Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6180/17.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CRÉDITOS PETICIONADOS
CRÉDITOS VENCIDOS
PROPOSITURA DO PER
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
PRINCÍPIO FUNDAMENTAL
ACESSO AO DIREITO
ACESSO AOS TRIBUNAIS
Nº do Documento: RP201905226180/17.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 294, FLS 47-57)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 17º-E, Nº1 DO CIRE
Sumário: I – Inclui-se na categoria de acções para cobrança de dívidas e acções em curso com idêntica finalidade a que se alude no n.º1 do artigo 17.º-E do CIRE, uma ação em que um trabalhador peticiona créditos emergentes do contrato e da sua cessação, já que a procedência desses pedidos se reflete obrigatoriamente no património da ré/entidade empregadora.
II – Se os créditos peticionados pelo autor já se encontravam vencidos à data da propositura do PER / reclamação de créditos, os mesmos podiam/deveriam ser atendidos no plano de revitalização, o que obsta à propositura da respectiva acção com vista ao reconhecimento de tais créditos, sendo aplicável o disposto no n.º 1, do artigo 17.º-E, do CIRE.
III- O regime afirmado em I e II não colide com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 6180/17.9T8VNG.P1
Tribunal Judicial: Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia
Autor: B…
Rés: Sociedade C…, S.A.
C1…, S.A.
_______
Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. B… instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra as Rés Sociedade C…, S.A., e C1…, S.A., formulando o pedido que seguidamente se transcreve:
“I - condenar as rés a ver judicialmente reconhecido e declarado:
A) que a autora foi trabalhadora subordinada da 1ª ré desde 01/06/1998 a 02/09/2016;
B) a licitude, por justa causa, da resolução operada pela autora em 02/09/2016;
II - condenar a 1ª ré a pagar a autora a quantia de 25.973,76 Eur. a título de prestações salarias em dívida e respectivos juros vencidos, e ainda a quantia de 78.637,50 € a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa;
III - condenar solidariamente a 2ª ré no pagamento da aludida quantia de 104.611,26 eur e bem assim dos juros vincendos, calculados nos termos e com os critérios antes enunciados, até integral e efectivo pagamento.
IV- tudo com as legais consequências.”

1.1 Designada data para a realização da audiência de partes, veio essa a ser dada sem efeito, no seguimento de requerimento apresentado pela 1.ª Ré com o teor seguinte:
1. A presente acção foi intentada em 14.07.2017.
2. Sucede que se encontra a correr termos no Juiz 2 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º 4689/17.3T8VNG, processo especial de revitalização da 1ª Ré, no qual, por despacho datado de 7 de Junho de 2017, foi nomeado administrador judicial provisório, cfr. doc. 1
Ou seja:
3. A presente acção foi intentada depois processo supra referido e da nomeação do administrador judicial provisório.
Ora:
4. Dispõe o n.º 1 do artigo 17.ºE do CIRE que:
“A decisão a que se o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso com idêntica finalidade...”,
Ora:
5. No caso em apreço, os supostos direitos ajuizados na ação, emergentes da relação laboral, são mensuráveis, e foram quantificados em montantes pecuniários pela Autora, logo, constituem um alegado, e invocado, direito de crédito sobre a 1ª Ré, que contendem com o seu património.
Assim:
6. Tendo em vista o objeto da ação, e que a mesma foi intentada quando pendida já o processo 4689/17.3T8VNG, mister é concluir que, por força do referido no artigo 17.º E, n.º 1 do CIRE, a Autora estava impossibilitado de a intentar.
7. Nestes termos, devem os presentes Autos ser declarados extintos quanto à 1ª Ré por inutilidade originária da lide – cfr. artigo 277.º al. e) do C.P.C.
8. E, igualmente, quanto à 2ª Ré que, tendo sido demandada no âmbito da relação de grupo (cfr. artºs 84º e sgs. da PI) apenas responderia, se e quando respondesse a 1ª Ré, e subsidiariamente.
9. Pelo que, a extinção da instância quanto á primeira, importa a extinção quanto à segunda.
Acrescenta-se que:
10. Também a 2ª Ré tem pendente processo especial de revitalização que se encontra a correr termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º 7393/16.6T8VNG, (cfr. doc. 2).
TERMOS EM QUE devem os presentes Autos ser declarados extintos por inutilidade originária da lide.”

1.2 No seguimento do requerimento a que se alude em 1.1, foi solicitada informação sobre o estado dos autos aí identificados, sucedendo-se, após, vários despachos que determinaram que se aguardasse por períodos determinados e se solicitasse nova informação.

1.3 Com data de 18 de setembro de 2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Resulta da compulsão dos autos o seguinte:
− a presente acção foi intentada em 14/7/2017 pela Autora B… contra a Sociedade C…, S.A, e contra C1…, SGPS, S.A.;
− tinha sido nomeado em 7/6/2017 administrador judicial provisório no âmbito do Processo Especial de Revitalização da Ré Sociedade C…, S.A. com o n.º 4689/17.3T8VNG (fls. 105);
− o despacho de nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do Processo Especial de Revitalização da Ré C1…, SGPS, S.A. com o n.º 7393/16.6T8VNG transitou em julgado em 6/10/2016 (fls. 142);
− foi homologado, por sentença transitada em julgado em 23/01/2018 proferida no âmbito do PER n.º 7393/16.6T8VNG − ver fls. 171 − o plano de recuperação da devedora C1…, SGPS, S.A., prevendo-se no aludido Plano, quanto às acções pendentes, o seguinte:
«(…) Todas as acções declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C1…, SGPS, deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prorrogativa legal prevista no disposto na parte final do n.º 1, do artigo 17.º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.
No que respeita às acções pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto da Segurança Social, I.P.) − e que se encontrem suspensas − serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE. (…)» − ver fls. 296 verso e fls. 297;
− foi homologado, por sentença ainda não transitada em julgado proferida no âmbito do PER n.º 4689/17.3T8VNG − ver fls. 152 − o plano de recuperação da devedora Sociedade C…, S.A., prevendo-se no aludido Plano, quanto às acções pendentes, o seguinte:
«(…) Todas as acções declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C…, deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prorrogativa legal prevista no disposto na parte final do n.º 1, do artigo 17.º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.
No que respeita às acções pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto da Segurança Social, I.P.) − e que se encontrem suspensas − serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE. (…)» − ver fls. 348 verso e fls. 349.
Assim, atendendo à expressa previsão da continuação das acções declarativas que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre as Rés, efectuada nos respectivos planos de recuperação, aprovados e homologados por sentenças, notifique as Rés para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem/exercerem o contraditório quanto à preclusão do fundamento/falta de fundamento do seu requerimento de 03/08/2017 em que requeriam a extinção da instância por inutilidade originária da lide (por a acção ter sido intentada após a prolação dos despachos de nomeação de administrador judicial provisório proferidos nos aludidos processos de revitalização).
Solicite ao Processo Especial de Revitalização da Ré Sociedade C…, S.A. com o n.º 4689/17.3T8VNG nova informação sobre a ocorrência/verificação do trânsito em julgado da sentença que homologou o Plano de Recuperação da devedora Sociedade C…, S.A.. (...)”

2. Após pronúncia das partes, veio por fim, com data de 4 de janeiro de 2019, a ser proferida a decisão recorrida, de cujo dispositivo consta:
“Em conformidade, julgo verificada a excepção dilatória inominada consistente na existência do impedimento legal previsto no art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE à propositura da presente acção judicial, intentada pela Autora em 14/7/2017, uma vez que se encontravam pendentes nessa data os Processos Especiais de Revitalização da Ré C1…, SGPS, S.A. com o n.º 7393/16.6T8VNG e da Ré Sociedade C…, S.A. com o n.º 4689/17.3T8VNG, no âmbito dos quais tinham sido proferidos em 21/09/2016 e em 07/06/2017, respectivamente, os despachos de nomeação de administrador judicial provisório, absolvendo, em consequências, as rés da presente instância.
Custas pela Autora.
Fixo à acção o valor de € 104.611,26.
Registe.”

2.1 Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Autora recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
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4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
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Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC – aplicável “ex vi” do artigo 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a questão a decidir: Saber se a presente ação se encontra abrangida pela previsão do n.º 1 do artigo 17.º-E, do CIRE e, sendo esse o caso, se ocorre violação de comandos constitucionais.
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III – Fundamentação
A. De facto
A.1. Os factos a considerar são os que resultam do relatório que se elaborou, bem como da decisão recorrida, em que se fez constar, nesse âmbito, que “resulta da compulsão dos autos a seguinte matéria de facto assente/documentalmente provada, com interesse para a apreciação da questão suscitada:
1 − A presente acção foi intentada por B… contra as Rés Sociedade C…, S.A., e C1…, SGPS, S.A., em 14/7/2017, pedindo:
a) - a condenação das Rés a ver judicialmente reconhecido e declarado:
− que a Autora foi trabalhadora subordinada da 1.ª Ré desde 01/06/1998 a 02/09/2016;
− a licitude, por justa causa, da resolução operada pela Autora 2m 2/09/2016;
b) - a condenação da 1.ª Ré a pagar à Autora a quantia de € 25.973,76 a título de prestações salariais em dívida e respectivos juros vencidos e a quantia de € 78.637,50 a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa;
c) - a condenação solidaria da 2.ª Ré no pagamento da aludida quantia de € 104.611,26 e juros vincendos, calculados nos termos e com os critérios antes enunciados até integral e efectivo pagamento.
2 − Foi intentado em 14/09/2016 o Processo Especial de Revitalização da Ré C1…, SGPS, S.A., que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1- sob o n.º 7393/16.6T8VNG.
3 − No âmbito do referido Processo Especial de Revitalização n.º 7393/16.6T8VNG foi nomeado Administrador Provisório em 21/09/2016.
4 − No âmbito do referido Processo Especial de Revitalização n.º 7393/16.6T8VNG a aqui Autora apresentou reclamação de créditos que não foram reconhecidos, tendo sido julgada improcedente, por sentença proferida em 31/03/2017, a impugnação à Lista Provisória de Credores que não reconheceu o crédito deduzida pela referida B…, conforme consta da decisão das impugnações à Lista Provisória de Credores junta a fls. 241 a 277 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5 − No âmbito do referido Processo Especial de Revitalização n.º 7393/16.6T8VNG foi homologado, por sentença proferida em 24/04/2017 e transitada em julgado em 23/01/2018, o plano de recuperação da devedora C1…, SGPS, S.A., tudo conforme consta da certificação do trânsito constante de fls. 171 e da cópia da sentença junta a fls. 303 a 316 dos autos, prevendo-se no aludido Plano, além do mais, o seguinte:
«F. Dívidas das Sociedades Participadas:
No que respeita às responsabilidades que resultem para a C1…, SGPS de forma direta ou indireta, conjunta ou solidária, por dívidas das Sociedades Participadas, ou assumidas também pelas Sociedades Participadas e que decorram de eventuais incumprimentos destas, a C1…, SGPS apenas é responsável pelo incumprimento dos valores que sejam efectivamente devidos aos respetivos credores e que não sejam pagos, nos termos e condições acordados, pelas Sociedades Participadas.
Assim, no caso das Sociedades Participadas em que sejam aprovados Planos de Recuperação, no quadro dos respectivos processos especiais de revitalização que se encontrem em curso, apenas há responsabilidade da C1…, SGPS pelo eventual incumprimento dos pagamentos aí previstos como passando a ser devidos após a homologação desses planos e considerando os perdões nele previstos. Nestes casos, a C1…, SGPS apenas será responsável por assegurar os pagamentos devidos, nos montantes, datas e prazos fixados nos citados planos, em caso de incumprimento pelas Sociedades Participadas. Para tal efeito, deverá a C1…, SGPS ser previamente notificada pelos credores em causa para assegurar os pagamentos que tenham sido incumpridos pelas Sociedades Participadas, devendo efectuar tais pagamentos no prazo máximo de 15 dias após a respectiva notificação para o efeito. (…)», tudo conforme consta de fls. 295 dos autos.
[…]
«VI - Execução do Plano de Recuperação e seus efeitos
(…)
C. Efeitos Legais sobre as acções pendentes:
Todas as acções declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C1…, SGPS, deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prorrogativa legal prevista no disposto na parte final do n.º 1, do artigo 17.º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.
No que respeita às acções pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto da Segurança Social, I.P.) − e que se encontrem suspensas − serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE. (…)».
(…)
E. Incumprimento do Plano:
Em caso de incumprimento do presente Plano, pela C1…, SGPS, a moratória e o perdão neste previstos ficam sem efeito, desde que, com as necessária adaptações, tenha sido dado cumprimento, ao disposto no artigo 218.º do CIRE. (…)», tudo conforme fls. 296 verso e fls. 297 frente e fls. 298 verso.
6 − Foi intentado em 30/05/2017 o Processo Especial de Revitalização da Ré Sociedade C…, S.A., que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 2 - sob o n.º 4689/17.3T8VNG. - certidão junta a fls. 131.
7 − No âmbito do referido Processo Especial de Revitalização n.º 4689/17.3T8VNG foi nomeado Administrador Judicial Provisório em 07/06/2017, conforme certidão junta a fls. 131 e cópia do despacho de nomeação junta a fls. 133 a 135.
8 − No âmbito do referido Processo Especial de Revitalização n.º 4689/17.3T8VNG a aqui Autora reclamou os créditos de natureza laboral que detém sobre a Ré no montante de € 104.586,37, tendo o Sr. AJP reconhecido o crédito de € 49.582,44, sendo € 33.590,83 a título de indemnização (conforme fls. 453 da lista provisória de credores junta a fls. 451 a 472 e Parecer referente à Relação de Credores reconhecidos em termos diversos junta a fls. 473 e 474), tendo a Autora deduzido impugnação à Lista Provisória de Credores, sobre a qual foi proferida, em 20/11/2017, decisão que julgou tal impugnação apresentada pela aqui Autora parcialmente procedente, reconhecendo-se «(…) ser a mesma credora titular de créditos salariais, ilíquidos, no valor de € 25.231,22, mantendo-se no entanto a indemnização reconhecida pelo Sr. AJP e constante da LPC, na medida em que não se encontra provada a antiguidade e o vencimento base, com o que se torna impossível apurar se a impugnada seria a devida. (…)» - ver fls. 416 da cópia da sentença proferida junta a fls. 358 a 445.
9 − No âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 4689/17.3T8VNG foi homologado, por sentença proferida em 12/02/2018 e transitada em julgado em 06/03/2018, o plano de recuperação da devedora Sociedade C…, S.A., tudo conforme consta da cópia da sentença homologatória, junta a fls. 568 a 585, e da certificação do trânsito constante de fls. 730, prevendo-se no aludido Plano, além do mais, o seguinte:
«(…) e) Créditos laborais/privilegiados
No que respeita a créditos laborais propõe-se:
1) Pagamento dos créditos laborais no prazo máximo de 90 dias após a data da homologação do Plano, com excepção dos montantes correspondentes a indemnizações por resolução ou revogação de contrato de trabalho que são pagos de acordo com o ponto seguinte;
2) Montantes correspondentes a indemnizações por resolução ou revogação do contrato de trabalho:
i. Reembolso do capital em 5 prestações anuais sucessivas e fixas (cada uma no montante de 20% do saldo inicial), vencendo-se a primeira 90 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano; e
ii. Perdão total dos juros vencidos e vincendos.
As dívidas a funcionários detêm privilégio creditório geral ou especial e, ao abrigo do Plano de Recuperação, são considerados créditos privilegiados, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 47.º, n.º 4, alínea a) do CIRE e 333.º do Código do Trabalho. (…)».
[…]
«(…) D. Efeitos Legais sobre as acções pendentes:
Todas as acções declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C…, deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prorrogativa legal prevista no disposto na parte final do n.º 1, do artigo 17.º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.
No que respeita às acções pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto da Segurança Social, I.P.) − e que se encontrem suspensas − serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE. (…)».”
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B. Discussão
A primeira questão colocada à nossa apreciação passa por saber se ocorre fundamento para a absolvição da instância das Rés, como decidido em 1.ª instância, pelo facto de se encontrar a ação abrangida pela previsão do n.º 1, 1.ª parte, do artigo 17.º-E, do CIRE.
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Não obstante o esforço argumentativo da Apelante, como ainda pois os argumentos que invoca no recurso, incluindo a jurisprudência que indica no sentido de dar sustentação à pretensão que se defende, assim a da revogação da decisão recorrida, salvo naturalmente o devido respeito, não encontramos razões para não acompanhamos o decidido, seja sobre a questão de saber se a presente ação se encontra ou não abrangida pela previsão do n.º 1 do artigo 17.º-E, do CIRE e cuja resposta foi, como se viu, positiva, seja ainda a propósito da invocada violação de comandos constitucionais, assim os estabelecidos nos artigos 13.º e 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Quanto à primeira questão, reafirmamos aqui o entendimento que sufragámos no Acórdão de 5 de março de 2018[1], em que fizemos constar o seguinte:
“(…) Ora, no caso em apreciação, embora estando em causa direitos emergentes da relação de trabalho, o certo é que esse direitos (designadamente quanto à indemnização e retribuições), são quantificáveis, e foram quantificados, em dinheiro, o que significa que constituem um direito de crédito sobre o devedor, contendendo com o património deste, e, por isso, a acção em que os mesmos estão em causa devem ser suspensas nos termos do referido artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE.
Este é também o entendimento que se colhe dos Processos n.º 523/12.9TTBRG.P1 e n.º 516/12.6TTBRG.P1, deste tribunal, encontrando-se este disponível em www.dgsi.pt)” (fim de citação).
Face ao que ficou dito, por ser idêntico o caso em análise e não vislumbrarmos qualquer fundamento para divergir desta jurisprudência, entendemos que a presente ação se encontra abrangida pelo disposto no artigo 17.º-E, do CIRE, pois que, relembrando o que se disse anteriormente, não obstante a lei não distinguir quais as acções que se suspendem (por exemplo se acções declarativas e/ou executivas) nem o que deve entender-se (para efeitos legais, naturalmente) por cobrança de dívidas, considera-se no entanto que, pretendendo-se que o devedor através do processo de revitalização obtenha acordo (unânime ou maioritário) com os credores, tendo em vista a sua recuperação económica, esse objectivo só poderá ser alcançado se aí estiverem previstas todas as acções que contendam com o património do devedor[2].
No caso que se aprecia, não existindo dúvidas sobre a anterioridade dos créditos peticionados na ação em relação à data da propositura do PER, contendendo esses como se disse anteriormente com o património da Ré, por força do já referido artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, uma vez proferida a decisão a que se refere a alínea a), do nº3, do artigo 17º-C do CIRE, tal decisão obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade [3].
Escreveu-se no Acórdão desta Secção de 08/09/2014[4] – que acompanhamos aqui de muito perto, incluindo com citações do seu texto:
“(...) se, como se disse, com o PER se pretende obter o acordo dos credores e a revitalização do devedor, tal só adquirirá pleno sentido se todos os credores que possam contender com o património do devedor forem chamados à acção.
Este é, de resto, ao que se conhece, o entendimento uniforme da secção social deste Tribunal da Relação, como pode constatar-se, por exemplo, através do acórdão supra mencionado e dos acórdãos proferidos nos Proc. n.º 523/12.9TTBRG.P1 e n.º 516/12.6TTBRG.P1, encontrando-se este último disponível em www.dgsi.pt).
O PER inicia-se com a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita (n.º 1 do artigo 17.º - C). Como assinalam Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência…, pág. 152), (…) a exigência de que pelo menos um credor declare, por escrito, a vontade de iniciar negociações [ ] dirige[-se] a prevenir a inutilidade do processo, usando-o até, porventura, como mero expediente dilatório”.
O devedor, munido da declaração referida deve dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência [n.º 3, alínea a), do mesmo artigo].
E na tramitação subsequente (n.º 1 do artigo 17.º- D), o devedor comunica aos credores que não subscreveram o pedido de revitalização que deu início às negociações com vista à referida revitalização, convidando-os a participar nas negociações em curso.
Qualquer credor dispõe então do prazo de 20 dias a contar da publicação no portal do CITIUS do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º- C para reclamar créditos (n.º 2 do artigo 17.º- D).”
Ora, no caso que se aprecia, tendo sido proferido o despacho a que alude a alínea a), do n.º 3, do artigo 17º-C, do CIRE – foi nomeado administrador judicial provisório à Ré –, por decorrência direta do que preceitua a lei (artigo 17.º- E, n.º 1, do CIRE), não temos dúvidas de que aquela nomeação obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor, suspendendo-se ainda, durante o tempo em que durarem as negociações, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, as quais se extinguem logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, excepto se este prever a continuação de tais ações – por outro, os artigos 17.º-F e 17.º-G, regulam a conclusão das negociações com ou sem a aprovação do plano e, sentindo-se um credor lesado nos seus direitos, pode e deve intervir tendo em conta o desfecho do processo.
Nos termos expostos, volvendo ao caso, não encontramos assim razões para não concluir no mesmo sentido da decisão recorrida quanto a esta primeira questão, incluindo pois, necessariamente, quanto à afirmação de que ocorria um obstáculo legal, assim o indicado, à propositura da presente ação, contra as aqui Rés.
Como também não encontramos, diga-se, salvo o devido respeito, na consideração precisamente do aludido obstáculo legal que ocorre afinal desde o momento da propositura da ação, razão para entendermos que, ainda que porventura ocorresse o que se afirma nas conclusões 12.ª e 13.ª – assim, como o diz, que “a não conclusão de um acordo (PLANO) no primeiro PER (da C1…) foi imputável à devedora” ou que “os dois PERs aqui em causa terminaram e os respetivos PLANOS não foram cumpridos” –, tal circunstância tivesse a virtualidade de, por si só, no pressuposto de que o invocado “impedimento legal” tivesse deixado de subsistir, como que sanar aquele vício originário, validando assim todo o processado na presente ação, pois que, como se viu, a mesma, ab initio, por decorrência expressa da lei, nunca poderia ter sido interposta. Ou seja, quanto à ação que foi proposta, sendo que é apenas essa que aqui está em apreciação, assim os respetivos pedido e causa de pedir, a mesma, estando sempre abrangida pela previsão da norma invocada pelo Tribunal a quo, não podendo ser proposta, a consequência que daí deverá decorrer, salvo melhor entendimento, será pois a extinção da instância, não existindo assim razão, sem necessidade de outras considerações, para a invocação, na conclusão 14.ª, pelo Recorrente do instituto do abuso do direito, que não se compreende neste contexto.
Aliás, como resulta dos autos, a questão da existência do referido obstáculo legal à propositura da presente ação foi levantada expressamente pela 1.ª Ré, antes da audiência de partes, tendo esta por essa razão sido dada sem efeito, sendo que, residindo aqui o único reparo que fazemos à 1.ª instância, não conheceu então, como na nossa ótica deveria, desde logo dessa questão, optando antes por solicitar informação sobre o estado dos PER’s, com despachos sucessivos em que se determinou que se aguardasse por períodos definidos, acabando por protelar assim no tempo, desnecessariamente, a decisão. De facto, o fundamento que agora invocou para a extinção da instância e que afirmou na decisão recorrida era, mais uma vez com o devido respeito, facilmente percetível/verificável desde o início, podendo pois ter sido evitada parte substancial da tramitação/delonga processual ocorrida.

Por último, numa segunda nota, diremos que, para além do que foi avançado na decisão recorrida, que se acompanha, apenas se percebendo a alusão nas conclusões ao artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa com a invocação que a Recorrente faz de que “tem direito a ver judicialmente definida a sua situação jurídica, designadamente quanto ao cumprimento ou não das obrigações contratuais por parte das rés” (conclusão 5.ª), sobre esta questão se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de setembro de 2016[5], também citado na decisão recorrida, no qual se pode ler, a propósito, o seguinte:
“(...) Na verdade, o A. Intentou a presente ação que seguiu os seus trâmites e começou por ver o seu invocado direito apreciado, sendo que o facto de ocorrer agora a extinção da instância nos presentes autos, tal não implica uma denegação de justiça, porquanto o A. teve a oportunidade legal, que usou, de no PER reclamar os seus créditos.
Vale isto por dizer, que criando a lei um mecanismo que pode implicar a extinção das ações em que os credores peticionem os seus créditos, confere-lhes, por outro, a possibilidade e o direito de reclamarem os mesmos créditos em sede de PER. Não podemos assim falar de negação de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Aliás, tenham-se presentes os n.ºs 4 e 5 do supra referido art. 20.º, onde se pode ler:
“4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”
Ora, como já vimos supra, o PER é, nos termos do disposto no artigo 17.º-A, n.º 3 do CIRE, um processo com carácter urgente e, sendo certo que o principal e mais imediato objetivo do mesmo não é a garantia de todos os créditos de todos os credores, o que é certo, é que, conferindo às empresas devedoras um período de proteção em que não podem ser surpreendidas com ações que ponham ainda mais em causa a estabilidade financeira, também não deixa de ser verdade que o PER, como instrumento com carácter negocial que é, precisa do acordo entre a empresa devedora e a maioria dos credores.
Por outro lado, ainda que alguns credores possam ficar prejudicados, o legislador entendeu que tais prejuízos estão legitimados pelos fins do PER, que se situam na viabilidade das empresas, na manutenção de postos de trabalho e na satisfação de alguns créditos, visando impedir que as empresas caiam na inevitabilidade de se apresentarem à insolvência, com consequências bem mais gravosas para todos os credores.”
Valendo todos os citados argumentos também para o caso, daí decorre, em conformidade, que não obtêm sustentação os argumentos em contrário da Apelante.
Situação distinta, mas que aqui não ocorre, poderia eventualmente ser o caso de estarem em causa créditos vencidos posteriormente, caso em que se entendeu no Acórdão desta Relação, antes citado que, “aprovado o acordo e homologado o plano de recuperação, não extrai da lei, maxime do referido artigo 17.º-E, n.º 1, que um credor cujos créditos se venceram posteriormente à reclamação de créditos no PER e, portanto, não estejam enquadráveis neste, se encontre impedido de fazer valer os seus direitos num qualquer processo”, sendo que, como se avança no mesmo Acórdão, “a entender-se de outro modo, os credores cujos créditos se vencessem posteriormente àquela data ficavam impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito (não só não eram reconhecidos os créditos no âmbito do PER e, por isso, não eram por ele abrangidos, como também não podiam posteriormente ver reconhecido os créditos), o que, afigura-se, colide com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. artigo 20.º da CRP). (…)”.
Improcede, pelo exposto, o presente recurso.

Decaindo, suporta a Recorrente as custas (artigo 527.º do CPC).
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IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram esta Secção social do Tribunal da Relação do Porto, na improcedência do recurso, em manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Anexa-se sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC)

Porto, 22 de maio de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Apelação 1866/17.0T8PNF-A.P1, mesmo relator e Adjuntas.
[2] Com efeito, não pode também olvidar-se que o acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (n.º 6, do artigo 17.º-F do CIRE).
[3] Decorre do n.º 1 do artigo 17.º-E, a comunicação ao juiz, pelo devedor, da pretensão de dar inicio às negociações com os credores tendentes à (sua) recuperação, «[…] obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade […]».
[4] Disponível em www.dgsi.pt.
[5] Relator Conselheiro António Leones Dantas, in www.dgsi.pt.