Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1539/18.7T8VNG-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: VENDA EXTRAJUDICIAL
REMUNERAÇÃO DAS ENTIDADES ENCARREGADAS
Nº do Documento: RP202111151539/18.7T8VNG-C.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Em face do disposto no n.º 6, do artigo 17.º, do RCP, a lei impõe como limite máximo a considerar, para fixação da remuneração das entidades encarregadas da venda extrajudicial, o do valor da causa, critério que só será afastado no caso de o valor dos bens vendidos ser inferior, pois que aí será este último aquele a que se deverá atender.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1539/18.7T8VNG-C.P1

Recorrente: B…, Lda.
_______
Relator: Nélson Fernandes
Adjuntos: Rita Romeira
Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. No âmbito dos autos de execução com o n.º 1539/18.7T8VNG.1, em que são exequente C… e Executada B…, Lda., com data de 4 de maio de 2021, foi proferido pelo Tribunal a quo despacho com o teor seguinte:
“(…) Remuneração ao(s) encarregado(s) da venda:
Como bem refere o executado, nos autos apenas uma pessoa foi nomeada encarregada da venda, e procedeu à mesma – Arquiteto D….
O valor da execução inicial (inicial) ascendia a € 41.479,48, e da execução cumulada a € 1.032,31.
O valor da venda do imóvel cifrou-se em € 88.888,88.
As remunerações dos encarregados da venda estão previstas no anexo IV ao RCP, que estipula, que esta corresponderá à quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
Assim, a remuneração devida ao encarregado da venda será de 5% de € 88.888,88 =€ 4.444,44.
Pelo exposto, na NDDH deve o senhor AE de acordo com o processado nos autos e legislação aplicável, inserir apenas aquela quantia de € 4.444,44, devida ao senhor encarregado de venda, eliminando a respeitante ao “outro encarregado de venda, E…” por estar em duplicado, sendo inócuo, se trabalham ou não em conjunto, conforme explicação dada pelo senhor AE. Se o fazem, devem repartir o produto da remuneração entre ambos, nos termos que entenderem por conveniente.
Deve ainda, em conformidade, o senhor AE levar em linha de conta o “adiantamento” que pagou aquele, que designa de “E…” imputando-o a pagamento ao Arquiteto D…, só sendo assim devido por este o remanescente de 40%, da verba acima fixada.
Procede, também neste tocante, a reclamação deduzida pelo executado. (…)”

1.1. Notificada, apresentou a Executada, B…, Lda., requerimento com o teor seguinte:
“1.º A páginas 4 do despacho em apreço, é dito que:
«O valor da execução inicial (inicial) ascendia a € 41.479,48, e da execução cumulada a € 1.032,31.
O valor da venda do imóvel cifrou-se em € 88.888,88.
As remunerações dos encarregados da venda estão previstas no anexo IV ao RCP, que estipula, que esta corresponderá à quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
Assim, a remuneração devida ao encarregado da venda será de 5% de € 88.888,88 =€4.444,44.»
2º. Salvo o devido respeito, os pressupostos estão correctos, mas a conclusão está matematicamente errada:
- A remuneração é “até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior” (sublinhado nosso);
- Ora, o valor dos bens vendidos não é inferior ao da causa, pelo contrário;
- O valor da causa é de €41.479,48;
- O valor dos bens vendidos foi mais do dobro, a saber €88.888,88;
Consequentemente,
- A remuneração do encarregado da venda será de até 5% do valor da causa, €41.479,48
- Ou seja, até 5% de €41.479,48 = até €2.073,97.
3º. Padece a decisão de claro erro de escrita e de cálculo, em:
“remuneração devida ao encarregado da venda será de 5% de € 88.888,88 =€ 4.444,44.”
“inserir apenas aquela quantia de € 4.444,44” …e no demais texto que tem que ver com este valor/remuneração, e respectivas consequências.
Termos em que, ao abrigo dos arts. 613, n.º 2 e 614º, n.º 1 do CPC, aplicável a despachos por força do n.º 3 do mesmo art. 613º CPC, vem respeitosamente requer a rectificação do despacho antecedente.”

1.2. O Tribunal a quo proferiu, em 24 de maio de 2021, o seguinte despacho:
“Quanto à retificação do valor fixado à remuneração do encarregado da venda, nada a determinar, pois que foi calculada de acordo com o estatuído no RCP - 5% dos bens vendidos.
Indefere-se assim, a retificação requerida.”

2. Dizendo-se inconformada, apresentou a Executada requerimento de interposição de recurso, formulando no final das respetivas alegações as seguintes conclusões:
“A. A causa tem o valor de €41.479,28 e foi vendido um imóvel por €88.888,88, tendo o AE apresentado nas NDH, reclamadas, uma verba de €4.444,44 para “Pagamento ao Encarregado da Venda”, correspondente a 5% do valor do bem vendido, com acolhimento no despacho recorrido, sem que o AE ou a Mma. Juíza a quo tenham fundamentado a opção por tal percentagem.
B. Ao prever uma remuneração de “até 5%”, o art. 17º, n.º 6 do RCP impõe ao julgador uma ponderação, sendo o despacho recorrido nulo por falta de fundamentação quanto aos critérios e ao raciocínio que teria presidido à opção pelo máximo legal de remuneração (5%), ignorando a margem de apreciação contida entre 0,001% e 5% (cf. Ac. TRE de 22/10/2020, Proc. 332/18.1T8BJA-B.E1, em www.dgsi.pt) – tendo sido violados os arts. 17º, n.º 6 do RCP e 154º do CPC, gerando nulidade do despacho recorrido (arts. 615º, n.º 1, al. b) e 613º, n.º 3 do CPC).
C. Uma vez que o valor do bem vendido (€88.888,88) não é inferior ao valor da causa (€41.479,28), a bitola a que se aplicará a percentagem de “até 5%” é o do valor da causa; ou seja, o valor de remuneração do EV imposto pelo despacho recorrido é de €4.444,44 + IVA, ou seja €5.466,66, quando deveria ser, no máximo, de €2.073,96 + IVA, ou seja, €2.550,97, o que resulta num prejuízo para a Recorrente, no mínimo, de €2.915,69, quase 29UC.
Nestes termos, deve o presente recurso merecer provimento, com a consequente revogação do despacho recorrido, na parte recorrida, e caso o Tribunal da Relação entenda ter condições para suprir desde logo a nulidade, deve aquele ser substituído por outro que proceda, fundamentadamente, à fixação da remuneração do EV em até 5% do valor da causa,
Assim se fazendo inteira e sã justiça.”

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo – invocando-se o disposto nos artigos “852.º n.º 1, 853.º n.º 1 e 4, 629º, n.º 1 e 630º, a contrario, 631º, n.º 1, 637º, 638º, n.º 1, todos do CPC”.
Determinou-se, ainda, que o recurso fosse instruído “em separado, e com as peças indicadas pelo recorrente no r de interposição de recurso”.

3. Apresentados os autos ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi exarada posição no sentido de lhe estar vedada no caso a possibilidade de emitir parecer, por inaplicabilidade do artigo 87º, n.º 3, do CPT.
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Cumpre decidir.
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º, nº 4, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir prende-se, no caso, prende-se co saber se a decisão recorrida aplicou adequadamente a lei quanto à fixação da remuneração do encarregado da venda.
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III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório a que se procedeu.
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B) Discussão
Em face das conclusões que apresentou e que delimitam o objeto do recurso, defende a Recorrente que, tendo a causa o valor de €41.479,28 e tendo o bem sido vendido por €88.888,88, “tendo o AE apresentado nas NDH, reclamadas, uma verba de €4.444,44 para “Pagamento ao Encarregado da Venda”, correspondente a 5% do valor do bem vendido, com acolhimento no despacho recorrido, sem que o AE ou a Mma. Juíza a quo tenham fundamentado a opção por tal percentagem”, foi violado o disposto nos artigos 17.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e 154.º do CPC, pois que, diz, “uma vez que o valor do bem vendido (€88.888,88) não é inferior ao valor da causa (€41.479,28), a bitola a que se aplicará a percentagem de “até 5%” é o do valor da causa; ou seja, o valor de remuneração do EV imposto pelo despacho recorrido é de €4.444,44 + IVA, ou seja €5.466,66, quando deveria ser, no máximo, de €2.073,96 + IVA, ou seja, €2.550,97, o que resulta num prejuízo para a Recorrente, no mínimo, de €2.915,69, quase 29UC.”
Cumprindo-nos apreciar, desde já adiantamos que assiste razão à Recorrente quando à questão fundamental do critério a atender para a fixação da remuneração do encarregado da venda, em face do que resulta do disposto no artigo 17.º do RCP.
Melhor esclarecendo, resulta desse normativo:
“1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.
2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:
a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;
b) Remuneração em função do número de páginas ou fracção de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.
4 - A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal. (…)
6 - Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal. (…)”
Em face do citado normativo, constata-se que, resultando do seu n.º 1, enquanto regra geral, que o encarregado da venda (entre outros) que colabore em diligências processuais tem direito à remuneração prevista no Regulamento das Custas processuais, porém, teremos de ter em consideração os critérios que devem presidir à fixação em concreto dessa remuneração, como se estabelece no n.º 6.
Ora, importando assim atender ao disposto no aludido n.º 6, resultando desse que “as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior”, então, tal como nesta parte bem o salienta a Recorrente, o primeiro critério a tender para efeitos da fixação da remuneração nestes casos será o do valor da causa, sendo que, em face da redação da norma, só assim não o será, afastando-se apenas nesses casos esse primeiro critério, nos casos em que os bens sejam vendidos por valor inferior (a esse valor da causa), situação essa em que, por aplicação, então, deste último critério, subsidiário, se deverá atender ao valor por que foram vendidos os bens. Dito de outro modo, o disposto na lei impõe como limite máximo a considerar, para fixação da remuneração nestes casos, o do valor da causa, resultando da lei que esse só será afastado no caso de o valor dos bens vendidos ser inferior, pois que aí será este último aquele a que se deverá atender. Interpretação diversa, assim, no que aqui importa, que considere aplicável o valor dos bens vendidos se esse for superior ao do valor da causa, como ocorreu na decisão recorrida, não colhe, salvo o devido respeito, adequada sustentação na norma, contrariando-a mesmo, pois que se tivesse sido essa a intenção do legislador, não se teria feito constar da norma a expressão, em termos linguísticos relacionada diretamente com o valor dos bens vendidos (“… se este…”), “… se este for inferior” – inferior, pois, e já não superior.
Não se acompanha, em conformidade, a decisão recorrida quando, o que se assume como determinante, fez constar o seguinte: “O valor da venda do imóvel cifrou-se em € 88.888,88. As remunerações dos encarregados da venda estão previstas no anexo IV ao RCP, que estipula, que esta corresponderá à quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior. Assim, a remuneração devida ao encarregado da venda será de 5% de € 88.888,88 =€ 4.444,44. (…)” – e, do mesmo modo, quando, apreciando a pretensão da Executada no sentido de ser retificado o valor fixado à remuneração do encarregado da venda, fez constar “nada a determinar, pois que foi calculada de acordo com o estatuído no RCP - 5% dos bens vendidos”, indeferindo tal requerida retificação.
Em face do exposto, sem necessidade de maiores considerações, procede esta linha de argumentação da Recorrente.
Porém, diversamente, não obstante aceitar-se que se imponha nestes casos a ponderação a que alude a mesma Recorrente para efeitos de graduação da remuneração a fixar[1], importando revogar a decisão recorrida e determinar que seja obrigatoriamente atendido em nova decisão para tais efeitos ao valor da causa, com a agravante de no caso sequer se pode dizer que aquela ponderação resulte em termos de concretização da decisão proferida em 1.ª instância, não se encontra este Tribunal superior, substituindo-se a essa instância, afinal a competente para essa proferir, em condições de proferir a decisão.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão:
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IV - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, devendo essa ser substituída por outra que atenda aos critérios indicados no presente acórdão.
Custas em conformidade com a regra e proporção a fixar na ação a final.

Porto, 15 de novembro de 2021
(acórdão assinado digitalmente)
Nélson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Veja-se, entre outros, o Ac. da Relação de Évora de 22 de outubro de 2020, Relatora Desembargadora Cristina Dá Mesquita, in www.dgsi.pt.