Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3967/18.9T9PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP201904113967/18.9T9PRT-A.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º796, FLS.38-42)
Área Temática: .
Sumário: Uma vez peticionado e concedido o pedido de apoio judiciário em processo penal, o benefício abrange todo o processo, independentemente do momento em que tal pedido foi apresentado na Segurança Social
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 3967/18.9T9PRT-A.P1
Secção Criminal
Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Comarca: Porto
Tribunal: Porto - Juízo de Instrução Criminal-J3
PROCESSO: Inquérito (Actos Jurisdicionais) n.º 3967/18.9T9PRT

PARTICIPANTE/RECORRENTE: B…

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
1. Na sequência de despacho de arquivamento formulado no inquérito supra referenciado, que corria termos na Comarca do Porto, Serviços da Procuradoria da República, 3ª Secção do DIAP do Porto, o participante B…, por si, apresentou requerimento onde, além do mais, formulava pretensão de abertura de instrução.
2. Por despacho datado de 22 de Março de 2018, o Magistrado titular desse inquérito determinou que se notificasse “o denunciante para, no prazo de 10 dias, vir requerer a constituição de assistente, constituir mandatário, e efectuar o pagamento da inerente taxa de justiça devida pela constituição de assistente; ou, em caso de insuficiência económica, vir requerer apoio judiciário para o efeito”, o que foi cumprido, pela secretaria respectiva, a 26/03/2018, por carta registada com prova de recepção, assinada pelo destinatário a 05/04/2018 (v. fls. 27 e verso deste apenso).
3. Os autos foram novamente conclusos a 26/04/2018, sem que nada tivesse sido alegado ou junto, ordenando o seu titular, por mera cautela, que o processo aguardasse por mais 20 dias e que, oportunamente, fosse remetido ao TIC, logo promovendo o indeferimento da requerida abertura de instrução, por inexistir requerimento visando a constituição de assistente e pagamento da correspondente taxa de justiça ou apoio judiciário que suprisse tal falta de pagamento.
4. Por despacho datado de 6 de Junho de 2018, o M.mo JIC considerou a abertura de instrução legalmente inadmissível visto que o requerente não estava representado por advogado, não tinha requerido a intervenção na qualidade de assistente, nem pagara as taxas de justiça devidas pela constituição como assistente e abertura da instrução. Mais anotou que, se assim não fosse, sempre rejeitaria o RAI por não obedecer aos requisitos previstos no art. 283º, n.º 3, als. b) e c), ex-vi art. 287º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, e porque no despacho de arquivamento o Ministério Público não se pronunciara sobre os indícios dos factos denunciados pelo que o meio de reacção adequado de impugnação seria a reclamação hierárquica e não a abertura de instrução. Terminou, condenando o requerente nas custas, com 1 UC de taxa de justiça, nos termos do art. 8º, n.º 9, e Tabela III, do Reg. Custas Processuais.
5. Tal despacho foi notificado, a 11/6/2018, ao Ministério Público e, por via postal registada com prova de recepção, ao ora recorrente, por este assinada a 15 de Junho de 2018.
6. No dia 22 de Junho de 2018, por via electrónica, o participante B…, ora recorrente, apresentou requerimento nos autos comunicando ter sido declarado insolvente e alegando, entre o mais, ter direito a “Apoio Jurídico Gracioso”, peticionando, a final, que se aguardasse pela reclamação hierárquica subscrita pelo futuro advogado oficioso aquando da nomeação pela O.A., para o que se comprometia a dirigir-se nesse dia ou no seguinte à Segurança Social para solicitar o “Deferimento Tácito”, e se anulasse a condenação em 1 UC dada a sua condição de insolvente.
7. No dia 29 de Junho de 2018, o participante B… comprovou nos autos ter formulado pedido de apoio judiciário na Segurança Social, a 25/06/2018, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono.
8. No dia 4 de Julho de 2018, o M.mo JIC proferiu o despacho recorrido cujo teor é o seguinte: (transcrição)
“Fls. 44 a 47 verso: O apoio judiciário só rege para o futuro, ou seja, no caso de ser deferido pela Segurança Social o pedido do requerente, este apenas ficará dispensado do pagamento de custas, a partir da data em que apresentou tal pedido na Segurança Social.
No caso dos autos, a condenação do requerente no pagamento de taxa de justiça é anterior (6/672018) à apresentação do pedido de apoio judiciário na segurança Social (25/6/2018).
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Notifique.”
9. Por ofício apresentado electronicamente, a 16 de Novembro de 2018, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos que, nessa data, nomeara patrono ao aqui recorrente.
10. Por seu turno, a Segurança Social, por ofício datado de 15 de Novembro de 2018, junto aos autos posteriormente, informou que fora deferido o pedido de benefício de protecção Jurídica nos exactos termos formulados pelo requerente B….
11. Dotado de patrono e inconformado com o despacho proferido a 4/7/2018, o participante B… interpôs recurso cuja motivação rematou com as seguintes conclusões[1]: (transcrição)
“1 - Por despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal de 6 de Junho de 2018, a fls. 33 a 36 dos autos, foi o ora recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
2 - Seguidamente o ora recorrente requereu para o presente processo a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, como comprovou nos autos – vide requerimento de fl. 43 apresentado em 29.06.2018 em que solicitou se aceitasse o deferimento tácito do apoio judiciário e juntou os documentos de fls. 44 a 47 dos autos.
3 - Tais documentos (requerimento de protecção jurídica e respetivo recibo de entrega) foram apresentados à Segurança Social, como neles se atesta, em 25.06.2018 - vide fls. 44 e 45.
4 - Ou seja tal entrega ocorreu ainda durante o prazo de recurso do referida despacho de 6 de Junho de 2018, prazo esse, que por via de tal entrega, ficou interrompido nos termos do n.º 4 do artigo 24º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho.
5 - Subsequentemente, o Mmº Juiz de Instrução proferiu o despacho recorrido - despacho de 4 de Julho de 2018 a fl. 50 dos autos - em que refere que o apoio judiciário só rege para o futuro, ou seja, em caso de ser deferido o pedido do requerente, este apenas ficará dispensado do pagamento de custas a partir da data em que apresentou tal pedido na Segurança Social e no caso dos autos, a condenação do requerente no pagamento de taxa de justiça é anterior (6/6/2018) à apresentação do pedido de apoio judiciário (25/06/2018), e pelo ai exposto indeferiu o requerido.
6 - Entendemos que o despacho recorrido não fez a melhor interpretação e violou o disposto no n.º 1 do artigo 44º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, artigo esse situado no capítulo *Disposições especiais sobre processo penal* e porquanto aí se refere que o apoio judiciário deve ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em 1ª instância, prazo que o ora recorrente observou.
7 - O recorrente requereu para o presente processo apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono - cfr. documentos juntos aos autos.
8 - Tal pedido interrompeu o prazo de recurso do despacho ora recorrido – n.º 4 do artigo 21a da Lei n.º 34/2004.
9 - E conforme se extrai do ofício da Segurança Social de 15.11.2018 a fls. 89 a 92 dos autos viria a ser concedido ao recorrente o apoio judiciário para o presente processo nas referidas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono - cfr. fls. 89 a 92 dos presentes autos.
10 - Por via da nomeação do signatário como patrono do ora recorrente em 16.11.2018 - vide documento adiante junto - começou, nessa data, a correr novo prazo para o presente recurso que deve ser considerado interposto na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono – n.ºs 1 e 4 do art. 33º da lei n.º 34/2004.
11 - Pelo que o presente recurso deve ser considerado tempestivo e procedente, proferindo-se decisão que determine a revogação do despacho recorrido e que o apoio judiciário concedido ao recorrente nas sobreditas modalidades referidas na 9ª conclusão - cfr. v.g. fls. 43 a 47 e 89 a 92 dos autos - atento o disposto no artigo 40º n.º 1 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, abrange as custas e taxa de justiça em que foi condenado pelo despacho do Mmº Juiz de instrução de 6/6/2018 de fls. 33 e ss. e com todas as demais legais consequências.”
12. Admitido o recurso, por despacho datado de 11/1/2019, respondeu o Ministério Público, sufragando a sua improcedência e manutenção do decidido[2].
13. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da rejeição do recurso por manifesta improcedência louvando-se nos fundamentos da aludida resposta.
14. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, respondeu o recorrente insistindo na sua tese.
15. Realizou-se o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, que decorreu com observâncias das formalidades legais, nada obstando à decisão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Resulta da estatuição do art. 412º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, e é jurisprudência pacífica e perfeitamente estabilizada [v., além do mais, Acórdão do STJ, de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt] que o âmbito do recurso – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - é dado pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação.
Assim, no caso em apreço, a única questão que, realmente, se suscita é a de saber se a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de custas abrange condenação em taxa de justiça fixada antes da formulação do pedido de protecção jurídica.
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2. Decidindo
Antes de mais, considerando a questão a dirimir nos presentes autos, importa ter presente que, nos termos do art. 1º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, “o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”.
E, ao contrário do que poderia inculcar a singeleza do despacho recorrido, a questão da abrangência do apoio judiciário formulado após condenação em custas e já na fase final do processo, designadamente na fase de recurso de decisão final, tem merecido respostas divergentes da jurisprudência.
Com efeito, a tese mais restrita – adoptada pelo tribunal a quo e secundada pelo Ministério Público – teve a sua fase áurea no domínio da Lei n.º 30-E/90 de 20/12, e baseava-se na circunstância do n.º 2, do seu art. 17º, estatuir que o apoio judiciário podia ser requerido “em qualquer estado da causa”, admitindo, por conseguinte, que tal benefício fosse requerido em fases muito adiantadas do processo, firmando-se, então, o entendimento de que o apoio concedido só vigorava para o futuro, ou seja a partir do momento em que era peticionado, pelo que a aplicação do benefício concedido versaria unicamente as custas devidas ou fixadas após a formulação do pedido de apoio judiciário[3].
Todavia, o paradigma alterou-se com a entrada em vigor da Lei n.º 34/2004, de 29/07, que não só atribuiu a competência para apreciação e decisão do apoio judiciário à Segurança Social, como também consagrou a obrigação do pedido ser formulado “antes da primeira intervenção processual” ou, sendo superveniente, “antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da respectiva situação”, de harmonia com os n.ºs 2 e 3, do art. 18º.
No entanto, as especificidades do processo penal ditaram a consagração de disciplina diversa[4], estabelecendo-se a possibilidade do apoio ser requerido até ao trânsito em julgado da sentença, ou na versão introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, “até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância”.
Assim, enquanto no comum dos processos o apoio deve ser requerido antes da 1ª intervenção, em processo penal o limite é estabelecido pelo trânsito em julgado da sentença.
Aliás, em conformidade, a constituição como assistente, consabidamente sujeita ao pagamento de taxa de justiça, é agora também admissível se requerida ao juiz “no prazo para interposição de recurso da sentença”, por força do disposto no art. 68º, n.º 3, al. c), do Cód. Proc. Penal.
Perante este novo quadro normativo e a crescente consciencialização de que o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva gozam de protecção constitucional na vertente dos direitos fundamentais [v. arts. 16º, 18º e 20º, n.º 1, da Const. Rep. Portuguesa], o entendimento jurisprudencial nesta matéria evoluiu e firmou-se em sentido diverso ao referido, sendo agora dominante a tese de que, uma vez peticionado e concedido o pedido de apoio judiciário em processo penal, o benefício abrange todo o processo, independentemente do momento em que o mesmo foi apresentado na Segurança Social, aliás, em consonância com a melhor interpretação dos preceitos constitucionais citados e previsão dos arts. 6º, n.º 2 e 18º, n.ºs 1 e 4 a 7, da Lei n.º 34/2004, podendo ver-se, neste sentido, entre outros, os Acs. desta Relação do Porto, de 06/07 e 28/09/2011, Processos n.ºs 106/10.8GTVRL.P1 e 87/09.0PEPRT-A.P1; da Relação de Guimarães, de 16/03/2009 e 10/03/2011, Processos n.ºs 205/07.3GAPTL-A.G1 e 39/09.0PABRG.AG1; e da Relação de Coimbra, de 24/04 e 5/12/2018, Processos n.ºs 211/15.4GBSCD-A.C1 e 385/15.4GCVIS-C.C1[5].
In casu, o aqui recorrente informou os autos, antes do trânsito em julgado do despacho que o condenou em custas que formulara pedido de apoio judiciário no âmbito dos autos, pretensão essa que veio a ser deferida pela entidade competente para o efeito, conforme se comprova dos elementos constantes do processo.
Assim sendo, não se vislumbra como poderia o Tribunal estabelecer limites ao benefício concedido já que nem a decisão da Segurança Social nem a Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais os comportam.
Neste conspecto, constatando-se que o apoio judiciário foi requerido pelo ora recorrente ainda no decurso do prazo de recurso do despacho que pôs termo ao processo, indeferindo a abertura de instrução, forçosa é a conclusão de que lhe assiste razão, devendo entender-se que tal benefício foi concedido para o processo respectivo e sem qualquer limitação a determinados termos, não podendo subsistir, por conseguinte, a decisão recorrida.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto, julgar procedente o recurso do participante B… e, consequentemente, revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que considere sem restrições de qualquer natureza o apoio judiciário que lhe foi concedido pelos serviços competentes abrangendo, por conseguinte, a condenação em custas (taxa de justiça) fixada no despacho datado de 06/06/2018.
*
Sem tributação – arts. 520º, a contrario, e 522º, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP[6]]
Porto, 11 de Abril de 2019
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] Efectivamente, o recurso não tem conclusões já que, sob tal epígrafe, limita-se o recorrente a repetir a motivação, fazendo anteceder cada parágrafo por um número, inexistindo, assim, qualquer resumo das razões do pedido – art. 412º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal. Todavia, atenta a simplicidade da matéria e sendo perceptível a questão suscitada, entendeu-se desnecessário proceder ao convite previsto no art. 417º, n.º 3, do mesmo diploma legal.
[2] Não são transcritas as conclusões já que figurando em papel colorido e apresentando-se sombreadas não foi possível proceder a digitalização adequada.
[3] Neste sentido, podem ver-se os Acs. deste Tribunal da Relação do Porto, de 8/7/2009 e 7/12/2011, respectivamente, Proc. n.ºs 1452/08.6PTPRT-A.P1 e 1079/08.2TAVNF.P1, respectivamente, in dgsi.pt.
[4] Veja-se, a título de exemplo, que os arguidos detidos para 1º interrogatório judicial ficariam impedidos de solicitar apoio judiciário na Segurança Social antes da 1ª intervenção processual já que seriam imediatamente apresentados em juízo e compareceriam perante o juiz sem que, previamente, pudessem exercitar o direito em causa.
[5] Todos disponíveis in dgsi.pt.
[6] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.