que não tem razão, pois tal normativo apenas veio a ser revogado pelo DL 76-A/2006, de 29.03.

Já acima observámos que, perante a alegação da Ré, a mesma reduz, ou pretende reduzir, a questão de direito à aplicação dos regimes jurídicos de propriedade de Farmácia e de exercício da respectiva actividade, desta forma procurando no negócio celebrado entre AA e Ré uma nulidade com as consequências que indica.
Só que, repete-se: não é isto que aqui está em causa; antes importa saber se existiu, ou não, por acordo celebrado entre AA e Ré, um (verdadeiro) contrato de sociedade para aquisição e exploração da farmácia, mesmo que apenas de facto ou irregular na medida em que os AA não figuraram na respectiva escritura de venda da farmácia (1978) e bem assim na posterior escritura de constituição da sociedade por quotas.
Perante o teor da dita escritura pública, não se verificam quaisquer vícios formais na sua efectivação. Como dito, a validade do contrato de compra da farmácia e constituição da sociedade por quotas é ponto assente, pois quem nessa qualidade ali figurava era..... licenciado em farmácia! Não vemos aqui qualquer nulidade em tais negócios ou contratos.
Assim, portando, o que interessa aqui não é, de facto, saber quem podia ou não podia ser proprietário da farmácia ou exercer essa actividade – aqui, sim, haveria que apelar à legislação referida supra (Lei 2125 e DL 48547).
Interessa, sim, saber se pelas partes (AA e Ré) foi, de facto, constituída uma sociedade (irregular, obviamente) para os aludidos fins. Se foi essa, de facto, a sua vontade e se a mesma se veio a concretizar.
E foi-o, de facto - isso está mais que assente na prova havida nos autos!
Só que, tal contrato ou acordo de sociedade havido inter partes (embora, portanto, apenas uma sociedade de facto ou irregular) não obedeceu na sua constituição ao estatuído no Cód. Comercial. E daí (e apenas daí...) a sua nulidade por vício de forma, em conformidade com o disposto no artº 107º do CCom.
Tudo simples, portanto.
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Portanto, na síntese do alegado temos, de facto, que o cerne da controvérsia que os autos ostentam está em saber se teve lugar inter partes a constituição de um contrato de sociedade – este é, de facto, o cerne do thema decidendum.
Ora, a factualidade provada evidencia, à saciedade, a sua celebração: AA e Ré acordaram (em 1978) levar por diante um acordo/contrato de sociedade, na aquisição e exploração da farmácia referenciada nos autos. Quer o elemento pessoal (AA e R), quer o elemento patrimonial (cfr. pontos 2, 3, 4, 6 e 7 dos factos provados), quer o elemento teleológico (exploração da farmácia, com repartição igualitária de receitas e despesas – cfr. pontos 6, 7, 10, 23, 24 e 46 dos factos provados) estão claramente reflectidos nos factos provados, em sintonia com a “exigência” do artº 980ºº do CC[31].
Contrato de sociedade.....irregular, como dito supra.

Para se poder falar de sociedade irregular é necessário que se demonstre existir um contrato destinado a constituir uma sociedade comercial, nos termos em que o art.º 1º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais a define, ou seja, que exista um acordo societário mínimo[32].
Nas palavras de FERRER CORREIA[33], sociedade irregular é a sociedade constituída para a prática de um acto ou mais actos de comércio, mas em cuja constituição se não observaram todas as prescrições legais.
Impõem-se aqui distinguir as situações em que duas ou mais pessoas criam a falsa aparência de existir uma sociedade entre si – caso em que “responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles”[34] –, daquelas em que existe um verdadeiro contrato de sociedade, muito embora essa sociedade seja irregular, por não se achar completo o respectivo processo constitutivo ou por, embora completo, o mesmo se encontrar viciado[35].
Foi esta última situação, como vimos, a que ocorreu no caso sub judice.
É que a lei impõe que “o contrato de sociedade deve ser reduzido a escrito e as assinaturas dos seus subscritores devem ser reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade, devendo, neste caso, o contrato revestir essa forma.” (artº 7º, nº1 do CSC) [36].

A terminologia sociedade irregular não aparece no CSC, senão episodicamente no respectivo art.º 174.º n.º 1 e), referida a sociedade que careça da forma legal ou de registo. Muito menos define a lei o conceito de sociedade irregular, embora preveja a sua existência (cfr. artº 36º/2 do CSC), sendo-lhe, porém, aplicável o regime das sociedades civis[37].
Quando os sócios iniciam a actividade para que se associaram, caímos na aplicação do n.º 2 do art.º 36.º do CSC. E deste normativo decorre que são aplicáveis às relações estabelecidas entre os sócios e com terceiros as disposições sobre as sociedades civis. Mas não decorre mais que isto.
Na realidade, a falta de forma implica a nulidade do contrato de sociedade comercial. Como diz FERRER CORREIA[38], a falta de forma bastante não poderá deixar de sujeitar o contrato à sanção da nulidade. O que se passa apenas é que quando os sócios dão início imediatamente às actividades sociais a lei é sensível à teia de relações negociais que se estabelecem, pelo que as consequências da declaração de nulidade fixado no direito comum (art.º 289.º n.º 1 do CC) não se revelariam adequadas ao caso[39].
É por isso que a lei, conciliando os interesses em jogo, remete a solução estabelecida na lei para as sociedades civis – porém, repete-se, apenas no que tange às relações entre os sócios e com terceiros.
A melhor prova da bondade desta asserção retira-se, aliás, do que se dispõe no art.º 172.º do CSC, do qual resulta que a falta de forma do contrato de sociedade impede a sociedade de existir, obrigando à liquidação da mesma, seja por iniciativa dos sócios, seja por iniciativa do Ministério Público.
E como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 6.10.97[40], o art.º 7.º n.º 1 do CSC estabelece uma formalidade ad substantiam, pelo que, visto o disposto nos art.ºs 36.º, 41.º n.º 1, 51.º n.º 1 e 172.º do mesmo diploma, é nulo o contrato de sociedade comercial que não revista a forma legalmente imposta, podendo a consequente liquidação resultar de acordo dos sócios ou de determinação judicial na sequência da declaração de nulidade.

Sendo o contrato de sociedade realizado nulo por falta de forma, não havendo acordo dos sócios quanto à respectiva liquidação da sociedade, esta só pode ser determinada judicialmente na sequência da declaração de nulidade.
Neste sentido, a nulidade declarada judicialmente implica a entrada da sociedade em liquidação, nos termos dos art.ºs 51.º n.º 1 e 165.º do CSC. E, obviamente, o objecto da liquidação é o património (o acervo patrimonial) societário, decorrente da affectio societatis.

In casu, a factualidade apurada mostra à saciedade que existiu acordo de AA e Ré no que tange à repartição (igualitária) do objecto da liquidação, na sequência da venda operada em 02.12.2003, objecto esse, portanto, que é, afinal, o preço por que veio a ser vendida a farmácia (1.346.754,33 €).
Basta atentar que “em 15 de Setembro de 2003, a Ré entregou a cada um dos Autores, através de cheque, a importância de 299. 297,90 € (duzentos e noventa e nove mil duzentos e noventa e sete euros e noventa cêntimos), não tendo entregue qualquer outra quantia” (al. X) – ponto 41 dos factos provados), quantias essas que “foram entregues pela Ré aos AA para pagamento parcial da parte que lhes cabia no preço da cessão de quota referida em 39 (resposta ao quesito 20° - facto provado sob o nº 42).
A Ré não pagou então a totalidade do devido aos AA, sim, mas invocando “que a restante quantia devida aos AA ficava retida para garantir eventuais dividas à administração fiscal que viessem a surgir” (resposta ao quesito 21° - facto provado sob o nº 43).
Tudo, afinal, se passou no restrito círculo de AA e Ré, pois que “A Dr° F… não interferiu na decisão de AA e R de venderam a farmácia, nem retirou qualquer benefício económico na venda da quota referida em 40., tendo endossado à Ré e entregue a esta o cheque que a este título recebeu” (resposta ao quesito 300 – facto provado sob o nº 44).
Aliás, “a Ré, até à data da recepção da carta referida em 49” – datada de 8.06.09 e recebida pela Ré em 9.06.09, na qual os AA, através do seu Mandatário, a interpelaram para proceder ao pagamento da quantia em falta que entendiam ser-lhes devida no preço de cessão de quota referido em 39. (al. Z – facto provado sob o nº 49) – “sempre disse a familiares e amigos comuns que iria pagar aos seus irmãos” (resposta ao quesito 22° - facto provado sob o nº 50). Pagamento esse, porém, que a Ré não veio a efectuar – pois “não entregou aos AA qualquer outra quantia para além da referida em 41” (al. Y).
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Assim, portanto, acordada que foi a sociedade entre AA e Ré e facticamente funcionando[41], contudo, como dito, da escritura pública de aquisição do estabelecimento de farmácia em questão não figuraram os AA – antes apenas foi outorgada pela Ré, na medida em que só ela era titular de licenciatura em farmácia, requisito legal para o exercício da respectiva actividade, como já acima ficou dito – , e daí que tal contrato de sociedade se deva considerar apenas como sociedade de facto ou irregular. É que, percute-se, a lei impõe que o contrato de sociedade seja reduzido a escrito (antes do DL 76-A/2006, de 29.03, por escritura pública), ut cit. artº 7º do CSC. E essa sociedade acordada entre AA e Ré não foi formalizada nos termos exigidos por lei.
Portanto, temos uma sociedade de facto ou irregular, constituída à margem dos termos e trâmites impostos pelo Código Comercial. O que acarreta a respectiva nulidade contratual, sim, mas sem que a lei deixe de reconhecer eficácia à relação havida no passado entre os participantes desse “acordo societário”, quer na relação entre os sócios, quer na relação destes para com terceiros[42].
Razão tem, portanto, a sentença, quando diz: «Muito embora não criada uma sociedade comercial formalmente válida, foi criado algo de novo entre os contraentes: um fundo patrimonial comum, que carece de ser partilhado - objectivo que se alcança em termos semelhantes aos aplicáveis às sociedades regularmente constituídas - cfr. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol I, 1968, pag. 270 e seg.
No caso em apreço, a sociedade de facto desenvolveu-se e cessou com a venda da quota social na titularidade formal da Ré, tendo-se nessa data dissolvido na prática.
O produto da venda da quota social, depois de deduzido o encargo suportado pela Ré com as mais valias, uma vez que inexistem débitos sociais a liquidar (a quota foi transmitida com todos os seus direitos e obrigações) representa o activo liquido do património a partilhar entre os sócios, na proporção das respectivas participações - art° 1018° do Código Civil.
No caso, o valor da venda da quota ascendeu a € 1 346 754,33, o que deduzido o montante suportado pela Ré a título de mais valias (€ 133 731,65) ascende a € 1. 213 022,68, cabendo assim a cada um dos Autores e à Ré a quantia de € 404 340,89.
Foi este, de resto, conforme decorre da factualidade provada, o acordo alcançado entre AA e R, obrigando-se esta a pagar aos Autores a parte que lhes cabia no produto da venda da quota depois de deduzidos os encargos fiscais suportados pela Ré, acordo esse que os vincula nesses precisos termos, de harmonia com o disposto nos art.°s 405° e 406° do CC.
Como cada um dos Autores já recebeu da Ré, como parte do pagamento do que lhe era devido, a quantia de € 299.297,90, assiste-lhes, a cada um deles, o direito de obter da Ré a quantia de capital €105.043,00.
Assinale-se que os Autores peticionam a quantia de capital de € 149 620,20, que corresponde a 1/3 do valor da venda da quota, deduzido do montante já entregue pela Ré, sendo certo, porém, que muito embora reconhecendo a obrigação de deduzir as mais valias suportadas pela Ré, no cômputo efectuado não tomaram em consideração o valor destas».
E acrescenta, também com toda a pertinência:
«À mesma conclusão se chega ainda que se considere não se encontrarem reunidos todos os elementos fácticos que permitam considerar verificado a existência de uma sociedade irregular ou de facto.
Nessa hipótese que se vem de considerar, o negócio celebrado entre Autores e Ré sempre consubstanciaria uma comunhão de facto, também designado por património autónomo ou fundo comum, na qual participam em partes iguais, realidade que configura uma associação sem personalidade jurídica, regulada nos art°s 195° e segs. do Código Civil,
Nos termos do art° 196° do citado diploma, constituem fundo comum dessa associação as contribuições dos associados e os bens com ela adquiridos.
No caso em apreço, o fundo comum do negócio associativo realizado entre AA e R. é constituído pelo produto da venda da quota titulada formalmente pela Ré - €1.346.754,33 - a que há que deduzir a importância de € 133.731,65, despendida pela Ré a título de IRS pelas mais valias, sendo assim o fundo repartível entre os associados a quantia de 1.21.022,68, cabendo assim a cada um dos Autores e à Ré a quantia de € 404.340,89,
Com a venda do estabelecimento de farmácia - através da cessão das quotas que integravam o capital social - foi posto termo ao negócio associativo, pelo que nada impede a repartição do fundo comum (cit art° 196°, n° 2, a contrario).».
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Em suma, deve considerar-se nulo o contrato (de sociedade.....irregular) celebrado entre AA e Ré (ainda, o disposto no artº 107º do CComercial), com a consequente liquidação do respectivo acervo patrimonial decorrente da affectio societatis (na circunstância, o resultado da venda da farmácia, operada em 29.08.2003).

Consequentemente, tendo a Ré apenas pago a cada um dos Autores a importância de 299. 297,90 € (duzentos e noventa e nove mil duzentos e noventa e sete euros e noventa cêntimos) e cabendo a cada um deles no produto da venda a quantia de €404.340,89, impunha-se (como decidido na sentença recorrida) a condenação da Ré a pagar a cada um dos Autores o diferencial de €105 043,00. A que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a data em que a Ré foi interpelada para proceder a tal pagamento (carta que os AA, através do seu Mandatário, remeteram à Ré, datada de 8.06.09 e por ela recebida em 9.06.09, com cópia junta a fls. 65 - al. Z – cfr. número 49 dos factos provados).

Assim improcedem as questões suscitadas nas doutas conclusões da apelação.
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CONCLUINDO
• Na simulação estamos perante uma operação complexa que postula três acordos: um acordo simulatório, um acordo dissimulado e um acordo simulado. O acordo simulatório visa a montagem da operação e dá corpo à intenção de enganar terceira. O acordo dissimulado exprime a vontade real de ambas as partes e visa: ou o negócio verdadeiramente pretendido por elas ou um puro e simples retirar de efeitos ao negócio simulado. Por último, o acordo simulado traduz a aparência do contrato, destinado a enganar a comunidade jurídica.
• Para se poder falar de sociedade irregular é necessário que se demonstre existir um contrato destinado a constituir uma sociedade comercial, nos termos em que o art.º 1º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais a define, ou seja, que exista um acordo societário mínimo, mas em cuja constituição se não observaram todas as prescrições legais.
• Quando os sócios iniciam a actividade para que se associaram, caímos na aplicação do n.º 2 do art.º 36.º do CSC. E deste normativo decorre que são aplicáveis às relações estabelecidas entre os sócios e com terceiros as disposições sobre as sociedades civis. Mas não decorre mais que isto.
• A falta de forma bastante do contrato de sociedade impede esta de existir, não podendo deixar de sujeitar o contrato à sanção da nulidade. O que se passa apenas é que quando os sócios dão início imediatamente às actividades sociais a lei é sensível à teia de relações negociais que se estabelecem, pelo que as consequências da declaração de nulidade fixado no direito comum (art.º 289.º n.º 1 do CC) não se revelariam adequadas ao caso.
• Nulo o contrato de sociedade (...irregular), há lugar à sua liquidação, sendo o objecto da liquidação o património (o acervo patrimonial) societário, decorrente da affectio societatis.

IV. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Apelante.

Porto, 21 de Abril de 2016
Fernando Baptista
Ataíde das Neves
Amaral Ferreira
______
[1] Com este teor:
- O preço de aquisição da farmácia foi na realidade de 1 800 contos, tendo cada um dos Autores e a Ré participado com o valor de 600 mil escudos (resposta ao quesito 2°).
- Foi por só a Ré ser titular de licenciatura em Farmácia que apenas esta interveio como compradora na escritura referida em 4. (resposta ao quesito 4°).
- A gerência de facto da farmácia ficou a cargo do 1° Autor, B…, sendo este quem tomava as decisões de gestão corrente, quem fazia as compras e pagamentos, quem preenchia e assinava cheques, sendo que as decisões mais importantes relativas ao desenvolvimento so negócio da Farmácia eram tomadas por AA e R em conjunto (resposta ao quesito 6°).
- Face à imposição legal referida em 15. e 16., e porque a Ré não pretendia deixar de leccionar, para que a Farmácia se mantivesse legalmente a funcionar, acordaram então AA e R contratar um director técnico e constituir uma sociedade por quotas (resposta ao quesito 9°).
- Ficando acordado que a quota de 450 mil escudos da titularidade da Ré pertencia em partes iguais à Ré e aos AA, cabendo a cada um deles o valor nominal de 150 mil escudos (resposta ao quesito 12°).
- Tendo cada um dos AA e R contribuído com o referido valor de 150 mil escudos (resposta ao quesito 13°).
- Para conferir segurança à realidade referida em 23. e 24., acordaram AA e R em que fosse outorgada a procuração abaixo referida em 28. (resposta ao quesito 18°).
- Em 18 de Dezembro de 1998, a Ré constituiu seu bastante procurador o 1° A., ao qual
42. As quantias referidas em 41. foram entregues pela Ré aos AA para pagamento parcial da parte que lhes cabia no preço da cessão de quota referida em 39. (resposta ao quesito 20°).
- A Ré, até à data da recepção da carta referida em 49., sempre disse a familiares e amigos comuns que iria pagar aos seus irmãos (resposta ao quesito 22°).
- A Ré sobre a cessão da quota referida em 39. pagou mais valias que os AA se prontificaram a pagar-lhe, ficando a Ré de descontar as respectivas participações no remanescente que lhes reteve e ainda não entregou (resposta ao quesito 32°).
[2] Que rezam assim:
- A decisão de aquisição da Farmácia por parte da Ré teve também em vista criar um emprego estável ao Autor B…? (quesito 26º).
- E permitiu ao Autor C… auferir, desde logo, uma remuneração equivalente à cobrada a um gabinete de contabilidade? (quesito 27º).
[3] A não inserção de tal factualidade no rol dos factos provados deve-se a manifesto lapso, o qual aqui se corrigirá (ut artº 249º CC), sem mais formalidades (inserindo-se, de seguida, tal factualidade, no elenco dos factos considerados provados).
[4] Quanto a esta factualidade, como referido supra, só por manifesto lapso se não inseriu na relação de factos provados constantes da sentença o que de tais quesitos ficou provado.
[5] A redundância resulta da própria lei e reforça o elevado grau de exigência imposto pelo legislador.
[6] Não fossem as deficiências de gravação que ainda hoje se detectam, ao arrepio do que seria exigível.
[7] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129.
[8] Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere que a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar, porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, reportando-se apenas ao recurso em matéria de Direito (cf. LOPES DO REGO, Código de Processo Civil anotado, 2ª edição, vol. I, pág. 585. No mesmo sentido, ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.s 127 e 128, e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 181, nota 357).
[9] Ob. cit. pág. 28.
[10] Ob. cit., pág. 118.
[11] O art.º 639º, nº 3, refere-se exclusivamente ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões.
[12] FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, Almedina, vol. III, pp 464 ss
[13] Cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, 1983, p. 169.
[14] Ver por todos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pp. 357 e ss.
[15] Característica que permite distinguir este vício da coacção física.
[16] Cfr. artigo 242.º, n.º 1, do Código Civil.
[17] Quando diga respeito a uma simulação relativa a prova destes três requisitos será acrescida dum quarto elemento que se reporta à existência do negócio jurídico dissimulado — cfr. Ac. RC de 10.11.92 in CJ Ano XVII, T. 5, p. 47.
[18] Cfr. Ac. STJ de 14.02.2008 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 08B180; Ac. STJ de 29.05.2007 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 07A1334; A. STJ de 24.10.2006 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 06A2357; Ac. STJ de 24.04.2004 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 04A2062; Ac. STJ de 29.06.2004 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 04A2062; Ac. STJ de 9.10.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03B2536; Ac. STJ de 18.12.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03B3794; Ac. STJ de 31.10.1990 in http://www.dgsi.pt/jstj00006135.
[19] Também chamado pactum simulationis.
[20] Apesar de não ser de excluir a simulação dos negócios jurídicos unilaterais receptícios. Vide, nesse sentido, Manuel de Andrade, in op. cit., p. 170.
[21] Também chamado animus decipiendi.
[22] Este requisito tem sido identificado com a intenção de criar uma aparência de realidade em que a ilusão se destina a fazer crer algo que não existe ou que tem um conteúdo diverso daquele com que se apresenta — cfr. Ac. STJ de 30.05.95 in CJ Ano III, T. 2, p. 118.
[23] Com existência de animus nocendi.
[24] De acordo com o Acórdão do STJ de 23 de Setembro de 1999 (in http://www.dgsi.pt/jstj00038470) o engano de terceiros consiste em fazer parecer real o que o é, em relação aos simuladores.
[25] Na distinção entre simulação fraudulenta e inocente os Autores integram na primeira os casos em que os simuladores têm em vista contornar disposições legais cfr. Mota Pinto, in op. cit., p. 472 e Manuel de Andrade, in op. cit., 172.
[26] Que tem em vista enganar o declaratário.
[27] Em que falta a intenção de enganar.
[28] Neste sentido ver Menezes Cordeiro, «Tratado de Direito Civil Português», vol. I, T. 1, p. 551.
[29] Neste sentido, ver, ainda, o Ac. STJ de 10/7/97 in www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp.
[30] Ac. Do STJ de 6/4/1996, in CJSTJ, 1996, t II, pp. 102-105.
[31] Veja-se PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 22.
[32] Cfr., neste sentido, JOAO LABAREDA, “Sociedades Irregulares - Algumas Reflexões”, in, “Novas Perspectivas do Direito Comercial”, págs. 183 a 185; ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, “Personalidade Judiciária”, C.E.J., 1997, pág. 22, e Ac. da Relação de Coimbra, de 24.02.93, in C.J., t. 1, pág. 54
[33] Lições de Direito Comercial, I, pág. 126.
[34] Artº 36º/1 do CSC.
[35] Cfr., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Vol. IV, 1993, págs. 129 a 149, e LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial - Sociedades Comerciais, Vol. II, 1997, págs. 182 a 221.
[36] Sobre a matéria, ver JOÃO LABAREDA, in Novas Perspectivas do Direito Comercial, pág. 186
[37] Cfr. J. PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 4ª ed., pp 206 ss. e OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, IV, pp 132 ss.
[38] Temas de Direito Comercial e de Direito Internacional Privado, pág. 139.
[39] Idem, pág. 144.
[40] Col Jur 1997, 4º, pág. 210
[41] Atente-se, v.g., nos seguintes factos provados, mais que esclarecedores do propósito de AA e Ré constituírem, como vieram a constituir, o aludido acordo de sociedade, sociedade de facto essa que sempre vigorou entre eles até à venda da farmácia (em Dezembro de 2003):
3. AA e R acordaram entre si utilizarem parte do valor referido em 2. para, em conjunto e partes iguais, adquirem o estabelecimento de farmácia referido em 4 infra, (resposta ao quesito 1°)
5. À data da celebração da escritura pública referida em 4. era legalmente imposto a licenciatura em Farmácia (al, F).
6. O preço de aquisição da farmácia foi na realidade de 1.800 contos, tendo cada um dos Autores e a Ré participado com o valor de 600 mil escudos (resposta ao quesito 2°).
7. Cada um dos Autores e a Ré participaram ainda com quantia não determinada para a realização de obras de remodelação da farmácia (resposta ao quesito 3°).
8. Foi por só a Ré ser titular de licenciatura em Farmácia que apenas esta interveio como compradora na escritura referida em 4. (resposta ao quesito 4°).
9. Ficou, na altura, acordado entre AA e R que esta seria a Directora Técnica da Farmácia, funções que cumularia com as de assistente universitária na L… (resposta ao quesito 5°).
10. A gerência de facto da farmácia ficou a cargo do 1° Autor, B…, sendo este quem tomava as decisões de gestão corrente, quem fazia as compras e pagamentos, quem preenchia e assinava cheques, sendo que as decisões mais importantes relativas ao desenvolvimento do negócio da Farmácia eram tomadas por AA e R em conjunto (resposta ao quesito 6°).
16. Também por imposição legal, o Director técnico da farmácia teria de ser, pelo menos, comproprietário do mesmo (al. H).
17. Face à imposição legal referida em 15. e 16., e porque a Ré não pretendia deixar de leccionar, para que a Farmácia se mantivesse legalmente a funcionar, acordaram então AA e R contratar um director técnico e constituir uma sociedade por quotas (resposta ao quesito 9°).
18. Mantendo-se inalteradas as condições inicialmente acordadas entre AA e R (resposta ao quesito 10°).
19. Em 1992 foi constituída a sociedade comercial por quotas "Farmácia E…, Lda.", com o N.I.P.C. ……… e sede na Rua da … n° …, freguesia de …, concelho do Porto, com o capital social de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), divido em duas quotas: Uma no valor 450.000$00 (quatrocentos e cinquenta mil escudos) titulada pela Ré e outra no valor de 50.000$00, titulada por F… (al. 1).
20. A gerência ficou afecta à Ré (al. J).
21. Foi o Autor B… que negociou com a Dra F… os termos e condições da sua integração na Farmácia e as condições em que ficaria a prestar serviço na farmácia (resposta ao quesito 10°-A).
22. Foi em concretização do referido em 17. e 18, supra que foi constituída a Farmácia E…, Lda, conforme referido em 19. (resposta ao quesito 11°).
23. Ficando acordado que a quota de 450 mil escudos da titularidade da Ré pertencia em partes iguais à Ré e aos AA, cabendo a cada um deles o valor nominal de 150 mil escudos (resposta ao quesito 12°).
24. Tendo cada um dos AA e R contribuído com o referido valor de 150 mil escudos (resposta ao quesito 13°).
25. A gerência de facto continuou a ser exercida nos termos referidos em 10. (resposta ao quesito 14°).
35. Em 2002 a outra sócia da sociedade, F…, conseguiu uma licença para abrir uma farmácia, o que a impedia de manter a direcção técnica e restantes funções que desempenhava na Farmácia E… (al. S).
36. A Ré iniciou várias negociações que manteve com potenciais compradores e, na sequência dessas negociações comunicou aos AA uma proposta final efectuada por 1,346,754,33 € (um milhão trezentos e quarenta e seis mil setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e três cêntimos (al. T).
37. A procuração referida em 28, veio a ser revogada em 6 de Maio de 2003, a pedido da Ré, invocando negociações para a venda da sociedade e a vontade de ser revogada a procuração antes da escritura respectiva, revogação que o Autor B… aceitou (al. R).
38.O Autor B… aceitou a revogação de tal procuração por ter confiado na Ré e por se ter convencido que esta lhe pagaria e ao co-Autor C… os valores que lhes seriam devidos com a venda da farmácia (resposta ao quesito 19°)
39. Por escritura de 29 de Agosto de 2003, lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Matosinhos, rectificada em 2 de Dezembro de 2003, a Ré cedeu a quota, no valor nominal de 4.500,00 €, pelo valor de 1.346.754,33 € (um milhão trezentos e quarenta e seis mil setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), que a Ré recebeu, à sociedade comercial "M…, Produtos Farmacêuticos, Limitada - cfr. docs n°s 4 e 5 juntos com a petição, a fis. 47149, cujo teor se dá por reproduzido (al. U).
40. Por sua vez, na mesma escritura, a Dra. F… cedeu a sua quota no valor nominal de 500,00 €, pelo valor de 149.639,36 € (cento e quarenta e nove mil seiscentos e trinta e nove euros e trinta e seis cêntimos) (al. V).
41. Em 15 de Setembro de 2003, a Ré entregou a cada um dos Autores, através de cheque, a importância de 299. 297,90 € (duzentos e noventa e nove mil duzentos e noventa e sete euros e noventa cêntimos), não tendo entregue qualquer outra quantia (al. X).
42. As quantias referidas em 41. foram entregues pela Ré aos AA para pagamento parcial da parte que lhes cabia no preço da cessão de quota referida em 39. (resposta ao quesito 20°).
43. Tendo a Ré invocado que a restante quantia devida aos AA ficava retida para garantir eventuais dividas à administração fiscal que viessem a surgir (resposta ao quesito 21°).
44. A Dr° F… não interferiu na decisão de AA e R de venderam a farmácia, nem retirou qualquer benefício económico na venda da quota referida em 40., tendo endossado à Ré e entregue a esta o cheque que a este título recebeu (resposta ao quesito 300).
45. Posteriormente, a Ré pagou à Dra F… as quantias referentes a impostos que esta suportara com mais valias (resposta ao quesito 31°).
46. A Ré sobre a cessão da quota referida em 39. pagou mais valias que os AA se prontificaram a pagar-lhe, ficando a Ré de descontar as respectivas participações no remanescente que lhes reteve e ainda não entregou (resposta ao quesito 32°),
47. O mesmo sucedendo relativamente às mais valias referidas em 45. (resposta ao quesito 33°).
48. Sobre o preço da cessão referida em 39., a Ré pagou IRS, a título de mais valias, calculadas à taxa legal, a quantia de €133 731, 65 (resposta ao quesito 34°)
49. Os AA, através do seu Mandatário, remeteram à Ré a carta datada de 8.06.09, recebida pela Ré em 9.06.09 - cuja cópia está junta a fls. 65 e cujo teor se dá por reproduzido - interpelando-a para proceder ao pagamento da quantia em falta que entendiam ser-lhes devida no preço de cessão de quota referido em 39. (al. Z).
50. A Ré, até à data da recepção da carta referida em 49., sempre disse a familiares e amigos comuns que iria pagar aos seus irmãos (resposta ao quesito 22°).
51. A Ré não entregou aos AA qualquer outra quantia para além da referida em 41. (al. Y).»
Os destaques são nossos.
[42] Artº 36º/2 CSC.