Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23/10.1TBBGC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CLÁUSULA RESOLUTIVA
RESOLUÇÃO EM RELAÇÃO A CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP2014060523/10.1TBBGC.P1
Data do Acordão: 06/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA.
Área Temática: .
Sumário: I- Se nem nas conclusões nem no corpo das alegações o recurso contém as especificações previstas no art. 640/1 do CPC não há impugnação da matéria de facto.
II- Não tem eficácia uma cláusula resolutiva expressa que tenha como pressuposto, sem mais, a violação de uma qualquer obrigação contratual, pelo seu carácter genérico e impreciso.
III- Uma declaração de resolução com base em fundamentos que não se provam não é igual a uma resolução ilícita, nem configura, sem o adicionamento de outras circunstâncias, uma recusa categórica em cumprir o contrato equivalente a um incumprimento definitivo.
IV- Uma declaração de resolução em relação a contratos por tempo indeterminado pode equivaler a uma denúncia sem pré-aviso do contrato, com eventual direito a indemnização pelos danos causados à contra-parte pela falta de pré-aviso, danos que têm de ser alegados em concreto (se a contra-parte for um franquiador).
V- Litiga de má fé quem apoda de falso um contrato apresentado pela contraparte como elemento da causa de pedir, pondo também em causa as assinaturas que lá constavam como suas, provando-se a final que o contrato e as assinaturas eram genuínos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Acção ordinária 23/10.1TBBGCdo 1º Juízo Tribunal Judicial de Bragança

Sumário:
I. Se nem nas conclusões nem no corpo das alegações o recurso contém as especificações previstas no art. 640/1 do CPC não há impugnação da matéria de facto.
II. Não tem eficácia uma cláusula resolutiva expressa que tenha como pressuposto, sem mais, a violação de uma qualquer obrigação contratual, pelo seu carácter genérico e impreciso.
III. Uma declaração de resolução com base em fundamentos que não se provam não é igual a uma resolução ilícita, nem configura, sem o adicionamento de outras circunstâncias, uma recusa categórica em cumprir o contrato equivalente a um incumprimento definitivo.
IV. Uma declaração de resolução em relação a contratos por tempo indeterminado pode equivaler a uma denúncia sem pré-aviso do contrato, com eventual direito a indemnização pelos danos causados à contra-parte pela falta de pré-aviso, danos que têm de ser alegados em concreto (se a contra-parte for um franquiador).
V. Litiga de má fé quem apoda de falso um contrato apresentado pela contraparte como elemento da causa de pedir, pondo também em causa as assinaturas que lá constavam como suas, provando-se a final que o contrato e as assinaturas eram genuínos.


Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

B....., Lda, intentou a presente acção contra C....., D..... e mulher E....., pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a pagar-lhe 38.640€, acrescidos de juros de mora vincendos, desde a citação.
Alega, em síntese, ter celebrado com C1….. Unipessoal, Lda, em 11/7/2005, um contrato de franquia pelo qual esta exploraria, de forma independente e sem vínculo de subordinação, uma clínica estética, integrando a rede de clínica F.....; desse contrato constava a obrigação, a cargo da franquiada, de contribuir para um fundo o que nunca fez; em 2/5/2008, a franquiada resolveu o contrato, com efeitos imediatos, mas sem justa causa, visto os fundamentos alegados serem falsos – uma vez que a autora sempre cumpriu com as suas obrigações – e de todo o modo nunca justificariam a resolução do contrato; a título da referida contribuição para o fundo, estão em dívida 18.360€ correspondentes ao período que decorreu [desde Janeiro de 2006] até Maio de 2008 [= (250€ + 150€ = 400€ x 9 meses = 3600€ + 20% de IVA) e (500€ + 150€ x 18 meses) = 11.700€ + 20% de IVA], e a quantia de 20.280€ correspondente ao período que decorreu entre Junho de 2008 e a data do terminus normal do contrato [Julho de 2010 = 26 meses x 650€ + 20% IVA] – e que é devida por inexistir fundamento para a resolução sem justa causa –; a 1ª ré era a única sócia e gerente da franquiada que, porém, veio a ser dissolvida e liquidada, e assim extinta, pelo que a 1ª ré responde pelo passivo até ao montante recebido na partilha (art. 163/1 do Código das Sociedades Comerciais); os 2º réus, por sua vez, constituíram-se fiadores e principais pagadores, respondendo solidariamente.
Os réus contestaram, entre o mais excepcionando a sua ilegitimidade passiva (a 1ª ré por não ser parte no contrato, e os 2º réus por serem fiadores da sociedade unipessoal e não da ré) e impugnando: o escrito do contrato de franchising, junto com a petição inicial, não corresponde ao que havia sido acordado, até porque jamais teriam assinado um contrato como aquele, com cláusulas abusivas, pelo que o mesmo é, na sua globalidade, nulo [dizem que é falso no art. 3 da contestação e reforçam no art. 15 dizendo que é falso quanto à forma e quanto às assinaturas e rubricas do mesmo, o que desenvolvem até ao art. 49 da contestação].
Em reconvenção, alegaram que aderiram à rede de franquia porque a autora, de forma ardilosa, e, designadamente, através de um estudo de viabilidade e da visita à clínica “mãe” em Coimbra, os convenceu de que se tratava de um grupo dinâmico, com qualidade e com rendimento assegu-rado, com realização do capital investido em 3 anos; mas nada disto no essencial se confirmou, o que se deveu à conduta da autora, com incumprimento do contrato e por falseamento do estudo de viabilidade, acabando os réus por sofrer prejuízos no total de 181.733,52€.
Concluem, pedindo, para além da procedência daquela excepção e da improcedência da acção, que a autora fosse condenada a pagar-lhes 181.733,52€, acrescidos de juros à taxa legal comercial, calculados desde o dia da notificação da reconvenção até ao pagamento; e, como litigante de má-fé, a pagar-lhes uma indemnização nunca inferior a 5.000€ para poderem fazer face às despesas a que se viram obrigados incluindo as dos honorários do mandatário que se viram obrigados a constituir.
A autora replicou impugnando a excepção e a matéria da reconvenção e sustentando que os réus litigam de má-fé, pelo que pede a correspondente condenação em multa e indemnização de 5000€ a seu favor; excepciona a ilegitimidade dos réus para deduzirem o pedido reconvencional, porque os prejuízos seriam da franquiada e não dos réus. A autora notificou, como se impunha, a réplica aos réus.
Realizada a audiência preliminar, nela foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade passiva dos réus e procedente a excepção da ilegitimidade dos 2ºs réus para deduzirem reconvenção, com a consequente absolvição da autora da instância nessa parte.
Depois de realizado o julgamento, foi, a 08/01/2014, proferida sentença na qual se julgou:
“1. Improcedente a excepção de nulidade do contrato;
2. Parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenando a autora a pagar à ré Rita a quantia, cujo montante será apurado em liquidação ulterior, correspondente aos rendimentos que a franquiada não pode auferir por causa das avarias do equipamento em causa, desde o início do contrato até 02/05/2008;
3. Parcialmente procedente a acção, e, em consequência condenando os 1º e 2º[s] réus, a pagarem, à autora, uma quantia correspondente àquela que vier a ser apurada para o crédito acabado de referir em 2, até ao montante de 38.640€.”
E ainda foi determinado que os pagamentos sejam oferecidos em simultâneo. Os réus e a autora foram absolvidos do mais pedido. Os réus foram condenados como litigantes de má-fé, em 3 uc de multa e numa indemnização a favor da autora de 2000€, dos quais 1500€ serão pagos directamente ao mandatário da autora a título de honorários. As custas da acção e da reconvenção foram postas a cargo da autora e réus, em partes iguais, provisoriamente, ficando o acerto final dependente da liquidação [corrigiu-se agora o ponto 3, na parte entre parênteses rectos, visto que não há um ‘segundo’ réus mas sim ‘segundos’ réus].
Os réus recorrem desta sentença – para que seja revogada - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Em reconvenção os réus alegaram as suas razões, devidamente fundamentadas que os levaram a aderir à rede de franchising, que quase imediatamente verificaram não existir, pois pouco tempo depois da sua adesão, passaram até a ser a única unidade dita franchisada.
2. Face ao “logro” do fornecido estudo de viabilidade, o que resultou foi que, ao fim de 3 anos, a clínica dos réus teve resultados líquidos acumulados negativos de - 158.633,52€. Facto 31 dado como provado, com base em documentos fiscais e em depoimento da testemunha economista, G….: “(…) os números eram muito significativamente abaixo dos números previsionais que o estudo apresentava, naturalmente de uma forma previsional, duma forma teórica. Mas o desvio era, de facto, extremamente significativo.”
3. Facto este que, logo no início da actividade da franchisada, se indiciou quando desde esta data até 02/05/2008 a Clínica facturou 79.467€. Facto 30 dado como provado, com base em documentos, conjugados com o depoimento da testemunha G…., economista, que referiu que “de facto a facturação da clínica foi muito baixa, os melhores meses não iam além dos três a quatro mil euros.
4. A ré perante um sistemático incumprimento, por parte da autora, e com os danos a serem diariamente agravados, em 02/05/2008, os réus com todas as fundamentações factuais rescindem o contrato de franchising, sem que tenha ocorrido qualquer reacção imediata da autora (facto 11 dado como provado).
5. A falta de pagamento das quantias mensais de 250€ e de 150€, acrescidas de IVA, entre Janeiro a Setembro de 2006, e entre Outubro de 2006 a Maio de 2008 (factos 12 e 13) ocorreu, essencialmente, porque a autor nunca enviou as respectivas facturas, para serem pagas as mensalidades em causa.
6. Aliás, prova disso mesmo, é a dissolução e encerramento da liquidação da Sociedade Unipessoal da ré C….. (facto 141 dado como provado), a qual nunca poderia ter ocorrido, se existissem dívidas da sociedade.
7. A sociedade ré rescindiu o contrato de franchising perante a autora, depois de já esmagadoramente prejudicada, e perante o silêncio e passividade desta.
8. A rescisão respeitou na sua fundamentação objectiva e subjectiva, os pressupostos previstos no art. 28, al. a) do “abusivo” contrato de franchising.
9. Daqui resulta que os réus não concordem e nem aceitem que, face ao incumprimento sucessivo da autora, hajam sido condenados a pagar a invocada disposição contratual referida no art. 28, 3 do contrato “abusivo” de franchising, no âmbito do qual a autora nunca assumiu as suas obrigações.
10. Apesar de ter recebido muito dinheiro dos réus que, iludidos por estudo de viabilidade “habilidoso e inconsistente”, os fez perder milhares de euros, como consta dos autos e supra se refere.
11. Deste modo, não se verifica que, quando da rescisão já referida e feita pelos réus em 02/05/2008, a estes fosse imputada falta de justa causa.
12. Não se concordando, assim, com a condenação dos réus no pagamento de montante a apurar relativamente a indemnização decorrente da cláusula 27ª do contrato de franchising, dado que a mesma se refere a situações rescisão sem justa causa: “O franchisado poderá rescindir livremente”.
13. Decorrendo, ainda da cláusula 28ª do mesmo contrato de franchising que este poderá ser rescindido “com justa causa”, quando se verifiquem as circunstâncias nele enumeradas, nomeadamente a al. a) – “violação de uma ou mais disposições deste contrato.”
14. Assim, para o efeito, os réus fundamentaram a sua justa causa de rescisão, conforme facto 11 da sentença recorrida dado como provado.
15. Sendo que no nº 3 da cláusula 28 do contrato de franchising, se estipula o pagamento de indemnização por cada mês que falte para o termo do período inicial ou da revogação em vigor, apenas nos casos em que a resolução do contrato seja por motivos imputáveis ao franchisado. O que no caso em concreto se não verifica, pois são totalmente imputáveis ao franchisador.
16. Deste modo, não decorre do contrato em apreço qualquer tipo de indemnização devida por parte do franchisado ao franchisador em situações de justa causa imputáveis a este, como é o caso (por interpretação a contrario da cláusula 28, nº 3 do contrato de franchising).
17. O incumprimento por parte da autora verifica-se, nomeadamente, com o facto n.º 28, dado como provado.
18. Como, também, nunca a autora cumpriu com a prática da medicina estética, colocando médicos da sua “dita” rede, tal como decorre da cláusula 1ª, al. a) do contrato de franchising.
19. Os pressupostos para a resolução contratual encontram-se preenchidos no caso em apreço, com os resultados negativos que sistematicamente foram obtidos, atingindo o valor de - 158.633,52, e para os quais contribuíram as avarias constantes nos equipamentos comprados à autora.
20. Sendo referido no ponto 11 dos factos provados, pelos réus a “diminuição duma forma assustadora do volume de facturação, não existindo qualquer inabilidade económica para que o contrato possa subsistir. Gradualmente, a facturação foi diminuindo, as expectativas que os clientes tinham relativamente à nossa clínica desapareceram…”.
21. Aliás, na sentença, ponto 6.1. - do direito, reconhece-se o incumprimento contratual da autora, no âmbito do equipamento, pois, impondo-se sobre a franquiada a obrigação de adquirir o equipamento à franqueadora, não deixa de ocorrer durante a vigência do contrato, uma má assistência prestada, que não permitiu a cabal prossecução da actividade franquiada.
22. O que a nosso ver constitui justa causa para a rescisão contratual, no âmbito da al. a), nº1 da cláusula 28 do contrato franchising.
23. Incumprimento que se presume culposo, nos termos da sentença recorrida, ponto 6.2. - do direito.
24. O extracto do conteúdo de doc. junto a fls 39 – “… terem feito uma elevada ponderação e análise económica”, o que, para o juiz a quo mostraria que o vício de erro não teria ocorrido, não pode ser interpretada da forma tão “simplista” e desintegrada do contexto onde se insere e se pode reler no ponto 11 dos factos provados.
25. Face ao supra alegado, os réus foram acreditando em aguentar a situação, sempre na positiva expectativa de a situação negocial poder vir a melhorar, conforme promessas permanentes do franchisador, como consta de documentos juntos aos autos, com a PI e pedido reconvencional.
26. Os réus recorrem, ainda, da condenação como litigantes de má fé, dado que, como ostensivamente consta dos autos, sempre e só estiveram com boa fé, vítimas de um contrato “abusivo” de franchising, e convictos que tinham razão, como supra alegam factualmente.
27. Intervieram no processo, na defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, e que, por si só, não implica, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 456, n.ºs 1 e 2, do CPC.
28. Os réus em todo o processo mostraram ter observado os deveres de probidade, de cooperação e de boa fé.
29. Os réus consideram que foram apanhados por uma decisão-surpresa, pois foram condenados sem ser decretada prévia audição.
30. Assim, considera-se ter sido violado o princípio do contraditório, cometendo-se uma nulidade que influi na decisão da causa, infringindo os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e do contraditório.
31. Os réus vendo-se confrontados com um contrato de franchising abusivo, com uma série de cláusulas ilegais, como aliás consta da sentença recorrida, e vendo-se “espoliados” de 158.633,52€; apenas puseram em causa a última folha do contrato de franchising e duvidaram da sua originalidade.
32. Nunca se furtaram às suas responsabilidades. Nunca deixaram de cumprir as suas obrigações contratuais, sujeitando-se mesmo a suportar por alongado tempo um contrato que os arruinou.
33. Verificou-se, ainda, que também e face às intervenções longas e provadas dos réus no processo, sempre se comportaram com dignidade, consciência e probidade. Juntaram dezenas de documentos sérios e sempre na defesa dos seus direitos.
34. E a autora? Reitera-se a estranheza de o mandatário da autora ser titular duma procuração datada de 29/04/2004, e a presente acção foi proposta em 2010. Tudo consta do processo. Pelo que deve ser considerada nula a condenação como litigantes de má fé.
Em requerimento posterior os réus juntaram aquilo que dizem ser a transcrição do depoimento prestado pelas testemunhas no julgamento. Não dizem ter notificado à autora essa transcrição.
A autora contra-alegou defendendo a improcedência do recurso, entre o mais chamando a atenção para a inexistência de impugnação da matéria de facto e levantando a questão prévia de as conclusões dos réus serem deficientes, complexas, destituídas de poder de síntese e omissas quanto às normas jurídicas violadas e o sentido em que estas deveriam ser interpretadas e aplicadas, pelo que eles deveriam ser convidados a sintetizá-las e completá-las com a indicação das normas jurídicas violadas e sentido em que devem ser interpretadas e aplicadas, sob pena de não se conhecer do recurso (art. 639/3 do CPC).
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Questões a decidir:
Porque os réus até juntam – embora aparentemente sem delas dar conhecimento à contra-parte – aquilo que aparenta ser a transcrição integral dos depoimentos de todas as testemunhas, importa esclarecer que, como a autora diz, não existe, realmente, impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Antes de mais, o art. 639/1 do CPC, sob a epígrafe de “Ónus de alegar e formular conclusões” diz: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”.
Ora, percorrendo as conclusões do recurso dos réus – que se transcreveram na íntegra para se poder confirmar o que se está a dizer - nada existe nelas que se traduza, minimamente que seja, numa indicação de uma qualquer parte da decisão relativa à matéria de facto de que peça a alteração ou anulação, menos ainda, logicamente, dos fundamentos por que tal deveria acontecer.
Mas, para além daquela norma, o art. 640/1 do CPC, ainda dispõe: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, quer nas conclusões do recurso dos réus, quer no corpo das alegações – com um texto quase igual, sendo este apenas um pouco mais extenso do que as conclusões, já que ocupa 5,5 páginas de texto com mais espaços em branco, enquanto que as conclusões ocupam 3,5 páginas de texto com menos espaços em branco - não há o mínimo de texto que tenha algo a ver com estas especificações.
Pelo que, repetindo, não há impugnação da decisão relativa à matéria de facto, sendo inúteis as transcrições integrais aparentemente [diz-se aparentemente porque não se esteve a confirmar se eram ou não transcrição integrais] apresentadas.
Assim sendo, não há questões a decidir quanto à matéria de facto.
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Assim, as questões a decidir são: a questão prévia; a justa causa da resolução do contrato; a indemnização por rescisão sem justa causa; a nulidade do contrato; a litigância de má fé.
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Questão prévia
A questão prévia levantada pela autora será melhor apreciada aquando de cada questão aparentemente levantada pelo recurso dos réus, com o esclarecimento, no entanto, que, dado que o corpo das alegações, como já referido, é quase idêntico ao texto das conclusões do recurso dos réus, a questão que eventualmente se porá não será a de falta de conclusões, mas a de falta de fundamentos para a anulação ou alteração da decisão.
É que se a falta de conclusões com as especificações exigidas por lei – art. 639/2 do CPC: “Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.” – for reflexo de no corpo das alegações nada se ter dito sobre isto, a consequência não será a prevista no art. 639/3 do CPC ao contrário do defendido pela autora, porque este apenas prevê o aperfeiçoamento das conclusões, não a introdução no corpo das alegações dos fundamentos do recurso.
É que o despacho de convite ao completamento conclusões depende de no corpo das alegações constar aquilo que falta nas conclusões. Caso contrário, o convite ao completamento das conclusões seria afinal um convite ao completamento das alegações, ou seja, a fazer constar do recurso aquilo que este não tinha, o que se traduziria, afinal, a possibilitar um recurso diferente do inicial, o que não está previsto na lei.
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Do recurso contra a decisão de direito
Para apreciação – eventual – das questões levantadas pelos réus importa ter em consideração os factos que foram dados como provados e que são os seguintes [os primeiros 20 vêm dos factos assentes e os restantes das respostas aos quesitos]:
1. A autora tem como objecto social a actividade de exploração de instituto de beleza, clínica estética, prestação de serviços de bem-estar físico e psicológico, tratamentos corporais, comercialização de produtos naturais, produtos dietéticos, de estética, cosméticos e de higiene pessoal, aluguer de equipamento, importação e exportação de equipamento, produtos naturais, dietéticos, cosméticos, bens pessoais e afins.
2. A autora, a sociedade C1…, Unipessoal, Lda, D..... e E….., subscreveram, a 11/07/2005, o documento a fls. 19 a 26 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
3. Do art. 18 do documento referido em 2 consta: “A F…. franchisada será instalada na Rua …., lote n.º …, …, Bragança”.
4. Do art. 4 do documento referido em 2 consta: “A unidade franchisada irá prestar uma vasta gama de serviços de base que são os seguintes: - Tratamentos de rosto; - Tratamentos de corpo; - Depilação com IPL; - Tratamentos de estética; - Consultas de medicina estética; - Consultas de nutrição.
Todos os serviços de especialidade não previstos na listagem supra e que o franchisado pretenda prestar na sua clínica, terão de ser previamente autorizados, por escrito, pelo franchisador”.
5. Do art. 2 do documento referido em 2 consta:
“a) As partes declaram expressamente ser totalmente independentes uma da outra, e que todos os direitos e obrigações decorrentes do presente contrato excluem qualquer vinculo de subordinação ou relação laboral entre ambas, pelo que cada uma das partes agirá perante terceiros por sua conta e risco, não podendo de forma alguma, nenhuma delas contratar para, nem em nome de outra.
b) O franchisado exercerá a sua actividade comercial sob a sua própria razão social, no plano jurídico e no plano comercial, exclusivamente sob a arquitectura, insígnia, logótipo, modelos, produtos e combinações de cor F..... que, pelo presente contrato, recebe em “Franchising “, conjuntamente com o “know-how”, métodos e técnicas de acordo com o estipulado neste contrato.
c) A F..... é proprietária exclusiva e total da sua denominação comercial, das suas insígnias, do seu logótipo, das suas siglas, das suas combinações de cores e da sua arquitectura e, ainda, detentora exclusiva do referido “Know-How”, do seu sistema de “franchising”, dos seus métodos e técnicas de trabalho e dos seus produtos, que porá à disposição do franchisado, durante a vigência e nas condições do presente contrato”.
6. Do art. 3 do documento referido em 2 consta:
“a) O franchisador concede ao franchisado, durante o período de vigência do contrato, a exclusividade de exploração da F….., bem como de utilização da marca, logótipo, sinais distintivos e métodos de exploração na área de implantação territorial adiante descriminada.
b) A primeira outorgante tem direito ao uso exclusivo da marca F....., bem como à cedência do seu uso a terceiros, marca essa que se encontra registada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial sob o n.° 368710 a favor de H…., SA.
c) Junto do INPI, encontra-se em processo de registo a favor do franchisador o logótipo reproduzido no documento anexo sob o n.° 1, rubricado pelos outorgantes, que aqui dão como reproduzido para todos os efeitos legais.
d) A utilização dos sinais distintivos do franchisador é concedida e imposta ao franchisado através do presente contrato, os quais são e permanecerão como propriedade e direito de cedência de utilização exclusiva do franchisador.
e) O franchisado nunca poderá utilizar os sinais distintivos supra citados do franchisador para outros fins que não os previstos no presente contrato e nenhuma utilização deste, mesmo que de longa duração, concede quaisquer direitos ao franchisado sobre os mesmos excepto os previstos no presente contrato e durante a sua vigência.
f) O franchisador reserva-se o direito formal de alterar ou de completar a qualquer momento os sinais distintivos, ao que o franchisado dá expressa concordância.
g) No interesse de toda a rede de franchising o franchisado obriga-se a informar o franchisador, no mais curto espaço de tempo, e seja qual for o teor da origem da sua informação, de qualquer utilização não autorizada e de qualquer imitação por parte de terceiros dos sinais distintivos do franchisador, bem como, da utilização por parte de terceiros de qualquer outra forma de identificação susceptível de se prestar a confusão, mesmo foneticamente, com os do franchisador.
h) O franchisado obriga-se a não alterar, por qualquer forma os sinais distintivos do franchisador, nem acrescentar palavras, sinais, desenhos, cores ou outros símbolos, excepto se a tal for autorizado, por escrito, pelo franchisador.
i) O franchisado obriga-se a utilizar os sinais identificativos do franchisador no estabelecimento comercial, comunicação, marketing, e correspondência comercial, com a finalidade de reforçar a imagem de marca e reforçar a identidade da rede de franchising. A utilização dos sinais distintivos do franchisador deverá ser previamente autorizada por escrito por este”.
7. Dos arts 7, 9, 14, 15 e 16 do documento referido em 2 consta:
“a) todos os produtos a comercializar e a serem utilizados nos tratamentos a ministrar na F..... franchisada, serão adquiridos pelo franchisado directamente ao franchisador, à central de compras por este indicada ou a fornecedores referenciados/autorizados pelo franchisador devendo, no ultimo caso, obter prévia autorização escrita.
b) O franchisador poderá determinar, quando lhe aprouver, a alteração da central de compras ou de fornecedores autorizados, ao que o franchisado dá o seu acordo.
c) O franchisador, sempre que se mostre pertinente, pode sugerir alterações na listagem dos equipamentos e produtos a comercializar e a utilizar na prestação de serviços da unidade franchisada. A introdução de qualquer alteração depende da prévia autorização escrita do franchisador.
d) Os pagamentos dos produtos, fornecidos pelo franchisador ou pela central de compras por ele indicada, serão efectuados pelo franchisado no prazo de trinta dias da data da factura:
“O franchisado obriga-se na exploração da sua F....., a seguir as normas, critérios, modelo de gestão, imagem de marca, métodos de comunicação, promoção e venda de serviços e produtos determinados pelo franchisador;
“a) o franchisado deverá praticar deverá praticar os preços de venda de produtos e de prestação de serviços determinados na tabela de preços recomendados fornecida pelo franchisador.
b) Atendendo às condições particulares do mercado onde se situa cada uma das F....., poderão ser efectuados ajustamentos na tabela de preços, aumentando ou diminuindo o seu valor, o que só poderá ser efectuado mediante prévia autorização escrita do franchisador.
O franchisado obriga-se a permitir ao franchisador a realização de processos de auditoria, sempre que este entender conveniente, não lhe colocando quaisquer obstáculos ou dificuldades na realização das mesmas.
"a) O franchisado obriga-se a cumprir fielmente as normas e metodologias do negócio, nomeadamente as constantes dos manuais de procedimentos, relações com os clientes, imagem corporativa e arquitectura que nesta data lhe foram entregues, determinadas pelo franchisador, bem como a actualizar, a todo o momento, as suas técnicas e a prestação dos seus serviços, de acordo com as instruções que receber do franchisador.
Obriga-se ainda a fornecer à sua clientela um serviço de qualidade segundo as normas da F..... e a velar pela preservação do prestígio do nome de estabelecimento que lhe foi confiado pelo presente contrato.
b) O franchisado deve respeitar e usar adequadamente o logo-tipo que lhe foi cedido, bem como a denominação comercial, as insígnias, as siglas, os desenhos e as combinações de cores F….
O franchisado afixará a sua própria denominação comercial pessoal e/ou a sua qualidade de empresário independente ou societário, sempre com a menção “F..... - Unidade em Franchising”, no interior da sua clínica e num local visível.
c) O franchisado obriga-se a não modificar em nenhum caso a identidade específica F....., nem a forma ou grafismo, nem combinações de cores da denominação comercial, das insígnias, do logótipo ou das siglas postas à sua disposição pelo franchisador. Obrigando-se ainda, a não utilizar a referida identidade para nenhum outro fim, para além do previsto no presente contrato, e nenhuma utilização mesmo que de longa duração, poderá ser interpretada como qualquer tolerância ou autorização”.
8. Do art. 23 do documento referido em 2 consta:
“a) a titulo de direito de entrada na rede de franchising o franchisado pagou no acto da assinatura do presente contrato o valor de 6500€, acrescido de IVA.
A aludida verba destina-se, no montante de 5000€, a comparticipar o apoio de formação inicial e assistência no arranque e abertura da unidade franchisada, e 1500€, a assessoria de imprensa na inauguração.
O montante referido fica, desde já, a ser propriedade do franchisador, não podendo, o franchisado, reclamar o seu reembolso seja a que titulo ou natureza for.
b) A título de contribuição para acções de marketing e comunicação de âmbito nacional, assistência e apoio, o franchisado pagará ao franchisador, durante o primeiro ano após a abertura da clínica, os seguintes montantes: Durante os três primeiros meses não é devido o pagamento de qualquer quantia. Durante os restantes nove meses pagará, no primeiro dia do mês a que respeitar, o valor fixo de 2500€, acrescido do valor de 150€, por cada técnico qualificado ao seu serviço (esteticista, massagista, terapeuta, ou outro qualquer técnico qualificado para execução de tratamentos) seja seu funcionário ou prestador de serviços, valor sobre o qual acresce IVA à taxa legal em vigor.
A assistência e apoio previstos nesta alínea referem-se a assistência e apoio telefónico ou por e-mail e quatro visitas anuais realizadas pelo franchisador ou por quem ele indicar, com o máximo de trinta e duas horas por ano.
c) No segundo ano e seguintes pagará, no primeiro dia de cada mês a que respeitar, o valor fixo de 500€, acrescido do valor de 150€, por cada técnico qualificado ao seu serviço (esteticista, massagista, terapeuta, ou outro qualquer técnico qualificado para execução de tratamento) seja seu funcionário ou prestador de serviços, valor sobre o qual acresce IVA á taxa legal em vigor.
d) O valor referido na alínea anterior será actualizado anualmente, com início no terceiro ano de vigência do contrato, através da aplicação do índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatísticas, referente ao índice de preços ao consumidor sem habitação.
e) No calculo dos valores constantes nas anteriores alíneas b) e c) será sempre considerado no mínimo um técnico qualificado ao serviço do franchisado, mesmo que este não o tenha ao seu serviço.
f) A titulo de royalties o franchisado pagará ao franchisador a quantia mensal de 0€;
g) As intervenções e as acções não contempladas nas alíneas a) e b) desta cláusula serão pagas mediante orçamento prévio”.
9. A sociedade referida em B. abriu a clínica identificada no documento referido em B) a 29/09/2005.
10. Do art. 22 do documento referido em B consta “a) o presente contrato entre em vigor na presente data e terá uma duração de cinco anos”.
11. A sociedade indicada em 2 enviou à autora uma carta registada com aviso de recepção, datada de 02/05/2008, constando da mesma que
“Entre estas sociedades, em 11/06/2005 foi celebrado contrato de franchising através do qual resultam deveres e obrigações para ambos os outorgantes, sendo certo que a vossa empresa — franchisador - não tem cumprido com as obrigações contratuais a que se encontra vinculada, incumprimentos esses que pela sua gravidade e reiteração, colocam em causa a manutenção da relação contratual e são fundamento para a rescisão do contrato com justa causa, os quais se consubstanciam nos fundamentos que de forma sintética tentaremos expor, pois trata-se apenas de uma questão jurídico — formal plasmada em diversa correspondência por nós enviada a V. Exas, nomeadamente, no nosso mail datado de 16/01/2007, da nossa carta datada de 24/01/2008 e posteriormente na reunião efectuada no passado dia 30/01/ 2008.
Lamentamos, ainda, que cerca de dois anos e meio sobre o inicio do contrato de franchising e após várias solicitações da nossa parte para ponderar e avaliar de forma coerente a relação contratual existente, não se obtivesse, até à presente data, qualquer feed back (pois V. Exas continuam a não cumprir as vossas obrigações e deveres como franchisadores).
Relembramos que aquando da assinatura do contrato de franchising as expectativas que nos criaram foram francamente positivas. As exigências que nos forem colocadas, para abertura da clínica eram rigorosas, indo desde a contratação do pessoal, espaço físico equipamento informático e técnico. Tudo foi religiosamente cumprido pela nossa parte com empenho e dedicação profissional. O investimento inicial foi muito superior ao que indicaram inicialmente. Mas sempre na expectativa de termos um retorno do investimento efectuado de forma rápida e eficaz, decidimos após elevada ponderação e analise económica efectuada com base nos elementos que nos forneceram investir no vosso conceito.
Aquando da abertura da Clínica tínhamos ao nosso serviço a tempo integral 2 técnicas e eu na qualidade de Directora da Unidade Franchisada, tendo em conta o volume da prestação de serviços esperado. Por diversas vezes reclamamos o volume da facturação, que ab initio tem vindo a decrescer de uma forma assustadora não existindo qualquer inabilidade económica para que o contrato possa subsistir. Gradualmente a facturação foi diminuindo, as expectativas que os clientes tinham em relação à nossa clínica - Medicina Estética - desapareceram, pois a nossa clínica nada tem a ver com as unidades de estética publicitadas antes de assinarmos o contrato de franchising. Aliás o contrato na al. a) do nº 1 refere que “A F..... é especialista em tratamentos integrais de rosto e corpo... com o auxílio de conselhos nutricionais e acompanhamento médico, obtendo deste modo resultados muito eficazes e satisfatórios. Ficámos deveras desiludidos pois este conceito nunca funcionou na prática.
Refere mesmo que as F..... são unidades de saúde especializada em Medicina Estética, Emagrecimento e SPA’. Podemos afirmar de forma peremptória que fomos alvo de uma publicidade enganosa, sem qualquer dúvida sobre o teor desta afirmação.
Se assinámos um contrato de franchising com V. Exas a nossa forte aposta era a medicina estética, pois não existia em Bragança, e infelizmente nunca chegou a existir. Como é óbvio se fosse para ter um gabinete de estética não seria necessário um investimento inicial tão grande, e muito menos aderir a um franchising.
Reforçamos, que no mesmo artigo do contrato na al. b) e c), refere que o conceito F..... se deve caracterizar por uma estreita colaboração entre os outorgantes, pois cumpre-nos referir que não existe, nem nunca existiu essa colaboração com a agravante de nós na qualidade, de franchisados nunca termos tido qualquer apoio nas tarefas que exigem uma grande experiência, uma organização complexa o uma forte especialização.
Não podemos deixar de salientar a vossa inércia quanto à publicidade que prometeram efectuar e nunca fizeram. A mesma é praticamente nula. Pois não existem flyeres de qualidade que atraiam clientela à nossa clínica.
O vosso site esteve em construção cerca de dois anos... Foi reconhecido por V. Exas que no decorrer do ano de 2006 e 2007 tiveram algumas dificuldades, nomeadamente com o orçamento de marketing que era muito limitados com a baixa eficácia dos vossos assessores de comunicação. A questão é: Terão os franchisados culpa dos vossos “colaboradores” não serem eficientes? Quem vai liquidar os prejuízos suportados por nós até à presente data? Verifica-se frequentemente um atraso no envio dos spots publicitários, o que nos causa transtorno económico e consequentemente não produz quaisquer resultados. Se durante o ano de 2006 correu mal economicamente e a publicidade foi nula, em 2007, infelizmente não houve quaisquer melhoras significativas. No decorrer de 2008, piorou bastante. A estrutura do franchising da marca F….. passou a resumir-se a umas instalações suas na Rua da …., em Viseu, com um nº. de telefone que por coincidência ou não, é o mesmo da I…... Embora a denominação da empresa seja diferente os trabalhadores e representantes legais são os mesmos. Aliás quem nos vendeu todas as máquinas e equipamentos foi o Dr. J….. (para nós B….., Lda.) mas afinal vieram facturadas em nome da I…., Lda.
Sinceramente temos dificuldade em proceder à distinção destas duas entidades, uma vez que as mesmas se resumem unicamente a três trabalhadores/directores, não tendo nenhum deles qualquer especialização na área a que se dedica o franchising.
Por esses motivos, é obvio, que mês a mês a facturação foi diminuindo, pois a clientela apercebeu-se que as unidades franchisadas F..... estavam em decadência, pelo conhecimento que tiveram tal como nós, que as clínicas de Lema e Montijo, tiveram de fechar, concerteza por razões idênticas às que nós sempre alegámos. Pasme-se aquando da alteração vosso conceito do franchising que actualmente não refere Medicina Estética mas sim apenas Clínica de Estética, e da qual nunca fomos informados. Salientamos que desde Novembro de 2007, não existe qualquer publicidade aos nossos serviços, sendo este o impulso fundamental para que consigamos trabalhar de forma eficaz e com resultados visíveis.
Nos termos do art. 4 que tem como epígrafe “Dos serviços a prestar”, não temos até à presente data consultas de medicina estética entre outros serviços.
Mas este seria o principal e o “motor” da nossa clínica. Nos termos do art. 6 “Fornecimento de Equipamentos”, V. Exas forneceram e escolheram os equipamentos que entenderam ser úteis e necessários ao exercício da actividade da F....., no entanto, a assistência dada aos mesmos tem sido insuficiente, havendo frequentemente ruptura no stock quer de componentes dos equipamentos quer de produtos para venda.
Acresce a todo o elenco já mencionado, o incumprimento contratual da alínea c) do art. 10 do contrato de franchising, pois não existiu um plano de acreditação elaborado pelo franchisador referente à formação a ministrar, nunca tendo sido, até à presente data, emitido um certificado aos formandos no final do que apelidaram V. Exas de formação prévia. Aliás desconhecemos na íntegra se as técnicas que estiveram presentes na formação - se assim podemos apelidar os manuais que lhe foram entregues - obtiveram aproveitamento.
Nos termos do art. 11, verifica-se mais um incumprimento contratual por parte de V. Exas, pois será certamente, suficiente alegar que todos os Técnicos/ Directores da F..... chegaram e partiram no dia da abertura da nossa clínica.
Reforçando que, o apoio que seria essencial ao franchisado que se encontra de forma explícita no vosso contrato nunca foi cumprido. Lamentamos que não tivessem colocado uma qualquer pessoa experiente e qualificada na nossa clínica para que nos tivesse prestado o auxilio necessário de forma a reforçar os parcos conhecimentos que nos tinham facultado.
Em relação ao art. 13 do contrato de franchising existiu efectivamente uma alteração substancial nos serviços que o franchisador presta aos franchisados, nomeadamente de “Medicina Estética, Emagrecimento e SPA” passou para “Clínicas de Estética, Emagrecimento e SPA”, sem ter previamente informado o franchisado e ficando a unidade franchisada expressamente proibida de utilizar o anterior conceito na publicidade dos jornais e rádios locais, por nós efectuada e paga.
Face ao supra exposto e a todo o conteúdo da nossa carta datada de 24/01/2008, que aqui se dá por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos, vimos por este meio proceder à rescisão do contrato de franchising com justa causa nos termos do disposto no art. 28 do contrato de franchising, com efeitos imediatos.
Informamos que iremos retirar da nossa unidade franchisada nos termos do art. 33 do contrato, no prazo de 48 horas após a recepção desta carta, tudo o que se refere à entidade especifica da “F.....’, nomeadamente, denominação comercial, logótipo, insígnias, desenhos, sinalética e combinação de cores.
Agradecemos que informe como podemos dar cumprimento ao disposto no art. 32 do contrato de franchising, uma vez que os manuais e circulares que nos foram entregues por V. Exas estão à vossa inteira disposição nas nossas instalações”, conforme documento a fls. 38 a 42 dos autos cujo teor no mais se dá aqui por reproduzido.
12. Entre Janeiro a Setembro de 2006, a sociedade referida em 2 não pagou à autora, as quantias mensais de 250€ e de 150€, acrescidas de IVA.
13. Entre Outubro de 2006 e Maio de 2008, a sociedade referida em B não pagou à autora, as quantias mensais de 500€ e de 150€ acrescidas de IVA.
14. A sociedade C1…. Unipessoal, Lda, foi dissolvida e encerrada, tendo a dissolução e encerramento da liquidação sido registado através da AP 1/20081223.
15. Da sociedade referida em 2 era única sócia e gerente a Ré C......
16. Do art. 36 do documento referido em 2 consta “Os terceiros outorgantes, renunciando ao beneficio da excussão prévia, ficam por fiadores e principais pagadores do franchisado, pelo exacto cumprimento de todas as obrigações decorrentes do presente contrato e suas prorrogações mesmo em caso de actualização das contrapartidas financeiras nos termos nele previstos”.
17. Do art. 10 do documento referido em 2 consta “a) O franchisado, a directora da clínica e os respectivos colaboradores — recepcionista(s) e esteticista(s), receberão formação prévia na central de franchising em Coimbra, durante um período mínimo de 40 horas, dedicadas essencialmente à formação em procedimentos técnicos de funcionamento do conceito, atendimento ao cliente, informática, organização e gestão do negócio e em aspectos relacionais entre franchisado e franchisador.
b) Os custos com a formação para a abertura da unidade franchisada encontram-se incluídos no direito de entrada. Os custos com transportes, alojamento e alimentação da sua equipa, durante o período de formação, serão por conta do franchisado.
c) Atendendo a que existe um plano de acreditação elaborado pelo franchisador referente à formação a ministrar, será emitido um certificado a cada um dos formandos (incluindo médicos, nutricionistas e outros técnicos) no final da formação prévia, desde que tenham obtido aproveitamento.
d) O franchisado somente poderá ter ao serviço da sua F…. funcionários e/ou colaboradores a quem já tenha sido ministrada a formação acima referida e que na mesma tenham obtido aproveitamento, competindo exclusivamente ao franchisador certificar tal aproveitamento, nos termos do disposto nas alíneas anteriores.
e) O franchisado obriga-se a assistir, bem como a fazer assistir os seus funcionários e colaboradores, aos cursos de formação ou reciclagem determinados pelo franchisador, a ministrar na sua central de Coimbra ou noutros locais por este indicados, bem como às reuniões marcadas, para tais locais, assumindo o franchisado todas as despesas com deslocações e estadias”.
18. Do art. 27 do documento referido em 2 consta:
“a) O franchisado poderá rescindir livremente o presente contrato desde que o faça, por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 180 dias, sobre a data em que produzirá efeitos tal rescisão, devendo, em tal caso, indemnizar o franchisador no valor de 500€ por cada mês que falte para o ter-mo do período inicial ou da renovação então em vigor. Este valor será actualizado anualmente, através da aplicação do índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatísticas, referente ao índice de preços ao consumidor sem habitação.
19. Do art. 28 do documento referido em 2 consta: “O presente contrato poderá ser rescindido com justa causa, quando se verificar alguma das seguintes circunstâncias:
a) Violação de uma ou várias disposições deste contrato.
b) Falta de pagamento pelo franchisado das quantias devidas, seja a que titulo for, nomeadamente as resultantes das obrigações decorrentes do art. 24 deste contrato, bem como outras dívidas ao franchisador ou à central de compras por este indicada.
c) Caso o franchisado seja declarado em falência, objecto do processo de falência ou processo especial de recuperação de empresa, cesse ou protele os seus pagamentos para além das datas acordadas, deixe protestar letra que tenha aceite, emita cheques sem provisão, se a totalidade ou parte dos direitos transmitidos pelo presente contrato forem penhorados, arrastados ou de qualquer forma retirados à sua disponibilidade no decorrer de um processo executivo.
d) Uso abusivo, repetitivo e mal intencionado, pelo franchisado, de bebidas alcoólicas e/ou drogas sem justificação ou prescrição médica, assim como a condenação pela prática de crime que possa ter um efeito prejudicial para o negócio, as marcas, o logótipo ou os interesses do franchisador.
e) Cessar a exploração do franchisado, ou se o imóvel onde se encontra instalada a F..... franchisada for trespassado, arrendado ou subarrendado pelo franchisado individual ou cessar o contrato de arrendamento deste imóvel, seja qual for o motivo.
f) Se o franchisado divulgar o conteúdo dos manuais e/ou de outra documentação e informação confidencial facultada pelo franchisador, fora das hipóteses previstas neste contrato.
g) O franchisado tiver fornecido ao franchisador informação errónea aquando da sua candidatura ao presente negócio.
h) O franchisado cometer fraude ou erro consciente e materialmente relevante para com os clientes ou quaisquer entidades, com efeitos lesivos para o nome e reputação do franchisador e do seu logótipo
i) O franchisado usar ou abusar de forma não autorizada do logótipo ou de quaisquer outras características identificativas do conceito F....., prejudiciais dos direitos do franchisador.
j) O franchisado e os seus colaboradores não assistirem à formação ministrada pelo franchisador, nos termos previstos neste contrato.
l) O franchisado for advertido pelo franchisador, pelo incumprimento da mesma obrigação, por três vezes, independentemente de ter solucionado a falha.
m) O franchisado for advertido pelo franchisador, pelo incumprimento de seis obrigações, que não reincidentes, independentemente de ter solucionado as falhas.
2. A resolução do contrato pelos motivos supra citados, far-se-á por carta regista com aviso de recepção.
3. A resolução do contrato por motivos imputáveis ao franchisado, implicará a perda total do direito de entrada, a devolução de todos os manuais, a perda do direito de representação, o pagamento de todas as mercadorias em dívida e o pagamento de quaisquer outras obrigações que se encontrem em falta, bem como o pagamento de indemnização no valor mensal de 650€ por cada mês que falte para o termo do período inicial ou da renovação em vigor, sem prejuízo de reclamar o pagamento de quantia superior caso se prove ter sofrido prejuízos de montante superior”.
20. A autora apresentou à sociedade referida em 2 o estudo de viabilidade económica a fls. 125 dos autos cujo teor se dá aqui por reproduzido.
21. Para distribuição de publicidade da empresa, na região, e, assim a publicitar, o franchisador sugeriu a empresa “K…. Lda”.
22. O franchisador sugeriu que o projecto e as obras de adaptação deveriam ser realizadas pela empresa L…..
23. As obras foram adjudicadas à referida empresa, tendo a franchisada feito um adiantamento de 18.513€, com IVA incluído.
24. As obras na sua maioria foram subempreitadas, designadamente a pequenas empresas de Bragança.
25. Duas paredes interiores do estabelecimento foram destruídas à marretada.
26. Com a trepidação caiu uma sanefa do 3º andar, que os réus repararam.
27. Uma vez o documento referido em 2 assinado, os réus enviaram à central de compras da autora, a I....., o pagamento de metade do valor, sem IVA, da encomenda dos equipamentos constantes da factura pró-forma nº 0038/05, dos quais faz parte o equipamento de depilação à luz pulsada Beauty Flash, sendo que tal pagamento está de acordo com o constante na cl. 6-b) do documento denominado “contrato de franchising”.
28. O equipamento de depilação a luz pulsada Beauty Flash teve várias avarias, sobretudo do manípulo, durante as quais não funcionava, tendo sido apresentadas pela franchisada várias reclamações quanto à assistência, sendo que tais avarias contribuíram, em medida não apurada, para a baixa facturação da clínica.
29. Os réus pagaram 3581,60€ pelo equipamento Clinic Gym.
30. Desde o início da sua actividade até 02/05/2008, a clínica facturou: 79.467€.
31. Nesse mesmo período, os resultados líquidos acumulados foram negativos em 158.633,52€.
32. Os réus suportaram, desde o início do contrato até 2/5/2008, o pagamento das rendas, à razão de 400€ mensais.
33. A minuta do documento referido em 2 foi enviada por e-mail a 18/06/2005, para apreciação dos réus, sendo que os originais foram enviados por carta a 13/07/2005, para assinatura pelos réus.
34. Um dos originais foi devolvido, assinado pelos réus, com indicação dos nºs dos bilhetes de identidade e data e local de emissão, sendo que tal devolução ocorreu em 18/7/2005, por correio enviado pela ré C…., através da carta junta a fls. 544, assinada por ela.
35. O original assinado e devolvido corresponde à minuta remetida a 18/6/2005, com as alterações solicitadas pelos réus, correspondendo ao documento referido em 2.
*
Da resolução do contrato com justa causa
Nas conclusões 1 a 4, 7, 8, 10, 13, 14 e 17 a 23 vê-se que os réus defendem que o contrato com a autora foi resolvido (pela 1ª ré, ou pela sociedade desta, ou pelos réus…, conforme as conclusões) com justa causa, com base no sistemático incumprimento do contrato pela autora ou outras violações contratuais, o que preencheria os pressupostos da cláusula sob o art. 28/a) do contrato, ao contrário do que teria sido julgado na sentença.
Assim, os réus indicam a norma jurídica violada que é, segundo eles, uma das que fazem parte do contrato. Preenchem, com isto, a previsão do art. 639/2a) do CPC. Se isso é ou não suficiente para a procedência do recurso já é outra questão.
A sentença depois de esclarecer que, “face aos factos provados, dúvidas não haverá quanto à qualificação do contrato como de franquia” e que “[a] regulamentação jurídica deste tipo de contratos tem de se encontrar, desde logo e porque eles se apresentam como o desenvolvimento da autonomia privada das partes (art. 405 CC), nas cláusulas negociais, embora sempre “dentro dos limites da lei”, ou seja, dentro dos limites consentidos pelas normas imperativas (art. 294 CC) atinentes ao objecto do negócio jurídico e contratos e às decorrentes, eventualmente, da responsabilidade do produtor e da legislação sobre o direito da concorrência, e, depois, em tudo o que for omisso, analogicamente pelo regime do contrato nominado com que tenha mais afinidades, de acordo com o disposto no art. 10 CC, e que é, neste caso, o contrato de agência, considerado (inclusive pelo legislador, no preâmbulo do DL 178/86 de 03/07) como a ‘figura-matriz’ dos contratos de distribuição” (Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, nsº 206, V, e 207, IV),” bem como que “não se denota ilegalidade da cl. 28, posto que, na al. a) do seu nº 1, vem prevista a possibilidade de resolução, por qualquer das partes (pois nenhuma restrição é feita, nesta parte) em caso de “violação de uma ou várias disposições do contrato”, estando assim garantido o direito à resolução, passa a “analisar os fundamentos da resolução contratual operada pela franquiada”, o que faz do seguinte modo:
“[…] importa acentuar que:
Face à factualidade provada, temos apenas, com interesse, que o equipamento de depilação a luz pulsada Beauty Flash teve repetidas avarias, sobretudo do manípulo, durante as quais não funcionava, tendo sido apresentadas pela franchisada várias reclamações, o que contribuiu para a reduzida facturação e consequente aumento dos resultados líquidos.
Os demais factos invocados (ausência de medicina estética; falta de formação acreditada; o equipamento Clinic Gym nunca trabalhou) não se provaram, sendo de notar que a prestação de consultas de medicina estética até era obrigação da franquiada [como resulta do art. 4a do contrato] e que os médicos e nutricionistas são vistos, no contrato, como “colaboradores” da franquiada [cfr. cl. 10-d) e 17-a) do contrato] – seja em full ou part-time, sejam do quadro de pessoal ou prestadores de serviços – pelo que a priori era sobre esta que recaía a obrigação de obter os serviços de um médico a quem, então, a franquiadora deveria dar formação, não resultando comprovada nos autos as razões pelas quais não foi tal serviço implementado – designadamente, se por falta de indicação da franquiada se por falta de formação a cargo da franquiadora.
Pergunta-se: serão as avarias do equipamento de depilação a luz pulsada suficientes para justificarem a resolução do contrato, como o fez a franquiada?
Já se viu que o concreto contrato de franquia objecto destes autos prevê o direito à resolução com justa causa, e, designadamente, quando ocorra “violação de uma ou várias disposições deste contrato” – art. 28-a).
Importa, agora, acentuar que tal estipulação, cuja validade já foi afirmada, deve, no entanto, ser conjugada com o regime da cessação do contrato de agência, concretamente, do seu art. 30-a), que exige que o incumprimento só possa dar lugar a resolução quando e se, pela sua gravidade e reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual – tal integração da cl. pela mencionada norma é tanto mais justificada quanto são maiores a integração, dependência, os investimentos (assim, Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, pág. 138), nos contratos de franquia, em relação aos demais contratos de distribuição mormente a agência.
Esta inexigibilidade de manutenção do vínculo, fruto das referidas gravidade/reiteração, constitui facto constitutivo do direito de resolução, pelo que sobre os réus impendia o ónus probatório, e este não se mostra cumprido.
De resto, basta ler a carta através da qual a franquiada comunicou à outra parte a resolução para se perceber que as referidas deficiências ocorridas com o equipamento em causa não constituíam, por si, obstáculo à manutenção do contrato, pois a franquiada contenta-se em invocar a insuficiência da assistência dada, mormente por ruptura dos stocks – fls. 41 – sem mais considerações, e, designadamente, sem realçar a sua gravidade e efeitos.
De resto, pese embora se perceba, da demonstração dos resultados previsionais (fls. 126), a importância desse equipamento, o certo é que se ignora, porque não alegado pelos réus, a medida da influência das avarias (cujo nº exacto também se desconhece) na rentabilidade esperada do equipamento – designadamente, se foi em consequência das avarias que a facturação com o equipamento foi baixa ou se o foi por falta de procura da clientela.
Destarte, cremos que não se poderá considerar ter ocorrido justa causa de resolução.”
Esta fundamentação está correcta, e é seguida por este tribunal de recurso (tendo em conta, também, o ensino de Pinto Monteiro, obra citada pela sentença, mas na edição de 2002, Almedina, especialmente páginas 62 a 69, 117 a 127 e 142 a 148) excepto quanto à primeira parte, ou seja, quanto à utilização da cláusula resolutiva prevista pelas partes no art. 28/a) do contrato.
Um contrato não pode ser resolvido com fundamento apenas na violação de uma qualquer obrigação, assim, sem mais nada, e a cláusula que o preveja é ineficaz pelo seu carácter genérico e impreciso (neste sentido, veja-se José Carlos Brandão Proença, A cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia (considerações a partir da análise de uma decisão judicial, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dez2012, especialmente págs. 302 e 307 a 310, e a doutrina e acórdãos citados pelo autor, especialmente na nota 32; ou Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, págs. 362 a 374; e também nestes Estudos, Daniela Baptista, Da cláusula resolutiva expressa, especialmente págs. 200/201; e ainda, por exemplo, Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção fidejussória de dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, 2000, nota 145 da pág. 39). Assim, desconsiderar-se-ia, de todo, a cláusula resolutiva do art. 28/a) do contrato, o que em nada prejudica as outras considerações da sentença recorrida, que, face à generalidade e imprecisão da cláusula, teve que a “completar” com a aplicação analógica do art. 30/a) do regime jurídico da agência (DL 178/86, de 03/07, com as alterações do DL 118/93, de 13/04).
E isto já seria suficiente para afastar a procedência do fundamento invocado pelos réus, nesta parte, contra a decisão recorrida, pois que não existe prova de um incumprimento contratual que, pela sua gravidade ou reiteração, tornasse inexigível a subsistência do vínculo contratual (art. 30/a) do DL 178/86, de 03/07 – norma esta que concretiza o conceito de justa causa há muito defendido por Baptista Machado O conceito de “justa causa”, conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma apreciação valorativa do caso concreto: será uma “justa causa” ou um “fundamento importante” qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa) [...]” (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II, Coimbra, 1979, págs. 356/363).
De qualquer modo, acrescente-se que os réus nem têm em consideração – e por isso não tentam rebater - os argumentos expressamente aduzidos pela sentença contra os incumprimentos contratuais que os réus alegavam – é como se a sentença nada tivesse sido - e recorrem ao facto 11 como se deste constasse uma enumeração de incumprimentos contratuais provados, quando o facto 11 se limita a dar como provado que a sociedade unipessoal tinha escrito uma carta em que alegava esses incumprimentos. Ou seja, os réus confundem a alegação dos incumprimentos com a prova dos mesmos.
Assim, concorda-se com a conclusão da sentença recorrida quanto à ausência de prova dos fundamentos resolutivos invocados pela franquiada.
*
Quantias em dívida
Nas conclusões 5 e 6 os réus estão a tentar justificar os seus incumprimentos contratuais.
A sentença recorrida diz:
“5. A autora arroga-se credora de determinadas quantias, correspondentes às contribuições para as acções de marketing, comunicação, assistência e apoio, contratualmente previstas […]
O contrato previa o pagamento das quantias referidas na sua cl. [23/]2-b) e c), e, de facto, as mesmas não foram pagas, como resulta da factualidade provada n.º[s] 12 e 13 – presumindo-se culposo tal incumprimento, nos termos do art. 799/1 CC, presunção não ilidida.
E mais à frente diz:
“Não sendo lícita a resolução, acrescem às quantias peticionadas a título de comissões por marketing as previstas à forfait no art. 28/3 do contrato, o que tudo perfaz a quantia pedida.”
Ou seja, reconhece-se à autora o direito ao recebimento das quantias peticionadas a título de comissões por marketing…, no valor pedido de 400€ x 9 meses + 650€ x 18 meses = 15.950€ + 20% IVA = 18.360€.
A justificação apresentada pelos réus não tem qualquer base factual, nem legal, já que se trata de uma dívida com prazo certo, pelo que o seu vencimento não está dependente de interpelação pela factura [art. 805/2a) do CC].
Portanto, estão em dívida estas prestações e deve manter-se a condenação.
*
Dos fundamentos da indemnização em que os réus foram condenados
Nas conclusões 9, 11, 12, 15 e 16 os réus põem em causa a indemnização em que foram condenados (não teria lugar quer ao abrigo do art. 27 do contrato quer ao abrigo do art. 28/3 do contrato…), com base na resolução do contrato. O que é uma consequência de considerarem que a resolução foi feita com justa causa, o que já tinham desenvolvido nas conclusões analisadas acima.
O que de novo se tem de considerar que é suficiente para os efeitos do art. 639/2 do CPC.
Posto isto,
A sentença recorrida, por um lado, quanto à rescisão com pré-aviso (prevista no art. 27 do contrato), diz que a cláusula é, crê-se, inválida, pelo seguinte: “tratando-se de uma rescisão ad nutum, e portanto de uma denúncia [for-ma típica de fazer cessar relações contratuais duradouras por tempo indeterminado, como decorre também do art. 28 do regime do contrato de agência, quer por, ab initio, não terem prazo, quer por, não obstante terem um prazo inicial, se prever a renovação do contrato – isto é, se prever que não obstante o decurso do prazo a caducidade não operar, ocorrendo por isso renovação, e é o que sucede no caso; cfr. cl. 22 do contrato], a previsão da obrigação de indemnizar, ainda que seja respeitado o prazo de pré-aviso, o qual é particularmente longo (6 meses), viola o disposto no art. 29 do regime do contrato de agência, sem que ocorra motivo para tal” e, por outro, quanto à resolução por motivos imputáveis ao franquiado, prevista no nº. 3 do art. 28 do contrato, diz que “a fixação da indemnização à forfait, para a franchisadora, [não] é ilegal, antes constitui uma cláusula penal, admissível nos termos do art. 810 CC”, e depois acrescenta:
“5. A autora arroga-se credora […] a contar de Maio de 2008, à indemnização à forfait pela resolução do contrato por banda da franchisada, alegadamente sem justa causa.
[…]
6. A restante quantia à forfait resultaria da cl. 28/3 do contrato – o que, evidentemente, implica analisar os fundamentos da resolução contratual operada pela franquiada […].
Depois, como se viu acima, a sentença considera que a franquiada não provou os factos necessários para se concluir pela justa causa da resolução do contrato e continua:
“ Em todo o caso, o certo é que o contrato não foi renovado – terá a franquiadora, entendido a resolução, para este efeito de não renovação, como tratando-se de denúncia.
A não ocorrência de justa causa não tem, pois, implicação quanto à cessação do contrato – as partes entenderam não o renovar, o que seria o normal face ao teor do contrato – mas tem implicação quanto ao direito à indemnização, quer da franquiada, quer do franquiador.”
E termina dizendo:
“Não sendo lícita a resolução, acrescem às quantias peticionadas a título de comissões por marketing as previstas à forfait no art. 28/3 do contrato, o que tudo perfaz a quantia pedida.”
Isto é tudo o que existe na sentença de fundamentação quanto a este direito da autora, sendo que ela é, nesta parte, contraditória e insuficiente: não se provando a justa causa invocada para a resolução do contrato, ela, só por isso, passa a ser ilícita? Mesmo depois de se ter dito que as partes entenderam não renovar o contrato e de ligar a cessação do contrato a este comportamento das partes em não renovarem o contrato? Bem como depois de se ter dito que a franquiadora entendeu a resolução como uma denúncia?
A resolução de um contrato com base num fundamento que não se vem a conseguir provar não equivale à prova da situação inversa, isto é, de uma resolução ilícita do contrato, ainda para mais para efeitos de indemnização por essa ilicitude. Aqui a ilicitude da resolução funciona como facto constitutivo do direito da autora à indemnização pedida, logo é à autora que cabe a prova da ilicitude dessa resolução (art. 342/1 do CC).
De resto, o art. 28/3 do contrato, quando refere a resolução por motivos imputáveis à franquiada, está a pressupor (i) que o contrato foi resolvido pela autora com algum dos fundamentos resolutivos previstos nas várias alíneas do nº. 1 do art. 28 do contrato; e (ii) a culpa da franquiada (até porque a cláusula penal, se prescinde da prova dos danos, já não prescinde da culpa do devedor; como diz Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, págs. 439-440: “A cláusula penal, destinando-se a substituir a indemnização que seria arbitrada pelo juiz, é exigível nos mesmos casos em que essa indemnização poderia ser reclamada. Supõe, portanto, nos termos gerais, inexecução da obrigação e culpa da parte do devedor, isto é, só pode ser efectivada se este culposamente não cumprir o contrato.”).
Mais concretamente, a autora – e a sentença – podia ter seguido uma de três vias:
Cláusula resolutiva expressa
(i) ou alegava e provava que a conduta da franquiada cabia na previsão de alguma das hipóteses resolutivas do contrato, isto é, nas várias alíneas [à excepção da al. a) que já foi afastada] do nº. 1 do art. 28, caso em que teria direito à indemnização prevista no nº. 3 do art. 28 do contrato.
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Da declaração de resolução como recusa em cumprir
(ii) ou alegava e provava que a conduta da franquiada, ao resolver o contrato da forma como o fez equivalia a uma recusa categórica de incumprimento, equivalente a um incumprimento definitivo possibilitador da subsequente resolução do contrato (com aplicação analógica do art. 808/1 do CC) pela franquiadora, com direito também à indemnização prevista no nº. 3 do art. 28 do contrato;
Esta via da possibilidade da recondução de uma resolução baseada numa causa que não se prova, desde que conjugada com outras circunstâncias, a uma recusa categórica de cumprimento, pode ser vista, por exemplo, em Brandão Proença:
“É do entendimento comum que, em regra, a decisão do devedor é revelada de forma expressa mediante uma declaração dirigida ao credor e em que faz saber – como seu conteúdo – a vontade de não cumprir o chamado ‘programa contratual’. No seu desiderato de anunciar essa intenção, a declaração do devedor pode manifestar-se obliquamente com alegações de inexistência ou invalidade contratual, sob a forma de motivações subjectivas de desinteresse […] e pretensões sem justificação contratual, ou ir implícita na atitude mais radical de repúdio ou rejeição do próprio contrato, revelada através de pedidos de anulação, resolução (potenciada com um pedido indemnizatório) [na nota 999 cita dois acórdãos do STJ em que foi considerada como manifestação inequívoca de incumprimento a resolução declarada pelos promitentes-vendedores”] denúncia ou impugnação do vínculo assumido.
Diga-se, contudo, que se é verdade que a tentativa de uma desvinculação ilegítima, activada por alguma dessas formas jurídicas, pode querer branquear a evidência de um acto lesivo, apresentando-se, pois, como sinal concludente de uma recusa antecipada de cumprimento, também não se afasta que o desejo desvinculativo possa repousar num fundamento excludente da ilicitude, numa circunstância desculpável [na nota 1000 acrescenta que no sumário de uma decisão estrangeira é colocada a hipótese da declaração de resolução estar apenas conectada com uma representação não culposa do incumprimento alheio] ou compreender-se por razões dogmáticas sustentadas por alguma doutrina.” (A hipótese da declaração (lato sensu) antecipada de incumprimento por parte do devedor, Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003 = Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 262). Neste mesmo sentido, dizia antes (A resolu-ção do contrato no Direito Civil, de 1982, Coimbra Editora, ed. de 1996: págs. 152/153): “[A] declaração de resolução, feita no pressuposto do incumprimento alheio infundado, também não pode conduzir, sob pena de se identificar declaração de resolução com declaração de inadimplimento, a uma decisão judicial que coloque o declarante em estado de incumprimento (face a uma representação infundada e não culposa do incumprimento da contraparte) em vez de manter a eficácia do contrato entre as partes”.
Ou em Nuno Manuel Pinto Oliveira
que defende a relevância da recusa de cumprimento (podendo o credor retirar da recusa as consequências jurídicas em geral relacionadas com a mora qualificada (pelo preenchimento dos requisitos do art. 808/1 – por exemplo, a indemnização substitutiva da prestação […] ou a resolução do contrato […]), sob a forma de uma declaração categórica, clara e definitiva, mesmo que seja verbal e tácita. E lembra que os autores portugueses têm considerado que a declaração expressa de resolução do contrato, quando injustificada, é – ou pode ser – uma declaração tácita de recusa de cumprimento (Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Maio 2011, págs. 864 a 868).
Acrescenta: “O devedor que declarasse actuar o direito potestativo [de] resolver um contrato bilateral, não podendo fazê-lo, por não estarem preenchidos os requisitos da resolução […] estaria a atribuir ao seu credor o direito potestativo de o resolver. O devedor que alegasse, injustificadamente, que o seu credor não cumpriu e que quisesse resolver o contrato pelo facto de o seu credor não ter cumprido estaria a atribuir-lhe a faculdade de alegar, justificadamente, que o devedor não cumpriu.
Os exemplos anteriores devem apreciar-se com alguma reserva, advertindo-se o intérprete para que evite a tentação de cair em automatismos fáceis. Depois cita Calvão da Silva (A declaração de intenção de não cumprir, estudos de direito civil e processo civil, pareceres, Almedina, 1996, pág. 135): ‘Urge, nomeadamente, prevenir o pecado de pensar que a declaração ilegal de resolução por uma das partes contratantes constitui sem mais fundamento de resolução para a outra parte’”.
E conclui: “O credor só poderá considerar a declaração de recusa de cumprimento como uma declaração definitiva quando seja a última palavra […] em termos tais que a reconstituição da relação contratual originária deva considerar-se afastada ou excluída pelo princípio (da proibição) do abuso do direito”.
Bem como em Pedro Romano Martinez:
“quando o devedor declara expressamente – de modo significativo – não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, não se torna necessário que o credor lhe estabeleça um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo. A declaração do devedor é suficiente, por exemplo, no caso em que, sem fundamento, resolve o contrato ou afirma, de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação” (Da cessação do contrato, 2ª edição, Almedina, 2006, pág. 142; em nota, remete, entre o mais, para o parecer que se refere de seguida).
E em Raúl Guichard e Sofia Pais
que defendem que a resolução injustificada do contrato, acompanhada de várias outras circunstâncias, pode, no caso, configurar uma situação de recusa de cumprimento, equiparado a um incumprimento definitivo – Direito e Justiça, 2000, I, especificamente págs. 316/319, que, nesta parte terminam assim: quanto à declaração de resolução, ela não surtiu os efeitos pretendidos, por não se verificarem os respectivos pressupostos – desse ponto de vista, foi absolutamente irrelevante. Contudo, isso não significa que não possa assumir importância, não enquanto declaração negocial de extinção do contrato, mas como facto revelador de uma vontade de não cumprir.).
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Da declaração de resolução como denúncia sem pré-aviso
(iii) ou alegava e provava que a conduta da franquiada, ao resolver o contrato da forma como o fez, equivalia à denúncia sem pré-aviso do contrato, caso em que teria direito à indemnização dos prejuízos que viesse concretamente a alegar e a provar (por aplicação analógica do art. 29/1 do regime do contrato de agência).
Esta via – da recondução da resolução (com fundamento que não se vem a provar) numa denúncia com imediato efeito extintivo – pode ser vista em Pinto Monteiro:
“duas soluções se perfilam à partida: declarar que o contrato […] se mantém, tendo a outra parte direito a ser indemnizada pelos danos causados pela suspensão do contrato […]; ou partir do princípio de que o contrato se extinguiu, traduzindo-se a falta de fundamento da resolução, apurada posteriormente, numa situação de não cumprimento do contrato pelo contraente que indevidamente lhe pôs termo, com a consequente obrigação de indemnização. A primeira solução seria no plano dos princípios a mais correcta, pois a resolução sem fundamento é um exercício ilícito do respectivo direito: caso contrário conseguir-se-ia obter o resultado pretendido, de extinção do contrato, em violação da lei. Todavia, na prática, nem sempre seria aconselhável impor a subsistência do contrato, pois entre a declaração resolutiva e a data da decisão judicial em que se apura a sua falta de fundamento pode decorrer longo tempo. […] Argumenta[…]-se ainda, no sentido da extinção imediata do contrato […] “com a possibilidade de equiparar uma resolução sem fundamento a uma declaração de não cumprir, que se vem considerando equivalente ao não cumprimento definitivo”. E não deixa ainda de notar que acresce “que o contraente que resolve o contrato sem fundamento sempre poderia denunciá-lo (tratando-se de contrato por tempo indeterminado), uma vez que a denúncia não carece de ser motivada […].” (esta síntese é feita por (na síntese feita por Paulo Mota Pinto com base em quatro estudos do António Pinto Monteiro, o primeiro de 1986; no estudo Contratos de distribuição comercial, Almedina, 2002, pág. 147, António Pinto Monteiro diz: “em princípio, parece-nos que será de entender que o contrato se extinguiu, traduzindo-se a falta de fundamento da resolução numa situação de incumprimento”).
Ou em Paulo Mota Pinto:
“a resolução sem fundamento é […] ineficaz”, “por não possuir fundamento jurídico e o resolvente não ser titular do correspondente direito potestativo. […D]a tentativa de exercício de um direito de que se não era titular não pode resultar qualquer efeito extintivo da relação contratual”. Este autor aceita, no entanto, que isto não será assim nos casos de contratos em relação aos quais o resolvente tinha o direito de pôr termo ao contrato mediante denúncia ad libitum [= ad nutum - (discricionária, sem necessidade de invocação de um motivo)], hipóteses em que admite a equiparação da declaração de resolução sem fundamento a uma denúncia sem pré-aviso ou mesmo a possibilidade de converter a resolução em denúncia ou numa declaração de anulação do contra-to, se este for anulável (Interesse Contratual Negativo e Interesse Com-tratual Positivo, Coimbra Editora, 2008, nota 4861, págs. 1674/1677).
E em Nuno Manuel Pinto de Oliveira diz que:
a resolução ilegal, ilegítima ou ilícita não é eficaz, isto é não tem efeitos liberatórios e restituitórios; “a resolução sem fundamento traduz um exercício ilícito do respectivo direito” (Pinto Monteiro); admitir que o autor de uma resolução sem fundamento se desvinculasse significaria atribuir-lhe o efeito querido, contra a lei. O exercício ilícito do direito seria tratado como se de um exercício lícito se tratasse. E depois distingue consoante o autor da declaração de resolução tinha um direito potestativo de denúncia discricionária (ad libitum ou ad nutum) e os casos em que não o tinha. Quando tinha, aquela declaração de resolução deverá interpretar-se como uma declaração de denúncia e o contrato extinguir-se-á, com eventual direito de indemnização da contraparte.” (obra citada, págs. 893 a 897).
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Ora, o que a autora fez, para invocar o direito à indemnização prevista no nº. 3 do art. 28 do contrato (norma que não invocou), foi apenas uma declaração resolutiva feita pela franquiada, como se ela integrasse a hipótese resolutiva da al. a) do nº. 1 do art. 28 do contrato, o que não faz sentido, nem teria relevo, por ineficácia desta cláusula resolutiva.
A sentença, por sua vez, viu na declaração de resolução feita pela franquiada com base em fundamentos que não se provaram, uma declaração de resolução ilícita e eficaz, bastando-se com ela, sem a equiparar a uma recusa categórica em cumprir (a que se teria de seguir a resolução pela franquiadora) nem a fazer equivaler a uma denúncia sem pré-aviso do contrato, embora o pareça fazer, aparência que logo é afastada visto que a sentença aplica a norma do art. 28/3 (resolução pela franquiadora por motivos imputáveis à franquiada) do contrato como fundamento da indemnização e não na denúncia.
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Posto isto:
A autora não tem direito à indemnização do art. 28/3 do contrato porque esta tem a ver com a hipótese de o contrato ser resolvido, pela franquiadora, por motivos imputáveis à franquiada, imputabilidade que tem aqui o sentido de serem devidos a culpa da franquiada, o que não se alegou nem provou (tal como não se alegou a resolução pela franquiadora). De novo se repete que a falta de prova dos fundamentos resolutivos invocados pela autora não equivale à prova da situação contrária, ou seja, que a resolução fosse ilícita.
A autora não tem também direito à indemnização pelos danos decorrentes da falta de observância do pré-aviso (art. 29 do regime do contrato de agência) necessário à denúncia em que fosse transformada a resolução (com fundamento que não se provou), porque a autora não invocou este direito, nem baseou o seu pedido nesta falta, nem alegou danos causados pela falta de pré-aviso.
Nem tem direito à indemnização prevista no art. 27 do contrato, visto que este não é aplicável ao caso dos autos, pois que prevê uma indemnização pela rescisão com pré-aviso, não uma indemnização pelos danos causados pela falta de pré-aviso. Para além de que esse artigo do contrato, em que se prevê aquela indemnização, antecipadamente fixada, a favor do franquiador, é, como diz a sentença, inválida (embora se considere que a fundamentação para essa invalidade passa antes por se considerar, por força do argumento a contrario sensu decorrente da norma do art. 29/2 do regime do contrato de agência, que a indemnização a favor do franquiador tem de ser determinada segundo as regras gerais, com consideração dos danos concretos causados pela falta de pré-aviso, e não antecipadamente, isto é, independentemente dos danos efectivamente causados).
Assim, nesta parte, a condenação dos réus não tem razão de ser.
Mantendo a lógica da fundamentação da sentença recorrida, quanto à condenação dos réus, que não foi posta em causa por qualquer recurso, a condenação dos réus tem agora o limite de 18.360€.
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Da nulidade do contrato
Nas conclusões 24 e 25 do recurso (que reproduzem quase na integra os três §§ que ao assunto dedicam no corpo das alegações, o que quer dizer que naqueles três §§ nada mais se diz de útil quanto a esta matéria, havendo apenas uma transcrição mais extensa da carta de fl. 11), os réus põem em causa o aproveitamento que a sentença faz de uma frase constante da carta dada como provada no ponto 11, dizendo que a sentença a interpreta de forma simplista e desintegrada do contexto para afastar o vício do erro, o que terá a ver com a questão da nulidade do contrato.
Mas, por um lado, a invocação de tal frase, na sentença recorrida, é feita aquando da análise do fundamento da indemnização pedida pelos réus contra a autora, pedido que a sentença recorrida julgou improcedente sem que os réus recorram de tal decisão e, por outro, os réus, para além da crítica à utilização de tal frase, não fazem, no recurso, qualquer tentativa de argumentação no sentido de que o contrato em causa deva ser declarado nulo ou anulado e nem sequer isto afirmam.
Aliás, nem faziam essa tentativa na contestação à acção, em que não é concretizado um único fundamento específico de anulação ou nulidade do contrato (não deixa de ser sintomático que quer na contestação quer nas alegações de recurso não tenha sido invocada uma única norma legal quanto a esta matéria), tendo sido a sentença que, a partir do nada, analisou quase todas as possibilidades abstractas de anulação ou de nulidade do contrato, afastando-as uma a uma, sem que, também nessa parte os réus a tenham posto em causa.
Não há, assim, qualquer questão concreta que a este respeito tenha que ser conhecida.
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Quanto à condenação por litigância de má-fé
Os réus ao contestaram puseram em causa a genuidade do contrato apresentado aos autos pela autora. Apesar de o contrato estar assinado por eles e por isso a assinatura do contrato ser um facto pessoal que não podiam desconhecer, afirmaram que não o tinham assinado. Os réus deixaram mesmo que fosse feita uma perícia às suas assinaturas, o que tem o inequívoco sentido de reafirmarem, implicitamente, a falsidade que imputavam ao contrato, e o efeito de protelar a instrução da causa. Acabou por ficar provado que as assinaturas foram apostas no contrato pelos réus. Assim sendo, os réus actuaram de má-fé, porque alteraram a verdade dos factos, mentindo quanto às próprias assinaturas do contrato: sabendo que elas eram verdadeiras, disseram que eram falsas [art. 542, nºs. 1 e 2a) e b), do CPC].
Como se diz na sentença recorrida, “[a]ssim, ao invocarem agora que o escrito, a que reduziram o contrato, não correspondia ao que havia sido negociado, os réus alteraram a verdade de um facto relevante (pois integra a causa de pedir), pessoal, actuando, por isso mesmo, com dolo, justificando-se assim a sua condenação como litigantes de má em multa e indemnização, esta porque pedida.”
Agora, nas conclusões 26 a 34 do recurso, os réus vêm pôr em causa a sua condenação como litigantes de má fé, sem uma única referência a este fundamento decisivo da sua condenação e sem impugnarem a decisão da matéria de facto relativa à questão das assinaturas…. , dizendo que apenas puseram em causa a última folha do contrato de franchising e duvidaram da sua originalidade, o que não corresponde àquilo que disseram na contestação, como se pode ver no relatório deste acórdão, na parte colocada em parênteses rectos.
Os réus dizem que sempre e só estiveram com boa fé e convictos que tinham razão, observando o dever de probidade, mas isso não é compatível com o terem dito que o contrato era falso, quanto à forma e às assinaturas e rubricas nele apostas, o que sabiam ser mentira, tendo actuado com dolo.
Invocam a violação da proibição das decisões-surpresa e do princípio do contraditório e da prévia audição, esquecendo que a questão da sua litigância de má-fé foi deduzida num articulado da autora de que tiveram conhecimento, por lhes ter sido notificado e a que, por isso, podiam ter respondido. E assim estão afastados os fundamentos invocados da nulidade e das inconstitucionalidades.
Dizem também que nunca se furtaram às suas responsabilidades, que nunca deixaram de cumprir as suas obrigações contratuais. Ora, isto nada tem a ver com o fundamento da condenação como litigantes de má-fé, e, face aos factos dados como provados em 12 e 13, não corresponde sequer à realidade.
E dizem, por fim, que intervieram no processo na defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, e que isso, por si só, não implica, litigância censurável, esquecendo também que não é isso que lhes foi censurado.
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se a condenação dos réus na parte que se refere à indemnização pela resolução, alterando-se, por isso, a condenação dos réus (ponto 3 da sentença) que fica agora com o limite de 18.360€.
Custas do recurso pela autora em 52,48% e pelos réus em 47,52%.

Porto, 05/06/2014
Pedro Martins
Judite Pires
Teresa Santos