Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
157/14.3T8LOU-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: EXECUÇÃO
INCIDENTE
COMUNICABILIDADE
ILEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RP20161010157/14.3T8LOU-C.P1
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 633, FLS.236-242)
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 741.º do Código de Processo Civil tem como razão de ser a questão da comunicabilidade da dívida independentemente da legitimidade para a execução; através deste incidente de comunicabilidade da dívida, passa a integrar a execução o cônjuge que não constava do título executivo como devedor, no pressuposto, obviamente, de que se verificam os pressupostos de responsabilização enunciados no artigo 1691.º do Código Civil.
II - O facto de a execução ter sido instaurada inicialmente contra os dois cônjuges e ter sido afirmada a ilegitimidade de um deles não obsta a que se suscite o incidente quando a apreciação da questão da legitimidade teve a ver com razões formais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 157/14.3T8LOU-C.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I. - O artigo 741.º do Código de Processo Civil tem como razão de ser a questão da comunicabilidade da dívida independentemente da legitimidade para a execução; através deste incidente de comunicabilidade da dívida, passa a integrar a execução o cônjuge que não constava do título executivo como devedor, no pressuposto, obviamente, de que se verificam os pressupostos de responsabilização enunciados no artigo 1691.º do Código Civil.
II. - O facto de a execução ter sido instaurada inicialmente contra os dois cônjuges e ter sido afirmada a ilegitimidade de um deles não obsta a que se suscite o incidente quando a apreciação da questão da legitimidade teve a ver com razões formais.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
B…, S.A., por apenso à ação executiva em que é executada C… e invocando o disposto no artigo 741.º do Código de Processo Civil, veio deduzir incidente de comunicabilidade de dívida contra D…, todos melhor identificados nos autos.
1.1 No requerimento inicial da execução, então instaurada contra C… e também contra o agora requerido, D…, a exequente B…, S.A., alega que é legítima portadora de cinco cheques, que identifica, perfazendo um total de € 42.500,00; apresentados a pagamento junto do banco sacado, foram devolvidos com fundamento na falta ou insuficiência da provisão para o efeito; entende que a responsabilidade pelo pagamento é de ambos os executados, pois, para além de tais cheques terem sido sacados de uma conta bancária solidária, titulada por ambos, da qual é primeiro titular o requerido D…, mostram-se assinados pela executada C… e representavam o pagamento de mercadorias fornecidas pela exequente a uma empresa de que os executados são proprietários e gerida por ambos, de cuja atividade profissional, habitualmente lucrativa, retiram proveito comum, já que é da mesma que retiram todos os proveitos para acorrer às suas necessidades; apesar de terem sido interpelados para pagamento quer pela exequente quer pelos seus mandatários e de nunca terem reclamado das mercadorias que foram fornecidas, bem como das respetivas faturas, os executados jamais cumpriram com a sua obrigação, muito embora tenham entregado os cheques para pagamento da dívida em causa.
A exequente conclui afirmando que, por isso, é credora dos executados na quantia de € 42.500,00 (valor total dos cheques), a que acrescem juros de mora à taxa legal em vigor para as transações comerciais desde a data de vencimento dos cheques até integral e efetivo pagamento e que ascendiam a € 8.120,83 na data em que foi instaurada a execução, afirmando ainda que, ao abrigo do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 62/2013 de 10 de Maio, tem direito a ser ressarcida das despesas administrativas com a cobrança da dívida da presente demanda, que computa em € 200,00, fixando nessa data a dívida exequenda no total de € 50.820,83.
1.2 Foi deduzida oposição à execução, aí afirmando o então executado E… não ser sócio nem gerente da empresa mencionada pela exequente, não demonstrando nem permitindo presumir a contitularidade da conta bancária qualquer proveito comum.
A executada C… assume que é gerente da aludida empresa.
Ambos os executados/embargantes invocam depois diferentes razões para afirmar a improcedência da execução, concluindo que os embargos devem ser julgados procedentes e extinta a execução dos autos principais, requerendo a suspensão da execução e a condenação da embargada como litigante de má-fé.
1.3 A exequente contestou, impugnando grande parte dos factos alegados pelos embargantes.
Reafirma que os cheques dados à execução representavam o pagamento de mercadorias fornecidas pela embargada a uma empresa de que os embargantes são donos e que é gerida por ambos, denominada E…, tendo por isso tal dívida sido contraída no exercício do comércio e em proveito comum do casal, responsabilizando ambos os cônjuges.
Conclui que devem ser julgados totalmente improcedentes os embargos e condenados os embargantes como litigantes de má-fé.
1.4 Foi proferido despacho saneador que, na parte que aqui interessa, afirmou a ilegitimidade do executado, D…, absolvendo o mesmo da instância.
Para o efeito aí se ponderou o seguinte:
«No caso sub judice temos como assente que: o exequente é portador de cinco cheques, de uma conta também titulada pelo executado, mas sacados por C….
É pelo título que se determinam as partes, a existência e o conteúdo da obrigação.
Assim, segundo o art. 53.º, n.º 1, do C.P.C., a execução tem de ser movida pela pessoa que no título figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha posição de devedor.
Ora, no caso em apreço, os títulos executivos que servem de base à execução – cinco cheques – foram emitidos por C….
O cheque estipulado pagável a favor duma determinada pessoa, com ou sem cláusula expressa “à ordem”, é transmissível por via de endosso – art. 14º da Lei Uniforme relativa ao Cheque (L.U.C.).
O endosso pode não designar o beneficiário, ou consistir simplesmente na assinatura do endossante (endosso em branco), caso em que, o endosso para ser válido deve ser escrito no verso do cheque ou na folha anexa – art. 16º da L.U.C..
No caso concreto, do cheque não consta como devedor D…, não bastando invocar o proveito comum do casal para que alguém possa ser considerado executado, ou que tenha legitimidade para tal (já que é suposto que se obrigue através de um título executivo, por si assinado, o que é diferente da sua responsabilização em eventual ação declarativa ou através da comunicabilidade da dívida).
Na verdade, o portador do cheque pode exercer judicialmente os seus direitos através da ação cambiária contra o sacador, endossantes ou outros co-obrigados (arts. 40.º, 41.º e 43.º da LUC). Contudo, o executado figura nos cheques numa única qualidade, a de titular da conta bancária. Mas, essa qualidade não tem a virtualidade de o obrigar cambiariamente, pois a única pessoa que figura nos cheques na qualidade de devedor é a sacadora C…, sendo o único sujeito cambiário que por força do saque se vinculou à obrigação de pagar, caso o sacado não o fizesse.
(…) Nesta conformidade, é de considerar o executado como parte ilegítima na execução apensa, absolvendo-se o mesmo da instância, nos termos dos arts. 53.º, 576.º e 577.º, al. e), do CPC.»
2.1 A exequente, conformando-se com esta decisão, veio então deduzir incidente de comunicabilidade de dívida, contra D…, dando assim origem aos presentes autos.
Reitera que o requerido é o cônjuge da executada C… e que, conforme consta do requerimento inicial, os cheques dados à execução, embora assinados unicamente pela executada C…, são sacados sobre uma conta bancária de que é titular quer aquela executada, quer o aqui requerido, seu marido; tais cheques representavam o pagamento de mercadorias fornecidas pela exequente a uma empresa (E…) de que a executada C… e o requerido são proprietários e que era gerida por ambos. O requerido D… sempre se intitulou dono da empresa em questão, que era cliente da exequente, juntamente com a sua mulher, mantendo sempre, ativamente, contactos com a embargada e respondendo em representação daquela empresa e também da sua mulher.
A dívida em questão para com a exequente foi contraída no exercício do comércio da executada C…, o que, de resto, se presume, responsabilizando assim ambos os cônjuges, no caso, a executada C… e o marido, o aqui requerido D…, sendo que ambos faziam (ou ainda fazem) de tal atividade profissão habitual e lucrativa e a dívida foi contraída em proveito comum do casal, nomeadamente para fazer face às respetivas despesas.
Termina pedindo que, procedendo o incidente, se considere comunicada ao requerido a dívida em causa nos presentes autos.
2.2 O requerido começa por salientar que a ação executiva dos autos principais foi instaurada contra si e a mulher, C…, e que ele próprio se opôs a essa execução, através de embargos, onde, nomeadamente, declarou a inexistência da comunicabilidade da dívida; por sentença proferida em 6 de Maio de 2015 no referido apenso A, foi absolvido da instância executiva.
Expressa depois o entendimento de, em primeiro lugar, não estar preenchido o requisito constante do n.º 1 do artigo 741.º do Código de Processo Civil, porquanto aí se contempla a hipótese de a execução ter sido movida apenas contra um dos cônjuges, sendo que, como se extrai do processo principal e respetivos apensos, a execução já foi movida contra os dois em conjunto, tendo o ora exponente sido excluído, por se ter considerado ser parte ilegítima, por sentença transitada.
Afirma depois que, para efeito da impugnação da comunicabilidade da dívida prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 741.º do Código de Processo Civil, mantém o alegado na referida oposição por embargos de executado que apresentou contra a execução dos autos principais e se autuou no apenso A, que dá por integralmente reproduzido.
Termina afirmando que se deve indeferir o incidente, declarando que a dívida não é considerada comum.
2.3 A requerente veio responder, afirmando que o requerido foi considerado parte ilegítima para a execução mas para figurar como executado, uma vez que não assinou os cheques dados à execução e, por isso, a execução em causa seguiu apenas contra o respetivo cônjuge; não seguindo a execução contra o requerido, aquilo que foi pedido foi a comunicabilidade da dívida ao requerido, por ser cônjuge da executada do processo, mas que não passa a ser executado, remetendo para o n.º 5 do artigo 741.º do Código de Processo Civil e afirmando ser evidente que, não se tendo ainda iniciado diligências para venda ou adjudicação de bens, a exequente está em tempo para requerer tal comunicabilidade, nos termos da segunda parte do n.º 1 do mesmo artigo.
2.4 No prosseguimento dos autos, concluída a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou totalmente procedente o incidente de comunicabilidade da dívida, com todas as consequências legais, devendo, consequentemente, prosseguir a execução apensa também contra o cônjuge da executada nos termos do n.º 5 do artigo 741.º do Código de Processo Civil.
2.5 O requerido, inconformado com a decisão proferida, veio interpor o recurso que aqui se aprecia, concluindo a motivação nos seguintes termos:
«1. A ação executiva dos autos principais foi interposta contra C… e o marido, o ora recorrente D….
2. Os fundamentos desse litisconsórcio são iguais aos alegados no presente incidente de comunicabilidade, como se extrai claramente do requerimento executivo dos autos principais.
3. No apenso dos autos principais onde foram autuados os embargos de executado deduzidos pelo ora recorrente, este foi absolvido da instância por ter sido julgado parte ilegítima.
4. Assim, a execução dos autos principais não foi movida apenas contra um dos cônjuges, mas contra os dois, sendo que um foi julgado parte ilegítima.
5. Estas circunstâncias impedem inexoravelmente a aplicação do artigo 741.º do C. P. Civil.
6. A execução dos autos principais apenas poderá prosseguir contra o ora recorrente se contra ele for interposta nova execução, onde se demonstre a legitimidade dele, e após ser admitida a cumulação com aquela, apoiada no disposto no artigo 709.º do C. P. Civil.
7. Até à aludida cumulação o recorrente tem a seu favor a força do caso julgado formal da sentença onde foi julgado parte ilegítima na execução dos autos principais.
8. A decisão recorrida aplicou erradamente o artigo 741.º do C. P. Civil e violou o consignado no artigo 620.º-1 do C. P. Civil.»
Termina afirmando que deve ser concedido provimento à presente apelação e, por via disso, acordada a revogação da decisão que, julgando procedente o incidente de comunicabilidade, ordenou que a execução dos autos principais prosseguisse contra o recorrente, com todas as necessárias e legais consequências, designadamente a de confirmar a decisão de parte ilegítima proferida no apenso dos embargos de executado.
2.6 A exequente respondeu, concluindo que deve manter-se a decisão recorrida.
3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelo recorrente definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui apreciar, o que, no caso dos autos, se traduz na seguinte questão:
A admissibilidade do incidente de comunicabilidade suscitado pelo exequente.
II)
Fundamentação
1. Antes de avançar na apreciação do recurso importa explicitar a matéria de facto relevante que, para o efeito, são os factos que se deixaram sumariamente enunciados no relatório inicial e também os factos que foram julgados provados e não provados na sentença que é objeto de recurso, que não foram questionados e que integralmente se transcrevem:
«A) Factos provados
Face ao teor da prova junta aos autos e produzida nos autos, resultaram provados os seguintes factos:
1. A exequente/requerente é portadora dos seguintes cheques:
- Cheque n.º ………. datado de 20/12/2011, no valor de € 7.500,00;
- Cheque n.º ………. datado de 25/01/2011, no valor de € 10.000,00;
- Cheque n.º ………. datado de 20/03/2011, no valor de € 7.500,00;
- Cheque n.º ………. datado de 20/06/2011, no valor de € 7.500,00;
- Cheque n.º ………. datado de 20/10/2011, no valor de € 10.000,00.
2. Os cheques apresentados a pagamento junto do banco sacado foram devolvidos à exequente com fundamento na falta ou insuficiência da provisão para o efeito.
3. O Requerido D… é casado com a executada C….
4. Os referidos cheques foram sacados de uma conta bancária solidária da executada C… e marido D…, titulada por ambos, da qual é primeiro titular D…, mostram-se assinados pela executada C….
5. O requerido D… e a mulher C… gerem a empresa E…, cuja atividade comercial originou a emissão dos cheques, assumindo estes o pagamento de mercadorias fornecidas pela exequente a essa sociedade.
6. O requerido E… sempre se intitulou dono da empresa, realizando os negócios a esta respeitantes, empresa em relação à qual ele e a mulher retiravam o montante necessário para fazer face às suas despesas diárias.
7. O requerido E… foi absolvido da instância no apenso A, considerado parte ilegítima na execução.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Toda a restante matéria foi dada como não provada, aqui se dando por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, não se provando, designadamente, que a dívida não é comum.»
2. Releva aqui o disposto no artigo 741.º do Código de Processo Civil, norma onde, sob a epígrafe “incidente de comunicabilidade suscitado pelo exequente”, se estabelece que, movida execução apenas contra um dos cônjuges, o exequente pode alegar fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso de sentença, é comum; a alegação pode ter lugar no requerimento executivo ou até ao início das diligências para venda ou adjudicação, devendo, neste caso, constar de requerimento autónomo, deduzido nos termos dos artigos 293.º a 295.º e autuado por apenso (n.º 1); o cônjuge do executado é então citado para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de que, se nada disser, a dívida é considerada comum, sem prejuízo da oposição que contra ela deduza (n.º 2), podendo o cônjuge não executado impugnar a comunicabilidade da dívida (n.º 3); se a dívida for considerada comum, a execução prossegue também contra o cônjuge não executado, cujos bens próprios podem ser nela subsidiariamente penhorados; se, antes da penhora dos bens comuns, tiverem sido penhorados bens próprios do executado inicial, pode este requerer a respetiva substituição (n.º 5); se a dívida não for considerada comum e tiverem sido penhorados bens comuns do casal, o cônjuge do executado deve, no prazo de 20 dias após o trânsito em julgado da decisão, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 740.º (n.º 6).
Em princípio, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor – assim o determina o artigo 53.º do Código de Processo Civil, relativamente à legitimidade do exequente e do executado.
O incidente previsto no artigo 741.º do mesmo diploma permite dar resposta às situações em que, tendo o credor título executivo relativamente a um dos cônjuges e podendo por isso, perante a regra do citado artigo 53.º, promover a execução contra ele e penhorar bens deste cônjuge e a sua meação nos bens comuns (dívida própria porque existe título executivo contra um só dos cônjuges), a dívida seja, do ponto de vista do direito civil, uma dívida comum (a relação jurídica que está na originem da dívida e que determinou a emissão do título é comum).
O exequente vê assim aumentar a garantia do seu crédito, com a ampliação dos bens sujeitos a penhora. Com referência ao título executivo, só um dos cônjuges aí consta como obrigado, o que legitima que figure como executado; no entanto e apesar de, por esse motivo, a execução ter sido movida exclusivamente contra este devedor que consta no título executivo, a dívida é verdadeiramente da responsabilidade de ambos os cônjuges, à luz das regras de direito civil, especificamente, do disposto no artigo 1691.º do Código Civil, particularmente o seu n.º 1; então, perante o que estabelece esta norma de direito substantivo, o exequente pode lançar mão da alegação da comunicabilidade da dívida de modo a poder chamar à execução o cônjuge do devedor.
O artigo 741.º do Código de Processo Civil tem como razão de ser a questão da comunicabilidade da dívida independentemente da legitimidade para a execução; através deste incidente de comunicabilidade da dívida, passa a integrar a execução o cônjuge que não constava do título executivo como devedor, no pressuposto, obviamente, de que se verificam os pressupostos de responsabilização enunciados no artigo 1691.º do Código Civil, antes citado.
Reportando-nos ao caso dos autos, considerou-se na sentença recorrida:
«(…) O título executivo dos autos são cheques (portanto, cumprindo o primeiro requisito do art. 741.º, sendo distintos de sentença), sendo certo que o requerido não é executado nos autos, pois foi absolvido da instância executiva, decisão essa que transitou em julgado, pois não foi posta em
causa nessa parte.
Cumpre, pois, dizer que há que admitir o requerimento de incidente da comunicabilidade da dívida em relação a um requerido que deixou de ser executado nos autos por uma questão formal de falta de título executivo e considerando a literalidade do mesmo (um cheque – cfr. as razões apontadas na decisão então proferida), requerimento esse que foi tempestivamente apresentado, por apenso (como era suposto nesta fase processual e atualmente perfeitamente admissível).
Entender de outra forma, seria coartar direitos a todo e qualquer exequente, que vendo indeferida a pretensão de demandar determinada pessoa como executado, ficaria desde logo impedido de requerer qualquer incidente de comunicabilidade da dívida entre cônjuges.
É certa, pois, a legitimidade do requerente e do requerido para o incidente de comunicabilidade da dívida, além da aludida tempestividade do requerimento apresentado.
É também certo que a dívida em causa é comum, contraída no exercício do comércio até de ambos os cônjuges, sendo, pois, a responsabilidade comum dos cônjuges. Isto se afere da matéria de facto dada como provada (factos 4.º a 6.º): (…).
Com tal matéria dada como provada mostram-se desde logo preenchidos os pressupostos do art. 1691.º, n.º 1, al. d), do C.C., que dispõe que: “são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens” (sendo certo que as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no exercício do seu comércio – art. 15.º do C.Com.).
Mas, mais do que isso, considera-se que a dívida em causa foi contraída por ambos os cônjuges [al. a) do referido preceito legal], daí a responsabilidade ser comum.
Provada substantivamente a existência da dívida a e responsabilidade comum de ambos os cônjuges, tem de proceder o incidente suscitado de comunicabilidade da dívida.»
O recorrente não discute aqui a questão substancial, relativamente à dívida a que se reportam os autos, especificamente, a sua qualificação como dívida comum – com referência ao disposto nas normas de direito civil e de direito comercial antes citadas – e que legitima a afirmação da sua comunicabilidade.
Entende no entanto que, perante os termos iniciais da ação executiva, os embargos que deduziu e a decisão que nestes foi proferida, em que foi absolvido da instância por ter sido julgado parte ilegítima, não pode afirmar-se que a execução dos autos principais foi movida apenas contra um dos cônjuges, dado que o foi contra os dois, sendo que um foi julgado parte ilegítima; considera que estas circunstâncias impedem inexoravelmente a aplicação do artigo 741.º do Código de Processo Civil, podendo a execução dos autos principais prosseguir contra si apenas perante a interposição de nova execução, onde se demonstre a legitimidade dele, e após ser admitida a cumulação com aquela, apoiada no disposto no artigo 709.º do Código de Processo Civil, invocando ter a seu favor, até à aludida cumulação, a força do caso julgado formal da sentença onde foi julgado parte ilegítima na execução dos autos principais e afirmando que a decisão recorrida, aplicando erradamente o artigo 741.º, violou o que consigna o n.º 1 do artigo 620.º do Código de Processo Civil.
Não se afigura que lhe assista razão.
O artigo 620.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “caso julgado formal”, estabelece que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, com exceção dos despachos de mero expediente ou que sejam proferidos no uso legal de um poder discricionário.
O caso julgado formal obsta a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, evitando que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 580.º do Código de Processo Civil), não impedindo no entanto que, noutra ação, a mesma questão processual seja decidida de modo diferente pelo mesmo tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa.
Está em causa a decisão proferida pelo tribunal no despacho saneador, não no âmbito do presente apenso, mas antes no apenso de embargos de executado, tendo em comum com os presentes autos a execução para pagamento de quantia certa a que ambos os apensos se reportam. Como antes se mencionou, aí se afirmou a ilegitimidade do agora requerido e recorrente, tendo sido efetuada a apreciação e sustentando-se a decisão proferida no disposto no artigo 53.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; a exclusão do recorrente assenta no facto de não figurar nos aludidos títulos executivos, particularmente, como devedor: na generalidade dos títulos figura apenas como devedora C…, na medida em que foi ela que emitiu os cheques.
Perante isso e apenas com este fundamento se decidiu a exclusão do requerido, por falta de legitimidade, à luz do citado artigo 53.º.
O facto de a execução ter sido instaurada inicialmente contra os dois cônjuges não obsta a que se suscite o incidente quando a apreciação da questão da legitimidade tenha a ver com razões formais.
A apreciação feita no âmbito do presente incidente e que culmina com a decisão recorrida radica em fundamento completamente diverso: fazendo apreciação de mérito, à luz do disposto nos artigos 1691.º, n.º 1, alínea d), do Código Civil e 15.º do Código Comercial, e reportando-se à relação subjacente à emissão dos títulos, conclui que a dívida obriga também o requerido D….
Esta apreciação e a correspondente decisão constam apenas na decisão recorrida, não se confundindo com a decisão que, por falta de legitimidade, dado não constar nos títulos executivos, determinou a exclusão do requerido.
Conclui-se por isso que a concreta questão apreciada no despacho recorrido no âmbito do presente incidente não foi proferido nos autos, em despacho anterior, com trânsito em julgado, mesmo acolhendo como elemento comum a execução de que o presente incidente e os embargos de executado são apenso, não se verificando os pressupostos do caso julgado formal.
Ao suscitar-se o presente incidente, a ação executiva para pagamento de quantia certa corria apenas contra a executada C…, cônjuge do requerido D…, enquanto a única pessoa que no título tem a posição de devedor.
Os títulos executivos dos autos são cheques, sendo por isso títulos diversos de sentença.
Os mesmos radicam em dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, enquanto dívidas contraídas por ambos os cônjuges, no exercício do comércio e em proveito comum do casal, com referência ao disposto no artigo 1691.º, n.º 1, alíneas a) e d), do Código Civil, conforme se afirma, de forma fundamentada, na decisão recorrida.
Impõe-se por isso a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
*
Porto, 10 de outubro de 2016.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes