Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0622181
Nº Convencional: JTRP00039202
Relator: MÁRIO CRUZ
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
TAXA DE JUSTIÇA
PROVAS
Nº do Documento: RP200605230622181
Data do Acordão: 05/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 217 - FLS 98.
Área Temática: .
Sumário: I - O deficiente pagamento da taxa de justiça inicial ou a sua inexistência não detectada pela Secretaria, não dá ao Juiz a possibilidade de indeferimento liminar.
II - Antes deve notificar o faltoso para suprir a falta em prazo a fixar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B………., SA, instaurou acção executiva contra
C………., dando à execução uma livrança.

O Executado deduziu embargos em 2004.10.01, alegando a falsidade da assinatura aposta nesse título, dizendo ainda ter sido vítima de crime de roubo, em Agosto de 2001, sendo-lhe então subtraídos os seus documentos pessoais e bilhetes de identidade.
Juntou documentos.
Atribuiu então ao processo o valor de € 3.356,52, tendo juntado aos autos documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça inicial no montante de € 22,25, em 2004.09.29, ou seja, antes ainda de entrada dos embargos.
A Secretaria não verificou se a taxa de justiça inicial a cobrar na oposição estaria correcta, abrindo logo conclusão ao M.º Juiz, onde este, em 2004.10.13, lavrou o despacho seguinte:
“Antes de mais, notifique o Sr. Solicitador de Execução para, em 10 dias, vir juntar o auto de penhora, bem como a certidão de citação do Executado.”

Distribuído o processo aos Juízos de Execução, sustentou o M.º Juiz que a taxa de justiça inicial efectivamente depositada não era a “taxa de justiça devida”, já que esta era a correspondente a uma UC., recusando por isso o recebimento do requerimento inicial, com ordem do seu desentranhamento e entrega ao apresentante após trânsito desse despacho.
Para o efeito, invocou como fundamentação o disposto no art. 13.º e 23.º do CCJ e o art. 474.º-f) do CPC.

O Executado não permitiu no entanto que o referido despacho transitasse, havendo interposto recurso, que foi admitido como de agravo, com subida imediata e efeito suspensivo nos autos de oposição.
Apresentou alegações.
Não houve contra-alegações.
O M.º Juiz sustentou o despacho recorrido.

Remetidos os autos, manteve-se o recurso com a mesma adjectivação.
Correram os vistos legais.
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II. Âmbito do recurso

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é através das conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso que este indica as questões que pretende ver tratadas, como se pode depreender do disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC.

Lendo as alegações do agravante, designadamente as conclusões apresentadas em tal peça processual, vemos então que se mostra suscitada apenas uma única questão:
- a de saber qual deverá ser a actuação do Juiz quando constate que a Secretaria não deu pelo lapso no pagamento, por defeito, da taxa de justiça inicial por parte do requerente:
- deverá ordenar o desentranhamento da petição inicial pura e simplesmente?
- ou deverá mandar notificar para efectuar o pagamento da taxa de justiça ainda em falta?
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III. Fundamentação

Os factos a ter em consideração são os já constantes do Relatório.
Passemos portanto, e desde logo, para a apreciação do recurso:

Assim:

O M.º Juiz cita-nos o art. 474.º-f) do CPC para rejeitar a petição inicial, mas, salvo o devido respeito, sem razão.
Na verdade, como pode constatar-se da leitura art. 474.º do CPC., este preceito destina-se à actuação da Secretaria, e não propriamente à actuação do Juiz.
Com efeito, o art. 474.º do CPC enuncia os casos em que a Secretaria deve recusar a petição inicial (entre os quais se mostra prevista, na alínea f) “a falta de taxa de justiça inicial”), tem como escopo chamar desde logo a atenção do Requerente para a necessidade de correcção imediata de algumas insuficiências ou deficiências que, por serem notórias, podem comprometer, inviabilizar ou atrasar, desde logo o andamento do processo.
Assim:
a) a falta de endereço ou o endereço a outra autoridade ou Tribunal;
b) a omissão da identificação das partes;
c) o domicílio profissional do mandatário judicial;
d) a indicação da forma de processo;
e) a indicação do valor da causa;
f) a falta de comprovativo de pagamento da taxa de justiça inicial ou o documento que ateste a concessão do apoio judiciário;
g) a falta de assinatura;
h) a redacção em língua portuguesa
i) a não conformidade do papel utilizado com o estipulado regulamentarmente.

A recusa por parte da Secretaria na respectiva aceitação não tem necessariamente o significado de uma rejeição semelhante ao indeferimento liminar do Juiz, porque pode ainda o apresentante suprir ou corrigir no acto ou imediatamente a deficiência ou insuficiência detectada, aceitando a Secretaria, logo de seguida, o requerimento, colocando-o ainda em condições de ser recebido.
Se no entanto o requerente não quiser corrigir ou suprir de imediato a (suposta) deficiência detectada, a Secretaria indicará por escrito o fundamento da recusa.
Nesse caso, poderia então o Requerente reclamar para o Juiz, e, caso esta reclamação não viesse a ser atendida, poderia então recorrer do despacho deste, até à Relação - art. 475.º do CPC.
Como quer que fosse, assistia ao Requerente o benefício concedido no art. 476.º do mesmo Código, no que toca à falta do pagamento da taxa de justiça inicial, pois poderia efectuá-lo, no prazo de 10 dias subsequentes à recusa do recebimento ou de distribuição da petição ou à decisão da notificação judicial que a haja confirmado.

Pois bem.
O Requerente foi confrontado desde logo com a decisão do Juiz, sem que antes tivesse tido a possibilidade de completar o montante da taxa de justiça em falta - pois para isso não fora alertado pela Secretaria -, ficando assim queimada uma etapa, que poderia evitar o atraso do processo e gasto de energias e perdas de tempo com a interposição do presente recurso.

É certo que o art. 476.º do CPC indica que, não obstante, pode o Requerente apresentar o comprovativo da taxa inicial devida nos dez dias imediatos à recusa do requerimento ou a contar da notificação do despacho que confirmara essa decisão.
No entanto, no caso em presença, a petição não chegara a ser recusada pela Secretaria, e o Juiz decidiu desde logo pelo desentranhamento, mesmo sem dar ao Requerente a possibilidade de justificar a sua actuação ou de voluntariamente suprir o montante da taxa de justiça que estivesse ainda em débito para completar a taxa de justiça devida.
É esse, de resto o regime que, salvo o devido respeito, se nos afigura como resultante da conexão entre o art. 28.º do CCJ com o disposto nos arts. 150.º-A, n.º 2 do CPC, não sendo por isso legítimo avançar para o indeferimento imediato e ordem de desentranhamento do requerimento, como veio a acontecer.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 2003.02.11, consultável in www.dgsi.trc.pt, pronunciando-se sobre caso aparentemente semelhante, defendeu, do mesmo modo, que seria inaplicável ao caso o indeferimento liminar da petição.”

Assim, entendemos que o agravo deve obter provimento.
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IV. Deliberação

No provimento do agravo, revoga-se o despacho recorrido e ordena-se que, em sua substituição, deva ser proferido outro em que o M.º Juiz ordene a notificação do Embargante Requerente para depositar o complemento indispensável para se completar a taxa de justiça prevista como devida, no prazo de 10 dias, indicando a Secretaria, na notificação, o montante em falta.
Sem custas.
Porto, 23 de Maio de 2006
Mário de Sousa Cruz
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Emídio José da Costa