Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3402/08.0TBVLG-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: MANDATO FORENSE
PROCURAÇÃO
NÃO INSCRIÇÃO NA OA
Nº do Documento: RP201502093402/08.0tbvlg-D.P1
Data do Acordão: 02/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Há que fazer a destrinça entre mandato e procuração: mandato é um contrato, a procuração é um acto unilateral. O mandato e a procuração podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele, sendo que, aquela apenas representa a exteriorização desses poderes: mais não é que o meio adequado para exercer o mandato.
II - Embora a epígrafe do artigo 40.º do anterior CPCivil (actual artigo 48.º), seja “falta, insuficiência e irregularidade do mandato” do que aí se cura é da falta de procuração e da sua insuficiência ou irregularidade e não um qualquer vício que afecte o contrato de mandato que lhe subjaz que nem precisa de ser junto aos autos.
III - Só os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar actos próprios da advocacia (artigo 61.º, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
IV - Se o advogado exerceu o mandato judicial, conferido por procuração regular, sem a sua inscrição estar em vigor na respectiva Ordem é patologia que só reflexamente poderá ter repercussão no processo respectivo e de forma alguma se poderá afirmar que se trata de uma situação de falta, insuficiência ou irregularidade de mandato.
V - O estatuto da OA regula tal situação referindo que as penas disciplinares iniciam a produção dos seus efeitos no dia seguinte àquele em que a decisão se torne definitiva (artigo 168.º do EOA) e ainda que, os que transgredirem o preceituado no n.º 1 do artigo 61 do EOA (não inscrição) serão excluídos do processo por despacho do juiz, ou do tribunal, proferido oficiosamente, a reclamação dos conselhos ou delegações da OA ou a requerimento dos interessados, e o transgressor será inibido de nela continuar a intervir.
VI - Trata-se de um poder-dever que impende sobre o juiz de inibir o transgressor de continuar a intervir no processo a partir do momento em que tal situação lhe é comunicada, e não se vislumbra motivo pelo qual os actos praticados anteriormente por advogado constituído com base numa relação de confiança deverão ser objecto de desconfiança processual.
VII- Até ao momento em que o juiz o determina, o advogado nomeado ou constituído mantém a plenitude das suas funções, não existindo fundamento legal para que se considerem inexistentes ou nulos todos os actos processuais praticados pelo advogado e por consequência sejam repetidos, antes se aproveitando toda a sua actividade, que foi exercida em nome e em representação do mandante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3402/08.0tbvlg-D.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Valongo-Inst. Local-Secção Cível-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
Sumário:
I- Há que fazer a destrinça entre mandato e procuração: mandato é um contrato, a procuração é um acto unilateral. O mandato e a procuração podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele, sendo que, aquela apenas representa a exteriorização desses poderes: mais não é que o meio adequado para exercer o mandato.
II- Embora a epígrafe do artigo 40.º do anterior CPCivil (actual artigo 48.º), seja “falta, insuficiência e irregularidade do mandato” do que aí se cura é da falta de procuração e da sua insuficiência ou irregularidade e não um qualquer vício que afecte o contrato de mandato que lhe subjaz que nem precisa de ser junto aos autos.
III- Só os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar actos próprios da advocacia (artigo 61.º, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
IV- Se o advogado exerceu o mandato judicial, conferido por procuração regular, sem a sua inscrição estar em vigor na respectiva Ordem é patologia que só reflexamente poderá ter repercussão no processo respectivo e de forma alguma se poderá afirmar que se trata de uma situação de falta, insuficiência ou irregularidade de mandato.
V- O estatuto da OA regula tal situação referindo que as penas disciplinares iniciam a produção dos seus efeitos no dia seguinte àquele em que a decisão se torne definitiva (artigo 168.º do EOA) e ainda que, os que transgredirem o preceituado no n.º 1 do artigo 61 do EOA (não inscrição) serão excluídos do processo por despacho do juiz, ou do tribunal, proferido oficiosamente, a reclamação dos conselhos ou delegações da OA ou a requerimento dos interessados, e o transgressor será inibido de nela continuar a intervir.
VII - Trata-se de um poder-dever que impende sobre o juiz de inibir o transgressor de continuar a intervir no processo a partir do momento em que tal situação lhe é comunicada, e não se vislumbra motivo pelo qual os actos praticados anteriormente por advogado constituído com base numa relação de confiança deverão ser objecto de desconfiança processual.
VIII- Até ao momento em que o juiz o determina, o advogado nomeado ou constituído mantém a plenitude das suas funções, não existindo fundamento legal para que se considerem inexistentes ou nulos todos os actos processuais praticados pelo advogado e por consequência sejam repetidos, antes se aproveitando toda a sua actividade, que foi exercida em nome e em representação do mandante.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Nos presentes autos de inventário que a cabeça-de-casal, B…, em 12 de Outubro de 2009, mandatou, por procuração passada nessa data, o Senhor Dr. C…, para a representar (fls. 346 e 347).
Por força desse mesmo mandato, e na qualidade de advogado, o Senhor Dr. C… veio a praticar em nome da cabeça-de-casal, aqui apelante, os actos judiciais constantes nos presentes autos (cfr. fls. 346 a 1912).
Entretanto, em 25 de Julho de 2013 a aqui apelante acabou por tomar conhecimento que o Senhor Dr. C… não tinha a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, desde o dia 01 de Setembro de 2011 (cfr. Ofícios da Ordem dos Advogados).
Em 25 de Julho de 2013, a aqui apelante juntou aos autos requerimento a revogar as procurações outorgadas a favor do Senhor Dr. C… e do seu sócio de escritório o Senhor Dr. D… (cfr. fls. 1920).
Para além da supra referida existe também nos autos uma procuração outorgada em 12 de Junho de 2013, a favor do Senhor Dr. C…, agora “a conferir poderes especiais para representá-la nos autos de inventário com o nº 3402/08.0TBVLG que corre termos pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo podendo transigir, acordar na composição de quinhões, licitar, dar e receber tornas e conferir quitações, e ainda poderes para que à mandante lhe seja atribuído o direito de uso e habitação à casa de morada de família e seu respectivo recheio”.
Tal procuração foi reconhecida por termos de autenticação do Senhor Dr. D… (cfr. fls 1900-A a 1902).
A apelante por requerimento com entrada no sistema citius de 30 de Julho de 2013 veio declarar para todos os efeitos legais que não ratificava quaisquer dos actos praticados nos presentes autos, pelo Senhor Dr. C…, desde o dia 01 de Setembro de 2011 mais solicitando que fossem considerados sem efeito todos aqueles actos, com todas as consequências legais.
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Por despacho datado de 27/11/2013 o tribunal recorrido indeferiu o requerido nos termos seguintes:
fls. 1924 a 1928:
Vi a procuração outorgada pela cabeça de casal a fls. 1927 a favor da Exmª Senhora Drª E….
Atento o exposto a fls. 1924 e seguintes, cumpre referir que, aquando da realização da conferência de interessados em 09/07/2013, foi junto um acordo de transacção assinado por todos os interessados quanto a determinadas verbas da relação de bens, encontrando-se também presentes todos os interessados para a diligência que foi realizada, incluindo a interessada B…. Na parte em que não foi almejado acordo, seguiram-se licitações, onde também todos os interessados estiveram presentes.
Acresce ainda que, a cabeça de casal estava presente, contrariamente ao por si alegado, e, dos elementos constantes dos autos não resulta, nem nunca sequer foi suscitado que, a mesma não tivesse no exercício pleno das suas faculdades mentais para compreender e entender o que se estava a passar. Caso contrário deveria, nessa diligência dar conta que não estava a perceber as diligências que se estavam a efectuar. No que respeita à transacção que a mesma alega que assinou sem proceder à sua leitura, é o Tribunal omisso a tal e, não tem qualquer responsabilidade no alegado.
Quanto ao pedido efectuado em 1) de fls. 1926, de se considerar sem efeito todos os actos praticados pelo Exmº Senhor Dr. C… a partir de 01 de Setembro de 2011, indefere-se o requerido, atento o estado em que os autos já se encontram, ao que acresce a realização da conferência de interessados já efectuada (acto primordial neste tipo de processos) e o aí decidido, estando a cabeça de casal presente, como da acta consta (cfr. fls. 1913 a 1919).
Quanto ao pedido efectuado em II) de fls. 1926, passe as requeridas certidões.
Comunique ainda à Ordem dos Advogados a situação em apreço nos autos para os fins tidos por convenientes.
Notifique.
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Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
A) O recorrido e douto Despacho não ajuizou correctamente o caso vertente, não fazendo à devida interpretação e aplicação dos preceitos legais ao indeferir o pedido da Cabeça de Casal de se considerar sem efeito todos os actos praticados nos autos pelo Exmo. Senhor Dr. C… a partir de 01 de Setembro de 2011, violando o artigo 48º do Novo Código de Processo Civil.
B) O tribunal recorrido, de forma anacrónica e contraditória validou um conjunto de actos praticados em nome da Cabeça de Casal, por duas pessoas que não estavam devidamente habilitadas para o exercício do mandato judicial, situação que era completamente desconhecida da Apelante.
C) Da factualidade constante dos autos e que tem interesse para o presente recurso temos a destacar os seguintes pontos:
1. A Cabeça de Casal, em 12 de Outubro de 2009, mandatou, por procuração passada nessa data, o Senhor Dr. C…, para a representar nos presentes autos.
2. Por força desse mesmo mandato, e na qualidade de advogado, o Senhor Dr. C… veio a praticar em nome da Cabeça de Casal, os actos judiciais constantes nos presentes autos Cfr. fls. 346 a 1912.
3. Em 25 de Julho de 2013 a Apelante tomou conhecimento que o Senhor Dr. C… não tinha a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, desde o dia 01 de Setembro de 2011, pelo que não se encontrava habilitado para nessa qualidade assumir o patrocínio nos presentes autos.
4. Em 25 de Julho de 2013, a Apelante juntou aos autos requerimento a revogar as procurações outorgadas a favor do Senhor Dr. C… e do seu sócio de escritório o Senhor Dr. D….
5. Compulsados os autos, a Apelante acabou por tomar conhecimento da existência de uma outra procuração, outorgada em 12 de Junho de 2013, a favor do Senhor Dr. C…, agora, «a conferir poderes especiais para representá-la nos autos de inventário com o nº 3402/08.0TBVLG que corre termos pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo podendo transigir, acordar na composição de quinhões, licitar, dar e receber tornas e conferir quitações, e ainda poderes para que à mandante lhe seja atribuído o direito de uso e habitação à casa de morada de família e seu respectivo recheio», tendo tal procuração sido reconhecida por termos de autenticação do Senhor Dr. D….
6. Igualmente, a Cabeça de Casal tomou conhecimento que se encontra junto aos autos, a fls. 1907 a 1910, um documento denominado ACORDO DE TRANSACÇÃO, sendo que tal acordo, levado junto de si pelo Senhor Dr. C…, foi pela Apelante assinado na sua própria habitação, sem qualquer leitura, atentos os seus graves problemas de visão, sem qualquer explicação do seu teor, significado e alcance do mesmo, apesar da sua provecta idade (86 anos).
7. Na mesma data, a Cabeça de Casal tomou conhecimento que nos presentes autos teria sido realizada a Conferência de Interessados, no dia 09 de Julho de 2013, na qual foram efectuadas licitações de alguns dos bens constantes da Relação de Bens, havendo o Senhor Dr. C…, munido das procurações juntas aos autos, intervindo na partilha em sua representação e como advogado.
8. A Apelante sempre confiou no Senhor Dr. C…, uma vez que, o mesmo sempre se apresentou como advogado e devidamente habilitado para exercício das suas funções, quando na verdade o mesmo a partir do dia 01 de Setembro de 2011 deixou de ter legitimidade para o efeito, uma vez que, tinha sua a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados.
9. Face aquela factualidade a Apelante por requerimento com entrada no «sistema citius de 30 de Julho de 2013 veio declarar para todos os efeitos legais que não ratificava quaisquer dos actos praticados nos presentes autos, pelo Senhor Dr. C…, desde o dia 01 de Setembro de 2011.
10. Com resulta dos autos, o Dr. C…, sem estar devidamente habilitado para efeito, praticou em nome da Cabeça de Casal os seguintes actos:
- Requerimento com referência do citius 1283547, em 26 de Outubro de 2011, processo físico a fls. 672;
- Requerimento com referência do citius 1287319, em 03 de Novembro de 2011 (Relação de Bens), processo físico a fls. 673 a 684;
- Requerimento com referência do citius 1338757, em 25 de Janeiro de 2012, processo físico a fls. 685 a 687;
- Requerimento com referência do citius 1357430, em 21 de Fevereiro de 2012, processo físico a fls. 726 a 728;
- Requerimento com carimbo de entrada de 22 de Março de 2012, registado sob o nº 1379897, processo físico a fls. 740 a 865.
11. Igualmente, o Dr. C…, sem estar devidamente habilitado recepcionou as seguintes notificações como mandatário da Cabeça de Casal:
- Notificação para Conferência de Interessados com referência 4734573, em 07 de Fevereiro de 2012;
- Notificação do Despacho com referência 4749271, em 14 de Fevereiro de 2012;
- Notificação para Conferência de Interessados com referência 4762119, em 21 de Fevereiro de 2012;
- Notificação do Despacho com referência 4769754, em 27 de Fevereiro de 2012;
- Notificação da Conferência de Interessados com referência 4894083, em 04 de Maio de 2012;
- Notificação do Despacho com referência 4906970, em 11 de Maio de 2012;
- Notificação do Despacho com referência 5372052, em 30 de Janeiro de 2013:
- Notificação da Conferência de Interessados com referência 5531262, em 11 de Abril de 2013;
- Notificação da Conferência de Interessados com referência 5556692, em 22 de Abril de 2013;
- Notificação do Despacho com referência 5647393, em 31 de Maio de 2013.
12. Outrossim, o Dr. D…, colega de escritório do Dr. C…, sem estar devidamente habilitado para o efeito, pois não lhe foi outorgada qualquer procuração pela Cabeça de Casal, praticou em nome da Apelante os seguintes actos:
- Requerimento com referência do citius 1372867, em 15 de Março de 2012, processo físico a fls. 735 a 739;
- Requerimento com referência do citius 1398440, em 20 de Abril de 2012;
- Requerimento com referência do citius 1758183, em 21 de Maio de 2013, processo físico a fls 1890 a 1893.
13. Igualmente, o Dr. D…, sem estar devidamente habilitado recepcionou as seguintes notificações como mandatário da Cabeça de Casal:
- Notificação do despacho com referência 4906972, em 11 de Maio de 2012;
- Notificação do despacho com referência 5647395, em 31 de Maio de 2013;
- Notificação da Acta com referência 5670052, em 12 de Junho de 2013;
- Notificação da Acta com referência 5702987, em 28 de Junho de 2013;
- Notificação da Acta com referência 5725192, em 09 de Julho de 2013.
D) O nº 1 do artigo 48º do Código de Processo Civil dispõe: «1 – A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal».
E) «A expressão “em qualquer altura” utilizada no nº 1 do referido artigo, tem de ser interpretada no sentido de que a “ falta ou o vício não podem ser arguidos ou suscitados se processo já findou: só podem sê-lo enquanto a causa estiver pendente, qualquer que seja o estado em que o processo se encontre. (Alberto dos Reis. «Código do Processo Civil Anotado”. Vol. I, pág. 134). Também Rodrigues Bastos (Notas ao Código do Processo Civil, 1ª edição, pág. 139), escreve que a expressão “em qualquer altura” deve entender-se como significando “na pendência da causa”, ou seja, enquanto não houver decisão com trânsito, que ponha termo à instância”. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2005, in Col. Jur. Ano XIII, ano 2005, Tomo III, página 58.
F) No caso em apreço, os vícios resultantes dos pretensos mandatos assumidos nos autos pelos senhores Drs. C… e D… foram atempada e oportunamente suscitados pela Cabeça de Casal, imediatamente após o momento em que esta teve conhecimento, assim, quando constatou que aqueles mesmos praticaram abusivamente (sem o seu consentimento) actos em seu nome, sem, contudo, estarem devidamente habilitados, respectivamente, o Dr. C…, por não ter presente a sua situação de inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, e o Dr. D…, por abusivamente ter praticado actos em nome da Cabeça de Casal sem estar devidamente mandatado com procuração forense.
G) A argumentação do Tribunal recorrido para indeferir o pedido da Cabeça de casal, a saber: «considerar sem efeito todos os actos praticados pelo Senhor Dr. C…, desde o dia 01 de Setembro de 2011, com todas as consequências legais», viola manifestamente a lei e o supra citado acórdão do STJ, pois os presentes autos estão longe de chegar ao seu fim atentas as nulidades e ilegalidades ocorridas na tramitação do processo de inventário, e que ocorreram à revelia e desconhecimento da Cabeça de Casal.
H) O raciocínio que baseou a decisão do tribunal a quo, além do mais, padece de notório erro de apreciação quando refere: «que dos elementos constantes dos autos não resulta, nem sequer foi suscitado que, a Cabeça de Casal não tivesse no exercício pleno das suas faculdades mentais para compreender e entender o que se estava a passar, caso contrário deveria, nessa diligência dar conta que não estava a perceber as diligências que se estavam a efectuar», porquanto, a decisão recorrida, não tem presente, como se impõem, a elevada complexidade técnico/jurídica e o melindre das questões de direito que envolve a tramitação do processo de Inventário, sendo por essa primordial razão a necessidade do mandato judicial, particularmente em representação da Cabeça de Casal, atentos os meandros e a complexidade das citadas questões técnico/jurídicas que envolve o exercício do cabeçalato.
I) O despacho recorrido é manifestamente contraditório, pois, se por um lado mantém válidos todos actos praticados por pessoas que não estavam devidamente habilitados para exercer o mandato em nome Cabeça de Casal, por outro, manda dar cumprimento ao Requerido pela Cabeça de Casal no ponto II do seu requerimento junto aos autos a fls. 1924 a 1926, ou seja, manda extrair e remeter certidões à Procuradoria-Geral da República e ao Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, com vista a eventual instauração dos competentes procedimentos para aferição de responsabilidade criminal e/ou disciplinar e ainda, relega para momento posterior análise das questões vertidas a fls 1931 e seguinte, 1957 e 1958, 1962 a 1965 (!!!).
J) A falta e/ou irregularidade do mandato gera OBRIGATORIAMENTE a ineficácia dos actos praticados pelo mandatário, levando à supressão de todos os actos por ele praticados sem que esteja devidamente investido mandato, bem como, responsabilizando pelas custas do incidente, caso se demonstre que agiu sem a necessária diligência ressarcindo os prejuízos a que tenha dado causa – Vide Acórdão do STJ de 14 de Fevereiro de 1991, in BMJ, nº 404, pág. 343.
K) Os mandatários judiciais, regularmente constituídos, intervêm nos processos judiciais, nomeadamente no processo de Inventário, e nessa legitima qualidade têm a obrigação de, ai, e de conformidade com as normas deontológicas assumirem as boas práticas com vista à defesa dos legítimos interesses e direitos dos cidadãos seus constituintes.
L) Só os advogados e advogados estagiários com inscrição na Ordem dos Advogados podem exercer o mandato judicial (Artigo 61º do Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei 15/2005, de 26 de Janeiro).
M) Nos processos de inventários é obrigatória a intervenção de advogado quando e sempre que se suscitem questões de direito.
N) Compulsados os autos, constata-se que desde o dia 01 de Setembro de 2011 até ao dia 09 de Julho de 2013, foram, pelas partes, suscitadas inúmeras questões de direito que, necessariamente, careciam de estudo e concreta ponderação por parte do mandatário judicial da Cabeça de Casal, para os quais o Dr. C…, atenta a sua inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, quer por acção, quer por omissão, não estava devidamente habilitado para o fazer.
O) Não obstante o facto da Cabeça de Casal se encontrar no pleno exercício das suas faculdades mentais, a mesma, para o efeito, carecia do efectivo acompanhamento técnico/jurídico de mandatário judicial, devidamente habilitado, sendo que, por essa mesma razão, e em erro, a levou a contratar os serviços do citado Senhor Dr. C….
P) O mandato judicial conferido a advogado não se destina a colmatar qualquer “ausência de faculdades mentais” como é referido na douta decisão de que se recorre, mas, tão só, para garantir ao mandante a boa expectativa da realização da justiça e da concretização do caso concreto.
Q) Por via do referido erro quanto a constituição do dito patrocínio, veio a Cabeça de Casal a concluir pela frustração quanto a defesa dos seus legítimos interesses, através dos referidos actos praticados por quem, de facto, carecia de todo de legitimidade para, em seu nome o fazer.
R) Ao tribunal a quo cabia, conforme requerido, conhecer dos fundamentos no mesmo aludidos e, assim, decidir-se pelo conhecimento do embuste em presença que, tendo tido a sua origem no manifesto erro a que se alude (sua representação por pessoa não habilitada) afectará com toda a certeza os direitos e interesses da Cabeça de Casal.
S) Mal andou o tribunal a quo ao indeferir o requerido pela Cabeça de Casal quanto ao dever-se considerar sem efeito todos os actos praticados pelo aludido Senhor Dr. C…, desde o dia 01 de Setembro de 2011 até à data da revogação do pretenso mandato, com todas as consequências legais, porquanto tal decisão incorre num manifesto erro de aplicação das normas jurídicas a que está subordinado o caso em apreço, nomeadamente o artigo 48º do Código de Processo Civil, os artigos 247º e 251º ambos do Código Civil e os artigos 20º, 202º, nº 1 e 2 e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
T) Donde, e dado que os actos praticados pelos citados Senhores Drs. C… e D…, o foram com insuficiência de mandato, porquanto estes não se encontravam devidamente habilitados para o exercício do mandato da Cabeça de Casal, e por isso, não tendo assim qualquer valor, deverão tais actos serem considerados inexistentes ou nulos desde o dia 01 de Setembro de 2011 e, consequentemente, serem repetidos, com todas as consequências legais.
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Devidamente notificados, vieram os interessados F…, G…, H… e I… e marido J… contra-alegar concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar:

a)- saber se devem, ou não, ficar sem efeito todos os actos praticados nos autos, pelo Exº mandatário constituído, a partir de 01 de Setembro de 2011 por, a partir dessa data não ter a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria factual a ter em conta no presente recurso é a que consta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III. O DIREITO

Como atrás se deixou referido a única questão que no recurso vem colocada prende-se com:
a)- saber se devem, ou não, ficar sem efeito todos os actos praticados nos autos, pelo Exº mandatário constituído, a partir de 01 de Setembro de 2011 por, a partir dessa data, não ter a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.
Antes, porém, de entrarmos na apreciação da enunciada questão convém definir o regime legal que lhe é aplicável.
Nas normas transitórias da Lei 41/2013 de 26/06 que aprovou o Novo Código de Processo Civil, prevê-se no artigo 5.º, nº 1, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável ás acções declarativas pendentes.
Aplicando o regime previsto no artigo 12.º do CCivil ao processo civil resulta que na área do direito processual, a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
Como refere Antunes Varela: “(…) a ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos (para não atingir efeitos já produzidos por este), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”.[1]
Portanto, a nova lei aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor, pelo que os actos praticados ao abrigo da lei antiga devem ser apreciados em conformidade com esta lei.[2]
Assim, tendo em conta que estamos perante um processo de inventário e que o mandato foi conferido por procuração datada de em 12 de Outubro de 2009 e a falta de inscrição na Ordem dos Advogados se reporta a Setembro de 2011, é à luz da lei adjectiva anterior que a questão tem ser apreciada.
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Referindo-se os presentes a um processo de inventário estatuía o artigo 32.º, nº 3 do anterior CPCivil que:
Nos inventários, seja qual for a sua natureza ou valor, só é obrigatória a intervenção de advogados para se suscitarem ou discutirem questões de direito”.
Resulta, portanto, deste normativo que no âmbito do processo de inventário a constituição de mandatário só era obrigatória quando fosse necessário colocar questões de direito ou discuti-las.[3]
No caso em apreço a apelante optou por constituir mandatário nos autos sem que se estivesse perante qualquer das situações acima referidas, sem embargo, como é evidente, de durante a pendência da causa se virem a suscitar e discutir as referidas questões.
Também decorre dos autos com meridiana clareza que o mandato constituído a favor do Dr. C… pela cabeça-de-casal em 12 de Outubro de 2009 era válido e regular tendo sido formalmente conferido através da respectiva procuração.
Acontece que, o Dr. C… deixou de ter a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, desde o dia 01 de Setembro de 2011.
A questão que agora se coloca é esta: que repercussão tem o facto de a inscrição na Ordem dos Advogados já não estar em vigor relativamente aos actos que no processo foram praticados pelo mandatário em momento posterior a 01 de Setembro de 2011?
A apelante entende que tais actos se devem considerar inexistentes ou nulos, devendo os mesmos ser repetidos.
Na decisão recorrida indeferiu-se o pedido feita pela cabeça-de-casal de se considerar sem efeito todos os actos praticados pelo mandatário a partir daquela data.
Quid iuris?
Estatui o artigo 61.º, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados[4] que:
Sem prejuízo do disposto no artigo 198.º, só os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar actos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto”.
Decorre deste inciso legal que só podem exercer a advocacia os licenciados em direito que tenham a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, ou seja, no caso em apreço dúvidas não existem de que o mandatário em causa, por que não tinha a sua inscrição em vigor na Ordem, não podia, a partir da data supra referida, praticar actos próprios da advocacia.
Mas quando isso aconteça, ou seja, quando o advogado esteja a praticar, no âmbito do processo, aqueles actos sem ter a sua inscrição em vigor na Ordem, que consequências daí advém sob o ponto de vista processual?
A esta questão responde o artigo 183.º do Estatuto da Ordem que estipula o seguinte:
1 - Os que transgredirem o preceituado no n.º 1 do artigo 61.º são, salvo nomeação judicial e sem prejuízo das disposições penais aplicáveis, excluídos do processo por despacho do juiz ou do tribunal, proferido oficiosamente, mediante reclamação apresentada pelos conselhos ou delegações da Ordem dos Advogados ou a requerimento dos interessados.
2 - Deve o juiz, no seu prudente arbítrio, acautelar no seu despacho dano irreparável dos legítimos interesses das partes.
3 - O transgressor é inibido de continuar a intervir na lide e, desde logo, o juiz nomeia advogado oficioso que represente os interessados, até que estes provejam dentro do prazo que lhes for concedido sob pena de, findo o prazo, cessar de pleno direito a nomeação, suspendendo-se a instância ou seguindo a causa à revelia.
Segundo este normativo, os que transgredirem o preceituado no n.º 1 do artigo 61.º (não inscrição em vigor) serão, salvo nomeação judicial e sem prejuízo das disposições penais aplicáveis, excluídos por despacho do juiz ou do tribunal, proferido oficiosamente, por reclamação dos conselhos ou delegações da Ordem dos Advogados ou a requerimento dos interessados e o transgressor será inibido de continuar a intervir na lide e desde logo o juiz nomeará advogado oficioso que represente os interessados, até que estes provejam dentro do prazo que lhes for marcado sob pena de, findo o prazo, cessar de pleno direito a nomeação, suspendendo-se a instância ou seguindo a causa à revelia.
Bom, mas diz a apelante, a partir daquela 01 de Setembro de 2011, existe falta ou irregularidade do mandato, situando, portanto, a questão no âmbito do artigo 40.º do CPCivil (artigo 48.º do NCPCivil) ainda aplicável, como acima se referiu, ao caso dos autos.
Cremos que existe, salvo o devido respeito, um manifesto equívoco por parte da apelante.
É a seguinte a redacção do artigo 40.º do CP.Civil, epigrafado de “falta, insuficiência e irregularidade do mandato”:
1. A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2. O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado. Findo este prazo sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.
3. Sempre que o vício resulte de excesso de mandato, o tribunal participa a ocorrência ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados.
O mandato forense é uma sub-espécie do contrato de mandato, definido no artigo 1157.º do Código Civil como aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.
Por sua vez, a procuração é definida no artigo 262.º, nº. 1, do mesmo diploma legal como acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.
O mandato e a procuração não se confundem, podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele.[5]
O poder de praticar os actos é conferido ao mandatário, pelo mandante, através do mandato; a procuração apenas representa a exteriorização desses poderes.[6]
De facto, não é essencial à existência do mandato a outorga da procuração.
Há que atender à distinção entre mandato com representação ou mandato representativo-que se verifica quando ao lado do mandato, que impõe ao mandatário a obrigação de celebrar um acto por conta do mandante, existe a procuração, que uma vez aceita, obriga o mandatário procurador, em princípio, a celebrar o acto em nome daquele e mandato sem representação-aquele em que o mandatário age em seu próprio nome; aqui o mandante confia ao mandatário a realização em nome deste, mas no interesse daquele, a realização de uma acto jurídico relativo a interesses pertencentes ao primeiro, assumindo o segundo a obrigação de praticar esse acto.[7]
Ora, tal como o mandato se não identifica com a representação, também a procuração se não confunde com nenhuma dessas figuras jurídicas. A representação não pressupõe necessariamente a procuração, visto poder resultar doutros negócios jurídicos (prestação de serviço, sociedade, etc.), ou da lei (representação legal). Por sua vez, o mandato, como contrato celebrado entre mandante e mandatário, também se distingue da procuração, visto não ser essencial nele a atribuição de poderes representativos.[8]
O mandato é um contrato, a procuração é um acto unilateral. O primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem. O segundo confere o poder de os celebrar em nome de outrem.
O que, efectivamente, origina os poderes existentes no mandatário não é a procuração; a procuração, no sistema do CCivil actual, mais não é que o meio adequado para exercer o mandato.
O contrato existente entre o advogado e o cliente é o de mandato com representação, quer haja ou não procuração constante de instrumento, o qual só é indispensável nos termos do artigo 262.º, nº. 2, do Código Civil, quando tenha de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador tenha de realizar.
Há, no entanto, especiais exigências de forma quanto ao modo como se confere o mandato judicial em processo civil, constantes do artigo 35.º do CPCivil.
Aí se estipula que o mandato judicial pode ser conferido por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial (al. a) ou por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo (al. b). Outros modos de exteriorização do mandato judicial não são admissíveis em processo civil.
Dito isto, parece-nos, ser enganadora a epígrafe de “falta, insuficiência e irregularidade do mandato” plasmada no artigo no artigo 40.º do CPCivil.
Efectivamente, o seu n.º 1 deixa expresso que do que aí se cura é da falta de procuração e da sua insuficiência ou irregularidade.
Pressuposto do funcionamento do mecanismo previsto no n.º 2 do aludido art.º 40.º será, pois, a falta, insuficiência ou irregularidade da procuração, e não um qualquer vício que afecte o contrato de mandato que lhe subjaz, que de resto nem tem que ser junto aos autos.
Assim sendo, exista ou não contrato de mandato válido, tenha ou não sido subscrita procuração conferindo poderes forenses ao mandatário, se ela não for junta aos autos, falta, de todo, a procuração, recaindo a hipótese sob a previsão do citado 40.º.
Ora, postos estes considerandos, torna-se evidente de que, no caso concreto, não vindo posta em causa a falta de mandato nos termos sobreditos, também não se está perante a previsão de falta, insuficiência ou irregularidade de procuração, aliás, até existem duas, uma outorgada em 12 de Outubro de 2009 e outra em 12 de Junho de 2013, este última até com poderes especiais de representação no âmbito do processo.
Significa, portanto, que aqui temos de distinguir dois planos diferenciados.
Não restam dúvidas que entre a apelante e o respectivo advogado, Dr. C…, se constituiu uma relação contratual de mandato, tendo o mandato judicial sido conferido através de procuração válida e regular.
E o advogado em causa exerceu tal mandato até à altura em que a apelante procedeu à sua revogação em 25 de Julho de 2013.
Como assim, todos os actos praticados nos autos até à referida revogação do mandato são plenamente válidos e eficazes.
E tal validade não a perderam pelos simples facto de o mandatário a partir de certa altura não ter em vigor a sua inscrição na Ordem dos Advogados. Aquela falta não atinge os actos processuais que até a revogação do mandato foram sendo praticados.
Validade que nem sequer está dependente de qualquer ratificação, pois que, os actos do mandatário em causa, foram, ou é como se tivessem sido, praticados pela apelante através de mandatário constituído.
Uma coisa é relação de mandato forense que se estabeleceu entre a apelante e o advogado, que se deve pautar por uma confiança recíproca, sendo que, o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (cfr. artigo 92.º do EOA).
Configura-se aqui uma relação processual cujo próprio étimo acaba por radicar em princípios constitucionais, pois que, no artigo 20.° da Constituição consagra-se o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça e o Estatuto da Ordem dos Advogados considera o advogado um servidor da justiça e do direito, concepção essa que o artigo 85.º do EOA, desenvolve ao enumerar os deveres do advogado para com a comunidade.
Outra coisa completamente distinta, da que se acaba de referir, é a derivada do cumprimento ou incumprimento dos deveres do Advogado com a respectiva Ordem e a respectiva sanção.
Questão de natureza corporativa, onde se entrecruzam interesses profissionais e o interesse público na existência de patamares de ética e deontologia e que só, indirectamente, poderá ter efeito na posição do advogado no processo e que deverá ser regulada no próprio Estatuto.
E, este ponto de contacto não é, manifestamente, a importação automática para o processo da sanção aplicada no processo disciplinar pela Ordem, mas sim o de conjugar a manutenção de actos processuais praticados de forma regular com as consequências que a eventual sanção deverá ter na posição processual do advogado em causa.
É exactamente pela sua perspectiva coincidente com os pontos de vista expostos que o Estatuto da Ordem dos Advogados veio regular tal situação referindo que as penas disciplinares, iniciam a produção dos seus efeitos no dia seguinte àquele em que a decisão se torne definitiva (artigo 168.º do EOA), e que os que transgredirem o preceituado no n.º 1 do artigo 61.º (inscrição não em vigor) do mesmo diploma legal têm a sanção processual aí prescrita e já atrás mencionada.
Não se trata de uma patologia processual mas tão somente de um poder-dever que impende sobre o juiz de inibir o transgressor de continuar a intervir no processo a partir do momento em que tal situação lhe é comunicada.
Na verdade, só quando o juiz toma conhecimento da infracção é que pode aplicar o mecanismo inibitório e não se vislumbra, qual o motivo pelo qual os actos praticados anteriormente por Advogado constituído com base numa de relação de confiança deverão ser objecto de desconfiança processual.
Até ao momento em que o juiz o determina, de acordo com o conhecimento que lhe é dado, o Advogado nomeado ou constituído mantém a plenitude das suas funções.
Portanto, uma superveniente crise do advogado nas suas relações com a Ordem que integra, e respectiva aplicação de sanção por esta Instituição, é patologia que só reflexamente poderá ter repercussão no processo e de forma alguma se poderá afirmar que se trata de uma situação de falta insuficiência ou de irregularidade do mandato como defende a apelante.
Estamos, como já se sublinhou perante um regime específico quanto aos feitos processuais de advogado não inscrito onde, como nos parece evidente, também não há lugar para aplicação do regime geral das nulidades processuais previsto nos artigos 193º e ss. do CPCivil.
Aliás, no caso sub judice ao que saiba nem o juiz do processo teve que lançar daquele mecanismo inibitório, tendo sido a apelante que, ao revogar o mandato, pôs termo a intervenção processual do causídico em causa.
Por outro lado, também não existe qualquer contradição no despacho recorrido como defende a apelante.
Com efeito, não obstante se considerarem válidos todos actos praticados no processo, daí não se segue que o Advogado, não possa sofrer outras sanções quer a nível disciplinar quer a outro nível, tenha-se em atenção que o artigo 183.º, nº 1 do EOA fala das sanções processuais já atrás descritas, mas sem prejuízo das disposições penais aplicáveis.
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Decorre, assim, do exposto que não existe fundamento legal para que se considerem inexistentes ou nulos todos os actos processuais praticados pelo advogado Dr. C…, a partir de 1 de Setembro de 2011, e por consequência sejam repetidos, não podendo, pois, ser declarada sem efeito a intervenção daquele mandatário, antes se aproveitando toda a sua actividade, que foi exercida em nome e em representação da apelante.
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No que tange aos actos praticados pelo Dr. D…, torna-se evidente que este tribunal não pode conhecer dessa questão, já que, sobre ela o despacho recorrido não se pronunciou sendo, como tal, uma questão nova cujo conhecimento nos está vedado.
Com efeito, os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas.
Por esse motivo, se entende que não é lícito invocar em sede de recurso questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.
Esta regra decorre, designadamente, dos artigos 627.º, n.º 1, 635.º, n.º 3 e 665.º, n.º 2 e 5 do CPC, apenas excepcionada quando a lei expressamente determine o contrário[9] ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso.[10]
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida embora por diferente fundamentação.
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Custas da apelação pela apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 9 de Fevereiro de 2015.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome (dispensei o visto)
Macedo Domingues (dispensei o visto)
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[1] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2ª Almedina, pág. 49.
[2] Antunes Varela, ob. citada pág. 54.
[3] Sobre exemplos de algumas questões de direito veja-se Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, pág. 46.
[4] Lei 15/2005, de 26 de Janeiro.
[5] Cfr. Pessoa Jorge, O Mandato sem representação nº 3; Ferrer Correia, A procuração na teoria da representação voluntária, no Bol. da fac. de Direito de Coimbra, CCIV, pág. 253 e RLJ, ano 109º-125 e 112º-219 ss.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 16/04/96, in C.J. -Acs. STJ, 1996, T. 2, pág. 22.
[7] Cfr. P. Lima e A. Varela., CCivil Anotado a pág. 505; P. Jorge, obra citada, pág. 411; Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, pág. 274 e Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3º-399.
[8] Cfr. P. Lima e A. Varela, ob. cit., em anotação ao artigo 1157º.
[9] Veja-se, assim, o disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC que permite a supressão de um grau de jurisdição, desde que verificados os pressupostos ali mencionados.
[10] Conforme se alude expressamente na parte final do n.º 2 do artigo 608.º do CPC.