Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2030/13.3TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
SINDICATO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP201506152030/13.3TJPRT.P1
Data do Acordão: 06/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A remuneração da prestação de serviços jurídicos ajustada entre um sindicato e trabalhadores por ele representados pode ter carácter aleatório.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2030/13.3TJPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 2030/13.3TJPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
A remuneração da prestação de serviços jurídicos ajustada entre um sindicato e trabalhadores por ele representados pode ter carácter aleatório.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:


1. Relatório[1]
A 26 de Dezembro de 2013, nos Juízos Cíveis do Porto, o “B…”, intentou ação declarativa comum contra:
1. C…;
2. D…;
3. E…;
4. F…;
5. G…;
6. H…;
7. I…;
8. J…;
9. K…;
10. L…;
11. M…;
12. N…;
13. O…;
14. P…;
15. Q…;
16. S…;
17. T…;
18. U…;
19. V….
Alegou, em síntese, que celebrou com os demandados um acordo através do qual promoveu a cessação dos respetivos contratos de trabalho, devido à existência de salários em atraso e diligenciou no sentido da cobrança dos aludidos créditos salariais, mediante o pagamento por partes dos réus sócios de um valor correspondente a 1% do quantitativo que viessem a receber e dos réus não sócios de um montante correspondente a 5% do valor que viessem a receber.
Pede, a final, a condenação dos réus no pagamento do valor:
a) correspondente às referidas percentagens, contabilizadas sobre as quantias efetivamente recebidas pelos réus, acrescida de juros moratórios até integral pagamento;
b) correspondente às referidas percentagens, contabilizadas sobre as quantias que vierem a receber no âmbito do processo de insolvência (art. 557 C.P.C.).
Citados, os demandados, supra identificados com os números 1, 2, 4, 5, 6, 7, 12, 13, 14, 16, 17, 18 e 19 contestaram, não contestando os restantes[2].
Os réus contestantes, invocaram, em síntese, que o autor lhes exigiu, para tratar dos assuntos, o pagamento de doze meses de quotizações, o que sucedeu, em julho de 2011, razão pela qual são sócios do autor e a percentagem devida pelos serviços por este prestados é de 1% e não de 5% e, além disso, a percentagem acordada apenas incidiria sobre o montante recebido a título de remuneração ilíquida mensal.
O autor foi notificada da contestação e dos documentos juntos, não os tendo impugnado.
Entretanto os autos foram remetido à Comarca do Porto, Instância Local, Secção Cível, J6.
O autor foi convidado a juntar aos autos os seus estatutos, convite que acatou.
A 19 de Fevereiro de 2015, proferiu-se sentença[3] que terminou com o seguinte dispositivo que se reproduz, na parte pertinente:
Por todo o exposto, decido julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, nesta conformidade, condeno a pagarem ao A., “B…”:
1. Os RR. sócios do A., supra identificados na p.i. sob os nºs 1, 2, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, respetivamente C…, D…; F…; G…, casada; H…; I…; L…; M…; N…; O…; P…; Q…, casada; S…; T…; U… e V…, o valor correspondente a 1% do montante efetivamente recebido e supra discriminado no art. 12 dos factos provados (supra III-12).
2. Os RR. não sócios, identificados sob os nºs 3, 8 e 9, respetivamente, E…; J… e K…, o valor correspondente a 5% do montante efetivamente recebido e supra discriminado no art. 12 dos factos provados (supra III-12).
3. Juros moratórios vencidos e vincendos, contados a partir da data da citação de cada Réu, à taxa civil em vigor, para cada um dos RR. e sobre o respetivo capital em dívida e até integral pagamento (arts. 805, nº1, 806, 559 todos do C.C., Portarias e Avisos respetivamente em vigor).
4. No mais, vão os RR. absolvidos do pedido.
Inconformado com a sentença, a 02 de Abril de 2015, o “B…” interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a ação apenas parcialmente procedente, na parte em que decidiu condenar os RR. identificados na p.i. sob os nºs 1, 2, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, respetivamente C…, D…; F…; G…, casada; H…; I…; L…; M…; N…; O…; P…; Q…, casada; S…; T…; U… e V…, a pagar ao recorrente o valor correspondente a 1% do montante efetivamente recebido e discriminado no ponto 12 dos factos provados.
B) E também da parte da decisão que julgou improcedente o pedido formulado na p.i, sob o item II, correspondente ao pagamento da percentagem de 5% contabilizadas sobre as quantias que vierem a receber no âmbito do processo de insolvência, por não se verificarem os pressupostos vertidos no artigo 557 C.P.C.
C) Nos termos do artigo 14º, al. g) do Estatuto, ao recorrente compete prestar assistência sindical, jurídica e judiciária aos trabalhadores em caso de conflitos de trabalho.
D) Resulta da matéria de facto considerada provada sob 5. e 6. que para usufruir dos serviços, benefícios e regalias do B…, o recorrente e cada um dos trabalhadores acordaram pagar uma percentagem do valor que recebessem no final do processo de insolvência de 1% para os sócios e de 5% para os não sócios.
E) O acordo entre o recorrente e os recorridos foi firmado antes da admissão destes como sócios do autor e assim sendo, na qualidade de não sócios.
F) Foi na qualidade de não sócios: que os recorridos pediram ao recorrente a assistência jurídica e judiciária, que o recorrente lhes colocou as suas condições para assegurar a pretendida assistência, que os recorridos aceitaram as condições do recorrente para a prestação de serviços jurídicos de que necessitavam.
G) Foi após tal acordo e já em sua concretização que os recorridos foram admitidos como sócios do recorrente.
H) A contraprestação de 5% a cargo dos recorridos embora determinada naquele momento, apenas se venceria posteriormente, aquando do efetivo recebimento das quantias a ser pagas pelo fundo de garantia salarial e que resultassem do processo de insolvência.
I) Entre recorrente e recorridos celebraram-se contratos de prestação de serviços, na modalidade de mandato (1158º do CC).
J) O recorrente cumpriu integralmente a sua prestação.
K) Os recorridos não procederam ao pagamento apesar de instadas a pagar – cfr. facto provado sob 13.
L) Embora a obrigação de pagamento do valor correspondente a 5% daquilo que os recorridos receberam apenas se tenha vencido em data em que estes já tinham sido admitidos como sócios do recorrente, a constituição dessa concreta obrigação de pagamento ocorreu em momento anterior, em que não eram sócios, sendo a medida dessa obrigação determinada, precisamente, pelo facto de o não serem.
M) Daí essa comparticipação extraordinária, que o recorrente fixou e pode fixar porquanto se encontra prevista no artigo 71º, al. c) do Estatuto, contrariamente ao que os réus sustentam no artigo 25º da contestação.
N) Embora a determinado momento no tempo os recorridos, como se refere no ponto 7. dos factos provados sejam sócios do recorrente, tal qualidade não releva para a determinação das obrigações contratuais estabelecidas entre ambos, uma vez que as mesmas foram estabelecidas antes de possuírem a referida qualidade de sócios.
O) O facto de os recorridos terem, entretanto, adquirido a qualidade de sócios não consubstancia uma alteração de circunstâncias suscetível de alterar as condições do contrato pois não se trata de uma alteração anormal -– 406º, nº1, 437º, 1.
P) O acordo celebrado com os recorridos também não é violador do princípio da igualdade uma vez que o recorrente não trata de modo diferente situações iguais, antes trata de modo diferente situações intrinsecamente diferentes.
Q) Os recorridos não agiram de boa-fé nem respeitaram o imperativo da conduta honesta e conscienciosa tendo desonrado o acordo que livremente celebraram.
R) Decorre do artigo 762º, nº1 do CC que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado e para tanto deve proceder de boa fé – 762º, nº2 do CC..
S) Os recorridos não cumpriram a obrigação de pagamento a que, por sua vontade, livre e voluntariamente, se vincularam.
T) Não poderia ter sido julgado improcedente o pedido formulado na p.i, sob o item II, correspondente ao pagamento da percentagem de 5% contabilizadas sobre as quantias que vierem a receber no âmbito do processo de insolvência, pelo facto de o autor, erradamente, ter afirmado a sua razão de direito no artigo no artigo 557 C.P.C..
U) Tal obrigação não era exigível no momento em que a ação foi proposta mas isso não impedia que a sentença reconhecesse da existência da obrigação – que os RR contestam – e condenasse os RR a satisfazer a prestação no momento próprio – artigo 610º, nº1 do CPC..
V) Na coerência da decisão a sentença deveria ter, pelo menos, condenado os réus a, no momento próprio, satisfazer a obrigação de pagamento na percentagem de 1%, uma vez que, como se sabe, o tribunal na decisão não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como decorre do artigo 5º, nº3 do CPC.
W) Ao decidir como decidiu a douta sentença violou as normas constantes dos artigos 406, nº1, 437, nº1, 762, nºs. 1 e 2, 1158º do Código Civil e 610º, nº1 e 5º, nº3 do CPC.
Os recorridos contra-alegaram pugnando pela total improcedência do recurso.
Com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos, atenta a natureza estritamente jurídica das questões a decidir e a sua relativa simplicidade, dispensaram-se os vistos e, nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da qualidade de não sócios dos recorridos quando foi celebrado o contrato de mandato;
2.2 Da reunião dos requisitos legais para a condenação dos recorridos in futurum dos recorridos a título de remuneração dos serviços prestados pelas importâncias que vierem a receber no processo de insolvência.
3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida que não foram impugnados, expurgados das meras referências probatórias
3.1
Os réus foram trabalhadores da sociedade, “W…, Lda”, que teve sede na Rua …, …, no Porto.
3.2
Na sequência da existência de salários em atraso, os réus procuraram os serviços jurídicos e de contencioso do B… ora autor.
3.3
O B… promoveu com os réus e no interesse destes, a cessação dos respetivos contratos de trabalho, com fundamento na existência de salários em atraso.
3.4
Uma vez cessados os contratos de trabalho, os réus requereram ao B… que diligenciasse com vista ao pagamento dos seus créditos laborais.
3.5
Para tanto, e para usufruir dos serviços, benefícios e regalias do B…, acordaram com este que se obrigavam a pagar uma percentagem do valor que recebessem.
3.6
A percentagem para os sócios do B… era de 1% e para os não sócios era 5%.
3.7
Os sócios são os réus supra identificados sob os nºs 1, 2, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 e os demais demandados são não sócios.
3.8
A referida percentagem seria paga pelos réus a título de quotização sindical.
3.9
Para execução dos serviços requeridos ao B… autor, os réus mandataram o Sr. Dr. X…, advogado do B….
3.10
O referido mandatário reclamou os créditos dos réus no processo de insolvência que corre termos no 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia com o nº 614/11.3TYVNG, conforme declarações do Administrador de Insolvência reconhecendo créditos aos réus.
3.11
Os serviços de contencioso do B… preencheram os formulários para o Fundo de Garantia Salarial e remeteram-nos para aquele Fundo.
3.12
Em consequência das diligências do B… e do reconhecimento dos créditos pelo Administrador de Insolvência, o Fundo de Garantia Salarial procedeu ao pagamento, a título de créditos emergentes dos contratos de trabalho e sua cessação, dos seguintes montantes, aos réus:
- 1. C… – reclamou judicialmente 16.316,49€ e já recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 2. D… – reclamou judicialmente 31.593,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 3. E… – reclamou judicialmente 7.790,90 valor que recebeu do FGS;
- 4. F… – reclamou judicialmente 17.578,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 5. G… - reclamou judicialmente 38.571,50€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 6. H… – reclamou judicialmente 38.571,50€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 7. I… – reclamou judicialmente 28.841,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 8. J… – reclamou judicialmente, 8.930,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 9. K… – reclamou 4.847,00€ que recebeu do FGS – 3.877,00€;
- 10. L… – reclamou 27.853,99€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 11. M… – reclamou 22.927,49€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 12. N… – reclamou 31.037,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 13. O… – reclamou 15.214,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 14. P… – reclamou 31.569,50€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 15. Q… – reclamou 31.037,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 16. S… – reclamou 12.304,00€ e recebeu do FGS –8.730,00€;
- 17. T… – reclamou 20.852,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 18. U… – reclamou 51.561,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€;
- 19.V… – reclamou 29.019,00€ e recebeu do FGS – 8.730,00€.
3.13
Os réus não procederam ao aludido pagamento, apesar de terem sido instados a pagar.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da qualidade de não sócios dos recorridos quando foi celebrado o contrato de mandato
O recorrente pugna pela revogação da sentença, no segmento em que condenou os recorridos ao pagamento do montante de 1% dos valores que vieram a receber do Fundo de Garantia Salarial, em virtude de na altura em que foi celebrado o contrato de mandato fonte da obrigação dos recorridos e ajustada a remuneração devida, os mesmos não terem a qualidade de sócios.
Os recorridos pugnam pela confirmação da decisão recorrida, afirmando que adquiriram a qualidade de sócios antes da celebração do contrato de mandato.
Cumpre apreciar e decidir.
Na petição inicial, o recorrente não alegou quando foi celebrado o acordo com os réus, o que, à partida, inviabiliza a conclusão sobre se nessa data os recorridos tinham ou não a qualidade de sócios.
Na verdade, tal como a questão foi colocada pelo ora recorrente na petição inicial, apenas as rés L…, M… e Q… tinham a qualidade de sócias do autor, tendo todos os restantes réus a qualidade de não sócios, alegação que os réus C…, D…, F…, G…, H…, I…, N…, O…, P…, S…, T…, U… e V… vieram impugnar. Os contestantes afirmaram que, em Julho de 2011, antes da celebração do contrato de mandato que fundamenta a pretensão do autor, adquiriram a qualidade de sócios do autor, alegação que não foi impugnada por este e que o tribunal considerou assente, ainda que sem a referenciação temporal.
Por outro lado, o recorrente não impugnou a factualidade fixada pelo tribunal a quo[4], factualidade que este tribunal tem que acatar, porquanto não se detectam nela patologias que permitam a sua alteração oficiosa, nos termos previstos na alínea c) do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
Deste modo, a alegação do recorrente de que o acordo para a prestação de serviços jurídicos foi celebrado entre si e os recorridos antes da aquisição por parte destes da qualidade de seus sócios, não tem suporte na matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, sem reação da sua parte, e nem sequer tem arrimo na factualidade que foi alegada em sede de petição inicial.
Neste contexto, não há que abordar a problemática da alteração anormal de circunstâncias, pois que para tanto era preciso que se pudesse afirmar a existência de uma alteração na condição jurídica dos recorridos, o que não ressalta da factualidade provada e nem sequer está provada matéria de facto que permita concluir pela violação do dever de agir em conformidade com os ditames da boa fé, por parte dos recorridos.
Assim sendo, a decisão recorrida tem que ser confirmada, improcedendo esta questão suscitada pelo recorrente.
4.2 Da reunião dos requisitos legais para a condenação in futurum dos recorridos[5] a título de remuneração dos serviços prestados pelas importâncias que vierem a receber no processo de insolvência
O recorrente pugna pela revogação do segmento da sentença recorrida que absolveu todos os réus do pedido de condenação ao pagamento da remuneração ajustada em função das importâncias que vierem a receber no processo de insolvência. Para tanto, afirma que não obstante o erro de qualificação jurídica por si cometido, o tribunal a quo deveria ter condenado ao réus ao abrigo do disposto no artigo 610º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Na decisão recorrida, apreciou-se esta pretensão do recorrente, nos termos que seguem:
Finalmente, com referência ao pedido formulado na p.i, sob o item II, correspondente ao pagamento das referidas percentagens, contabilizadas sobre as quantias que vierem a receber no âmbito do processo de insolvência, o mesmo improcede, por não se verificarem os pressupostos vertidos no art. 557 C.P.C.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 3, do artigo 5º, do Código de Processo Civil, o “juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
O facto de não ser exigível, no momento em que a ação foi proposta, não impede que se conheça da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio” (artigo 610º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Provou-se que para usufruir dos serviços, benefícios e regalias do B…, os recorridos acordaram com este que se obrigavam a pagar uma percentagem do valor que recebessem, sendo a percentagem para os sócios do B… de 1% e para os não sócios de 5%.
Neste contexto, parece claro que a obrigação de pagamento da retribuição só se constitui no momento do recebimento dos créditos, tendo a retribuição ajustada carácter aleatório, isto é dependendo do efetivo recebimento e da medida deste[6].
Uma vez que o acordo foi celebrado com o autor e não com um advogado, não se nos afigura que tal convenção viole o disposto no nº 2, do artigo 101º do Estatuto da Ordem dos Advogados[7].
A aleatoriedade da remuneração dos serviços prestados por profissional forense contratado por associação sindical por parte dos trabalhadores representados por essa entidade sindical, em nada contende com a remuneração do ou dos profissionais forenses que venham a ser contratados pelo B…, enquadrando-se, adequadamente, nas funções tuteladoras que a entidade sindical está destinada a desempenhar em benefício dos trabalhadores que representa.
O regime previsto no nº 1, do artigo 610º do Código de Processo Civil pressupõe a existência da obrigação e a inexigibilidade da mesma, ou seja, noutra terminologia, o não vencimento da prestação.
Ora, no caso em apreço, ainda não se constituiu a obrigação por parte dos recorridos de pagarem ao autor a remuneração ajustada, ao menos em face dos factos alegados na petição inicial e dos provados em sede de sentença recorrida. Desconhece-se se alguma quantia foi recebida ou se alguma quantia irá ser recebida por parte dos recorridos no âmbito do processo de insolvência daquela que foi a sua entidade patronal. Por isso, a obrigação de pagamento cujo pagamento é reclamado pelo recorrente ainda não se constituiu, não estando preenchida a previsão do nº 1, do artigo 610º do Código de Processo Civil.
Assim, pelo exposto, embora com fundamento jurídico diverso, deve a decisão recorrida ser confirmada também neste segmento, improcedendo totalmente o recurso de apelação interposto pelo “B…”.
As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente, já que decaiu totalmente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo “B…” e, em consequência, em confirmar a sentença proferida a 19 de Fevereiro de 2015, nos segmentos impugnados.
Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 15 de Junho de 2015

Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
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[1] Segue-se com pequenas alterações o relatório da sentença recorrida.
[2] A 06 de Novembro de 2014 foi proferido o seguinte despacho: “Informe a secção se já se encontram citados todos os demandados, a que fls. e se já se solicitaram os elementos habituais à Segurança Social. Informe ainda se se encontram devidamente pagas as taxas de justiça.” Sempre entendemos que o controlo último da efetivação da citação dos réus era da responsabilidade do julgador, pois só assim se percebe que tal vício seja de conhecimento oficioso (artigos 187º e 196º do Código de Processo Civil). No caso dos autos, se porventura a secção, por erro, informasse estarem citados todos os réus, isso não dispensava nunca o julgador de verificar se essa informação correspondia ou não à realidade. Em suma, o despacho supra reproduzido, na sua totalidade, nunca deveria ter sido proferido, constituindo um acto dilatório, legalmente proibido (artigo 130º do Código de Processo Civil).
[3] Notificada em expediente electrónico elaborado a 24 de Fevereiro de 2015.
[4] E razões poderia ter para tanto porquanto a factualidade que o tribunal a quo veio a considerar demonstrada por falta de impugnação de prova documental deveria considerar-se antecipadamente impugnada e, por outro lado, a prova documental oferecida era em todo o caso insuficiente, pois que não respeitava a todos os contestantes (atente-se que relativamente às rés N… e O… não foi oferecida prova documental que permitisse a comprovação do pagamento de quotizações sindicais). Mas também os contestantes se poderiam queixar de uma certa precipitação do tribunal recorrido e não o fizeram, porquanto alegaram que a remuneração ajustada era apenas calculada sobre o valor da remuneração mensal ilíquida que viesse a ser cobrada e o tribunal a quo olvidou de todo esta questão suscitada pelos contestantes, não se debruçando sobre a mesma, sendo certo que para ser conhecida, requeria que a causa fosse objeto de instrução.
[5] O âmbito subjetivo deste segmento do recurso não está claramente definido pelo recorrente. Na verdade, esta questão tanto respeita aos réus contestantes, como aos não contestantes. Porém, quando o recorrente afirma que a “obrigação não era exigível no momento em que a ação foi proposta mas isso não impedia que a sentença reconhecesse da existência da obrigação – que os RR contestam – e condenasse os RR a satisfazer a prestação no momento próprio – artigo 610º, nº1 do CPC”, parece cingir o seu recurso aos réus contestantes. Acresce que o recurso não identifica, em geral, os recorridos contra os quais se dirige a pretensão recursória. Na dúvida, entende-se que esta pretensão recursória apenas se dirige contra os réus que contestaram.
[6] Sobre a licitude da cláusula que estabeleça que a remuneração do mandatário apenas será devida em caso de êxito, veja-se Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português, Coimbra Editora 1933, Luiz da Cunha Gonçalves, Volume VII, página 422, segundo parágrafo.
[7] Critico quanto à proibição da quota-litis veja-se o autor citado na nota que antecede, mesmo volume, páginas 502 e 503.