Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
201/20.5T8AND.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
PRETENSÃO INDEMNIZATÓRIA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20220127201/20.5T8AND.P1
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - À pretensão de indemnização resultante da constituição de uma servidão administrativa é aplicável o prazo previsto para a responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos, sendo aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º do C.Civil.
II - Tendo o autor-recorrente adquirido o imóvel onerado com uma servidão administrativa, resulta que o recorrente ficou constituído no dever de sujeição decorrente da servidão administrativa dos autos, e, por isso, não tinha a liberdade de plantar árvores sob a linha de média tensão que atravessa o seu imóvel, a menos que fossem respeitados os limites legais.
III - A formulação de qualquer pretensão indemnizatória resultante de infracção à lei pelo lesado sempre importaria um benefício do infractor e surgiria como manifestamente ultrapassante dos "limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito".
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 201/20.5T8AND.P1

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
AA, melhor identificado nos autos, veio propor acção declarativa com processo comum contra E..., SA, melhor identificada nos autos, pedindo que a Ré seja condenada a pagar ao Autor, pela servidão administrativa que onera o seu prédio, a quantia de (i) 3400,00€ do valor indemnizatório do solo; (ii) 512,00€ do valor indemnizatório relativo à depreciação da parcela sobrante e (iii) 6816,00€ do lucro perdido dos cortes, num total global indemnizatório de 10 728,00€ (dez mil setecentos e vinte e oito euros) e ainda um valor anual de 300,00€, a título de compensação pelo não uso e fruição da faixa de terreno do prédio correspondente a essa servidão.
Alegou para tanto e em síntese que:
- O Autor é dono e legítimo possuidor do prédio rústico sito em ..., a confrontar a norte com BB, Sul com CC, Nascente DD e outros e a Poente ... e CC, com 0,415000 ha e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...39 da União de Freguesias de ..., ... e ....
- No referido prédio, existe uma linha de média tensão e um poste, instalados pela Ré, ocupando o espaço aéreo do prédio do Autor numa área de 1280m2.
- Ao abrigo do Projecto IFADAP n.º 1994.32.5002.7 de 31/10/1994, o Autor plantou, no referido prédio, carvalhos americanos, numa área de 3400 m;
- Há cerca de 8 anos, a Ré procedeu à poda da copa das árvores sobre a área abrangida pela linha de média tensão e em Junho de 2019, no âmbito dos serviços de limpeza, cortou 152 carvalhos americanos.
- No seguimento desta acção, o Autor contactou a Ré, em Setembro de 2019, requerendo informação e o pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos.
- A Ré assumiu o corte do arvoredo, mas informou que a E… distribuição foi incumbida pelas autoridades competentes de proceder às limpezas das faixas, tendo mesmo que as cortar pelo pé quando se trata de Faixa de Gestão de Combustível e ainda que a infra-estrutura se encontra devidamente licenciada, fazendo parte da rede de distribuição de média tensão e que tal projecto e o licenciamento são inerentes à declaração de utilidade pública da instalação, com a consequente constituição da servidão administrativa sobre a parcela de terreno ocupada, o que legitimou a sua intervenção.
- As servidões administrativas são restrições ao direito de propriedade incidente sobre um imóvel impostas pelo interesse público e acarretam um ónus para a propriedade do prédio, desvalorizando-o, já que o Autor vê-se impedido de usar parte do solo e o espaço aéreo correspondente à superfície.
- Ao reduzir a área de plantação, o Autor não pode rentabilizar toda a potencialidade do solo, perdendo dinheiro, tanto mais que a existência de campos eléctricos e magnéticos afasta potenciais compradores.
- Sendo o preço médio por m2 na região em que o prédio se situa de 1€ a 1,50€, o valor de mercado do prédio nunca seria inferior a 3400€, correspondendo ao valor indemnizatório do solo.
- A servidão administrativa de 1280m deprecia a parte não expropriada do terreno, que se estima em 40%, num valor nunca inferior a 512,00€.
- Por outro lado, quanto à madeira de carvalho cortada, o Autor tem um lucro perdido de 6 816€.
- Deve ainda ser fixado um montante anual, a título de compensação, não inferior a 300,00€, pelo não uso e fruição daquela faixa de terreno, já que não pode retirar o lucro devido da plantação.
2. Citada a R. apresentou contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação.
A R. invocou a ilegitimidade activa do Autor para intentar a presente acção, alegando que apenas tem legitimidade para requerer a indemnização quem à data da constituição da servidão era proprietário do prédio e o Autor não era proprietário à data da constituição dessas servidões (1966 e 1995); invocou ainda a prescrição do direito de indemnização, alegando que as servidões foram constituídas em 1995 e, a primitiva, em 1966 e já decorreram mais de 20 anos sobre a constituição das servidões, pelo que, mesmo que o Autor tivesse direito a tal indemnização este direito já se encontra prescrito, nos termos do artigo 309.º do C.Civil, o que invoca para todo os efeitos.
Para além disso impugnou os factos alegados, pugnando pela improcedência de qualquer indemnização pelo corte das árvores, alegando que a Ré está mesmo obrigada a proceder à manutenção e fiscalização periódicas da linha e está legalmente obrigada a proceder ao corte das árvores que se encontrem plantadas dentro daquelas redes secundárias de faixas de estão de combustível e, portanto, estava obrigada a proceder ao corte dos carvalhos do A.. Aliás, sendo árvores de grande porte o Autor nem sequer poderia ter plantado árvores naquela área, pelo que a pretensão do Autor é manifestamente improcedente.
3. Foi designada data para a realização da audiência prévia e nela foi facultada ao Autora o contraditório relativamente à excepção da ilegitimidade e da prescrição invocada pela R., pugnado o Autor pela sua improcedência.
O Tribunal ordenou à R. a junção aos autos de alguns elementos, o que esta fez. Tais documentos não foram impugnados.
Posteriormente, foi proferido saneador sentença que julgou manifestamente improcedente a excepção de ilegitimidade activa invocada pela Ré e julgou procedente a excepção de prescrição invocada pela R. e como tal, improcedentes os pedidos formulados de indemnização formulados nos i) e ii) da petição inicial sempre teriam que improceder, bem como o pedido de 300,00€, a título de compensação pelo não uso e fruição da faixa de terreno do prédio (pois esta pretensão também se funda na existência da servidão administrativa), uma vez que o direito a uma indemnização, mesmo a existir, estaria prescrito, bem como, julgou improcedente o pedido de indemnização formulado no ponto (iii), pedido de condenação da R. a pagar ao autor o valor de 6816,00 € do lucro perdido dos cortes dos carvalhos efectuado pela Ré.
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação e formulou as conclusões seguintes:
1.º O recorrente pretende ver alterada a decisão do Tribunal a quo que decidiu: “Julgar totalmente improcedente a acção proposta pelo Autor AA contra a Ré E..., SA, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos”.
2.º O recorrente só teve conhecimento da alegada Servidão Administrativa em Novembro de 2019, por email, após o corte dos 152 carvalhos americanos.
3.º Até então, apesar do conhecimento da existência das estruturas nada sabia quanto ao enquadramento legal das mesmas.
4.º A instalação não restringiu – imediatamente! – o direito de propriedade do recorrente.
5.º Apesar da estrutura, o dano - e a real consciência da situação - só ocorreu em 2019 com o corte das árvores pela E..., e nem era exigido ao homem médio essa consciência em 1995.
6.º A restrição ao direito de propriedade do Autor não se cristalizou no dia em que a servidão administrativa foi constituída.
7.º Tendo sido em 2019 a – verdadeira! - alteração das circunstâncias, situação que persiste desde então.
8.º A estrutura é visível desde 1995, o ónus ou encargo data de 2019.
9.º “Embora tal direito não goze de proteção constitucional em termos absolutos, o mesmo está garantido como um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação.” – Cfr. Acórdão do STJ de 19/01/2016.
10.º Desde 2019, a cada dia, a Ré impede a posse do ora recorrente e um novo dano é gerado.
11º. O recorrente vê-se impedido de usar, fruir e dispor do seu bem desde 2019 e tal restrição ainda não cessou, continuando a Ré a restringir o direito de propriedade do Autor.
12.º Sendo inequívoco, salvo melhor entendimento, que os danos decorrentes – e a indemnizar – não se cristalizam no momento da constituição da servidão, nem o direito do Autor – à indemnização – prescreveu.
13.º Entendimento contrário esvaziaria a letra e a teleologia da própria norma.
14.º Ora,“Ao jurista-decidente não importa a norma enquanto corpus semântico-prescritivo, que comunica impositivamente um sentido literal, mas a norma enquanto regula prático-normativa, que se revela apta para orientar, em termos também prático-normativamente fundamentados, a solução de um problema (…)” – Cfr. Pinto Bronze, Lições de Introdução ao Direito, Coimbra Editora, Coimbra 2002, pág. 826.
15.º Se em 1995 não existiu qualquer limitação da área da propriedade, se o ora Autor não foi impedido de plantar em toda a extensão do seu terreno, se durante 23 anos tudo se manteve igual, estranho até será, salvo o devido respeito, que aquela instalação, que nada restringiu, possa ser o fundamento para a prescrição do direito de indemnização por danos que ocorreram 23 anos depois.
16.ºEm 1995 a definição – legal – de servidão administrativa não se concretizou, pela falta do requisito - material - da “restrição”.
17.ºOra, “(…) em relação aos danos não verificados à data em que ocorreu o facto ilícito (designadamente se este é, como na situação em apreço, um facto continuado) o prazo de prescrição (…) só começa a contar a partir do momento m que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos.” – Cfr. Acórdão do TRL de 02/02/2009.
18.º “Toda a indemnização tem como pressuposto a prática de um acto gerador de responsabilidade e a verificação de um dano do lesado e o facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz” – Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/06/2017.
19.º O dano da constituição da servidão administrativa – da restrição do direito de propriedade – só se constitui em 2019.
20.º Na verdade,
É isso que o recorrente está a pedir, que seja reconhecido o direito a uma indemnização pela diminuição dos seus poderes de fruição do seu prédio.
21.º Assim, dúvidas não restam, nem podem restar que o direito do recorrente não se encontra prescrito.
22.º Não podendo ser dado provimento à excepção da prescrição invocada pela Ré, procedendo os pedidos formulados pelo Autor no ponto i) e ii), bem como “o pedido de 300,00€, a título de compensação pelo não uso e fruição da faixa de terreno do prédio” - Cfr. pág.15 do Saneador/Sentença.
23.º Não se compadece, ainda, o Autor com o a decisão do Tribunal a quo “Assim, julga-se improcedente o pedido iii) formulado pelo Autor, ou seja, o pagamento de uma indemnização de 6816,00€ do lucro perdido pelo corte das árvores.” -Cfr. pág.17 do Saneador/Sentença.
24.º Durante 23 anos, apesar da instalação, nada mudou, não tendo o Autor sofrido, na prática, qualquer restrição ao seu direito de propriedade sobre o imóvel.
25.º Deste modo, plantou os carvalhos americanos.
26.º E poderia igualmente tê-los plantado se a tal instalação não estivesse no seu prédio.
27.º Ou seja, podia usar, fruir e dispor do seu prédio sem qualquer restrição.
28.º Porém, em 2019, percebe que o seu direito não pode ser exercido de forma integral, mas poderia, se não fosse a instalação.
29.º Ora, “I. Ao prever o art. 37º do DL 43335, de 19/11/60 que quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas são indemnizáveis, quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos directos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos atuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas de alta tensão.” – Cfr. Acórdão do TRG de 05/11/2020 (negrito e sublinhado nosso).
30.º O recorrente não pode rentabilizar toda a potencialidade do solo, de qualidade definida entre A1 e A2 – Cfr. Artigo 6.º do DL 73/2009, perdendo dinheiro.
31.º As árvores foram ali plantadas em 1995 e agora, em 2019, cortadas.
32.º E é esse lucro cessante que o recorrente peticiona, a perda do lucro que a plantação geraria, naquela extensão de terreno e que no presente caso já existia, por ter sido – efectivamente - plantada em 1995.
33.º Sendo dado provimento ao presente Recurso.
Foram apresentadas contra – alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
No recurso interposto está colocada a apreciação e decisão do mérito da decisão recorrida na parte em que o tribunal recorrido julgou procedente a exceção da prescrição e julgou improcedentes os pedidos formulados nos itens i) e ii) da petição inicial, absolvendo a ré desses pedidos, bem como, na parte em o tribunal recorrido julgou improcedente o pedido de condenação da R. a pagar ao autor o valor de 6816,00 € do lucro perdido dos cortes dos carvalhos efectuado pela Ré.
III. FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. Na 1ª instância foram julgados provados os seguintes factos.
1. Encontra-se inscrita pela ap. ... de 1994/08/23 a favor do Autor a aquisição da propriedade, por doação de EE e mulher, do prédio rústico sito em ..., a confrontar a norte com BB, Sul com CC, Nascente DD e outros e a Poente ... e CC, com 0,415000 ha e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...39 da União de Freguesias de ..., ... e ....
2. No referido prédio encontra-se uma linha de média tensão e um poste, instalados pela R., correspondente a implantação do apoio 3 e ainda do vão 2-3 da linha de distribuição de energia eléctrica de média tensão a 15 kV com a denominação Linha aérea a 15 kV de AP.21 LAT .../... a ... p/ PT 12 de ..., freguesia de ..., concelho de ....
3.Esta linha foi licenciada pela Delegação Regional da Indústria e Energia do Centro, conforme respectiva LICENÇA DE ESTABELECIMENTO, emitida no âmbito do processo 161/1/3/366 e concedida por despacho de 24.10.1995 e por despacho datado de 27.02.1997, emitido no âmbito do mesmo processo de licenciamento, veio a então entidade administrativa competente – a Delegação Regional do Centro do Ministério da Economia – emitir a respectiva LICENÇA DE EXPLORAÇÃO.
4. Esta linha aérea teve origem numa linha eléctrica de média tensão pré-existente que abastecia o posto de transformação de distribuição PT 37 ....
5. Esta linha primitiva também havia sido licenciada pela Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, conforme respectiva LICENÇA DE ESTABELECIMENTO, emitida no âmbito do processo 8/35_667 e concedida por despacho de 05.04.1966 e por despacho datado de 05.04.1966, emitido no âmbito do mesmo processo, veio a mesma entidade administrativa emitir a respectiva licença de exploração.
6. Foram publicados éditos relativos à linha primitiva em 7.3.1966.
As licenças de estabelecimento foram emitidas em 24.10.1995 – para a linha actual – e em 05.04.1966 – para a linha primitiva.
8. No âmbito deste processo 8/35_667 foi paga uma indemnização ao referido EE em 21 de Outubro de 1966.
9. Relativamente à linha actual e tal como ordenado pelo despacho, foram publicados Éditos no âmbito do procedimento administrativo que correu termos pela Delegação Regional da Indústria e Energia do ….
10. No perfil do projecto de linha estavam identificados os proprietários onerados, aí se fazendo menção, no que ao local dos factos respeita, ao nome de AA, aqui Autor..
11. Foram publicados éditos relativos à linha actual em 6.9.1995.
12. Há cerca de 8 anos, a Ré procedeu à poda da copa das árvores sobre a área abrangida pela linha de média tensão e em Junho de 2019, no âmbito dos serviços de limpeza, cortou carvalhos americanos existentes na área abrangida pela linha de média tensão.
Na motivação o tribunal recorrido teceu estas considerações:
“O Tribunal teve em atenção os factos aceites por acordo – a existência de uma linha de média tensão a atravessar o prédio dos AA. e o corte de carvalhos americanos sob a linha de média tensão – e os diversos documentos juntos aos autos, a saber: caderneta predial de fls. 10, planta de localização, certidão de registo predial de fls. 53 e fls. 12, 13, 14 e 15 e licença de estabelecimento de fls. 28, licença de exploração de fls. 28 verso, licença de estabelecimento de fls. 29, licença de instalação eléctrica de serviço público de fls. 30, titulo de licença de distribuição de fls. 31 a 36, nota de indemnização de fls. 36 verso, mapas de fls. 37 e aviso aos proprietários de gestão de faixas de combustíveis de fls. 38, éditos de fls. 63 a 67, elementos dos processos de licenciamento de fls. 67 verso a 69”.

3.2.Do Mérito do Recurso.
3.2.1. Como resulta da exposição antecedente, nesta acção o autor pretende ser indemnizado pela ré pela constituição de uma servidão administrativa associada ao estabelecimento de uma linha eléctrica de média tensão, de que é beneficiária a Ré.
Nos termos do artigo 1344º, nº1 do Código Civil a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.
Como é sabido o direito de propriedade, como muitos outros direitos, não é absoluto, mas tem garantias de defesa insertas na Constituição da República Portuguesa, pois segundo o preceituado no art.º 62.º “1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. 2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
A servidão administrativa é um encargo imposto por lei sobre um prédio, em proveito da utilidade pública duma coisa, que pode ser um prédio ou qualquer outro bem, cfr. Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, Vol. II, pág. 1053 e “in casu” estamos perante a constituição de uma servidão administrativa decorrente da passagem de linha eléctrica aérea em alta tensão pelo prédio do autor.
A servidão de uma linha consiste na reserva de espaço necessário à manutenção das distâncias de segurança designadamente ao solo, árvores, estradas, vias férreas e edifícios, nas condições previstas na lei portuguesa.
Sempre que a instalação de uma linha, em particular de um poste, condicionar o uso atual do solo, haverá lugar à negociação com os proprietários e ao pagamento de uma indemnização nos termos da lei.
E como se escreveu na decisão recorrida, a garantia da justa indemnização contida artigo 62º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa não se limita aos atos ablatórios da titularidade do bem (ou direito real) para a prossecução do bem comum, abrangendo igualmente a perda de valor inerente à imposição de uma servidão de direito público que sacrifique uma das faculdades de gozo ou uso que a coisa anteriormente proporcionava.
No caso em apreço a servidão eléctrica em questão estava dependente da licença de estabelecimento da instalação, a obter nos termos do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo DL n.º 26.852, de 30.07.1936, com as alterações introduzidas pelos DL n.ºs 446/76, 5.06.1976 e 344/89, de 13.05.1989 e Leis n.ºs 30/2006, de 11.07 e 12/2008, de 26.02, e ela foi, oportunamente, concedida.
Em matéria de servidões eléctricas urge convocar o enquadramento normativo feito corretamente na sentença recorrida, o que, de resto, nessa parte não merece censura por parte do recorrente.
Assim, ao caso ainda é aplicável o regime jurídico previsto no DL n.º 43.335, de 19.11.1960, como resulta do disposto no artigo 75.º, n.º 2, do DL n.º 172/2006, de 23.0, bem como, do disposto no art 305º do Decreto-Lei n.º 15/2022, publicado entretanto no Diário da República n.º 10/2022, Série I de 2022-01-14, páginas 3 – 185, diploma que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, transpondo a Diretiva (UE) 2019/944 e a Diretiva (UE) 2018/2001.
Acresce que o artigo 305.º( Norma revogatória) deste último diploma procedeu à revogação, entre outros: do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, na sua redação atual; do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, na sua redação atual; e o artigo 306.º estabelece que a regulamentação vigente e relativa aos decretos-leis revogados nos termos do artigo anterior, bem como as respetivas disposições sancionatórias, mantém-se em vigor, em tudo o que não contrarie o disposto no presente decreto-lei, até à respetiva atualização e o artigo 307.º (Entrada em vigor) dispõe que “ O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Todavia, no que concerne às Servidões administrativas de linhas elétricas o artigo 301.ºestabelece:
“1 - O regime das servidões administrativas de linhas elétricas consta de legislação complementar, devendo o respetivo projeto ser submetido pela DGEG, após audição dos operadores da RESP, ao membro do Governo responsável pela área da energia no prazo de seis meses após a data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
2 - Até à data da entrada em vigor da legislação referida no número anterior mantêm-se em vigor as disposições do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de novembro de 1960, na sua redação atual, na matéria relativa à implantação de instalações elétricas e à constituição de servidões.
Assim, ao caso dos autos são aplicáveis as disposições do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de novembro de 1960.
Nos termos do artigo 51.º Dec. Lei nº 43335, de 19 de Novembro de 1960: a declaração de utilidade pública confere ao concessionário, entre outros, o direito de atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios (2.º) .Significa, pois, que as Licenças emitidas correspondem a declaração de utilidade pública e são títulos constitutivos da servidão administrativa.
Por sua vez, o § 1.º do artigo 51.º do referido diploma, estes direitos só poderão ser exercidos quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26852, de 30 de Julho de 1936.
E segundo o preceituado no art.º 37.º daquele DL n.º 43.335, “Os proprietários dos prédios onerados com este tipo de servidões têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas”.
Estatuindo o art.º 38.º desse mesmo DL que o valor das indemnizações será determinado por comum acordo entre as duas partes e, na falta dele, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados, o que não ocorreu no caso em apreço, não obstante não ter sido alcançado acordo entre as partes. Estabelecendo ainda o §2.º do referido art.º 38.º que: “O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.”
Assim, embora a constituição de uma servidão administrativa não possa ser considerada uma expropriação, a disciplina legal desta é, subsidiariamente, aplicável à fixação do montante da indemnização a atribuir ao proprietário do prédio onerado. Pois como preceitua o n.º 3 do art.º 8.º do C.Exp. “À constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial”.
Em conclusão, o proprietário que se sentir lesado pela constituição de uma servidão administrativa como a que está em apreço nestes autos podia, com vista a alcançar uma indemnização por tal evento, ter requerido a constituição de arbitragem ou recorrer aos tribunais, tendo “in casu” o autor optado por esta segunda via. Assim, nos termos do art. 8º, nº 3, do Cód. Exp., directamente aplicável à constituição de servidões administrativas, “à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial”.
Daqui resulta que, como regra geral, a indemnização pelas servidões (administrativas) deve ser calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação, isto sem prejuízo de existir legislação especial que preveja a indemnização para as servidões no domínio da electricidade, ou seja o já citado art. 37º do D.L. nº 43.335, de 19/11/60, acima transcrito, normativo este que, inexoravelmente, se aplica no caso dos presentes autos.
Além disso, haverá também que ter presente, “in casu”, o disposto no art. 28º do Regulamento de Segurança das Linhas Eléctricas de Alta Tensão, aprovado pelo Dec. Regulamentar nº 1/92, de 18/2, sendo que o nº 2 de tal preceito estipula que:
- Deverá estabelecer-se ao longo das linhas uma faixa de serviço com uma largura de 5 m, dividida ao meio pelo eixo da linha, na qual se efectuará o corte e decote de árvores necessários para tomar possível a sua montagem e conservação.
3.2.2.
No caso em apreço as questões que se colocaram ao tribunal recorrido quanto aos pedidos vertidos em i) e ii) consistiram em decidir qual o prazo de prescrição a convocar e a partir de que momento é que ele se conta, sendo certo que é pacifico que a prescrição assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas, visando, no essencial, tutelar o interesse do devedor e o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado, negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 298º do Cód. Civil estão sujeitos à prescrição “todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela”, sendo que, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de exceção perentória (art. 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).
E conforme resulta da sentença recorrida, o tribunal a quo, sufragou o entendimento, seguindo o entendimento maioritário da jurisprudência[1], que à indemnização resultante da constituição de uma servidão administrativa é aplicável o prazo previsto para a responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos, sendo aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º do C.Civil.
Assim, porque no recurso interposto o recorrente não se insurgiu contra esse entendimento perfilhado, concluímos que essa questão não é objecto de recurso, apenas, importando a este propósito, afirmar o seguinte:
Não está em causa neste processo a reivindicação de qualquer direito real, mas apenas a pretensão a várias indemnizações pelos danos causados pela constituição de uma servidão administrativa lícita. O autor não está nesta acção a pretender o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição da coisa (art. 1311º do C. Civil), mas sim, com cobertura legal no art. 1310º do C. Civil, a pedir que seja reconhecido o direito a várias indemnizações pela diminuição dos seus poderes de fruição de uma coisa. A causa de pedir é sem dúvida a afectação de um direito real através da constituição de uma servidão administrativa, mas apenas na medida em que tal afectação é, também, constitutiva de um dever de indemnizar.
E na esteira de VAZ SERRA, in Fundamento da Responsabilidade Civil, em especial, responsabilidade por acidentes de viação terrestre e por intervenções lícitas, BMJ, 90, pág. 263, também para nós parece aceitável que se estabeleça uma prescrição de curto prazo, se se trata de responsabilidade por atos lícitos, devendo, portanto, acautelar-se, na medida do possível, os interesses do responsável. Efectivamente, baseando-se a prescrição na curta vantagem de uma não distante apreciação dos factos, esta mesma vantagem existe para a indemnização por actos lícitos” (ob. cit. pág. 292).
No mesmo sentido GOMES CANOTILHO, O Problema da Responsabilidade do Estado por actos lícitos, pág. 124 e 125: “Os diferentes prazos de prescrição atribuídos a uma e outra espécie não podem deixar de ser uma sequela conceitualística da doutrina que negava à responsabilidade por actos lícitos o carácter de verdadeira e autêntica responsabilidade. Mas se a lei não distingue entre prazos prescricionais da responsabilidade por factos ilícitos e culposos e responsabilidade pelo risco, cremos não subsistirem razões para sujeitar a regime diferente a responsabilidade por actos lícitos”.
E como dá nota o Ac do STA de 11.03.2009 :
«Também o Supremo Tribunal Administrativo tem considerado aplicável o prazo geral da prescrição do art. 498º do C. Civil ao direito à indemnização emergente de uma expropriação por utilidade pública, como se pode ver no acórdão de 13-2-2007, proferido no processo 0810/06 e ao direito à indemnização pela integração lícita de um prédio na REN (Reserva Ecológica Nacional), no acórdão de 7-5-2003, proferido no processo 01067/02 e no acórdão de 4-2-2009, embora com um voto de vencido, pela ocupação lícita de prédios prevista nos artigos 18º e 25º do Código das Expropriações.
Por outro lado, reproduzindo aqui as pretensões indemnizatórias pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados (expropriações, servidões administrativas, nacionalizações) têm regimes legais especiais, sendo assim de aceitar que a prescrição do direito à indemnização seja moldada e ajustada a esses regimes especiais.
De resto a aplicação do regime da prescrição previsto no art. 498º, 1 do C. Civil deve harmonizar-se com as outras regras gerais sobre a prescrição.
Deste modo, se uma lei especial reconhecer expressamente o direito à indemnização, já não será aplicável o prazo do art. 498º, 1, do C. Civil que tem em vista os casos em que esse direito não está formalmente reconhecido.
Do mesmo modo que, depois da sentença judicial reconhecer o direito à indemnização, a obrigação de indemnizar prescreverá no prazo ordinário de 20 anos (art. 309 e 311º, 1, do C. Civil), deve aceitar-se que o direito à indemnização por factos ilícitos ou lícitos depois desta ser reconhecida por lei, ou por acto administrativo, prescreverá no prazo geral de 20 anos. Daí que, para as expropriações cujo direito à indemnização decorre directamente da CRP (art. 62º) e para as servidões administrativas criadas por lei, onde esteja prevista “ex lege” o direito à indemnização, seja sustentável um regime de prescrição fora do âmbito do art. 498º, 1 do C. Civil, pela aplicação do art. 311º, n.º 1 do C. Civil.(…).
Todavia, não é esse o caso dos autos, que se reporta a uma servidão administrativa criada por acto administrativo e, portanto, em que o direito à indemnização só existe quando verificados certos requisitos – isto é, quando a constituição da servidão afecte o valor da coisa.
Em suma, na situação dos autos, não se vê razão válida para afastar o regime do art. 498º, 1 do C. Civil: (i) A obrigação não nasce “ex lege”; (ii) os seus pressupostos não se verificam em todos os casos possíveis, sendo necessário que o lesado prove a efectiva diminuição do valor da coisa; (iii) não existe razão para que o responsável pela indemnização (beneficiário da prescrição) tenha um regime mais favorável do que teria se acaso tivesse actuado ilicitamente (caso em que a direito prescreveria em três anos), (iv) sendo certo, finalmente, que as razões fundamentais do estabelecimento de uma prescrição de curta duração (proximidade temporal do facto causador do dano ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Vol I, 10ª Edição, ..., Reimpressão da Edição de 2000, pág. 626, também justifica, assim, a existência de um prazo curto de prescrição: “a prova dos factos que interessam à definição da responsabilidade em regra feita através de testemunhas, torna-se extremamente difícil e bastante precária a partir de certo período de tempo sobre a data dos acontecimentos, e por isso convém apressar o julgamento das situações geradoras de danos ressarcível”.
Assim ao presente caso é, sem dúvida, aplicável o prazo de três anos previsto no art. 498º, 1, do C. Civil.»
3.2.3.
Focando-nos, agora, nos créditos indemnizatórios reclamados na presente ação, a sua eventual prescrição está dependente da determinação do início da contagem dos referidos prazos prescricionais, no fundo, uma das divergências que o apelante manifestou em relação à decisão recorrida.
Como, a este respeito, sublinha MENEZES CORDEIRO[2], o início do prazo é inquestionavelmente «factor estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objectivo e o subjectivo».
O primeiro «é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respectivo credor, sendo compatível com prazos longos». O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas «quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos».
Entre nós o sistema objectivo foi adotado, como critério geral, no nº 1 do art. 306º do Cód. Civil, o qual, preceitua que “[a] prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”, valendo, assim, para a prescrição ordinária contemplada no art. 309º.
A lei consagra, no entanto, critérios distintos para o início dos prazos prescricionais em determinadas situações, como ocorre, no que ao caso releva, nas hipóteses previstas nos arts. 482º e 498º, sendo que no nº 1 deste último normativo se estabelece(em termos, aliás, coincidentes com a redacção do primeiro) que “[o] direito prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
E como se escreveu no recente acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, proferido a 21.01.2021: “Decorre do transcrito inciso que o direito indemnizatório fica sujeito a dois prazos, que correm autónoma e paralelamente: o prazo ordinário, de vinte anos (cfr. art. 309º), que se conta a partir do facto danoso; e um prazo de curta duração, que se conta a partir do conhecimento do direito pelo lesado”.
Assim, o disposto no artigo 498º, nº1, do CC tem sempre de ser articulado com o disposto no artigo 309º do CC.
A significar que, se por qualquer motivo não imputável ao credor, este apenas tomou conhecimento completo sobre todos os pressupostos da responsabilidade civil decorridos vinte ( 20) anos sobre o primeiro licenciamento, já estaria prescrito, por decurso do tempo o direito indemnizatório resultante da constituição de servidão administrativa, irrelevando neste caso o conhecimento que o credor tenha ou possa ter sobre se o direito pode ou não ser exercido.
Sobre o significado da expressão «conhecimento do direito» têm sido apresentadas na doutrina pátria essencialmente duas conceções.
De acordo com uma conceção, que poderemos designar normativista, a referida expressão compreende o conhecimento do direito enquanto direito, ou seja, o conhecimento por parte do lesado de que se encontra juridicamente habilitado a exigir de terceiro o ressarcimento dos danos causados. Tal conceção corresponde ao pensamento originário de VAZ SERRA [3], que defende que “quem não tem esse conhecimento – entenda-se, de que o direito à indemnização é juridicamente fundado – não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo”.
Em sentido diverso, depõe o entendimento, que poderemos designar realista, segundo o qual conhecimento do direito significa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil, ou seja, por outras palavras, o conhecimento dos factos constitutivos do direito indemnizatório, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles impende[4].
Em causa encontra-se, pois, a questão de saber contra ou a favor de quem deve correr a ignorância ou a incerteza do lesado quanto à fundamentação jurídica do seu direito, questão essa que tem sido predominantemente respondida na jurisprudência[5] em conformidade com a posição sustentada pela conceção realista, ou seja, no sentido de que a expressão conhecimento do direito significa o conhecimento dos elementos de facto relevantes para a atribuição de responsabilidade a um terceiro.
Na esteira desse entendimento considera-se, pois, que nos prazos (especiais) de prescrição fixados nos arts. 482º e 498º o respectivo dies a quo ocorre quando o lesado tenha obtido o conhecimento dos factos constitutivos do direito, isto é, dos factos cuja alegação e prova lhe incumbe fazer, nos termos do art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil, para que, em abstrato, possa obter o vencimento da causa.
Assim, a prescrição inicia-se quando o lesado tenha obtido um conhecimento completo sobre os pressupostos da responsabilidade civil, revelando-se o conhecimento parcial insuficiente para que o prazo de prescrição se inicie. Se o conhecimento do direito sobrevier segmentado em distintos momentos temporais, apenas o momento em que o mesmo se encontre completo pode determinar o início da prescrição.
Das pretensões indemnizatórias vertidas em i) e ii)
Transpondo tais considerações para o caso sub judicio, temos que apesar do autor recorrente continuar a afirmar que só em 2019 teve conhecimento da existência da servidão, após o contacto com a E..., certo é que a linha de média tensão e o posto, já se encontravam aí desde 1966 (o que motivou a atribuição de uma indemnização ao anterior proprietário do imóvel) e, quanto à linha actual, desde 1995.
Quanto à linha actual basta tentar que foram publicados éditos nos termos e para efeitos do artigo 19º do Regulamento de Licença para Instalações Eléctricas, a provado pelo Decreto – Lei nº 26 852, de 30.07.1936, …, dando nota que estará patente na Secretaria da Câmara Municipal ... e., em ..., todos os dias úteis, durante as horas de expediente e, pelo prazo de 15 dias a contar da publicação destes éditos no DR, o projecto apresentado para o estabelecimento de uma linha aérea, …, na freguesia de ..., ..., sendo que todas as reclamações contra a aprovação do projecto deveriam ter sido presentes dentro do referido prazo- ver cópia de DR nº 206 de 6.09.1995, junta a com requerimento da ré de 28.01.2021.
Assim, sendo o objectivo dos éditos também dar conhecimento aos interessados da possibilidade de exercício de eventual direito de indemnização, se a estrutura já existia desde 1966 e, com as alterações, desde 1995, é manifesto que o Autor –recorrente já tinha conhecimento dessas estruturas, não fazendo qualquer sentido a alegação do autor de que só em 2019 tomou conhecimento da existência de tal ónus ou encargo.
Acresce que embora a limitação ao direito real se espraie no tempo, o ónus existe desde as respectivas licenças, sendo este o momento inicial para a contagem do prazo de prescrição.
Portanto, o direito à indemnização decorrente da servidão administrativa – mesmo a existir - já se encontra prescrito pelo decurso do tempo.
Mas mesmo que assim fosse, desde a data da constituição da servidão já tinham decorridos mais de 20 anos, pelo que sempre teria decorrido o prazo fixado no artigo 498º, n.º 1 do C.Civil, que manda aplicar o disposto no artigo 309.º do C.Civil.
Nestes termos, não merece qualquer censura a sentença recorrida na parte em que, relativamente às pretensões indemnizatórias vertidas em i) e ii), julgou procedente a excepção de prescrição invocada pela R. e como tal, improcedentes os pedidos formulados de indemnização formulados nos i) e ii) da petição inicial, bem como o pedido de 300,00€, a título de compensação pelo não uso e fruição da faixa de terreno do prédio (pois esta pretensão também se funda na existência da servidão administrativa), uma vez que o direito a uma indemnização, mesmo a existir, estaria prescrito.

Do pedido de indemnização formulado no ponto (iii), pedido de condenação da R. a pagar ao autor o valor de 6816,00 € do lucro perdido dos cortes dos carvalhos efectuado pelo Ré.
Está assente por acordo (segunda parte do item 12 dos fatos provados) que a Ré em Junho de 2019, no âmbito dos serviços de limpeza, cortou carvalhos americanos existentes na área abrangida pela linha de média tensão (sob essa linha).O autor não impugnou qualquer factualidade julgada provada.
E como o próprio autor se encarregou de informar, a plantação dos referidos carvalhos americanos foi feita pelo autor ao abrigo do Projeto IFADAP nº 1994.32.5002.7 de 31.10.1994.
Mais alegou o autor na petição inicial que a ré o informou que o corte das árvores foi feito numa acção de limpeza da faixa de protecção da linha de média tensão, não existindo, por isso, qualquer tipo de indemnização- ver documentos nº 4 e nº5 juntos à petição inicial.
Apreciando e decidindo.
Para esta questão importa convocar o enquadramento normativo no qual se sustenta a sentença recorrida proferida antes da publicação do citado Decreto-Lei n.º 15/2022 , publicado entretanto no Diário da República n.º 10/2022, Série I de 2022-01-14, páginas 3 – 185, diploma que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, transpondo a Diretiva (UE) 2019/944 e a Diretiva (UE) 2018/2001.
Importando ainda aqui tecer algumas considerações por forma a permitir revelar o contexto normativo que rodeou a actuação da ré-recorrida.
Assim, como se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 23.04.2011, acessível in www.dgsi.pt :
“ O Sistema Eléctrico Nacional (SEN), entendido como «conjunto de princípios, organizações, agentes e instalações eléctricas relacionadas com as actividades abrangidas no território nacional», compreende o exercício das actividades de produção, de transporte, de distribuição e de comercialização, de operação de mercados e de operação logística de mudança de comercializador.
O SEN está sujeito a regulação, que tem por finalidade «contribuir para assegurar a eficiência e as racionalidade das actividades em termos objectivos, transparentes, não discriminatórios e concorrenciais» e pressupõe supervisão e acompanhamento contínuos. No essencial, o novo modelo institui um sistema eléctrico integrado, em que as actividades de produção e de comercialização são exercidas em regime de livre concorrência, mediante atribuição de licença, e as actividades de transporte e distribuição são exercidas mediante a atribuição de concessões de serviço público. Mantêm-se, em qualquer dos casos, as obrigações de serviço público, designadamente em matéria de segurança, regularidade e qualidade do serviço, universalidade da sua prestação, protecção dos consumidores e do ambiente (cf. neste sentido o Parecer da PGR citado de 11.05.2006).
Nas bases gerais da organização e funcionamento do Sistema Eléctrico nacional aprovada pelo Decreto lei n.º 29/2006 de 15 de Fevereiro é estabelecido que as instalações da RESP (rede eléctrica de serviço publico) são consideradas, para todos os efeitos de utilidade publica (artigo 12) sendo dever especifico do operador da Rede nacional de Transporte «assegurar a exploração e manutenção da RNT em condições de segurança fiabilidade e qualidade de serviço» (artigo 24º n.º 2 alínea a).
O Decreto lei n.º 29/2006 de 15 de Fevereiro, que estabelece as bases gerais aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte e distribuição e comercialização de electricidade, no que respeita à exploração das redes de transporte de electricidade, atribui ao operador a quem for concessionado esse serviço público o dever especifico de «assegurar a exploração e manutenção da RNT (Rede Nacional de Transporte) em condições de segurança, fiabilidade e qualidade de serviço» - artigo 24º n.º 2 alínea a).
No desenvolvimento dos princípios constantes no Decreto lei n.º 29/2006 de 15 de Fevereiro, foi publicado posteriormente o regime jurídico aplicável às actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade, pelo Decreto Lei nº 172/2006 de 23 de Agosto, que no que respeita ao regime jurídico das servidões administrativas de linhas eléctricas estabelece que esse tal regime «consta de legislação complementar (…)», sendo que segundo o nº 2 do artigo 75º do mesmo diploma, «até à entrada em vigor da legislação referida no número anterior mantêm-se em vigor as disposições do decreto lei n.º 43335 de 19 de Novembro de 1960, na matéria relativa à implantação de instalações eléctricas e à constituição de servidões».
E porque releva assinale-se que aquele Decreto Lei nº 43 335 conferia no concessionário o direito de «atravessar prédios particulares com canais condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios».
Finalmente e já em 2010, e ainda na sequência do Decreto lei n.º 172/2006 que já determinava a elaboração e aprovação de regulamento de redes de transporte e distribuição, foi aprovado pela Portaria n.º 596/2010 de 30 de Julho o Regulamento da rede de Transporte e o Regulamento da Rede de Distribuição.
Sendo regulamentos diferenciados constata-se em ambos a atribuição de responsabilidades muito precisas ao concessionário (ORT, na terminologia do Regulamento, segundo o capítulo 11) no domínio da segurança das redes.
Do vasto conjunto de normas concretas que o Regulamento estabelece sobre segurança, nomeadamente relacionada com trabalhos na rede, é claro que essa responsabilidade incumbe ao operador da rede. aquele último Regulamento é muito claro no seu ponto 1.4.1 ao estabelecer como um dos princípios gerais da exploração que «os operadores das redes de distribuição devem promover a eficiência energética, a protecção do ambiente, a segurança, a fiabilidade e a eficácia da rede que operam».
Assim, a título de exemplo, «os trabalhos a realizar na RND e nas RDBT só podem ser efectuados por pessoas qualificadas ou por pessoas instruídas quando sob a responsabilidade de pessoa qualificada» (1.4.3).
É por isso, aliás que o ponto 1.8.1 estabelece que «os operadores de redes de distribuição, por intermédio de técnicos por si designados e devidamente identificados, têm o direito de livre acesso aos locais das instalações, ligadas àquelas redes, onde estão instalados os equipamentos».
Em síntese breve, o que se quer sublinhar com a identificação das mudanças estruturais verificadas desde 1936 (data do diploma em causa nestes autos) é que todo o sistema de transporte e distribuição de energia eléctrica sofreu uma mudança significativa, nomeadamente em termos da tutela dos deveres de quem explora em termos de concessão as linhas de transporte, atribuindo-lhe um conjunto de rigorosos deveres nomeadamente no domínio da segurança, com reflexo directo nos direitos dos proprietários cujos terrenos são atravessados pelas referidas linhas.”

Feitas estas considerações reportando-nos à pretensão agora em apreço, resulta que são aplicáveis o Decreto-Lei n.º 26.852 de 30 de Julho de 1936, que aprovou o Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas e o Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18/2, que aprovou o Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão, aplicável ao caso em apreço (por se tratar de uma linha de média tensão a 15 kV ou seja, a 15.000 v).
Nos termos do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 26.852 de 30 de Julho de 1936 – que aprovou o Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas – o proprietário o não deve consentir, nem manter plantações sob os condutores de linhas eléctricas.[6]
Nos termos do artigo 28.º do Decreto – Regulamentar 1/92, de 18.02 que regula a distância dos condutores às árvores:
1.Entre os condutores nus das linhas, nas condições de flecha máxima, desviados ou não pelo vento, e as árvores deverá observar-se uma distância D, em metros, arredondada ao decímetro, não inferior à dada pela expressão D = 2,0 + 0,0075 U em que U, em kilovolts, é a tensão nominal da linha. O valor de D não deverá ser inferior a 2,5 m.
2 - Deverá estabelecer-se ao longo das linhas uma faixa de serviço com uma largura de 5 m, dividida ao meio pelo eixo da linha, na qual se efectuará o corte e decote de árvores necessários para tornar possível a sua montagem e conservação.
3 - Com vista a garantir a segurança de exploração das linhas e para efeitos de aplicação do número seguinte, a zona de protecção terá a largura máxima de:
a) 15 m, para linhas de 2.ª classe;
b) 25 m, para linhas de 3.ª classe de tensão nominal igual ou inferior a 60 kV; c) 45 m, para linhas de 3.ª classe de tensão nominal superior a 60 kV.
4 - Na zona de protecção proceder-se-á ao corte ou decote das árvores que for suficiente para garantir a distância mínima referida no n.º 1, bem como das árvores que, por queda, não garantam em relação aos condutores, na hipótese de flecha máxima sem sobrecarga de vento, a distância mínima de 1,5 m.
5 - Fora da zona de protecção referida no n.º 3 poderão ainda ser abatidas as árvores que, pelo seu porte e condições particulares, se reconheça constituírem um risco inaceitável para a segurança da linha, nas condições previstas no n.º 4.
6 - Entre os cabos isolados das linhas, nas condições de flecha máxima, desviados ou não pelo vento, e as árvores deverá observar-se uma distância não inferior a 2 m, mas de forma que as árvores ou o seu tratamento fitossanitário não possam danificar a bainha exterior dos cabos.
Relevam também para a compreensão exacta da actuação da ré-recorrida as disposições vertidas nos artigos 26º e 27º [7] do citado Decreto – Regulamentar 1/92, de 18.02 , as quais, reproduzimos na nota 7.
Pelo que, acolhendo o entendimento do tribunal recorrido, resulta da conjugação dos dois diplomas que o Autor, porque adquiriu o imóvel dos autos no ano de 1994, adquiriu esse imóvel já onerado com uma servidão administrativa, direito real com eficácia erga omnes, sendo oponível ao primitivo dono do prédio serviente, bem como, a todos futuros proprietários do mesmo e a terceiros, nos termos dos arts 1543º, e segs do C. Civil.
As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos º artigo 1 547º do Código Civil.
Assim, em caso como o dos autos, tendo o autor-recorrente adquirido o imóvel onerado com uma servidão administrativa, resulta que o recorrente ficou constituído no dever de sujeição decorrente da servidão administrativa dos autos e, por isso, não tinha a liberdade de plantar árvores sob a linha de média tensão que atravessa o seu imóvel, a menos que fosse respeitado o limite de 2,5 metro da copa das árvores aos condutores nus da linha e se tivesse sido respeitada a faixa de serviço com uma largura de 5 m e com a zona de protecção com a largura máxima de 15 metros.
Importando ainda assinalar que não releva para o caso o alegado desconhecimento da servidão por parte do autor até Junho de 2019, momento em que ocorreu o corte das árvores., porquanto, na consideração dos sinais visíveis no terreno reveladores da servidão administrativa em causa, concretamente, os postes e os fios condutores, não podia o autor alegar o desconhecimento da servidão, como fez na petição.
Assim,no caso dos autos, considerando a forma como está formulada a pretensão do autor/recorrente
- pretensão indemnizatória suportada por direito de propriedade sobre imóvel onerado com servidão administrativa cujo conteúdo inclui, entre outros, o dever de observar os limites impostos pelo citado artigo 28º do referido diploma
- o que releva é que resulta da matéria de facto apurada no item 12º que as árvores cortadas estavam sob a linha de média tensão que atravessa o prédio do Autor, a significar que o autor violou o dever que lhe é imposto pelo citado artigo 54º do Dl nº nº 26 852 de 30.07 de 1936[8], bem como, violou os limites da faixa de proteção que está prevista no referido artigo 28º do Decreto – Regulamentar 1/92 de 18.02.
Em consequência, apesar do autor não ter alegado que a plantação das árvores observou o limite de 2,5 metro da copa das árvores aos condutores nus da linha, nem que foi respeitada a faixa de serviço com uma largura de 5 m e com a zona de protecção com a largura máxima de 15 metros, a materialidade vertida nesse item 12 dos factos provados, torna espúria a discussão que em tese se admite relativamente à questão de saber sobre quem impenderia o ónus de prova sobre a localização das árvores que foram cortadas.
Isto é, estando assente por acordo que as árvores cortadas estavam sob a linha de média tensão que atravessa o prédio do Autor, fica prejudicada a questão que se poderia colocar a montante sobre quem impenderia o ónus de prova sobre a localização das árvores que foram cortadas pela Ré – recorrida, sendo certo que, a nós se nos afigura que impenderia sobre o autor alegar e provar que o corte das árvores foi efectuado fora das condições previstas no artigo 28.º Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18/2, quando na verdade só lhe é permitido ter árvores quando tais zonas se segurança/protecção e distâncias de segurança sejam respeitadas, não impede que é no caso dos autos. Acresce que o carvalho americano é uma árvore de grande porte.
Por último, e na decorrência da conjugação da materialidade provada com as disposições normativas citadas sempre se dirá ninguém pode pretender filiar uma pretensão indemnizatória com base numa situação ilícita, como é o caso da pretensão em apreço formulada pelo autor.
Efectivamente, a formulação de qualquer pretensão indemnizatória resultante da infracção à lei pelo lesado sempre importaria um benefício do infractor e surgiria como manifestamente ultrapassante dos "limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito", para usar a própria terminologia legal plasmada no artº 334º do C. Civil.
Como tal, o pedido de pagamento de uma indemnização com base em expectativas de crescimento dessas árvores, quando a lei impõe obrigação de não manter plantações sob os condutores de linhas eléctricas, a menos que sejam respeitados os limites previstos na lei terá necessariamente que improceder.
Nestes termos, afigura-se-nos que não merece qualquer censura a decisão recorrida na parte em que também julgou improcedente o pedido iii) formulado pelo Autor, ou seja, o pagamento de uma indemnização de 6816,00€ pelo lucro perdido pelo corte das árvores.
Improcede, assim, na totalidade o recurso interposto pelo autor.
Sumário.
…………..
…………..
…………..
IV . DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo recorrente e assim confirmam a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Porto, 27.01.2022
Os Juízes Desembargadores
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
João Venade - Voto de vencido [Na douta decisão, apenas não concordamos com a parte em que se entende que o Autor teria o ónus de alegar e provar que podia manter as árvores no local em que estavam plantadas. Na nossa visão, alegando o Autor o corte de um bem que lhe pertence, competiria à Ré demonstrar que o corte que efetuou foi lícito (teria de demonstrar o exercício regular de um direito, conforme se menciona no Ac. do S. T. J. de 15/05/2003, www.dgsi.pt. Afigurando-se-nos que os factos não permitem concluir pela licitude do corte, encontra-se nesse aspeto a nossa divergência, o que implicaria analisar se o Autor tinha ou não o direito de que se arroga.]
_______________________________
[1] Convocou, nesse sentido, a título de exemplo, o acórdão do STA de 11.3.2009, proc. 0463/08, cujo relator foi São Pedro, acórdão do STA de 26.5.2010, proc. 072/10, cujo relator foi António Madureira, acórdão do TCA Norte de 18.3.2016, proc. 01024/07.2BEPRT, cujo relator foi Joaquim Cruzeiro, todos consultáveis em www.dgsi.pt).
[2] MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil, vol. V, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, pág.202.
[3] In Prescrição do direito de indemnização, BMJ, n.º 87, págs. 43 e seguintes.
[4] Neste sentido, entre outros, ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, Almedina, págs. 625 e seguinte e ALMEIDA E COSTA, in Direito das Obrigações,12ª edição, Almedina, pág. 515.
[5] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 18.04.2002 (processo nº 02B950) e de 22.09.2009 (processo nº 180/2002), acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Texto.
Os proprietários dos terrenos onde se acham estabelecidas linhas de uma instalação declarada de utilidade pública e os proprietários dos terrenos confinantes com quaisquer vias de comunicação, ao longo das quais estejam estabelecidas as referidas linhas, são obrigados a não consentir nem conservar neles plantações que possam prejudicar aquelas linhas na sua exploração, cumprindo igual obrigação aos chefes de serviços públicos a que pertencerem plantações nas condições referidas, mas somente nos casos de reconhecida necessidade.
§ 1.º As secções de fiscalização eléctrica, a requerimento do concessionário, intimarão os infractores a cumprir êste preceito dentro de um prazo que lhes será designado, podendo, no caso da desobediência, mandar proceder à destruição das plantações que impedirem o serviço das linhas, levantando auto de desobediência e fazendo instaurar o competente processo criminal, para aplicação das penas cominadas no artigo 188.º do Código Penal.
§ 2.º Os proprietários dos terrenos nas condições designadas no corpo deste artigo devem reclamar a presença do concessionário ou de um seu representante sempre que tenham de efectuar cortes de árvores ou quaisquer outros trabalhos dos quais possam resultar avarias ou prejuízos para as linhas; a presença do concessionário ou do seu representante e a observância das suas determinações sobre o modo de execução dos trabalhos isentam os proprietários e seus mandatários das responsabilidades pelos prejuízos que eventualmente se possam verificar em tais condições.
§ 3.º À excepção do caso previsto no parágrafo anterior, o concessionário terá sempre o direito de ser indemnizado de quaisquer prejuízos causados às suas linhas por pessoas estranhas ao seu serviço, devendo o valor da indemnização ser fixado, sempre que não haja acordo, nos termos dos §§ 1.º e 2.º do artigo 55.º, mesmo que a sua liquidação tenha de ser exigida judicialmente.
[7] SECÇÃO IV - Protecção contra contactos acidentais
Artigo 26.ºInacessibilidade dos condutores
Os condutores serão estabelecidos de forma a não serem atingíveis, sem meios especiais, de quaisquer lugares acessíveis a pessoas.
Artigo 27.º Distância dos condutores ao solo
1 - Com excepção dos casos em que no presente Regulamento se preveja uma distância maior, deverá observar-se, entre os condutores nus das linhas e o solo, nas condições de flecha máxima, desviados ou não pelo vento, uma distância D, em metros, arredondada ao decímetro, não inferior à dada pela expressão D = 6,0 + 0,005 U em que U, em kilovolts, é a tensão nominal da linha.
2 - Entre os cabos isolados das linhas, nas condições de flecha máxima, desviados ou não pelo vento, e o solo deverá manter-se uma distância não inferior a 6 m.
3 - Em locais de difícil acesso, as distâncias referidas nos números anteriores poderão ser reduzidas de 1 m.
[8] Impõe sobre o proprietário o dever de não consentir nem manter plantações sob os condutores de linhas elétricas.