Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
490/14.4PPPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: NOTIFICAÇÃO
ARGUIDO
VIA POSTAL SIMPLES
TIR
PROVA DE DEPÓSITO
Nº do Documento: RP20161123490/14.4PPPRT-A.P1
Data do Acordão: 11/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1034, FLS. 147-151)
Área Temática: .
Sumário: O arguido apenas se considera regularmente notificado do despacho que designou dia para julgamento, por notificação postal simples enviada para a sua morada se:
- O TIR se mostra validamente prestado com indicação de morada para se notificado por via postal e
- ocorre o efectivo depósito da carta de notificação nessa morada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 490/14.4PPPPRT-A.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal singular) nº 490/14.4PPPRT-A.P1, do J2 da secção criminal da Instância Local da Comarca do Porto em que são arguidos B… e outro, foi proferido despacho nos termos do artº 311º do CPP e designado para julgamento o dia 10/3/2016, (primeira data) e o dia 31/3/2016, segunda data.
Expedida notificação postal simples para a morada constante do TIR, veio a mesma devolvida por impossibilidade absoluta de depositar carta, com a informação de que “Não existe o nº de porta”, tendo o Exmº Srº Juiz determinado a notificação do arguido por contacto pessoal.
Na primeira data designada para audiência, perante a informação da GNR de que o arguido B… não se encontrava notificado, foram então proferidos os seguintes despachos:
(…)
Para o arguido B… foi remetida carta, via postal simples, para a morada constante do TIR, notificando-o do despacho que recebeu a acusação e designou datas para julgamento.
Tal carta veio a ser devolvida e incorporada nos autos sem ter sido depositada.
Foi lavrada nota do incidente da impossibilidade absoluta de depósito da carta, tendo-se consignado como motivos de tal impossibilidade o facto de não existir o nº de porta.
Promove o M.P., pelos fundamentos constantes de tis. 262 que se considere regularmente notificado o arguido.
Com efeito, o arguido prestou TIR nos termos dos arts. 193º e 196º0, ambos do C.P.P.
Indicou, assim, o arguido uma morada para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c), do n:º 1, do art. 113º, do C.P.P.
A sujeição a TIR implica para o arguido a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.
O arguido não comunicou qualquer alteração à morada indicada e constante do TIR, não obstante estar ciente das obrigações que sobre ele impendiam e ter sido advertido que o seu incumprimento legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do en. 3330, do C.P.P.
No entanto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos considerar, in casu, o arguido regularmente notificado.
É que nos termos do artº. 113°, n.º 1, al. c) e n,º 3, do C.P.P. exige-se, para que se considere regular a notificação, o depósito da carte na caixa do correio do notificando, competindo ao distribuidor do serviço postal lavrar declaração onde conste a data e se confirme o local exacto do depósito.
Verificado este condicionalismo considera-se a notificação efectuada no 5° dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal.
Só perante a observância das formalidades previstas na lei para tal tipo de notificação, se pode ter como notificado o arguido. Cumpridas aquelas formalidades irrelevante se mostra se a carta é devolvida.
Ora, não tendo, no caso em apreço, existido o depósito da notificação em causa não é possível fazer funcionar a presunção de notificação contida na norma legal, por ausência de um dos seus requisitos para tanto.
Assim, por entender que o arguido não se mostra regularmente notificado, indefere-se ao doutamente promovido.
Notifique.
Do precedente despacho foram todos os presentes devidamente notificados.
DESPACHO
Pelos fundamentos supra expostos não se considerando pois o arguido B… regularmente notificado, adio a presente audiência de discussão e julgamento, por ora, "Sine Die", dando sem efeito a segunda data designada (31/03/2016 às 09:15 horas), por forma a se tentar a regular notificação do arguido B…, bem como para viabilizar a apreciação de eventual conexão processual referente ao arguido C… como, transparece já do despacho de folhas 223, o que contribuirá para a estabilização jurídica da situação do tal arguido, que se encontra preso.
Cumpra de imediato o ordenado a folhas 272.
Oportunamente será tomada posição quanto às datas a designar para a realização do julgamento e em conformidade de uma eventual apensação de processos.
Notifique.

(…)
*
Inconformada, a Magistrada do Ministério Público interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
(…)
1-O arguido B… prestou TIR nos autos nos termos do actualmente disposto no art. 196º., do CPP, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº. 320-C/00, de 15/02 e, indicou uma morada para efeito de futuras notificações.
2-Nos termos do estatuído no citado art. 196º., o arguido fica obrigado a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar ao processo a nova morada ou o local onde pode ser encontrado, e de que o arguido tomou conhecimento.
3-Posteriormente, o arguido não comunicou nos autos qualquer alteração de morada.
4-O arguido, com TIR prestado nos autos, é notificado do despacho que designa datas para julgamento, por via postal simples na morada constante daquele, mesmo que, comprovadamente, tenha deixado de residir na referida morada.
5-Do mesmo modo, se deve considerar regularmente notificado, o arguido, com TIR prestado nos autos, que tenha indicado uma morada insuficiente ou inexistente e por esse motivo inviabilize o depósito da carta com a notificação e, por conseguinte, legitimada a realização da audiência de julgamento.
6-Entender de outro modo viola o disposto nos arts. 113º., nºs. 1, al. c) e 3, 196º., nºs. 2 e 3 e 313º., nº. 3, todos do CPP.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que designe dia para julgamento e determine a notificação do arguido B… por via postal simples na morada constante do TIR por si prestado nos autos e, independentemente, do depósito considere legitimada a realização da audiência de julgamento

(…)

Não consta dos autos qualquer resposta.
Nesta instância, a Exmª Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a única submetida à apreciação deste tribunal é a de saber se o arguido que prestou TIR nos autos e indicou uma morada, para a qual foi enviada notificação por via posta simples, a qual não foi efectivada por não existir o nº de porta indicado deve ser considerado regularmente notificado.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Para a apreciação e decisão da questão recorrida relevam as seguintes ocorrências processuais:
.O arguido B… em 7/4/2014 prestou Termo de Identidade e Residência no qual indicou para efeitos de notificação a seguinte morada: Rua … nº… …- … -4480 Vila do Conde. Cfr. fls.2.
.Ao arguido foi então dado conhecimento para além do mais das seguintes obrigações constantes do artº 196 nº3 do CPP:
“. Não mudar de residência nem dela se ausentar por mais cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado»;
- «De que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento»;
- «De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nas quais tenha o direito ou o dever de estar presente, e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º do Código de Processo Penal…”.
Foi proferido despacho nos termos do artº 311º do CPP e designado para julgamento o dia 10/3/2016, (primeira data) e o dia 31/3/2016, segunda data.
Expedida notificação postal simples para a morada constante do TIR, veio a mesma devolvida por impossibilidade absoluta de depositar carta, com a informação de que “Não existe o nº de porta”, tendo o Exmº Srº Juiz determinado a notificação do arguido por contacto pessoal.
Na primeira data designada para audiência, o arguido B… não se encontrava presente e não se encontrava notificado.
Sobre a notificação por via postal, dispõe o artº 196º nº2 do CPP que “Para efeito de ser notificado por via postal simples nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 113º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho, ou outro domicílio à sua escolha.”
E no art.º 113º dispõe-se:
“1-As notificações efectuam-se mediante:
(..)
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso nos casos expressamente previstos;
(…)
3- Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavrav uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa do correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito e envia-a de imediato ao serviço ou tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5ºdia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.”
4- Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa do correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.”
Verificados que sejam estes dois pressupostos legais, ou seja, 1) TIR validamente prestado, com indicação de morada para ser notificado por via postal, e 2) efectivo depósito da carta nessa morada, o arguido considera-se regularmente notificado para efeitos de poder ser iniciada a audiência de discussão e julgamento sem a sua presença.
Esta interpretação foi perfilhada pelo acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 9/12, que fixou a seguinte jurisprudência:
“«Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo..” DR 238, Série I, de 10/12/2012.
Sendo que já no acórdão do Tribunal constitucional nº17/2010 proferido no processo 498/09, foi decidido não julgar inconstitucional as normas constantes dos art. 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência;..”.
Sendo este o quadro legal em que se move a questão recorrida, desde já se adianta que, com o devido respeito por posição contrária, no caso dos autos o arguido não pode ser considerado regularmente notificado para se iniciar a audiência de discussão e julgamento.
Na verdade embora se encontre verificado o primeiro pressuposto, TIR validamente prestado, não se verifica o segundo pressuposto isto é a carta não foi depositada na caixa do correio, do arguido e como tal, há que concluir como se decidiu na decisão recorrida que o arguido não se mostra regularmente notificado.
Entendemos que a situação em causa nos autos não pode ser equiparada, como alega a Digna recorrente, às situações, em que, o arguido regularmente notificado, se ausenta da morada indicada no TIR e não comunica a nova residência ou o lugar em que se encontra, situações, nas quais decidiu o STJ nos acórdãos, de 18/12/2008 e 31/1/2008,[1] que aquele se encontrava regularmente notificado, e a audiência se podia iniciar sem a sua presença, pois que pressuposto dessas situações é que a carta foi devidamente depositada na caixa postal.
É certo que o preâmbulo do DL 320-C/2000 de 15/12 que introduziu as alterações das alíneas c) e d) do nº3 do artº 196º do CPP, e artº 113º nº3 e 4 do CPP, parece referir-se a um tratamento igual m ambas as situações para efeitos de notificação. Porém essa igualdade de tratamento não se encontra plasmada no nº4 do artº 113º supra transcrito nem resulta do artº 196 º.
Afigura-se que estender a presunção de notificação, resultante do nº3 do artº 113º do CPP a situações em que a carta não foi depositada, ou porque não existe caixa do correio, ou porque o nº de porta não existe, nas quais não está assegurado a cognoscibilidade do acto notificando, ou mais do que isso fazendo nossa a expressão utilizada no acórdão do TC nº17/10, e nem sequer “na área de cognoscibilidade do arguido” afronta de modo intolerável o direito de defesa do arguido, e do contraditório, não só quanto ao direito de presença na audiência como o direito de contestar a acusação, sendo que a “incorrecção” do nº de porta inexistente pode ter mais que uma explicação, para além de um comportamento “ab initio” enganador.

Improcede pois o recurso.
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III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Publico e confirmar a decisão recorrida.
Sem tributação

Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 23/11/2016
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
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[1] Acs. STJ 18/11/2008, proc 08P2816 (relator Simas Santos) e de 31/1/2008 proc. 07P3272 (relator Rodrigues da Costa).