Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9/15.0YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL
SUPRESSÃO DE VÍCIOS DA DECISÃO ARBITRAL
Nº do Documento: RP201506239/15.0YRPRT
Data do Acordão: 06/23/2015
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL
Decisão: SUSPENSA PARA SUPRESSÃO DE VÍCIOS
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A infracção à norma do art.º42º, nº3, 1ª parte da LAV é sancionada com a anulação do acórdão.
II - No entanto, tal invalidade fundamento pode ser suprida pelo TA, através do recurso ao mecanismo da suspensão do processo de anulação expressamente previsto no nº8 do art.º46º da LAV.
III - Embora o tribunal arbitral não fique vinculado pelo encargo em concreto, o mesmo sujeita-se, caso não aceite tal sugestão, a ver a sua nova sentença a ser efectiva e definitivamente anulada pelo Tribunal da Relação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acção de Anulação da Decisão Arbitral nº9/15.0YRPRT
Relator: Carlos Portela (636)
Adjuntos: Des. Pedro Lima Costa
Des. Pedro Martins

Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
B…, S.A. com sede na … nº…, ….-…, Lisboa instaurou contra Condomínio … -Rua …, .., ….-…, Matosinhos, com morada no mesmo local, a presente acção de anulação da sentença arbitral proferida em 15.10.2014, alegando omissão da fundamentação, quer da decisão de facto, quer da enunciação dos factos não provados, por si alegados, e pedindo que a mesma seja declarada nula por falta de fundamentação, ao abrigo do disposto no art.º42º nº3 da Lei de Arbitragem Voluntária e 607º, nºs 3 e 4 do CPC.
Devidamente citada para o efeito veio a o requerido Condomínio deduzir oposição na qual e em suma requer o seguinte:
Que atento o que decorre do disposto no art.º46 nº8 da LAV seja ordenada a suspensão dos presentes autos, devendo os mesmos ser remetidos ao TA a fim de serem tomadas as medidas tidas por necessárias para eliminar os alegados vícios da decisão reclamada.
Sem prescindir, considera que a decisão reclamada apesar de sucinta, contém todos os fundamentos de facto e de direito que permitem compreender o seu conteúdo.
Por isso e caso se entenda que não existem razões para a suspensão antes requerida, sempre deverá ser julgada improcedente a reclamação apresentada, mantendo-se assim a decisão arbitral proferida.
Colhidos os vistos legais e porque nada obsta ao seu conhecimento, cumpre decidir a presente acção, a qual se reconduz a saber se existem ou não fundamentos para anular a sentença arbitral proferida em 15.10.2014 pelo CIMPAS do Porto.
É o seguinte o teor dessa sentença:
“Em 13/01/14 a Reclamante, supra identificada, foi pelo proprietário da fracção sita no 1º Esquerdo, C…, comunicada a ocorrência de um sinistro na sua habitação, constituída por infiltrações de águas pluviais, na parede virada a Norte do seu quarto, as quais escorriam pela respectiva parede, infiltrando-se nesta e escorrendo para o soalho.
Em 16/01/14, à mesma Reclamante foi participado pelo proprietário do R/C esquerdo, D…, a verificação de infiltrações de águas ao nível do tecto, parede e soalho do seu quarto junto à parede virada a Norte.
Os danos supra referidos foram avaliados em 2.350,00 € e 1.500,00 €, respectivamente, não sendo os demais danos atendíveis por falta de prova.
Tudo visto. Cumpre decidir.
Importa, desde já, salientar que a reclamada não impugna os danos, nem sequer o seu valor.
Alega, entretanto, que os danos foram causados por infiltrações de águas pluviais, da responsabilidade da reclamante, por manifesta incúria de manutenção.
O que na sua tese afastaria aquela responsabilidade.
A este propósito cumpre recordar que o artigo 342º, nº1 do Código Civil, claramente, estabelece que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado”.
E o número 2, do mesmo dispositivo, acrescenta que “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
Procede, pois, em parte a reclamação.
Pelo exposto, julga-se a Reclamação parcialmente procedente, por provada, em consequência, condena-se a Reclamada a pagar à Reclamante a quantia de 3.850.00.
Sem custas.
Notifique.”
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Os factos a ter em conta na decisão aqui a proferir são os que já deixamos melhor descritos no ponto I. deste acórdão.
A estes e porque relevantes, devemos acrescentar os seguintes:
O Condomínio … apresentou em 16.04.2014, reclamação no Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), contra B…, S.A., requerendo o pagamento das quantias de 2.350,00 € e 1.500,00 €, respectivamente, correspondentes aos danos sofridos nas fracções do Rés do Chão Esquerdo e do 1º Andar Esquerdo do prédio situado na Rua …, .., …, Matosinhos.
Fundou a sua reclamação em infiltrações de águas pluviais na parede virada a Norte da 1ª das fracções referidas, aludindo à responsabilidade por tal sinistro por parte da Reclamada, atento o teor da apólice de seguro de que é titular.
Anexou à mesma reclamação vária documentação entre a qual se salienta o Certificado da Vistoria referente ao sinistro em apreço e que consta de fls.103 e seguintes).
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Sendo estes os elementos de facto a ter em conta e considerando as razões que fundam a pretensão da Reclamada B…, S.A. e que todos já conhecemos, cabe antes do mais dizer o seguinte:
Todos aceitam que o dever de fundamentação das decisões que não sejam de mero expediente tem consagração constitucional no nº1 do art.º 205º da CRP, segundo o qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Já o art.º154.º do NCPC, aqui aplicável, dispõe no seu nº1 que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
Acrescenta o seu nº2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Perante tal norma e seguindo com o devido respeito a orientação vertida no Acórdão desta Relação de 25.11.2014, processo nº245/14.6YRPRT, www.dgsi.pt, o que devemos dizer é o seguinte:
“A fórmula utilizada no n.º 1 do preceito acabado de referir é redutora, pois o dever de fundamentação existe relativamente a todas as decisões que não sejam despachos de mero expediente (cf. art.º 152.º, n.º 4 do CPC), por imperativo constitucional, mesmo que aparentemente não estejam abrangidas por aquele preceito. Hoje, a aludida norma constitucional impõe o entendimento de que só o despacho de mero expediente não carece, por sua natureza, de ser fundamentado, devendo sê-lo qualquer outra decisão que, directa ou indirectamente, interfira no conflito de interesses entre as partes (cf. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, 2.ª edição, vol. 1.º, pág. 302, a propósito do art.º 156.º de igual teor).Segundo estes autores, o n.º 2 do art.º 158.º do anterior Código, ao qual corresponde o citado art.º 154.º (com redacção igual até “oposição” e tendo este acrescentado a ressalva que não tem aqui aplicação) “afasta a fundamentação meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de aderência às razões invocadas por uma parte, exigindo a fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma” (cf. obra citada, págs. 302 e 303).”
Já dizia o Prof. Alberto dos Reis, Comentário, vol. 2.º, pág. 172 e CPC anotado, vol. I, 3.ª ed., pág. 284, que “o dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, mesmo daquelas de que não cabe recurso, assenta no pressuposto de que a decisão não é, nem pode ser, um acto arbitrário, mas a concretização da vontade abstracta da lei ao caso submetido à apreciação jurisdicional, e na necessidade de as partes serem não só esclarecidas mas convencidas do seu acerto (…).
Também o art.º607º, nº3 do NCPC, a propósito da fundamentação da sentença, impõe ao juiz que discrimine os factos que considera provados e indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes.
Ainda na fundamentação da sentença e segundo o disposto no nº4 do mesmo artigo, “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.”
É consabido que a violação do dever de fundamentação gera a nulidade nos termos do art.º615.º, nº1, alínea b) do NCPC ao determinar que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Também sabemos todos que não obstante tais exigências, se vem entendendo quer na doutrina quer na jurisprudência que só a falta absoluta de motivação, que não a meramente deficiente ou medíocre, conduz àquela nulidade.
Ora não se discute que não obstante a sua particular natureza (cf. o art.º 209.º, n.º 2, da CRP), os tribunais arbitrais também se encontram sujeitos ao dever de fundamentação.
Assim, e por força do disposto no art.º42.º, nº3 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei n.º 63/2011, de 14/12, que a aprovou e que aqui é aplicável, (cf. os seus artigos 4º, nº1 e 6º), “a sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º, o que aqui não ocorre.
Já o art.º13.º, alínea e), do Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, aprovado pela Assembleia Geral de 31 de Maio de 2010, nos termos previstos no art.º12.º, alínea i), dos Estatutos do CIMPAS – Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros, que rege o Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, manda fazer constar da decisão arbitral “os fundamentos, de facto e de direito, da decisão”.
Já o art.º14º do mesmo Regulamento manda aplicar as normas da Lei da Arbitragem Voluntária (nº1) e, em caso de omissão, subsidiariamente, as regras e princípios do Código de Processo Civil, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral – nº2.
O art.º18.º, nº2, deste Regulamento também manda, além do mais, que a acta contenha a “caracterização sumária do litígio e respectiva decisão, devidamente fundamentada”.
Como se salienta no supra referido acórdão desta Relação, que temos vindo a seguir de muito perto, o único árbitro decidirá de acordo com o direito constituído (art.º12.º, nº1, do Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem), depois de produzida a prova oferecida, que pode ser qualquer uma admitida em direito, podendo o tribunal arbitral, por sua própria iniciativa, recolher depoimentos das partes, ouvir testemunhas ou terceiros, obter a entrega de documentos necessários, nomear peritos, mandar proceder a análise ou exames directos (art.º 14.º do Regulamento da Arbitragem e das Custas).
Segundo Paula Costa Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, ROA, Ano 52, Dez.1992, pág.938/939, “a exigência do nº3 do artigo 23º encontra a sua justificação na necessidade de se evitar a arbitrariedade do processo arbitral, podendo dizer-se que «uma sentença é provida de fundamentos sempre que seja possível compreender a motivação do árbitro. Assim, mesmo que a motivação seja deficiente, medíocre ou errada, estaremos perante uma sentença motivada, devendo as deficiências da sua fundamentação, que não geram nulidade, ser arguidas em via de recurso. Só a falta absoluta de motivação implicará uma nulidade da sentença arbitral, invocável através da acção de anulação. Sempre que a motivação seja deficiente e não havendo lugar a anulação, deve essa deficiência ser suprida através de recurso interposto contra a sentença arbitral»”.
Também nós consideramos, que esta doutrina não merece total adesão, nos casos em que a decisão arbitral não é susceptível de recurso, como aqui ocorre, porque as partes não acordaram expressamente nessa possibilidade, (cf. os artigos 39º, nº4 e 46º, nº1, ambos da LAV).
Assim sendo e estando nós perante uma acção de anulação, único meio impugnatório possível, há que apurar se ocorre algum dos fundamentos previstos no nº3 do artigo acabado de citar, onde constam os únicos fundamentos capazes de basear tal acção, pois contém uma enumeração taxativa, como resulta claramente do advérbio de exclusão “só”, ali inserido.
Já vimos qual o fundamento invocado pela Reclamante, sendo certo que o mesmo está expressamente previsto no citado art.º46º, nº3, alínea vi), segundo o qual se permite a anulação quando “a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos nºs 1 e 3 do artigo 42.º”.
Já o nº3 deste artigo impõe a fundamentação da sentença, sempre que as partes não tiverem dispensado essa exigência ou aquela não tenha resultado do seu acordo, ressalvas estas as quais e como já vimos, que não se verificam no caso dos autos.
Assim e entre o mais, cabe ao juiz o dever de declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, depois de analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cf. o art.º607º, nº4, do NCPC).
Como antes já vimos, a decisão que é agora objecto desta acção de anulação indica de uma forma muito deficiente quais os factos que devem ser tidos como provados (cf. a parte inicial dessa decisão).
Para além disso, a mesma sentença é completamente omissa quanto à motivação mesma decisão da matéria de facto, não indicando nomeadamente quais os meios de prova em que fundou a sua convicção.
Por fim, procede a uma indicação muito genérica dos factos que em seu entender acabaram por não ficar provados.
Estamos pois perante uma evidente violação das regras prescritas no artº42º, nº3, da LAV e no art.º607º, nº4, do NCPC.
A inobservância do disposto nesta última norma pode implicar a suspensão do processo de anulação a fim de dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida para suprir as deficiências e eliminar o fundamento da anulação, tudo ao abrigo do disposto no n.º 8 do art.º 46.º da LAV.
É sabido que essa suspensão está dependente do pedido de alguma das partes.
Já vimos que o reclamado Condomínio solicitou tal suspensão na sua contestação, o que possibilita o deferimento desta sua pretensão.
Isto sem deixar de fazer notar aqui a opinião de Dr. António Sampaio Caramelo, A Impugnação da Sentença Arbitral, 2014, a pág. 122, segundo o qual “o reenvio deve ser acompanhado de uma opinião (não de uma ordem, porque entre um e outro tribunal não há uma relação hierárquica) do tribunal estadual sobre aquilo que os árbitros devem reconsiderar; esta opinião servirá para que o reenvio cumpra cabalmente a sua função, permitindo ao tribunal arbitral reformular satisfatoriamente a sua anterior sentença (…)”.
Isto porque a sua respectiva autonomia, face ao tribunal do Estado, é total (neste sentido cf. Dr. M. Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Voluntária, 2013, pág. 181).
Assim sendo, pode pois afirmar-se que o tribunal arbitral não fica vinculado pelo encargo em concreto, sendo no entanto certo que caso a inobservância do agora sugerido pode levar a que a sentença venha a ser efectiva e definitivamente anulada.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do NCPC):
1.A infracção à norma do art.º42º, nº3, 1ª parte da LAV é sancionada com a anulação do acórdão;
2.No entanto, tal invalidade fundamento pode ser suprida pelo TA, através do recurso ao mecanismo da suspensão do processo de anulação expressamente previsto no nº8 do art.º46º da LAV;
3.Embora o tribunal arbitral não fique vinculado pelo encargo em concreto, o mesmo sujeita-se, caso não aceite tal sugestão, a ver a sua nova sentença a ser efectiva e definitivamente anulada pelo Tribunal da Relação.
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III. Decisão:
Nos termos do art.º46º, nº8 da LAV, determina-se a suspensão da presente Acção de Anulação da Decisão Arbitral, pelo período de 30 dias, em ordem a que o tribunal arbitral retome o processo a de eliminar os fundamentos da anulação antes apontados no ponto II deste acórdão.
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As custas da presente acção são a cargo da parte vencida a final.
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Notifique, desapensando e devolvendo ao CIMPAS o processo onde a decisão em apreço foi proferida.
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Decorrido que seja prazo de suspensão agora fixado, abra nova conclusão nos presentes autos.
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D.N.

Porto, 23 de Junho de 2015
Carlos Portela
Pedro Lima Costa
Pedro Martins (Junto voto de vencido)
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Voto de vencido:
A falta de fundamentação de uma sentença judicial é a falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 615/1b do CPC). Como dizem Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 703: “Há nulidade […] quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão […]”
E como esta norma vem de 1939 (= art. 668 do CPC na versão de 1939…) ela sempre só se referiu à indicação dos factos provados e à fundamentação de direito, e não à indicação dos factos não provados (que só a partir da reforma de 2013 do CPC se passou a exigir que constasse, por regra, das sentenças judiciais) nem à indicação das razões que levaram à decisão de prova, ou seja, à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (que, aliás, constava de um despacho ou acórdão autónomo, que nada tinha a ver com a sentença: art. 653/2 do CPC antes da reforma).
Daí que a nulidade da sentença por falta de fundamentação só tenha a ver com a falta da indicação dos factos provados e com a absoluta falta de fundamentação de direito e não com a falta de indicação dos factos não provados com a falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Visto de outra perspectiva, as consequências de uma eventual falta de fundamentação da decisão relativa à matéria de facto estão previstas, não no art. 615 do CPC (nulidade da sentença), mas sim no art. 662/2 e 3 do CPC, como já se dizia no ac. do TRP de 29/05/2014, processo 389/12, não publicado. O que é um outro modo de dizer que essa matéria nada tem a ver com as nulidades da sentença (ou dos acórdãos arbitrais…).
Neste mesmo sentido, com mais desenvolvimento, pode ver-se o posterior acórdão do TRC de 20/01/2015, 2996/12.0TBFIG.C1:
II - Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.
III – Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de l[evar] à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (art. 662/2, c) e d) do nCPC). Assim, no caso de a decisão da matéria de facto daquele tribunal se não mostrar adequadamente fundamentada, a Relação deve – no uso de uma forma mitigada de poderes de cassação – reenviar o processo para a 1ª instância para que a fundamente (art. 662/2 do nCPC).
Acórdão este que teve o comentário favorável do prof. Miguel Teixeira de Sousa, na entrada de 29/01/2015 do blog do IPPC, Jurisprudência (69): “Efectivamente, apenas a falta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito implica a nulidade da sentença. Não é o que se verifica quando os fundamentos de facto constam da sentença, mas o tribunal não especifica as razões pelos quais esses fundamentos são considerados adquiridos ou provados. Esta falta de fundamentação não gera a nulidade da sentença, antes permite a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, como se refere no acórdão, justifica que a Relação possa exigir à 1.ª instância a fundamentação dessa decisão (cf. art. 662.º, n.º 2, al. d), CPC).”
Assim, a falta de indicação das razões pelos quais se consideram os factos provados ou não provados, ou a falta de especificação dos factos não provados, poderia levar, quando muito, a demonstrar-se, primeiro, a relevância das respectivas afirmações de facto (por força da aplicação analógica do art. 662/2d do CPC), e se estivéssemos num recurso não numa acção de anulação, por aplicação analógica do disposto no art. 46/8 da LAV, à suspensão deste processo para devolver ao tribunal arbitral a possibilidade de fundamentar as respostas dadas ou para especificar os factos não provados.
A posição do projecto tem suporte numa corrente deste TRP; vejam-se os acs do TRP de 11/03/2003, 0324038, do TRP de 03/12/2012, 227/12.2YRPRT, do TRP de 24/09/2012, 153/12.5YRPRT, do TRP de 05/11/2012, 207712.8YRPRT, do TRP de 03/12/2012, 206/12.0YRPRT, do TRP de 12/11/2013, 284/13.4YRPRT, e do TRP de 25/11/2014, 245/14.6YRPRT.
Mas esta corrente não explica, porque nem sequer se coloca a questão, por que é que uma decisão do tribunal judicial que não contém a indicação das razões que levaram a decidir dar uns factos como provados e não provados só poderia conduzir, num recurso, às consequências do art. 662/2d) do CPC e nas condições aí previstas (o que implicaria a demonstração da relevância dos factos para o julgamento da causa), enquanto que, quanto a um acórdão arbitral (proferido ao abrigo da LAV anexa à Lei 63/2011, de 14/12), que nem sequer será recorrível e em relação ao qual as exigências de fundamentação são substancialmente menores, já poderia levar à sua anulação.
Repare-se que naquela LAV apenas se exige (art. 42) que o acórdão seja reduzido a escrito, assinado, fundamentado (quando o tiver que ser…), sendo que esta fundamentação por aquilo que já se disse é a indicação dos factos provados e a fundamentação de direito, e se pronuncie quanto à repartição de custas, não se exigindo que dele conste a referência a factos não provados, nem a indicação das razões que levaram aos factos provados e não provados.
Leiam-se agora as normas citadas pela autora e reparar-se-á que com elas ainda mais se fortalece o que antecede: o art. 13/e) do Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, aprovado pela Assembleia Geral de 31/05/2010, nos termos previstos nos Estatutos do CIMPAS, Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros, que rege o Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, apenas manda fazer constar da decisão arbitral “os fundamentos, de facto e de direito, da decisão”. E o art. 14/2 do mesmo Regulamento manda aplicar as normas da LAV e, em caso de omissão, subsidiariamente, as regras e princípios do CPC, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral.
Posto isto, a decisão que é objecto desta acção enumera os factos provados e tem fundamentação de direito, pelo que não pode ser anulada com base na falta de fundamentação; se esta é suficiente ou insuficiente, boa ou má, não interessa, porque isso já seria objecto de recurso e não de anulação. E se as partes não acautelaram a possibilidade de recurso, como o podiam ter feito ao abrigo do art. 39/4 da LAV, essa possibilidade não lhes pode ser dada agora sob a forma da acção de anulação.
Sendo assim, não havia que suspender a acção para eliminação dos fundamentos da anulação, pois que estes não existem.

Pedro Martins