Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1199/15.7T9VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: BORGES MARTINS
Descritores: TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
SENTENÇA
FORÇA VINCULATIVA
Nº do Documento: RP201709131199/15.7T9VLG.P1
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 727, FLS.1225-1283)
Área Temática: .
Sumário: As decisões do TEDH são vinculativas para as autoridades nacionais que pelo art.º 46 CEDH se o obrigaram a respeitar as sentenças definitivas desse tribunal nos litígios em que sejam parte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Comum Singular n.º 1199/15.7T9VLG.
Juízo Criminal de Valongo-Juiz 2.
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

Nos presentes autos, foi publicada decisão com o seguinte teor:

Pelo exposto, e atentos os fundamentos de facto e de Direito invocados, julgo:

Parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública deduzida contra o arguido B…, em consequência do que decido:
Absolvê-lo quanto à imputada prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo art. 187.º, n.º s 1 e 2, al. a), do Código Penal;
Condená-lo, pela prática de um crime de difamação agravada com publicidade, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, do Código Penal, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), assim perfazendo um total de €1.820,00 (mil, oitocentos e vinte euros).
Parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os pedidos de indemnização civil formulados nos autos por C… e pelo Município D…, enquanto demandantes cíveis, contra B…, enquanto demandado cível, em consequência do que decido:
Condenar o demandado no pagamento ao demandante C… de uma compensação no valor de €8.000,00 (oito mil euros);
Condenar o demandado na publicação de retratação e pedido de desculpas ao demandante C… em dois jornais – “E…” e “Jornal F…” –, a expensas suas, no blogue de que é autor e na sua página pessoal do facebook;
Condenar o demandado no pagamento ao demandante Município D… de uma compensação no valor de €10.000,00 (dez mil euros);
Condenar o demandado na publicação de retratação e pedido de desculpas ao demandante Município D… em dois jornais – “E…” e “Jornal F…” –, a expensas suas, no blogue de que é autor e na sua página pessoal do facebook.

Recorreram o arguido B…, impugnando o juízo da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 412.º, ns. 3 e 4 do CPP; defendendo, em síntese, que os factos não integram o crime de difamação, por estarem abrangidos pelo direito à liberdade de expressão.
Também a CM D… recorreu, pugnando pela condenação do arguido pela autoria do crime p. e p. pelo art.º 187.º do CP.
O MP pugnou, em síntese, pela manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos, bem como o Exmo PGA junto deste Tribunal - e os assistentes na parte da decisão objecto do recurso do arguido.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º,n.º2 do CPP, não se registando Resposta.
Cumpre decidir.

Foi a seguinte a fundamentação de facto da decisão recorrida e a subsunção ao tipo operada:
2. Dos factos
2.1 Matéria de facto provada
Da discussão resultaram provados os seguintes factos, que doravante se elencam por referência às peças processuais de referência nos autos, expurgadas de factualidade irrelevante para a descoberta da verdade material, tal qual delimitada pelo libelo acusatório, bem como de juízos conclusivos ou de Direito:
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O arguido criou o blogue na internet denominado “G…”, estando o mesmo disponível através do endereço electrónico http://G....blogs.sapo.pt/, sendo o único autor das respectivas publicações.
É membro da Assembleia Municipal D…, tendo sido eleito nas listas do Partido H… para o mandato 2013 / 2017, passando, em Setembro de 2014 e mercê da sua desvinculação do grupo municipal daquele partido, a membro independente dessa Assembleia.
Em 27/10/14, cerca das 19:00 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “Zona Industrial de I… – G1…!”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/zona-industrial-I...- G1..., entre o mais, com o seguinte teor:
«(…) ‘disciplina de voto’ que as máquinas costumam impor, sempre que estão em causa ‘superiores interesses’ que quase sempre só o são – superiores – para quem usa o voto do Povo para ‘tratar da vidinha’ – da partidária e da pessoal também (parêntesis, para recordar que foi o ‘aviso’ que C… me fez, naquela atribulada conversa de há pouco mais de um mês atrás, num fim de tarde no seu gabinete – de que iria impor disciplina de voto – que me fez abandonar o grupo do H… na Assembleia Municipal)»;
«(…) Há actos corruptos que precisam do PDM como a defecação precisa do rolo de papel higiénico»;
«(…) O caso mais paradigmático envolve um monstruoso processo de corrupção urbanística iniciada em 2007 com terrenos então – e ainda, até ‘trânsito em julgado’ – Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional, localizados no lugar … em I…. Por muitos projectos que inventem para aquela vasta área de terrenos terraplanada ilegalmente, por mais desenhos bonitos com que os adornem, ‘aquilo’ nunca passará de um ‘T…’ a céu aberto, lamaçal imenso onde alguns eleitos não hesitam em sujar as mãos, para tentar lavar as pepitas que lhes calharam na divisão, na água pouco límpida do Ribeiro J…»;
«(…) Quem na Assembleia Municipal D… votar a favor da UOPG de I… – aquela espécie de triangulo irregular no nosso descontentamento – estará a validar a corrupção avaliada em 16 milhões de euros que resultarão da aprovação da referida …»;
«(…) Tudo isso – e muito mais – pode ser feito forma transparente, de mãos limpas, sem pecado, exista para tal, vontade da parte do presidente da Câmara».
Em 15/11/14, cerca das 13:30 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “…, Que Tal I…?”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/G2...-que-......, entre o mais, com o seguinte teor:
« – Evolução da posição da CCDRN e da CNREN sobre o “caso K…” e sobre aquela mancha que era REN/RAN e foi desclassificada “a pedido” para que o grupo L… e mais uns autarcas corruptos de D… pudessem embolsar 16 milhões de Euros de mais-valias;
« – Rigoroso levantamento de toda a documentação existente na Câmara e que me foi recentemente recusada por C… para ver que diligencias foram feitas pela Câmara relacionadas com o ilícito, que contra-ordenações deixaram de ser aplicadas, que autos do SEPNA da GNR de M… foram mantidos na ‘gaveta’ pela CCDRN e relacionados com o ‘T…’»;
« – Ligações entre o gabinete de arquitectura mais conhecido de I…, autarcas e ex-autarcas do burgo, o ex-vereador do Urbanismo de N… em 2007, O…, o actual presidente da Câmara D…, C… e o grupo L…/K… e respectivo ‘testa de ferro’, P…, para que a Carta REN de D… e o novo PDM se proponham agora consumar o enriquecimento que já havia sido tentado sem êxito aqui há uns anos atrás».
Em 26/12/14, cerca das 20:11 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “D… e o G3…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/D...-e-o- G3..., referindo-se ao assistente C…, entre o mais, com o seguinte teor: «Um presidente que em mais de um ano de mandato não conseguiu iniciar a prometida rigorosa auditoria aos Serviços, que manteve sem qualquer acção disciplinar interna e em lugares de relevo técnicos condenados por corrupção no exercício de funções, um presidente que construiu um projecto com base em promessas de ruptura com a florescente corrupção urbanística de D… e agora alinha pelo mesmo registo que tanto denunciou, um presidente que tenta dificultar o escrutínio dos ‘esqueletos’ que prometeu incinera, negando o acesso a documentos públicos relevantes para evitar que se possam conhecer melhor os contornos de um ‘certo T…’ que ele próprio e na sua anterior incarnação tanto denunciou, um presidente assim não merece que se entoem cânticos e hossanas em relação ao ‘espúrio mandato’».
Em 29/12/14, cerca das 18:28 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “PDM de D… G4…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/pdm-de-D...-G4..., referindo-se ao assistente C…, entre o mais, com o seguinte teor: «Pois se é C… que vai meter nos cofres da K…/L… uma mais-valia de 16 milhões de Euros como prémio por terem alterado sem qualquer suporte legal 52 ha de área REN que agora se consolidará com a aprovação do PDM».
Em 30/12/14, cerca das 22:35 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “PDM de D… – G5… disponível em http://G....blogs.sapo.pt/pdm-de-D...-G5...-de-......., referindo-se ao assistente C…, entre o mais, com o seguinte teor: «Pena que da festiva girândola com que assinalou o evento não tenha sobrado uma pequenina e efémera explicação ‘escrita no azul do céu com letras de fumo’, sobre as razões porque tanto se empenha em meter nos bolsos de alguns corruptos 16 milhões de mais-valias resultantes da imensa especulação de terrenos promovida pela K…/L…».
Em 31/12/14, cerca das 13:47 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “G6…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/pdm-de-D...-G6...-......, entre o mais, com o seguinte teor: «O PDM, a ‘conversa redonda’ do presidente, as declarações devoto da oposição (Q… e S…) explicando de forma critica o seu voto de abstenção e sobretudo, a persistência de C… num silencio comprometido relativamente a tudo o que o faz correr na defesa do prevaricador no caso que envolve a K…/L… no chamado “T…” de I… o maior caso de corrupção em D… e que movimenta mais de 16 milhões de Euros em mais-valias».
Em 07/01/15, cerca das 14:07 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “D… do G7… – «…» que …”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/D...-do-G7...-......, entre o mais, com o seguinte teor:
«Como é possível fingir – relativamente ao PDM – que está tudo bem, quando se sabe que o presidente H… da Câmara Chamou a si a tarefa de consolidar de forma inexplicável o maior processo de corrupção de que há memória em D… e para garantir que tudo corre a seu favor declarou expressamente que imporá aos seus deputados na Assembleia Municipal ‘disciplina de voto’?»;
«Como é possível aceitar que um presidente H… favoreça da forma desavergonhada que está a fazer, o prevaricador K… que se deu no desplante de devastar 53 hectares de área REN em I… – o tal conjunto de documentos que eu exigi e me foram recusados numa primeira fase e finalmente entregues em mão anteontem na minha residência às 21:00 horas por um motorista da Câmara, prova-o fingindo que o abuso não existiu?»
«É que a área destinada à plataforma logística da U… – a ‘menina dos olhos’ de C… – terá apenas cerca de 10 hectares e a área total do FAVORECIMENTO ILICITO é, como já vimos, muito maior!».
Em 08/01/15, cerca das 17:52 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “D… – G8…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/D...-G8...-......, entre o mais, com o seguinte teor: «É uma pena que este relevante instrumento tenha chegado a proposta final neste estado ‘anémico e visivelmente infectado’ – a corrupção em D… já se consegue ver sem necessidade de lupa… (…) É que no caso desta proposta, existe um óbice de relevo à sua ‘validação por defeito’, concedendo-lhe por assim dizer, o benefício da dúvida: o esbulho de 16 milhões de euros ao erário público que a mesma consolidará – isto se entretanto a Justiça não conseguir travar o crime.»
Em 14/01/15, cerca das 22:15 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “O T… de I… – O G9…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/o-T...-de-I...-G9... - ……, entre o mais, com o seguinte teor:
«Factos sobre o megaprocesso de corrupção em curso em I… com o ‘alto patrocínio’ de C…, presidente da Câmara D…»;
«Perante tudo isto, a melhor forma que C… encontrou para penalizar o infractor pelo incumprimento, foi “castigá-lo” com uma mais-valia de 16 milhões de Euros!»
Em 20/01/15, cerca das 13:55 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “G10… de D…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/G10...-de-D...-......, entre o mais, com o seguinte teor: «Ainda que consiga passar em todos os “filtros” da Lei, o novo PDM de ficará para D… ficará indelevelmente associado ao maior caso de corrupção de que se deu notícia no Concelho e essa é uma marca que para sempre também, ficará ligada ao primeiro mandato – e quiçá único – de C…, após 20 anos de desgraça da governação de N….»
Em 06/02/15, cerca das 21:42 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “G11…”, disponível em http://G.....blogs.sapo.pt/G11... - ……, entre o mais, com o seguinte teor: «Peguemos no exemplo mais próximo do nosso Concelho de D… onde a Câmara foi conquistada ao Q… por um activo apoiante de Seguro e onde a corrupção continua ‘sorridente a pavonear-se à janela’ do Município. O ‘V…’ condomínio da Avenida … permanece firme e hirto no respectivo ‘ranking’, como o maior ‘habitat’ natural da corrupção a nível do Poder Local. A proliferação dos casos de favorecimento ilícito os ‘ajustes directos’ do costume, a prevaricação de sempre, permanecem como regras intocáveis. A manutenção e até o reforço da presença de elementos corruptos e alegadamente corruptos em funções de destaque sem que daí decorra sequer o mais leve pestanejar de incómodo do presidente maçon permanece até agora. O tratamento desigual dos munícipes e/ou a perseguição que é movida àqueles que mais ousam incomodar o poder iníquo é igualmente e ainda, a norma vigente.»
Em 13/02/15, cerca das 20:23 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “D… G12…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/D...-G12... - ……, entre o mais, com o seguinte teor: «Para além dela, subsistem e ampliam-se as bolsas de corrupção do costume e que ao contrário daquilo que seria expectável em resultado da mudança da cor política da Câmara, florescem mais do que nunca – parabéns Dr. N…, um dia destes ainda teremos de o considerar um autarca exemplar e impoluto – à luz dos actuais padrões, obviamente… Esta é mais uma UOPG ‘metida à pressão’ por C… e o seu ‘assessor’ arquitecto W…, “a pedido de várias famílias” e onde vai ser gerada muita riqueza. Para quem? Essa é a pergunta para “um milhão de dólares”, mas no ponto em que o atoleiro se encontra, será que isso é importante? Passam portanto a ser duas as bolsas mais ‘relevantes’ da florescente corrupção D…, sendo que a do “T…” (a UOPG 06) impulsionada pelo novo instrumento, não tardará muito em ver o seu valor actual nos fundos imobiliários K… em que se insere, que neste momento é de (apenas) 8,225 ME – começou em 4 ME em 2009 – a subir de novo para os 20 ME que já estiveram registados na CMVM, salvo erro até 2010, valor corrigido ‘em baixa’ devido aos sucessivos adiamentos do PDM. (…) E viva a transparência da Câmara mais opaca do Pais, onde os negócios do imobiliários e do urbanismo continuarão a permitir ganhar dinheiro de forma (bem) mais fácil do que em muitos concelhos vizinhos…».
Em 09/03/15, cerca das 19:30 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “«G13…» em Versão «V…»…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/G13...-em-versão-V... - ……, entre o mais, com o seguinte teor: «O actual presidente H…, ao contrário do que prometeu que iria fazer, não acabou com a corrupção “que dizem existir na Câmara de D…”. Em vez disso aprimorou-a, protegeu os seus agentes mais conhecidos e rapidamente assumiu como sua a estratégia de um jogo que já estava a ser jogado e que ele optou por não interromper “em equipa que ganha (e como ganha!) não se mexe.»
Em 13/04/15, cerca das 21:28 horas, o arguido publicou um comentário na página oficial do Município D… no facebook, com o seguinte teor: «Isto é – salvaguardando o bom nome da U… que não tem nada a ver com o assunto - consuma-se o processo de corrupção mais conhecido a Norte e tudo isto, com a bênção do actual executivo camarário. Crime urbanístico, beneficiação ilícita de infractores – uso de bens públicos REN/RAN) mais valias de 16 milhões de Euros num único dia…».
Em 23/04/15, cerca das 18:44 horas, naquele seu blogue, o arguido publicou um texto intitulado “G14…”, disponível em http://G....blogs.sapo.pt/G14... - ……, entre o mais, com o seguinte teor: «De facto, é verdadeiramente caricata a pose destas duas ‘alminhas’ – ‘belas quanto baste, ao lado do monstro feio quanto baste também’ – como se tivessem alguma coisa ‘ a ver com o filme’, ou seja com a obra que decorre a bom ritmo. (A bom ritmo, mas a expensas do merceeiro-mor do País com sede na … – X…/U… (plataforma logística de I… (ou …?) para os menos informados sobre as negociatas do subúrbio)… Bem, com este filme não têm mesmo nada a ver e nem sequer pagarão as ‘entradas’. Já com o ‘banquete’ dos 16milhoes de mais-valias num único dia – o do enriquecimento ilícito da K…/L…, O… & Associados, com esse, não sei não. Cheira-me a “…”…».
Sabia o arguido que, nas referidas circunstâncias de tempo, o assistente C… era o Presidente da Câmara Municipal de D…, exercendo actividade de serviço público.
Assim como que a internet, nomeadamente os blogues e o facebook, constitui um meio de divulgação rápida e fácil e que os referidos textos por si escritos seriam lidos por um número indeterminado de pessoas.
E que, o conteúdo de alguns desses textos – os intitulados “PDM de D… O G4…”, “D… do G7… – «G15…”, “O T… de I… – O G9…”, “G10…” de D…” e “G13…” em Versão «V…»…” –, assim como do comentário na página oficial do Município de D… no facebook, questionava a rectidão, a ética e o cumprimento da lei no exercício do correspectivo mandato, assim atentando contra a respectiva honra e consideração, pessoal e profissional.
Não ignorava ser tal conduta proibida e punida por lei.
Não obstante o que não deixou de actuar como na realidade actuou, agindo livre e conscientemente.
O arguido é casado; reside em casa própria, com a sua mulher e uma filha maior de idade; encontra-se aposentado, assim como aqueloutra, percebendo pensões de reforma no valor mensal de, respectivamente, €718,00 (setecentos e dezoito euros) e de €2.412,00 (dois mil, quatrocentos e doze euros); completou o 12.º ano de escolaridade.
Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
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Desde 2006 que o arguido mantém na internet o seu blogue denominado “G…”.
Como consequência directa e necessária da conduta perpetrada pelo arguido, o assistente C… sentiu-se humilhado, revoltado e angustiado.
Tendo alguns munícipes, na sequência do quanto leram no mencionado blogue, tecido comentários e manifestado dúvidas quanto ao seu carácter e à transparência com que exerce as suas funções enquanto Presidente da Câmara Municipal de D….
O mesmo havendo sido questionado por familiares quanto ao teor dos textos publicados.
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Mais se apurou:
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Como consequência directa e necessária da publicação de alguns dos textos publicados pelo arguido – os intitulados “G11…”, “D… G12…”, assim como do comentário na página oficial do Município de D… no facebook –, o assistente Município de D… viu afectado o seu bom nome, no exercício da actividade pública prosseguida pela respectiva Câmara Municipal e perante os correspondentes munícipes.
Sabia o arguido que o órgão executivo colegial do assistente Município de D… é a Câmara Municipal de D….
Assim como que a internet, nomeadamente os blogues e o facebook, constitui um meio de divulgação rápida e fácil e que os referidos textos por si escritos seriam lidos por um número indeterminado de pessoas.
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A disciplina de voto relativamente aos deputados da Assembleia Municipal que integram a força política do assistente C… é determinada por este na discussão de todas as questões que assumam, de acordo com o seu projecto de governação, especial relevo para o assistente Município de D….
Na edição de 30/04/10 do jornal “E…”, sob o título “Reunião da Assembleia Municipal de D…” e o subtítulo “Novo líder concelhio H… impõe estratégia de confronto ao Q…”, foi publicada notícia, entre o mais, com o seguinte teor: “(…) a primeira intervenção azeda coube a C…, que começou por abordar a questão do atraso da proposta de revisão do PDM, «assunto da maior importância». O líder H…, citando trechos do documento relativo ao quadro prévio do PDM apresentado pela equipa responsável pela sua revisão, apontou várias das deficiências aí detectadas, entre as quais se podiam elencar uma reduzida vertente estratégica e uma lógica de ordenamento quantitativa. Ainda segundo o mesmo documento, o concelho estaria dotado de uma capacidade de construção superior às suas necessidades, verificando‐se uma expansão desordenada e avulsa. O deputado H… pedia também à Câmara o estudo de avaliação ambiental proposto pela CCDRN. E terminava responsabilizando exclusivamente o Q… pelo desordenamento urbanístico do concelho, apresentando ainda dúvidas quanto ao processo de discussão pública da nova proposta de revisão do PDM, e denunciando a instalação de uma plataforma logística industrial na Reserva Ecológica Nacional na zona …. Propunha‐se ainda apresentar uma queixa se não fossem dadas as devidas explicações quanto a este assunto. (…) C… responderia à letra (…). Depois, afirmando que o H… nunca iria ser parceiro de «negociatas», voltou a denunciar o projecto de construção de 83 hectares em zona de reserva ecológica, em I…, falsamente justificado com a criação, no espaço de 10 anos, de 12 mil postos de trabalho. Isto seria um PIN (Projecto de Potencial Interesse Nacional), mas ninguém acreditava (…).”
Em acta da Assembleia Municipal de D… realizada em 19/04/10, exarou-se, entre o mais, que:
“O Sr. Deputado do Grupo Municipal do D… começou por dizer que o processo do PDM tinha sofrido um «conjunto de desmandos, muito sérios», que o têm prejudicado no que tem a ver com a sua competitividade.”;
“O H… foi informado sobre a intenção, mais uma, de investimento, exactamente, ao lado da zona citada, em I…, para além dos 50 hectares. Querem desafectar mais 80 hectares e não sabemos para quê! Perguntou ainda se «existe, ou não, algum processo na Câmara de um dos seguintes promotores: Y…, Lda., Z…, SA, e AB…, SA, para criar uma coisa – não se sabe bem o que é que será – Plataforma Logística de Iniciativa Empresarial, Parque Industrial de I…, numa zona que salvo erro é quase toda REN (ou uma parte é REN), exactamente ao lado dos 50 hectares.”;
“Estão a falar de uma zona conhecida como zona …. «Gostaria de obter resposta relativamente às questões colocadas pois, caso contrário e amanhã farei uma denúncia ao DIAP sobre a situação, pois pode‐se estar perante uma situação de especulação imobiliária, e o H… é muito zeloso do interesse dos seus autarcas, e não vai sujeitar nenhum dos autarcas do H… a uma situação de especulação imobiliária».”.
Na edição de 24/09/10 do “Jornal F…”, sob o título “Oposição chumba proposta de nova zona industrial”, foi publicada notícia, entre o mais, com o seguinte teor: “O “H…/D…, pela voz do líder C…, acusou a Câmara de querer fazer a desafectação à revelia do processo de revisão do Plano Director Municipal (PDM) em curso e encontrou na situação contornos de crime, disposto a denunciá‐la ao Ministério Público e à PJ.”.
O assistente C…, através da sua conta de correio electrónico C…@gmail.com, remeteu ao arguido emails, entre o mais, com o seguinte teor:
Em 28/02/13: “Aqui vai o despacho de nomeação do AC…, datado de 29 de Janeiro deste ano mas com efeitos desde 1 de Fevereiro de 2012, que grande bolada de dinheiro deve ter recebido este senhor. Pode ser que pague a dívida de 15 780 Euros relativa às últimas autárquicas de 2009! Ou seja, para quem fala em oferecer lugares à AD…, o que é mentira como bem sabe, não deixa de ser curiosa esta nomeação política pois só assim se compreende, quando sabemos quem é o Secretário de Estado, o ex- Vice‐Presidente da CM D…, AE…!”;
Em 25/06/13: “Veja os tentáculos da D1… ao longo dos últimos anos:
http://www.D2....com/entidades/View?ID=.....................
Veja como o dono da página “D… D3…” ganha uns cobres da Câmara Municipal de D…, através da D4…:
http://www.D2....com/entidades/View?ID=....................
Veja como o famoso Gabinete de Advogados AF… & Associados (muitos dizem que o famoso AE… também é sócio), ganha 65.000 Euros em 10 meses:
http://www.D2....com/entidades/View?ID=....................”;
Em 26/06/13: “Acabo de ser informado por diversos funcionários que estão nas oficinas da Câmara em …, que o AG… os convidou hoje para uma Feijoada nas instalações das Oficinas da Câmara, convite um pouco estranho! Segundo me contaram quem preparou a “comezaina” foi a Cantina do … (Centro Cultural e Desportivo dos Funcionários da Câmara Municipal e Serviços Municipalizados de D…), que é presidido pelo Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara, AH…! Ora o que é um escândalo, é que o CCDD é financiado pela quotização de todos os funcionários, ou seja, quem convida para Feijoada está a fazer um número à custa do esforço dos outros, que são quem efectivamente paga tudo. Asseguraram‐me de dentro da Câmara, que muitos funcionários estão revoltados com a falta de vergonha até porque poucos sabem quem está a pagar a festa e uma das consequências é que dos 200 almoços previstos mais de 100 não quiseram lá ficar! Apelo ao seu muito reconhecido talento para tornarmos indigesta a Feijoada ao herdeiro!”;
Em 09/07/13: “Aqui vão algumas das «relações» tentaculares da velha escola de N… que me fizeram chegar: AG… – Presidente da Câmara Municipal de D… 4.088 EUR/mês + telemóvel + carro + motorista; Chefe da Equipa Multidisciplinar de Desenvolvimento Organizacional (equivalente a Directora de Serviço) Presidente do Júri do Concurso Internacional de Aquisição dos Resíduos Sólidos Urbanos, AI…, prima de AG… 3.090 EUR/mês + telemóvel; Chefe de Divisão Municipal de Cultura, AJ…, Irmã da Secretária do Presidente da Câmara 2.677 EUR/mês + telemóvel + isenção de pagamento de estacionamento em D… e D5…; Chefe de Divisão Municipal de Acção Social, AK…, casada com o Presidente da Câmara, 2.677 EUR/mês + telemóvel + isenção de pagamento de estacionamento em D… e D5…; Chefe de Divisão Municipal da Juventude e Desporto, AL…, filho de Ex-Vereador e Assessor da Câmara AM…, 2.677 EUR/mês + telemóvel + isenção de pagamento de estacionamento em D… e D5…; Chefe de Divisão Municipal de Educação, AN…, Presidente do Núcleo de D5… do Q…, casada com AO… (Presidente da Junta de Freguesia de D5… – funcionário da CM de D… que entrou num concurso que abriu e fechou num ápice) 2677 EUR/mês + telemóvel + isenção de pagamento de estacionamento em D… e D5…; jurista da “Águas de D…, SA”, AP…, prima do Presidente da Câmara, 1.900 EUR/mês; AQ…, advogada que trabalha para a Câmara Municipal de D… através do escritório de AR…, que é advogado e sócio de AE… (a quem foi adjudicado por 10 meses e por cerca de 75.000 EUR serviços jurídicos – ver ajustes directos) grave: AQ… trabalha na área dos processos judiciais em matéria de fiscalização, ora trabalha directamente para o marido, que é vereador na Câmara Municipal, AS…, e que tutela a área da fiscalização, casada com Vereador AS…, Vereador que tutela a Fiscalização Municipal.”;
Em 22/07/13: “Remeto para seu conhecimento o documento de permuta de imóveis entre o Município e a AT…. Repare que curiosamente o valor da hipoteca é de 315.000 Euros, ou seja, quase os mesmos 300.000 Euros que o erário público vai gastar! Estranha coincidência! Como é que foram avaliados os terrenos dos AU…? Com que capacidade construtiva e que valor de mercado? É que os terrenos dos AU… só estão libertos para o privado a 31 de Julho de 2015 pelo que é estranho a forma como foi calculado o valor do imóvel!”;
Em 26/07/13: “Remeto em anexo a Ata da Câmara de 10 de Novembro de 2010, onde consta a verdadeira história da fixação do IMI em D… nos 0,36 para os imóveis avaliados, entre as páginas 32 e 43. Gostava de lhe pedir que pudesse escrever sobre isso, pois o AG… anda a mentir novamente, designadamente na luxuosa brochura que enviou para casa das pessoas, dizendo que foi ele quem fixou o valor em 0,36! Ora, tal não é verdade, pois em 2010 quando se fixou o valor do IMI, o Q… onde AG… se inclui propôs o valor de 0,40 para os imóveis avaliados, tendo o H… apresentado uma proposta de fixar esse valor no mínimo (0,30) e a AD… apresentou a proposta de 0,36, que o Q… decidiu apoiar! Esta questão é importante pois não podemos aceitar mais uma mentira!”;
Em 31/07/13: “Peço a sua ajuda para definirmos o que é relevante no “cheque” que vamos enviar a cada munícipe. Cheque de 639,52€ assinado por «Cidadão do Concelho de D…» e endossado à Câmara de D… e o cheque seria do banco «AV… mal parado». Juntamente com o cheque que estaria a picotado haveria uma carta explicando que a dívida por habitante é resultado directo de 20 anos de gestão do Q… (de N… e de AG…). D… 94.844 habitantes. Dívida 60.679 906 Euros. Dívida por habitante 639,52 Euros. 200.000 Euros anuais de prejuízo para os cofres do Município resultado da Parceria Público Privada desastrosa da Câmara com a empresa que gere o estacionamento de D5… e D…. 131.000 Euros condenação por ter martelado concurso para beneficiar empresa de amigos. 138.000 Euros por «esquecimento» conveniente de não ter denunciado contrato de arrendamento (…).”;
Em 02/08/13, “o AS… tem a promessa de ficar com a avença dos serviços jurídicos da Câmara acabo de saber B…, Quem paga ao AW… é o AX…, dizem da Câmara que é metade do salário dele. Caro B…, fui verificar na prestação de contas relativas a 2012, quando a obra de reabilitação da AY… foi executada e o valor de 94.590 Euros, ou seja, o AG… gasta num livro e propaganda quase 15% do valor da obra! Uma vergonha.”;
Em 02/08/13: “Como é possível alguém gastar 120.000 Euros na aquisição de serviços de impressão para o livro e desdobrável relativo à reabilitação do aqueduto …, obra que já está concluída há 1 ano!”;
Em 18/08/13, na sequência de e‐mail remetido pelo arguido com o teor “Caro C…, dê uma olhadela crítica – mas mesmo crítica, porque é mesmo este o momento – a este primeiro draft e já agora, sugira um título «impactante», devolva logo que possa, abraço.”: “Caro B…, está muito bom! Em relação ao título porque não: “Polvo à Val…” “Meu caro B…, o tentáculo 5 não tem isenção de estacionamento!”;
Em 21/08/13: “Envio em anexo dois documentos, um relativo aos Protocolos Culturais com associações concelhias para 2013, que na verdade são um conjunto de serviços em várias das iniciativas que a Câmara tem vindo a fazer. Estes apoios não são do conhecimento de todo o meio associativo, até porque existem mais de 100 associações, e a CMV só envolveu algumas dezenas. Era importante recortar a parte dos apoios financeiros e o serviço que cada associação deve fazer e dar conhecimento disso mesmo através das redes sociais, pois tenho vindo a mostrar isto a alguns dirigentes associativos, que não compreendem a disparidade de valores, e mais grave, não compreendem os critérios. Veja por favor o caso da Associação AZ…, presidida pelo candidato do Q… à Junta de D6…, BA…. (conhecido como BA1…) e onde o biscoito (AX…) é director, leva 5.000 Euros basicamente para serviços de som, e grave, muito grave, pois não me parece que o Tribunal de Contas aceite, apoiam na última alínea dois serviços futuros de som (sem especificar).”;
Em 30/08/13: “Torna‐se imperioso desmontar as 3 mentiras mais graves da entrevista do AG… ao BC…: 1 – Investimento da U… (já lhe enviei dados que provam que toda a trapalhada se deveu à incapacidade de AG… concluir o processo de revisão do PDM). 2 – Redução da macro estrutura (enviei‐lhe os concursos para admissão de 3 + 12 dirigentes + nomeação da prima para a equipa multidisciplinar o que prova o contrário do que diz na entrevista). 3 – Redução do IMI, sobre o IMI como sabe não existe nenhum acordo para não reduzir o IMI, existem até Atas da Câmara onde o AG… diz explicitamente que uma das vantagens de estarmos no grupo … do PAEL é não ser obrigados a colocar a taxa no máximo havendo liberdade para fixar essa mesma taxa (temos é que procurar as Atas que são as de 2012 segundo semestre se não estou em erro). Aproveite desmontar novamente a forma como foi colocado o valor em 0,36 e o facto de o AG… ter proposto 0,4.”;
Em 30/08/13: “É necessário desmascarar o AG… sobre o que diz na entrevista ao BC… quando fala do investimento da U…. Assim, remeto em anexo 3 documentos, bem como a resposta do Chefe de Gabinete da CMV a requerimento do H… sobre assunto remetido em Março deste ano. Em anexo vão 2 Atas da Câmara, a de 15 de Dezembro de 2011 quando o H… e a CM chumbaram o relatório da Consulta Pública (com as razões de ambos) e a Ata de 16 de Fevereiro de 2012 quando o Q… viabilizou o relatório da Consulta Pública depois de respondidas várias questões. Remeto também um documento muito importante, que a Secretaria de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território remeteu à CCDR‐N sobre o pedido de alteração pontual do PDM, que nas suas páginas 6 e 7, nas conclusões (pontos II e III), diz claramente que todo o processo de alteração pontual do PDM em I… para instalação da Plataforma da U… está dependente da revisão do PDM. Ou seja, o AG… está a mentir de forma descarada na entrevista ao BC…!”;
Em 30/08/13: “Remeto em anexo a deliberação de abertura de procedimentos concursais para 3 directores e 12 chefes de divisão, mais a equipa multidisciplinar totaliza 16 pessoas, o que contraria o que diz o candidato na entrevista.”;
Em 26/09/13: “Aqui vão as fotos que provam que a senhora Vice da CM D… tem uma construção ilegal nas traseiras, apesar de ter mentido à Câmara, conforme documento em anexo. Incluo também um Memorando sobre todo o processo que é muito grave.”;
Em 26/04/07, foi lavrada escritura pública de venda de prédios rústicos, sitos em I…, D…, figurando, como alienantes, BD…, BE…, BF…, BG…, BH… e AH…, e, como adquirente, P…, desse documento constando, entre o mais, que aqueles se destinavam a revenda por parte deste último.
Em 27/09/07, foi lavrada escritura pública de venda de prédios rústicos, sitos em I…, D…, figurando, como alienantes, BI…, a sociedade “Agro Pecuária BJ…, Lda.”, a sociedade “BK…, SA”, BL…, BM…, BN…, a sociedade “BO…, SA”, BP…, BQ… e a sociedade “Sociedade Imobiliária BR…, Lda.” e, como adquirente, P…, desse documento constando, entre o mais, que aqueles se destinavam a revenda por parte deste último.
Em 27/09/07, foi lavrada escritura pública de venda de prédios rústicos, sitos em I…, D…, figurando, como alienante, P…, e, como adquirente, a sociedade “L1… – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA”, enquanto gestora e legal representante do Fundo de Investimento Imobiliário “K…”, desse documento constando, entre o mais, ter aquele primeiro declarado “que os prédios de natureza rústica ora vendidos têm capacidade de construtiva, conforme consta do PDM de D… e da Comunicação da Câmara Municipal de D… de 12/09/07, com a referência 0002045”.
Em 12/09/07, pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de D…, foi endereçada missiva a P…, com a referência 0002045 e subordinada ao assunto “pedido de informação sobre capacidade construtiva dos terrenos e intenção da Câmara quanto à qualificação dos mesmos”, do seu teor constando, entre o mais, que:
“O conjunto de terrenos localizados na planta apresentada em anexo ao requerimento (…) insere-se, de acordo com as plantas de Ordenamento do Território e Condicionantes, e que constituem o PDM de D…, em Florestal de Produção e REN, Reserva Ecológica Nacional”;
“Neste contexto, e tendo em consideração o Regulamento do PDM, em zona de REN – Reserva Ecológica Nacional – não é possível qualquer tipo de edificabilidade. Quanto aos espaços florestais, nomeadamente ao Espaço Florestal de Produção, é possível (…) capacidade de edificabilidade (…)”;
“No que concerne à qualificação futura dos terrenos, é intenção da Câmara Municipal propor em sede de Revisão do PDM a requalificação de todos os terrenos compreendidos entre o Nó de I… e o Nó de D6… como área industrial (…);
“É ainda intenção da Autarquia propor, se verificar que há um especial interesse económico nos investimentos particulares previstos para a zona referenciada anteriormente, a suspensão imediata do PDM e a realização de Plano de Pormenor que permita a requalificação dos citados terrenos”.
Em 16/12/15, o arguido apresentou nos Serviços do Ministério Público da Instância Local de D… da Comarca do Porto o que designou como “denúncia contra vários e não especificados responsáveis da Câmara de D… – eleitos e técnicos com funções delegadas – e abrangendo vários mandatos, com especial ênfase para aquele que ainda decorre em que é Presidente o Dr. C…”, e, entre o mais, aludindo a “uma grave situação de favorecimento ilícito, eventualmente associada a actos de corrupção ou conexos”.
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Não resultaram provados ou não provados, com interesse para a discussão da causa, quaisquer outros factos (cfr., no sentido de que a sentença se deve limitar aos “factos com relevo para a decisão da causa”, exemplificativamente, o Ac. do STJ de 02/06/05, in www.dgsi.pt).
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2.2 Fundamentação da matéria de facto
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O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência e da normalidade social, tendo sopesado as declarações prestadas por arguido e assistente, os depoimentos produzidos pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento e os documentos juntos aos autos. Desde já nos permitiremos, por um lado, adiantar a nuclearidade do princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo o art. 127.º do Código do Processo Penal que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente – que não o seu livre arbítrio – e, por outro lado, salientar a previsão do n.º 1 do art. 128.º do mesmo Código, em cujos termos a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova – que não opiniões ou juízos valorativos.
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O arguido optou por prestar declarações, em cujo âmbito peremptoriamente admitiu haver criado o blogue “G…” e ser o único autor dos escritos no mesmo publicados, de entre os quais aqueles a que reporta o libelo acusatório. Referiu-se-lhes como “textos políticos” (sic), por via dos quais e usando as palavras como “figuras de estilo” (sic), publicitou a sua perspectiva relativamente ao assistente C…, enquanto “figura pública” (sic), cuja “honra profissional como político” (sic) concedeu haver ofendido, recusando, porém, alguma vez ter sido seu propósito, com a publicação desses textos, atentar contra o bom-nome dos assistentes, C… e Município de D…. Escusou, assim, haver cometido os ilícitos que lhe são assacados.
Instado, assistiu-se, todavia, ao soçobrar de semelhante petição de princípio.
Desde logo, resultou evidente a pessoalidade do enfoque dos textos em apreço – a propósito, atente-se no teor da contestação apresentada, nomeadamente nos seus arts. 29.º a 33.º, sentindo-se o arguido “instrumentalizado e defraudado” (sic), já que, “quando [o assistente] chegou ao poder, [se revelou] diferente do «companheiro» de «luta» que tinha dado a conhecer (…)” (sic) –, mais não incutindo convencimento a preconizada destrinça que operou entre a pessoa e o político – em concreto, arrogando-se o mesmo a “certeza” (sic) que o assistente C… seria corrupto no exercício das suas funções como Presidente da Câmara Municipal de D…, mas aventando ignorar se o mesmo, enquanto cidadão, o seria ou não. Ora, salvo melhor opinião, somos a entender que a corruptibilidade constitui atributo de natureza iminentemente pessoal e insusceptível de afectar apenas parte da pessoa, precisamente por bulir com o seu núcleo essencial enquanto tal, e, nessa medida, gozar de uma espécie de juízo de incindibilidade; o mesmo é dizer, de forma que pretendemos simplista, ou se é corrupto ou se o não é, afigurando-se-nos avesso às regras da normalidade e da experiência comum afirmar-se que determinada pessoa é, afinal, parcialmente corrupta.
Expondo o arguido a razão de ser de tal imputação, clarificou que, com a aprovação da revisão do PDM, o assistente C… acolheu a corrupção vinda do anterior mandato, assim como a Câmara Municipal “[a] favoreceu” (sic), excluindo, contudo, desta sua apreciação a Assembleia Municipal, já que aos seus membros e por parte do assistente C…, foi imposta disciplina de voto, com o fito de assegurar aquela ratificação. Principiando pelo final deste seu argumentário, resultou da demais prova que mereceu credibilidade a existência de uma regra de disciplina de voto no âmbito das matérias de maior relevância para o Município, o que, ademais, se nos perspectivou como consentâneo com os ditames da experiência e da normalidade por referência a órgãos colegiais de vocação política (veja-se, paradigmaticamente, o caso das votações no âmbito desse órgão de soberania maior, a Assembleia da República); instado, respondeu o arguido desconhecer se uma disciplina de voto nestes outros moldes efectivamente existiria.
Revertendo à apregoada convicção acerca da corruptibilidade do assistente C… por referência à aprovação da revisão do PDM, e questionado o arguido acerca das provas de que disporia em ordem a retirar uma tal ilação, limitou-se, num primeiro momento, a aduzir a sua entrega aos serviços do Ministério Público de D…, aquando de uma denúncia pelo próprio apresentada relativamente à questão do PDM, ulteriormente ao que, não as logrando concretizar com acrescido detalhe, as identificou como as que “estão na [sua] defesa” (sic), sem que, uma vez mais, almejasse esclarecer – de forma factual, que não opinativa –, em que medida os documentos juntos em sede de contestação lhe permitiam a formulação de semelhante juízo. Nesta esteira, aliás, e perguntado o arguido acerca dos proveitos que o assistente C… haveria colhido da sua imputada conduta, restringiu-se a aludir a uma sua “ascensão política” (sic) – sem que precisasse os seus contornos, que sequer surtiram corroborados pela demais prova produzida – e, versando sobre as consequências dos escritos nas pessoas dos assistentes, desvendou ser sua vontade que o assistente C… “não [fosse] eleito” (sic).
Argumentou haver-lhe sido sonegada informação acerca da revisão do PDM, particular em que advogou haver o assistente Município de D… solicitado um parecer prévio à CADA, em ordem a se certificar da obrigatoriedade de lhe facultar determinados documentos, o que qualificou como estratagema; da demais prova produzida merecedora de credibilidade – nesta se incluindo o depoimento de testemunha pelo mesmo arrolada em sede de contestação, AG… –, resultando ter o predito parecer sido requerido à custa dos constantes requerimentos endereçados pelo arguido no sentido de aceder a documentos que já lhe haviam sido disponibilizados em momento anterior, assim como as insistências do arguido em aceder a documentos sem que, em algum momento, as suas pretensões lhe fossem recusadas.
Pugnou, ainda, reconduzir-se a participação criminal que se divisa na génese dos presentes autos a uma espécie de resposta àquela sua denúncia junto dos Serviços do Ministério Público de D… – estabelecendo, desta forma, uma conexão entre dois actos processuais temporalmente insusceptível de convencer, remontando o início dos presentes autos a 14/05/15 e a apresentação da dita denúncia a 16/12/15, de resto resultando da demais prova produzida e, inclusivamente, das próprias declarações prestadas pelo arguido, a contemporaneidade entre o início dos escritos ora em debate, o primeiro dos quais data de 27/10/14, e o processo que culminou na aprovação da revisão do PDM, deste modo inculcando ter sido este acto que impulsionou a publicação dos textos.
Afiançou, igualmente, enquadrar-se a publicação dos escritos no “cumprimento de um dever como deputado municipal” (sic), sendo certo que, instado acerca do protagonismo de ditos idênticos nas reuniões da Assembleia Municipal, assentiu não o fazer, o que, por sua vez, associou a “[ter sido] calado” (sic), por virtude da redução dos seus períodos de intervenção a três minutos, perante o que “[teve] que recorrer a outros meios” (sic). Ora, salvo melhor opinião, a diminuição da duração das suas intervenções não constituiria óbice a que difundisse, em moldes similares aos exarados nos escritos, o invocado carácter corrupto do assistente C…, sendo que, por outro lado, e de acordo com a demais prova produzida, se descortinou que a redução das suas intervenções se deveu à sua desvinculação do grupo municipal de H…, em cujo âmbito fora eleito, a partir do que passou a intervir na qualidade de membro independente, e, por assim ser, vendo aquele seu tempo abreviado.
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O assistente C… prestou declarações, que se prolongaram por duas sessões da audiência de julgamento realizada, não obstante o que as mesmas primaram pela coerência e assertividade, aquele se havendo comportado em Juízo com serenidade e evidenciado absoluta disponibilidade para esclarecer todas as questões que lhe foram sendo colocadas, independentemente da sua extensão e real relevo para a descoberta da verdade material por referência ao objecto dos presentes autos tal qual delimitado pelo libelo acusatório; não resvalou em menoscabo inopinado para com o arguido, tão pouco se arrogou altivez mercê do seu exercício de funções como Presidente da Câmara de D….. Mereceu credibilidade por parte deste Tribunal.
Afirmou ter tido conhecimento dos textos publicados pelo arguido no seu blogue – site que lhe era familiar, mesmo antes de ambos terem travado um relacionamento de amizade –, à medida que eram publicados e comentados, do seu teor retirando que o próprio e o Município de D… eram corruptos e preconizando que aquele, “[passando] o limite” (sic), visou “diminuí-lo” (sic), como homem e como Presidente da Câmara Municipal em exercício de funções. Deu conta de ter sido abordado por pessoas que o questionavam acerca daquelas imputações e que, por via das mesmas, se lançou um manto de “suspeição” (sic) sobre o seu comportamento, sentindo-se ofendido enquanto pessoa e político.
Acerca da revisão do PDM, esclareceu estar em causa um compromisso eleitoral, já que o correspondente processo perdurava há cerca de quinze anos, classificando-o como “altamente escrutinado” (sic) e acedendo ter o próprio, ainda na qualidade de deputado municipal no âmbito do anterior mandato, escrevia e opinava, dado o que considerava ser o pouco cuidado devotado à zona de I…, preocupando-o a sua legalidade e os investimentos que pudesse importar ao Município. Instado, acedeu ao envio das mensagens de correio electrónico juntas aos autos ao arguido, reconduzindo-as aos seus tempos de oposição, ao longo dos quais ambos partilharam assuntos “lamentáveis” (sic) e “frequentes” (sic), do que qualificou como uma “época muito negativa” da Câmara Municipal de D…, e, bem assim, ser conhecedor dos rumores relativos à venda de terrenos na referida zona.
Perguntado, respondeu existir uma regra de disciplina de voto na Assembleia Municipal relativamente matérias de especial relevo, apontando como exemplo, para além da questão da aprovação da revisão do PDM, a aprovação do orçamento; ter sido o próprio quem se decidiu a solicitar à CADA a emissão de um parecer acerca da documentação requerida pelo arguido, porque solicitada e prestada durante o anterior executivo, obedecendo ao quanto nessa sede foi decidido, e, desse modo, disponibilizando os documentos em causa; haver funcionários no patamar administrativo da Câmara Municipal que transitam de um mandato para o outro, encontrando-se impossibilitado de os despedir sem mais; ter sido realizada uma auditoria à actividade de Câmara Municipal, cujos resultados foram transmitidos às entidades competentes, incluindo os serviços do Ministério Público; que o investimento da empresa “U…” beneficiará de alguns dos hectares da zona de I….
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Em sede de acusação pública e de pedidos de indemnização civil formulados nos autos, foram inquiridos como testemunhas: BS…, chefe de gabinete da Presidência da Câmara Municipal de D…; BT…, adjunto da Presidência da Câmara Municipal de D…, BU…, assessora de comunicação da Câmara Municipal de D…; BV…, comerciante da localidade; BW…, Presidente da Junta de Freguesia de D…. Todos depuseram de forma simples e concisa, evidenciando congruência com as regras da experiência comum e da normalidade social, assim como isenção, em segmento algum dos seus excursos se referindo ao arguido em moldes desprestigiantes e preconizando relatos sem recurso a empolamento. Mereceram credibilidade por parte deste Tribunal, na certeza de que, atento o teor das declarações prestadas pelo arguido e pelo assistente C…, unicamente relevaram para uma mais detalhada apreensão das consequências advindas para aquele último e para os próprios, enquanto funcionários do assistente Município de D…, do comportamento protagonizado pelo primeiro.
A testemunha BS… alegou ser conhecedora do “muito seguido” (sic) blogue do arguido e dos textos publicados, a própria lhes havendo atribuído “muita importância” (sic) e retirado da sua leitura que o Presidente da Câmara Municipal e as pessoas que na mesma exerciam funções seriam corruptos. Disse que esse assunto “[se comentava]” (sic) e que recebeu munícipes cujas pretensões eram ilegítimas, o que sustentou dever-se, não apenas à percepção, por parte dos mesmos, quanto a algumas práticas referentes ao anterior mandato, mas, igualmente, à divulgação dos ditos textos e à sua repercussão nos órgãos locais de comunicação social. Referindo-se ao assistente C…, reputou-o como “ofendido” (sic) e “revoltado com a situação” (sic), tendo sido questionado por familiares e por munícipes acerca do assunto; reconduzindo-se ao assistente Município D…, aduziu que as pessoas se sentiam questionadas e vexadas. Instada, respondeu que o processo de revisão do PDM seguiu a tramitação de lei, tendo sido “muito escrutinado” (sic), e que o arguido, enquanto membro da Assembleia Municipal e através dos requerimentos que endereçava à edilidade – que, inclusive, repetia, razão pela qual argumentou ter sido solicitada à CADA a emissão de um parecer –, dispunha de acesso à documentação relacionada com aquele processo; que houve lugar a uma auditoria na edilidade, tendo sido detectadas e reportadas irregularidades, nomeadamente nas áreas da contratação e fornecimento de serviços.
A testemunha BT… deu conta de haver extraído dos textos publicados no “bastante visto” (sic) blogue do arguido imputações de corrupção e de práticas de favorecimento por parte da Câmara Municipal de D… e do seu Presidente, o próprio se sentindo atingido e havendo sido instado por familiares, munícipes e partidários da sua força política. Acrescentou que igualmente viu escritos publicados no facebook do arguido e notícias de acompanhamento nos órgãos de comunicação social. Veiculou que o assistente C… se lhe queixou, sentindo-se diminuído como pessoa e como Presidente de Câmara, junto de amigos e da população de D…, sufragando que, “mesmo em termos de família, isso afectava-o” (sic), do mesmo passo que se achava “injustiçado” (sic), na medida em que procurava implementar maior transparência na actividade camarária. Instado, respondeu que “a revisão do PDM é um acto público” (sic), salientando a sua legalidade e justificando a sua asserção com a necessidade de intervenção de diversas entidades em ordem à sua aprovação e, bem assim, com a divulgação que conheceu junto dos munícipes, asseverando que “o arguido teve informação suficiente” (sic); que o assistente C…, a dada altura, deixou de atender os telefonemas que recebia do arguido, durante os quais este os confrontava com o teor de textos que se predispunha a publicar, deixando então de beneficiar de “acesso directo ao Presidente da Câmara” (sic); que foram participadas as irregularidades detectadas na auditoria levada a cabo na edilidade.
A testemunha BU… referiu ser conhecedora do blogue mantido pelo arguido e dos textos em questão no âmbito dos presentes autos, a própria se sentido afectada com os seus dizeres, na medida em que, tendo intervindo no processo de divulgação pública da revisão do PDM, se certificou do seu decurso “com a maior das transparências” (sic). Mencionou ter sido indagada por jornalistas de D… no sentido de apurarem se teria lido tais textos e que o facto de o arguido ser deputado da Assembleia Municipal beneficiava a credibilidade que os leitores lhe atribuíam. Considerou o assistente C… como “muito triste” (sic) e “revoltado” (sic), identificando a sua contribuição para uma imagem mais positiva por parte da edilidade junto da população.
A testemunha BV… assumiu-se como seguidor do blogue do arguido, tendo sido perguntado no seu estabelecimento comercial sobre se o assistente C… e a Câmara do Município de D… seriam corruptos, o próprio chegando a instar aquele primeiro e avisando-o acerca da difusão dos textos em questão. Assentiu a tê-los interpretado nesse mesmo sentido e escutado comentários acerca do tema. Disse que aquele “[se sentiu] ofendido na honra” (sic), contando-lhe que os seus pais se encontravam incomodados. Apontou o objectivo gizado pelo mesmo no sentido de mudar a imagem da Câmara Municipal como “[conseguido]” (sic), enfatizando que esse esforço “ficou em causa” (sic) à conta da conduta do arguido.
A testemunha BW… anunciou igual percepção quanto ao conteúdo dos escritos, e, assim, que o assistente C… e a Câmara do Município de D… eram corruptos, tendo sido abordado por “muita gente” (sic), nomeadamente na Junta de Freguesia que preside, perguntando-lhe se efectivamente o eram, quedando-se com essa suspeita; disse ter sido assunto “amplamente discutido dentro do partido” (sic). Corroborou que o assistente C… se sentiu enxovalhado e excursou acerca da necessidade de “organização” (sic) na construção, motivo pelo qual havia interesse em concluir a revisão do PDM, cujo processo se protelava, assim como sustentou que o investimento por parte da empresa “U…” se revelava apetecível enquanto propiciador de postos de trabalho em D….
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Em sede de pedido de indemnização civil por parte do Município de D…, assim como de contestação, mais foi inquirido BX…, presidente da Assembleia Municipal de D…. À semelhança das testemunhas anteriormente inquiridas e cujos depoimentos vimos de analisar, comportou-se em Juízo com sobriedade, protagonizou um excurso compatível com aqueles e, bem assim, com os ditames das regras da experiência comum e da normalidade social, mais denotando imparcialidade, de resto havendo sido arrolado pelo próprio arguido para efeitos da sua defesa. Mereceu credibilidade por parte deste Tribunal.
Afirmou ter conhecido o arguido por ocasião do seu início de funções como presidente da Assembleia Municipal, em 2003, sendo conhecedor dos escritos em questão, cujo intuito apontou como sendo o de denegrir o bom-nome dos assistentes, nas conversas que manteve com o assistente C…, este lhe contando das repercussões familiares e políticas da sua apregoada implicação em práticas de corrupção, “[mostrando a sua mágoa]” (sic) e sentindo-o angustiado. Disse que o arguido, enquanto membro da Assembleia Municipal, acompanhou o processo de revisão do PDM e que, aquando das suas intervenções, não reproduziu imputações de idêntico teor; admitiu, porém, que, em conversas privadas, a questão da corrupção lhe foi abordada pelo arguido, que lhe apresentou documentos, relativamente ao que concluiu que “coisas concretas não havia, só as escrituras” (sic). Quanto à segunda destas, referiu-se a uma série de condicionantes que não chegaram a verificar-se e, no que concerne à declaração emitida pela Câmara Municipal a requerimento de P…, estarem em causa meras intenções. Explicou que a redução do tempo de intervenção do arguido em sede de Assembleia Municipal se deveu ao próprio regimento, dada a sua qualidade de membro independente, reconhecendo que, não obstante, lhe permitia amiúde que extravasasse os três minutos de que dispunha. Instado, noticiou que, durante a campanha eleitoral, o assistente C… se mostrava favorável à perspectiva de investimento naquela zona, sem prejuízo do que pretendia lhe fossem prestados determinados esclarecimentos; que, sendo D… “um Município com algumas falhas” (sic), a “transparência” (sic) era um dos motes da campanha eleitoral, no que aquele veio a conhecer uma evolução positiva em termos de ranking nacional; que vários munícipes se lhe dirigiram posteriormente à leitura dos escritos, que “[eram falados]” (sic).
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Em sede de contestação, foram inquiridos como testemunhas, por referência à sua razão de ciência, que não à ordem cronológica dos seus depoimentos: BY… e BZ…, chefes das divisões, respectivamente, da fiscalização e metrologia e da cultura, turismo e juventude da Câmara Municipal de D…; AG…, CA… e CB… e CD…, todos membros da Assembleia Municipal de D…, o primeiro igualmente ex-presidente da Câmara Municipal da edilidade; O…, ex-vereador da Câmara Municipal de D…; CC…, interveniente na campanha eleitoral para as eleições autárquicas; CE…, conhecido do arguido; CF… e CG…, jornalistas, o primeiro se encontrando já aposentado.
Previamente à exegese crítica que acerca dos respectivos depoimentos se nos impõe, julgamos ser de repristinar o disposto no art. 128.º, n.º 1 do Código do Processo Penal, em homenagem ao qual a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova. Numa tentativa de dilucidação deste ditame legal, podemos afirmar que os factos “hão-se ser entendidos como acontecimentos históricos, como eventos naturalísticos, como sendo aquele «pedaço de vida» que em concreto se vai analisar” (cfr. o Ac. do TRP de 06/10/10, in www.dgsi.pt), pelo que “a prova só se dirige a acontecimentos reais, e não a con­ceitos abstractos”, pois que “o processo tem de ter um facto concreto na sua existência real e não um conceito de facto” (cfr. o Ac. do TRP de 23/05/07, in www.dgsi.pt). Por outro lado, “a testemunha tem conhecimento directo dos factos quando se apercebe deles imediatamente, por si, através dos seus sentidos (cfr. o Ac. do TRC de 09/12/09, in www.dgsi.pt), no que se divisa “o objectivo da lei (…), em substância, [como sendo] o de fazer com que a prova sobre os factos probandos seja directa, imediata e sujeita a instâncias da defesa” (cfr. o Ac. do TRG de 11/02/08, in www.dgsi.pt). Por fim, e reconhecendo-se ao nosso direito processual penal uma estrutura essencialmente acusatória, “o objecto do processo é o objecto da acusação, o qual se mantém até ao trânsito em julgado da sentença, protegendo o arguido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do Tribunal, assegurando os direitos ao contraditório e à audiência, direitos essenciais à defesa do arguido e à democraticidade do processo penal” (cfr. o Acórdão para Fixação de Jurisprudência n.º 11/13 de 16/06/13, DR, I Série, 138, de 19/07/13).
Ora, perscrutados os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas em sede de contestação, outra ilação não podemos retirar, que não a de que se detiveram sobretudo em opiniões e juízos valorativos, tendo sido várias as prelecções por este Tribunal escutadas acerca da liberdade de expressão, mormente na sua compaginação com o direito à honra, que, mau grado o seu teor didáctico, irrelevaram, perante a letra e o sentido da lei vindos de expor, para efeitos de formação de convicção. Acresce que, depurados tais depoimentos em conformidade, escassos se surpreenderam os factos decorrentes de conhecimento directo e atinentes ao objecto da prova, conspecto em que os relatos dotados de maior proficuidade foram os protagonizados pelas testemunhas AG… e O…, ambos se havendo comportado em Juízo de forma sóbria, serena e imparcial, merecendo credibilidade por parte deste Tribunal.
Assim – e não perdendo de vista que de factos cuidamos – a testemunha AG… disse que várias pessoas lhe transmitiam lerem o blogue, ora “para se divertirem” (sic), ora “[para usarem] o que lá estava dito para puxar assuntos” (sic), e que o arguido reiteradamente solicitava documentos à edilidade, os quais sempre lhe eram facultados. Referiu que, aquando do seu exercício de funções na Câmara Municipal de D…, chegando a ter sido seu Vice-Presidente e Presidente, foi visado pelo arguido em textos publicados no seu blogue, não tendo apresentado queixa contra o mesmo em ordem a não envolver outras pessoas e não conferir maior importância aos “exageros” (sic) que eram relatados a seu propósito, acrescentando ter vindo a saber, pelo arguido, que tal “iniciativa” (sic) era à data “orquestrada” entre o mesmo e o assistente C….
A testemunha O…, ex-vereador da Câmara Municipal de D… a quem, a dada altura dessas suas funções, foi atribuído o pelouro do urbanismo, explicou o contexto em que assinou a missiva endereçada pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de D…, junta a fls. 594 e seguinte. Assumiu versar aquela sobre “intenções” (sic) do Município, esclarecendo estar em causa uma área muito vasta, e, como tal, inexistente em qualquer outro concelho da área metropolitana, o que permitiria a criação em D… de uma zona industrial dotada de grandes dimensões e própria para grandes investimentos. Mencionou que esse projecto, mercê da demora e da burocracia que eram inerentes, não conheceu termo durante a permanência do próprio na Câmara Municipal e que, na ocasião, soube da existência do blogue do arguido, no qual foram publicados textos em que o acusava de corrupto; concretizou que não apresentou queixa contra o arguido porque familiarmente desaconselhado a assim proceder; que exerceu o seu direito de resposta “num cantinho do jornal” (sic); que o facto de ser visado pelo arguido como o foi constituiu uma das razões pelas quais abandonou uma vida de serviço público.
Mantendo o enfoque nos factos, mais se descortinou ter havido uma acção de fiscalização camarária à residência do arguido, de acordo com a testemunha BY… – inidónea à demonstração de algum tipo de acção persecutória movida ao arguido; não concordar com o arguido com a alteração da afectação do solo naquela zona de I…, como asseguraram as testemunhas BZ…, CD… e CB… – divergência já resultante das próprias declarações do arguido; terem os textos do arguido sido considerados por jornalistas de âmbito nacional, que nessa esteira publicaram artigos na imprensa, discorrendo a testemunha CF… que noticiou a realização de uma obra clandestina e de irregularidades relacionadas com um hospital, ambas anteriormente às eleições autárquicas – o que tivemos por irrelevante por referência ao seu enquadramento temporal –, enquanto a testemunha CG… escreveu acerca do assistente C… na sequência desse plesbicito, por se tratar de autarca jovem e partidário de força política distinta da que vingava no Município, e mais tarde sobre o “manual da cidadania” (sic) implementado em D…, enquanto “instrumento para que o cidadão (…) possa escrutinar a actividade da Câmara Municipal” (sic) – o que, a relevar, o seria em benefício da alegada maior transparência visada adoptar pelo assistente C… enquanto Presidente da Câmara Municipal de D…; ter corrido termos processo de inquérito nos Serviços do Ministério Público de D… respeitante à venda dos terrenos sobre que versam as escrituras públicas juntas aos autos, subsequentemente arquivado porquanto “não houve ganho patrimonial” (sic), conforme anunciou a testemunha CE… – inculcando a repetitividade da denúncia subsequentemente apresentada pelo arguido; a escolha pelo assistente C… do arguido o arguido para supervisionar os escritos da sua campanha autárquica, conforme adiantado pela testemunha CC… – resultando, entre o mais, das próprias declarações do arguido e das mensagens de correio electrónico juntas aos autos, o espírito de entreajuda que, nessa ocasião, existia uma relação salutar entre o próprio e o aludido assistente; que, de entre os leitores do blogue do arguido, se encontra a testemunha CA…, tal qual assumido pelo próprio.
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Documentalmente, foram considerados: as cópias dos textos publicados no blogue do arguido a que se reporta a acusação pública, de fls. 39 a 81 e de fls. 84 a 86; a cópia do comentário escrito pelo arguido na página do facebook do Município de D…, de fls. 82 e seguinte e o CRC do arguido, de fls. 306.
Igualmente se retiveram: as cópias de notícias publicadas nos jornais “E…” e “Jornal F…”, de fls. 453 a 456 e de fls. 462 – noticiando o entendimento, à data, do assistente C…, mormente no tocante à revisão do PDM; as cópias de mensagens de correio electrónico, de fls. 463 a 479 – demonstrativas dos contactos escritos entre o arguido e o assistente C… anteriormente às eleições autárquicas; a cópia de denúncia apresentada pelo arguido nos Serviços do Ministério Público de D…, de fls. 484 a 488 – visando “vários e não especificados responsáveis da Câmara de D… – eleitos e com funções delegadas – e abrangendo vários mandatos, com especial ênfase para aquele que ainda decorre em que é presidente o Dr. C…” (sic); a cópia do Parecer da CADA, de fls. 489 a 502 – notando, entre o mais, não poder ser aceite “a argumentação da entidade requerida e consulente, designadamente quando afirma que o pedido do requerente, eleito local, é repetitivo e sistemático, configurando uma situação de abuso de direito” (sic), “[entendendo-se] que deverão ser facultadas ao requerente (…) as requeridas cópias dos documentos que referiu” (sic); as cópias das actas de reunião da Assembleia Municipal de D…, de fls. 545 a 550 e de fls. 551 a 554 – alusivas ao debate acerca da revisão do PDM; as certidões de escrituras públicas de fls. 557 a 562, de fls. 564 a 578 e de fls. 581 a 592; a cópia de missiva endereçada pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de D…, de fls. 594 e seguinte – de acordo com o qual, e conforme adiantado pela testemunha O…, é dada conta das intenções da edilidade “no que concerne à qualificação futura dos terrenos” (sic).
3. Do Direito
3.1 Do enquadramento jurídico-penal da conduta
3.1.1 Do crime de difamação agravada
Dispõe o art. 180.º, n.º 1 do Código Penal que quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. Acrescenta o seu art. 183.º, n.º 1, al. a), que, se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º (…) a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação (…) as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. Por seu turno, estabelece o respectivo art. 184.º que as penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas (…).
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A fundamentalidade da protecção jurídico-penal da honra radica na necessidade, demonstrada pela própria realidade social, de preservar, em todos os seus traços, o princípio basilar da dignidade da pessoa humana, enquanto pedra angular do ordenamento jurídico. Aliás, é a própria Constituição da República Portuguesa que, como texto fundamental, prevê, no seu art. 26.º, que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Em causa está um bem jurídico complexo, incluindo “quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior” (Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 607 e 629). Em causa está uma verdadeira “essência da personalidade humana” (Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, II, 317), sendo que as duas vertentes divisíveis neste bem jurídico – o lado individual, respeitante ao bom-nome, e o lado social, atinente à consideração – se fundem “numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros, (…) uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade” (Silva Dias, Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e Injúria, Edições da AAFDL, 18).
A “honra” dirá respeito ao património pessoal e interno de cada um (o próprio eu), enquanto a “consideração” é o merecimento que um indivíduo tem no meio social (a opinião pública) (neste sentido, Leal Henriques e Simas Santos, ob. e loc. cit.). Por outras palavras, e socorrendo-nos da jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, a “honra” contenderá com “aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral”; já a “consideração” assentará “[naquele] conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo” (cfr. o Ac. do STJ de 14/01/09, in www.dgsi.pt). Note-se, ainda, que “no conceito de honra, a jurisprudência e a doutrina têm considerado não apenas a personalidade moral como também a sua valoração social” (cfr. o Ac. do TRC de 30/09/09, in www.dgsi.pt).
Comporta o tipo a imputação de factos e a formulação de juízos, operando a distinção entre a difamação e a injúria “[a] imputação directa ou indirecta dos factos ou juízos desonrosos”, a saber, “uma coisa é a violação da honra perpetrada de maneira directa (na forma mais simples e comum: isto é, perante a vítima), outra será levar a cabo aquela mesma ofensa fazendo intervir uma terceira pessoa, operando uma tergiversação, instrumentalizando um terceiro para conseguir os seus intentos” (cfr. Faria Costa, ob. cit., 608). Numa tentativa da competente destrinça entre factos e juízos, poderemos afirmar que um “facto” se consubstancia “naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência (…), como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência”; já um “juízo” deve ser interpretado, “independentemente dos domínios em que ele pode ser operatório (…), não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor” (Faria Costa, ob. cit., 609 e seguinte).
Do mesmo passo, “o conteúdo injurioso ou difamatório de determinadas expressões deve ser analisado segundo as regras da experiência comum e o sentido corrente que lhes é atribuído, [devendo] ser consideradas ofensivas da honra e consideração quando lesem o sentimento de honra do afectado e atinjam o núcleo essencial das qualidades morais, inerentes à dignidade da pessoa humana, ferindo valores da ética socialmente relevantes (…), em suma, quando não sejam expressões axiologicamente neutras”, sendo objectivamente ofensivas as expressões de sentido pejorativo, depreciativo, vexatório e ofensivo, que ultrapassem a simples indelicadeza, grosseirismo, má educação ou deselegância”; sendo evidente que “os crimes contra a honra só se compreendem após uma prévia valoração da realidade”, “para aferir do carácter difamatório da palavra, há que tomar, desde logo, a objectividade das expressões proferidas, como ponto de partida e, como paradigma o sentir geral da comunidade (a consciência ético-social da comunidade histórica), por outro lado, há que atentar que aquela característica depende em grande parte, do lugar, do ambiente em que foi proferida, bem assim do modo como o foi, da pessoa que a proferiu e daquelas a foram ditas” (cfr. o Ac. do TRP de 11/12/14, in www.dgsi.pt). Integra-se, pois, a difamação “nos chamados crimes de aptidão, a que pertencem, entre outros, as ofensas à honra: a acção típica encerra, em si mesma, uma genérica aptidão para produzir o evento danoso, que é a ofensa à honra e consideração alheias”, [sendo] crimes que requerem a aptidão ex ante da conduta para produzir o resultado”, pelo que “a lesão efectiva do bem jurídico protegido com a incriminação não entra na composição destes crimes de aptidão, são delitos de consumação antecipada, embora essa genérica aptidão se encontre sujeita à avaliação e prova judicial”, em face do que “se não se prova o perigo efectivo, exige-se ao menos a potencialidade da conduta para produzi-lo” (cfr. o Ac. do TRG de 27/04/06, in www.dgsi.pt).
Já no que concerne ao respectivo elemento subjectivo, é este um crime exclusivamente doloso, preenchendo-se “quando o agente actua com consciência de que a sua conduta, isto é, o facto ou juízo (…) são objectivamente adequados a desacreditá-lo socialmente, sendo como tais compreendidos pelos destinatários” (cfr. Silva Dias, ob. cit., 21 e seguinte). Ultrapassada a jurisprudência que exigia a verificação do dolo específico, concretamente o especial propósito de atingir o visado na sua honra e consideração, para a comissão do ilícito revela-se bastante o dolo genérico, em qualquer das suas formas, ante o que o agente terá de proferir as expressões ofensivas, de forma livre e consciente, sabendo embora da sua interdição por força da lei. Deste modo, “basta, pois, que, grosso modo, o arguido admita o teor ofensivo da imputação ou juízo formulados e actue conformando-se com ele (dolo eventual), para que se tenha por preenchido o elemento subjectivo do tipo, sem prejuízo de o agente poder praticar o facto com dolo directo ou necessário, ou seja, conhecendo e querendo o teor ofensivo da imputação ou juízo, ou mesmo com o intuito ou propósito de atingir o ofendido na sua honra e consideração, indo para além da exigência típica” (cfr. o TRE de 05/02/13, in www.dgsi.pt).
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Da prova produzida, resultou que o arguido publicou no seu blogue conhecido como “G…” variados textos por si escritos e nos quais eram visados os assistentes, quer C…, quer o Município de D…, na perspectiva do seu órgão executivo, a Câmara Municipal de D…. Uma vez que, quanto a esta, porque de ente colectivo se trata, se justifica cogitar a perpetração de um outro tipo de ilícito, detenhamo-nos, pois, nas expressões directamente atinentes à pessoa daquele primeiro, Presidente da Câmara Municipal de D…, contidas nos ditos textos; desde já consignaremos entendermos melhor servir os interesses da descoberta da verdade material a sua apreciação, num primeiro momento, de per se, e, posteriormente, conjunta, pois que a sua perspectivação global permitirá, para além de qualquer dúvida, alcançar o seu real significado. Mercê da concreta incriminação em cotejo, constituirá o nosso ponto de referência a susceptibilidade, do ponto de vista abstracto, de os ditos em análise serem tidos ofensivos da (…) honra ou consideração.
Ora, perscrutados os textos que se surpreendem reproduzidos no libelo acusatório, afiguram-se-nos susceptíveis de um tal carácter ofensivo os excertos dos textos que, por facilidade de exposição, passamos a elencar qua tale e por referência à data da sua publicação: em 29/12/14 – “(…) é C… que vai meter nos cofres da K…/L… uma mais-valia de 16 milhões de euros como prémio por terem alterado sem qualquer suporte legal 52 ha de área REN que agora se consolidará com a aprovação do PDM (…)”; em 07/01/15 – “(…) o presidente H… da Câmara chamou a si a tarefa de consolidar de forma inexplicável o maior processo de corrupção de que há memória em D… e para garantir que tudo corre a seu favor declarou expressamente que imporá aos seus deputados na Assembleia Municipal «disciplina de voto»? (…); como é possível aceitar que um presidente H… favoreça da forma desavergonhada que está a fazer, o prevaricador K… (…); a área destinada à plataforma logística da U… – a ‘menina dos olhos’ de C… – terá apenas cerca de 10 hectares e a área total do FAVORECIMENTO ILÍCITO é, como já vimos, muito maior (…)”; em 14/01/15 – “(…) o megaprocesso de corrupção em curso em I… com o «alto patrocínio» de C…, presidente da Câmara de D… (…); em 20/01/15 – “(…) maior caso de corrupção de que se deu noticia no Concelho e essa é uma marca que para sempre também, ficará ligada ao primeiro mandato – e quiçá único – de C… (…)”; em 09/03/15, “(…) O actual presidente H…, ao contrário do que prometeu que iria fazer, não acabou com a corrupção «que dizem existir na Câmara de D…»; em vez disso aprimorou-a, protegeu os seus agentes mais conhecidos e rapidamente assumiu como sua a estratégia de um jogo que já estava a ser jogado (…)”; e, em 13/04/15, “(…) consuma-se o processo de corrupção mais conhecido a Norte e tudo isto, com a bênção do actual executivo camarário (…)”.
Na nossa perspectiva, cada um dos escritos vindos de reproduzir acarreta, em si mesmo e só por si, uma ofensa à honra e consideração do assistente C…, enquanto pessoa e enquanto Presidente da Câmara Municipal de D…, realidades que, ainda que diferenciadas, não podem deixar de ser vistas, no presente contexto, como indissociáveis entre si, já que a afronta em causa o atinge, quer nas suas vestes públicas, quer nas suas vestes privadas. Na verdade, ao insinuar-se, em suma, que determinado político é corrupto ou pactua com a corrupção, necessariamente se insinua que o homem que exerce esse cargo igualmente é corrupto ou pactua com a corrupção, perspectivando-se-nos destituída de sentido qualquer outra interpretação diversa, mormente a suscitada em Juízo, de acordo com a qual o ataque preconizado pelo arguido se cingiria, unicamente, ao assistente enquanto Presidente da Câmara Municipal de D…; ora, uma tal afirmação colide com o próprio conceito de corrupto, enquanto atributo de uma pessoa, para além de, na nossa óptica, ser desmentido pelas regras da normalidade social e da experiência comum, estas ensinando que uma pessoa cujo comportamento se paute pela corrupção se encontrará, pelo menos, na disponibilidade de assim proceder, independentemente da concreta actividade que exerça.
Ora, afirmar-se que o assistente “vai meter nos cofres” (sic) de outrem “uma mais-valia de 16 milhões de euros como prémio” (sic) por uma alteração “sem qualquer suporte legal” (sic), que “chamou a si a tarefa de consolidar (…) o maior processo de corrupção de que há memória em D…” (sic) ao ponto de impor “aos seus deputados na Assembleia Municipal «disciplina de voto»” (sic), que “[favorece]” (sic) de “forma desavergonhada” (sic) quem teria prevaricado, que lhe pertence o “alto patrocínio” (sic) no “megaprocesso de corrupção em curso em I…” (sic), que o seu mandato ficará marcado pelo “maior caso de corrupção de que se deu noticia no concelho” (sic), que, “não [tendo acabado] com a corrupção” (sic), “em vez disso [a aprimorou], protegeu os seus agentes mais conhecidos e rapidamente assumiu como sua a estratégia de um jogo que já estava a ser jogado” (sic), e que “a bênção do actual executivo camarário” (sic) permitiu a “[consumação do] processo de corrupção mais conhecido a Norte” (sic), não pode senão ser entendido como ofensivo da sua honra e consideração, dada a sua sucessiva recondução à corrupção e respectivas práticas, irrelevando, em nosso ver, a sua participação directa ou indirecta, dada a indiferença entre alguém que é corrupto e alguém que pactua com a corrupção, pois que corrupto inevitavelmente é. Quanto aos demais escritos, somos a considerá-los tendencialmente inócuos, mau grado da sua leitura conjunta e, sobretudo, da sua leitura associada aos excertos em destaque, se possa depreender precisamente o quanto se expôs, o mesmo é dizer, o envolvimento do assistente com práticas de corrupção, de resto servindo como mostras de reiteração dos considerandos perfilhados pelo arguido.

Detenhamo-nos, pois, na exclusão ou não da ilicitude do descrito comportamento.
Para indagarmos destoutra temática, urge indagar se os ditos em questão assumem a natureza de “factos” ou de “juízos”, na precisa medida em que, na primeira de tais hipóteses, se impõe cogitar da aplicabilidade, in casu, da causa de justificação prevista no art. 180.º, n.º 2 do Código Penal, “só (…) aplicável quando está em causa uma imputação de factos, estejam preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de difamação e se verifiquem cumulativamente os requisitos das als. a) e b), que são cumulativas” (cfr. o Ac. do TRC de 06/11/13, in www.dgsi.pt), ao passo que, na segunda daquelas, “não sendo [aquela] aplicável se se tratou da formulação de um juízo de valor (…), a exclusão da ilicitude só poderia advir do exercício do direito de expressão decorrente da liberdade consagrada nesse domínio (art. 31.º, n.º 2, al. b), do Código Penal e art. 37º da Constituição da República Portuguesa) (…), [tornando-se] necessário realizar (…) uma ponderação concreta dos interesses em causa” (cfr. o Ac. do TRL de 06/04/05, in www.dgsi.pt).
Repristinando os ensinamentos supra, e, deste modo, tendo como premissa que “o facto [se distingue] das simples opiniões e dos juízos de valor, que se analisam numa afirmação contendo uma apreciação sobre o carácter da vítima que não está inscrita em factos”, estes se identificando com “acontecimentos, eventos ou situações da ordem externa ou interna do sujeito, enquanto pertencentes ao passado ou ao presente” (Código Penal, Parte Geral e Especial, Miguez Garcia e Castela Rio, Almedina, 2014, 747), revejamos os concretos escritos acima discriminados. Ora, salvo melhor opinião, somos a integrar na categoria dos factos os ditos, em 29/12/14, (…) é C… que vai meter nos cofres da K…/L… uma mais-valia de 16 milhões de euros como prémio por terem alterado sem qualquer suporte legal 52 ha de área REN que agora se consolidará com a aprovação do PDM (…)”, e, em 07/01/15, “(…) o presidente H… da Câmara (…) para garantir que tudo corre a seu favor declarou expressamente que imporá aos seus deputados na Assembleia Municipal «disciplina de voto»? e “a área destinada à plataforma logística da U… (…) terá apenas cerca de 10 hectares [e a área total do favorecimento ilícito é, como já vimos, muito maior]”. Na verdade, apenas estes segmentos se revestem de carácter claramente factual, tratando-se de afirmações sobre a realidade exterior, que não acerca do correspectivo valor, pelo que tão-só quanto aos mesmos se justifica a sua apreciação à luz da exceptio veritas consagrada no art. 180.º, n.º 2 do Código Penal.
Preceitua o referido normativo legal que a conduta não é punível quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos [al. a)] e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa- fé, a reputar verdadeira. Acrescenta o seu n.º 4 que a boa-fé referida na al. b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação. Por se tratar do seu segmento mais equívoco, adiantaremos que o interesse legítimo se prende, no essencial, com o seu reconhecimento pela ordem jurídica, seja público ou privado, exigindo-se uma relação de proximidade entre o agente e o interesse por este visado alcançar, a qual se constata desde logo assegurada no caso do interesse público, pois que as matérias que respeitam a uma colectividade necessariamente respeitam a cada um dos cidadãos que a integram; estando em causa interesse privado, importa que o agente se arrogue “a qualidade de guardião desse interesse” (Conceição Valdágua, “A Dirimente da Realização de Interesses Legítimos nos Crimes Contra a Honra, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, Lisboa, 234 e seguintes). Ademais, “é exigível também, embora não resulte expressamente da lei, mas que não deve deixar de reconhecer-se, a prevalência do interesse a realizar sobre o interesse na tutela da honra, requisito que resulta do princípio da ponderação de interesses, a ela subjacente, e pressupõe, portanto, uma ponderação em concreto de todos os factores relevantes” (cfr. o Ac. do TRC de 03/11/10, in www.dgsi.pt).
Atentemos, então, nos três factos acima alinhados, que nos permitimos resumir por facilidade de raciocínio: é o assistente quem permitirá a terceiro um ganho de dezasseis milhões de euros na senda de uma alteração ilegal a uma área de cinquenta e dois hectares classificada como REN, que se consolida com a aprovação do PDM; o assistente impôs disciplina de voto aos deputados da Assembleia Municipal para garantir a aprovação do PDM; a área destinada à plataforma logística da empresa “U…” será de dez hectares, por referência àquela área maior, de cinquenta e dois hectares. Concedendo o interesse público na divulgação dos mesmos à luz do critério vindo de delinear, já que de assunto relacionado com o Município de D… e, assim, respeitando aos seus munícipes se cuida, temos por verificada a previsão da al. a) do n.º 2 do art. 180.º do Código Penal, uma vez que o direito de informar constitui interesse legítimo. Diferentemente, julgamos não lhe acrescer, para efeitos de exclusão da ilicitude, aqueloutra, plasmada na correspectiva al. b) – o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa- fé, a reputar verdadeira. Com efeito, o primeiro de tais factos constitui uma notória falsidade, dado que jamais poderia ser o assistente quem propiciaria a outrem o anunciado ganho, sendo de resto consabido do comum dos cidadãos – e, como tal, do arguido – que a aprovação do PDM não depende daquele, antes impõe a intervenção de diversas entidades e ao longo de todo um processo específico destinado a semelhante fim. O segundo daqueles conclui-se igualmente falso, antes havendo resultado da prova produzida que a disciplina de voto relativamente aos deputados da Assembleia Municipal que integram a força política do assistente, ainda que determinada por este, o é na discussão de todas as questões que assumam, de acordo com o seu projecto de governação, especial relevo para o Município de D…, deste modo exorbitando a aprovação do PDM. Por fim, o terceiro dos apontados factos não quedou cabalmente apurado em Juízo no que concerne à sua verdade, ignorando-se que concreta área dos terrenos em questão será afecta à aludida plataforma logística, assim como a respectiva área global por referência à ilegalidade propalada pelo arguido; saliente-se que semelhante ilação não resulta das escrituras públicas juntas pelo arguido, estas testemunhando apenas os contratos de compra e venda de determinados terrenos sitos em I…, constando, até, da missiva endereçada pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de D…, em 12/09/07, que esses terrenos se localizam não apenas em área de REN, mas, também, em área de Espaço Florestal de Produção, tratando-se de qualificações distintas entre si.
Resta, pois, apurar se o arguido teve fundamento sério para, em boa-fé, reputar [a imputação] verdadeira. Neste particular, há que ter por insuficiente uma mera convicção pessoal por parte do agente no acerto da imputação, antes se lhe impondo, objectivamente – conforme, aliás, inculca o n.º 4 do art. 180.º do Código Penal – que haja indagado, afinal, que a sua anterior actuação que culmina na imputação se haja pautado pelo critério da diligência imposta pelas circunstâncias do caso, e, do ponto de vista subjectivo, a sua “[interiorização] honesta” (Oliveira Mendes, Os Crimes contra a Honra no Código Penal Revisto, Almedina, 1996, 74). Em suma, “o conceito normativo de boa-fé é utilizado pelo legislador em dois sentidos distintos: no sentido de boa-fé objectiva, enquanto norma de conduta, ou seja, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efectivas soluções reguladoras dos conflitos de interesses, alcançadas através da densificação, concretização e preenchimento pelos Tribunais desta cláusula geral; e no sentido de boa fé subjectiva ou psicológica, isto é, como consciência ou convicção justificada de se adoptar um comportamento conforme ao direito e respectivas exigências éticas” (cfr. o Ac. do STJ de 17/05/12, in www.dgsi.pt).
Retomando o raciocínio vindo de expender acerca dos três factos, afigura-se-nos que apenas quanto ao último dos mesmos é de equacionar o aludido fundamento sério para, em boa-fé, reputar [a imputação] verdadeira, havendo, aliás, o arguido providenciado pela junção aos autos de determinados documentos – em particular, as certidões de escrituras públicas de fls. 557 a 562, de fls. 564 a 578 e de fls. 581 a 592 e a cópia de missiva endereçada pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de D…, de fls. 594 e seguinte – que, cotejadas com as cópias de notícias publicadas nos jornais “E…” e “Jornal F…”, de fls. 453 a 456 e de fls. 462, a cópia de denúncia apresentada pelo arguido nos Serviços do Ministério Público de D…, de fls. 484 a 488, a cópia do Parecer da CADA, de fls. 489 a 502 e as cópias das actas de reunião da Assembleia Municipal de D…, de fls. 545 a 550 e de fls. 551 a 554, permitem afirmar uma convicção genuína por parte do arguido, no sentido de – como exarado num dos seus escritos –, a área destinada à plataforma logística da empresa “U…” ser de dez hectares, por referência a uma área maior, de cinquenta e dois hectares. Quanto aos restantes dois factos, não podia o arguido dispor de fundamento sério para, em boa-fé, reputar [a imputação] verdadeira. Conforme já notado, e fazendo apelo às regras da experiência comum e da normalidade social, o arguido não podia desconhecer da falsidade da sua primeira afirmação – de acordo com a qual seria o assistente quem iria proporcionar uma vantagem patrimonial a outrem, assente numa ilegalidade que quedaria legitimada com a aprovação do PDM –, desde logo à conta do seu exercício de funções como deputado na Assembleia Municipal de D… se encontrando ciente da complexidade de um processo de revisão de PDM e da necessária intervenção de entidades várias, não se tratando de decisão unilateral por parte do assistente, tão pouco podendo ser este quem, pela dita via, premiaria um fundo de investimento nas reportadas mais-valias. O mesmo se pode dizer no que contende com a disciplina de voto, uma vez que o arguido, ainda que, em Setembro de 2014, se haja assumido como membro independente da mencionada Assembleia Municipal, foi eleito no âmbito das listas apresentadas à eleição popular por parte de uma força partidária, tendo o cidadão medianamente informado – e, por maioria de razão, o arguido, cuja literacia ressalta dos seus textos – a plena consciência que um tal facto não é desprovido de consequências práticas, sendo frequentes os casos em que é estabelecida disciplina de voto em assuntos de particular importância quando submetidos a apreciação em órgãos colegiais; assim o atestam, da perspectiva do homem médio, a assunção, sempre veiculada pela comunicação social, por parte daqueles a quem incumbe decidir dessa disciplina, exemplificativamente em sede de votações na Assembleia da República. Acresce que, por virtude da sua integração nas preditas listas, e subsequente conhecimento do seu programa eleitoral, o arguido saberia que a temática do PDM se revestiria de relevância no decurso do mandato do assistente.

Donde, concluindo-se pela verificação da causa de exclusão da ilicitude consagrada no art. 180.º, n.º 2 do Código Penal no que tange a um de três factos anunciados pelo arguido, necessariamente se intui não encontrarem os restantes guarida nesse normativo legal, perante o que importa indagar de uma outra causa justificadora, qual seja, a do exercício de um direito, conforme previsto no art. 31.º, n.º 2, al. b) do Código Penal. Em semelhante empreendimento, serão de sopesar – paralelamente – os “juízos” tecidos pelo arguido supra discriminados, que, embora insusceptíveis de justificação ao abrigo da exceptio veritas, poderão, porém, ver a sua ilicitude excluída por força do quanto estatui aquele preceito legal, a saber, não é ilícito o facto praticado (…) no exercício de um direito – no caso concreto, o direito de liberdade de expressão e informação constitucionalmente garantido pelo art. 37.º do Texto Fundamental, em cujo n.º 1 se exprime que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações, acrescentando o seu n.º 3 que as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social (…). Retenha-se que, concomitantemente, estabelece o respectivo art. 26.º, n.º 1 que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
Recorrendo aos ensinamentos da doutrina que temos por avalizada, “de um modo geral, considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”, sendo que “os direitos consideram-se direitos prima facie e não direitos definitivos, dependendo a sua radicação subjectiva da ponderação e da concordância feita em face de determinadas circunstâncias concretas” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1247 e seguintes). Ora, “a solução do conflito entre os direitos constitucionais de liberdade de informação e à honra e ao bom nome, sendo, pelo menos em teoria, de igual hierarquia constitucional, deve procurar-se pela harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais” (cfr. o Ac. do STJ de 05/12/02, in www.dgsi.pt). Deste modo, e “ocorrendo situações em que os direitos mencionados entrem em conflito, há que entender que a liberdade de expressão não pode (e não deve) atentar contra os direitos de personalidade, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação” (cfr. o Ac. do STJ de 29/04/10, in www.dgsi.pt), “sendo sempre ilícito o excesso e exigindo-se o respeito por um princípio, não apenas de verdade, necessidade e adequação, mas também de proporcionalidade ou razoabilidade” (cfr. o Ac. do STJ de 14/02/02, in www.dgsi.pt).
Atestando-se da impossibilidade de hierarquização entre os direitos em presença – o direito à honra e o direito à liberdade de expressão e informação –, impõe-se uma “ponderação concreta dos interesses em causa”, sendo passíveis a de auxiliar, entre outros, “o fim que motiva a asserção”, “o relevo comunitário do assunto sobre que recai”, “a índole e a gravidade da ofensa”, e “o princípio da proporcionalidade e as exigências de idoneidade e necessidade (no sentido de «o menos gravoso») do meio utilizado em relação ao fim almejado” (Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma Perspectiva Jurídico-Criminal”, Coimbra Editora, 1996, 284 e seguintes). Em qualquer dos casos, não obstante, não se deve ter como “possível (…) invocar a liberdade de expressão para (…) injuriar outra pessoa”, não estando em questão “propriamente (…) uma situação de conflito entre o direito invocado e outros valores”, sendo “a própria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui esse tipo de situações” (Viera de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 276).
Escreveu o arguido no seu blogue, entre o mais, que “(…) o presidente H… da Câmara chamou a si a tarefa de consolidar de forma inexplicável o maior processo de corrupção de que há memória em D… (…) e como é possível aceitar que um presidente H… favoreça da forma desavergonhada que está a fazer, o prevaricador” (em 07/01/15); “(…) o megaprocesso de corrupção em curso em I… com o «alto patrocínio» de C…, presidente da Câmara de D… (…)” (em 14/01/15); “(…) maior caso de corrupção de que se deu noticia no Concelho e essa é uma marca que para sempre também, ficará ligada ao primeiro mandato – e quiçá único – de C…” (…) (em 20/01/15); “(…) o actual presidente H…, ao contrário do que prometeu que iria fazer, não acabou com a corrupção «que dizem existir na Câmara de D…»; em vez disso aprimorou-a, protegeu os seus agentes mais conhecidos e rapidamente assumiu como sua a estratégia de um jogo que já estava a ser jogado (…)” (em 09/03/15); e, “(…) consuma-se o processo de corrupção mais conhecido a Norte e tudo isto, com a bênção do actual executivo camarário (…)” (em 13/04/15).
Do teor destes textos, flui claramente a interpretação de que o assistente é pessoa dada à corrupção, logo, pessoa corrupta, juízo de valor que o arguido reafirma por várias vezes e com recurso a expressões diversas, de entre as quais nos permitimos salientar, pela sua inequivocidade, “(…) o megaprocesso de corrupção em curso em I… com o «alto patrocínio» de C…, presidente da Câmara de D… (…)” e “(…) o actual presidente H… (…) aprimorou [a corrupção «que dizem existir na Câmara de D…»], protegeu os seus agentes mais conhecidos e rapidamente assumiu como sua a estratégia de um jogo que já estava a ser jogado (…)”. Comungando este Tribunal do entendimento que “a discussão, quando tem contornos políticos tem de ter, necessariamente, maior campo de tolerância, sob pena de se por em causa a liberdade de expressão”, dúvidas não se nos suscitam, porém, quanto ao facto de o arguido, no âmbito do seu direito à liberdade de expressão e informação, haver ultrapassado a “linha vermelha” imposta pelo “respeito e a honra que são devidos ao visado, mesmo enquanto político ou como simples cidadão” (cfr. o Ac. do TRC de 12/10/16, in www.dgsi.pt). Com efeito, não consideramos que a actuação do arguido seja susceptível de enquadramento num contexto de “luta política” relevante “como critério de justificação, naqueles casos que se situam em zonas limites, e ainda, na medida em que a potencial ofensa da honra e consideração se situe numa relação directa com tal luta” (cfr. o Ac. do TRC de 25/02/15, in www.dgsi.pt).
Pelo contrário, aquele resolveu ir para além do seu reconhecido direito à livre crítica, não resultando das expressões preconizadas uma mera indignação para com o assistente ou um inconformismo relativamente às opções políticas do assistente, ainda que veementes, mas, antes, um desiderato de questionar a integridade moral do assistente, desconsiderando-o por via do seu apoucamento. Note-se que, recorrendo ao critério de um leitor médio, não pode deixar de se entender que este, “confrontado com tais expressões, retira claramente, do seu conteúdo, um significado de achincalhamento, de rebaixamento, de ataque gratuito e de menorização do bom nome e da reputação pessoal, social e política” (cfr. o Ac. do TRC de 12/10/16, in www.dgsi.pt), tratando-se de ditos manifestamente idóneos a suscitarem o descrédito sobre o assistente. Ademais, o arguido não conteve aqueles seus juízos em termos de proporcionalidade, idoneidade e necessidade; insistiu na associação do assistente a práticas de corrupção sem que lhe vislumbremos um qualquer propósito, que não o de reiteradamente o denegrir aos olhos da opinião pública e de dar conta do seu absoluto menoscabo para com aquele. Saliente-se ter sido o próprio arguido quem, em sede de contestação, se arrogou “instrumentalizado e defraudado” (sic), recordando que, anteriormente à eleição do assistente como Presidente da Câmara Municipal de D…, ambos “[andavam] «de braço dado» (…), fazendo [o assistente] crer [ao arguido] que estava com ele na «missão» de denunciar as situações de corrupção, compadrios, favorecimento pessoal, etc.” (sic), sendo que “quando chegou ao poder [se revelou] diferente do «companheiro» de «luta» que tinha dado a conhecer (…)” (cfr. arts. 29.º, 30.º e 33.º do identificado articulado). Donde, a possibilidade, até, da interpretação do seu comportamento como constituindo uma espécie de vindicta privata ou ajuste de contas, mercê da alegada mudança de postura política por parte do assistente uma vez eleito, procurando o mesmo inculcar o seu desalento assim sentido aos leitores do seu blogue. Na verdade, “a crítica política deve estar essencialmente ao serviço da informação e esclarecimento do cidadão eleitor e da colectividade a que interessam as questões sob disputa; [concebendo-se] que se convoquem para ela elementos relativos à pessoa dos actores e mesmo da sua vida privada com relevo para a formação de um juízo sobre eles e sobre a sua actuação, mesmo que possam prejudicar a sua reputação, ponto é que o exercício do direito seja colocado ao serviço do interesse colectivo, da formação de opções políticas e com respeito pela verdade, em suma, sob orientação e com observância dos referidos princípios da proporcionalidade e da adequação”, ante o que, “diversamente, expressões ou valorações de conteúdo insultuoso, proferidas a descoberto de qualquer fundamentação fáctica verdadeira e/ou relevante para a formação da opinião dos cidadãos, extravasam o direito de crítica, o direito de livre expressão e opinião, para caírem directamente no âmbito dos factos ilícitos passíveis de perseguição criminal e civil, [saindo], então, violado o direito a não ser ofendido na honra, dignidade ou consideração social, ou seja, o direito fundamental da personalidade ao bom nome e reputação” (cfr. o Ac. do STJ de 14/10/03, in www.dgsi.pt).
No que tange à jurisprudência do TEDH convocada pelo arguido, somos a subscrever na íntegra o quanto se expende no Ac. do TRP de 12/05/16 (in www.dgsi.pt), para cujos ensinamentos, dada a sua clareza, nos permitimos remeter, sem prejuízo de se nos afigurar pertinente salientarmos um dos seus segmentos de axial relevo, de acordo com o qual a jurisprudência do TEDH não é vinculativa para os Tribunais Portugueses, e, concomitantemente, reproduzirmos um dos seus trechos mais marcantes: “não desconhecemos que esta jurisprudência [do STJ (que) aponta para uma clara prevalência do direito ao bom nome, à honra e reputação, como componente intrínseca da dignidade humana, apenas cedendo, em contraponto com a liberdade de expressão e informação, perante interesses relevantes, sempre numa perspectiva de necessidade, adequação e proporcionalidade] tem vindo a ser contrariada pelo TEDH, que dá primazia à liberdade de expressão (…), [que] porém (…) reconhece, à luz do art. 10.º, n.º 2, da CEDH, que o exercício da liberdade de expressão está sujeito «a restrições e sanções», podendo o Estado Português, ao nível do direito interno, estabelecer tais restrições e sanções, como acontece com o art. 180.º do Código Penal e também no art. 484.º do Código Civil”.
Deste modo, surpreende-se igualmente verificado o tipo subjectivo de ilícito. Prefigurando-se como bastante que à conduta haja presidido o dolo genérico, em qualquer uma das suas das modalidades, cabe concluir que o arguido – de resto, e talqualmente já enfatizado, pessoa conhecida pela sua literacia, social e culturalmente integrado – quis ofender a honra do assistente, quer na sua dimensão interior decorrente da intangibilidade da dignidade da pessoa, quer na sua dimensão exterior, alicerçada na fundada pretensão de respeito, conhecendo da idoneidade de alguns dos seus escritos por referência a semelhante fito. Sabia o arguido que os mesmos excediam a especial tolerância conferida pelo seu direito à liberdade de expressão (paradigmaticamente, comparem-se com o teor do art. 106.º da contestação), pelo que, nessa precisa medida, eram susceptíveis de afrontar o bom nome do assistente, enquanto pessoa e como político, sem prejuízo do que agiu da forma descrita. Assim, e sendo o dolo um acto interno do agente que se materializa pelos demais factos externos anteriores ou contemporâneos do facto criminoso, não pode o mesmo deixar de ser dado como provado, a partir do momento em que são dados como provados os factos imputados e os juízos de valor efectuados pelo arguido em relação ao assistente.

Aquilatemos, por fim, do mérito da imputação ao arguido das demais previsões legais discriminadas em sede de acusação pública e que determinam o agravamento da moldura penal própria do crime de difamação conforme previsto no art. 180.º, n.º 1 do Código Penal, cumuláveis que se perspectivam entre si (Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, 504). Prevê o seu art. 183.º, n.º 1, al. a), que, se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º (…) a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação (…) as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, ao passo que o respectivo art. 184.º estabelece que as penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas (…). Repristinando estoutro preceito, apuramos que tais pessoas serão membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, posto que no exercício das suas funções ou por causa delas.
Principiando pelo primeiro dos normativos legais ora vindos de transcrever, atém-se o mesmo à denominada “difamação com publicidade”, relacionada com “os meios ou as circunstâncias que aumentam o efeito propulsor ou de ressonância da difamação” (Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 640); em causa, está, portanto, “a circunstância agravante (…) que alarga o impacto nocivo da ofensa” (Pinto de Albuquerque, ob. cit., 502). Por outro lado, a agravação consagrada ao nível do art. 184.º do Código Penal alicerça-se na lógica, adoptada pelo legislador, “que assenta na ideia que o estatuto funcional – quer na óptica de sujeito passivo, quer na de sujeito activo – dos cargos de determinadas pessoas acrescem uma mais-valia à própria honra”, ante o que “os actos que [ataquem] essa honra acrescida ou densificada [merecem] uma maior punição” (Faria Costa, ob. cit., 652).
Revertamos ao caso concreto.
Reservas não se nos suscitam quanto à ascensão do ilícito à difamação com publicidade. Sendo pacífico que as características próprias do espaço cibernético conduzem à proliferação de redes socias online, dado que a internet não conhece quaisquer fronteiras, permitindo a comunicação entre pessoas de forma assaz rápida e eficaz, surge igualmente como controvertido que as mesmas se alicerçam nos seus utilizadores – que não, à semelhança do comum dos sites, no seu conteúdo – configurando um sistema aberto e tendencialmente gratuito, perante o que são cada vez mais os seus utilizadores. É, pois, com inteiro acerto que a doutrina que temos por avalizada sufraga que “(…) hoje, ao criar-se um site na internet, com mais ou menos ligações, pouco importa, estamos a lançar informação para um espaço virtual, para uma terra de ninguém que tem, no entanto, a qualidade única e insubstituível de todos ali poderem poisar os pés e de, por ela e nela, acederem à informação que lá foi «plantada»” (cfr. Faria Costa, Direito Penal da Comunicação – Alguns Escritos, Coimbra Editora, 1998, 15). Ora, os escritos do arguido foram publicados num blogue da sua criação e na página do facebook do Município de D…, donde, a sua disponibilização a todo um universo indeterminado de pessoas através da internet, sendo certo que, quanto ao comentário adicionado na mencionada página do facebook, sequer careciam os respectivos leitores de activamente procurar o blogue do arguido, deparando-se-lhes tal dito ao consultarem, pura e simplesmente, aquela página patrocinada pelo Município e na qual o mesmo – à semelhança de qualquer utilizador da rede social em questão – dará conta das suas actividades (no sentido de que, inclusive, “constitui «meio de comunicação social», para o efeito do n.º 2 do art. 183.º do Código Penal, uma página do «facebook» acessível a qualquer pessoa e não apenas ao grupo de «amigos», cfr. o Ac. do TRP de 30/10/13, in www.dgsi.pt).
Dúvidas igualmente não nos merece a agravação da – afinal – difamação com publicidade, por via da sua concreta vítima. Na verdade, o assistente era, à data da publicação dos escritos, Presidente da Câmara Municipal de D…, o mesmo é dizer, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, havendo os ditos ofensivos sido proferidos, não só enquanto aquele se encontrava no exercício das suas funções, e, mais impressivamente, por causa delas. Na realidade, a insurgência do arguido tem na sua génese o que este considera ser uma mudança de atitude política por parte do assistente, que, em seu ver, uma vez eleito, resolveu pactuar com práticas de corrupção naquele órgão, mormente ao promover uma aprovação do PDM de D… que as acautelaria. Aliás, segmento algum dos textos considerados no libelo acusatório permite equacionar em que vestes e por que outro motivo o assistente é difamado.
*
Intercede a causa de justificação prevista no art. 180.º, n.º 2 do Código Penal unicamente no que respeita ao escrito em que o arguido afirma ser a área destinada à plataforma logística da empresa “U…” de dez hectares, por referência a uma área maior, de cinquenta e dois hectares, quanto ao mais não ocorrendo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação. Preenchidos que se encontram os elementos objectivo e subjectivo do ilícito em apreciação, legítima se torna a ilação de que o arguido incorreu na prática do crime de difamação agravada, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, todos do Código Penal, por que vem acusado.

3.1.2 Do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva

Dispõe o art. 187.º, n.º 1 do Código Penal que quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias. Estatui, ainda, a al. a) do seu n.º 2 que é correspondentemente aplicável o disposto (…) no artigo 183.º.

Consubstancia a incriminação vertente, desde logo, a opção por parte do legislador penal no sentido de considerar determinadas pessoas colectivas como sujeitos passivos de crimes contra a honra, esta entendida particularmente, enquanto direito ao “bom-nome” (cfr. o Ac. do TRP de 03/04/13, in www.dgsi.pt) de que tais pessoas hão-de ser portadoras. Na verdade, as actividades levadas a cabo pelas entidades que o texto legal discrimina são susceptíveis de valoração exterior, relevando “a imagem real que os «outros» têm da pessoa colectiva”, pelo que aquele bom-nome se assume como “uma realidade dual”: “de um lado, suporte indesmentível para que a credibilidade, o prestígio e a confiança possam existir”, e, “de outra banda, resultado dessas mesmas e precisas realidades ético-socialmente relevantes”; donde, e em última análise, “a credibilidade, o prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva ou organismo será tanto maior quanto maior for também (…) a crença que a comunidade circundante tenha no valor intrínseco da própria instituição” (Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 678 e 681).
Ainda que possamos ter por redundantes as expressões contempladas no tipo de ilícito, no preciso sentido de que todas desaguam no conceito de bom-nome (Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, 508), comportam as mesmas, porém e em bom rigor, sentidos não inteiramente coincidentes. Assim, uma instituição é credível “quando, pela actuação dos seus órgãos ou membros, se mostra cumpridora das regras, actua em tempo e de forma diligente e, sobretudo, quando a sua prática corrente se mostra seria e imparcial”; goza de prestígio “sempre que, pelos comportamentos dos seus órgãos ou membros, ela se impõe, no domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve”; e é merecedora de confiança, “quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar” (Faria Costa, ob. e loc. cit.).
No que directamente contende com o tipo objectivo de ilícito, constitui seu eixo fundamental a afirmação ou propalação de factos – pois que o preceito incriminador, contrariamente à tipicidade ínsita à difamação e à injúria, não contempla a formulação de juízos (cfr. o Ac. do TRP de 11/09/13, in www.dgsi.pt) – e que os mesmos sejam inverídicos, de uma perspectiva objectiva se legitimando a asserção de que esses factos reúnam idoneidade para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança do ente colectivo. Na busca de uma competente destrinça entre inverídico e falso, podemos dizer que “o universo de candidatos abarcado pela noção de «inverídico» se mostra mais extenso do que o que circunscreve a própria «falsidade»”, ninguém desconhecendo que “afirmar ou propalar uma «meia-verdade» não é, sob pena de «insanável» contradição lógica, asseverar uma falsidade”, sendo que, contudo, e “em certas circunstâncias, aquela «meia-verdade» já pode ser percebida ou valorada como afirmação de coisa inverídica” (Faria Costa, ob. cit., 680). Já quanto à capacidade de ofensa da credibilidade, prestígio ou confiança, impera forçosamente um juízo objectivo, na medida em que é irrelevante, para efeitos de preenchimento do tipo, a valoração do agente, antes sendo de atender ao parâmetro da compreensão do homem médio, comum e diligente, em função da actuação do sujeito passivo e do modo como é percepcionado pela comunidade. Do mesmo passo, exige-se que o agente não tenha fundamento para, em boa-fé, reputar tais factos como verdadeiros, e, revertendo ao tipo subjectivo de ilícito, cumprirá salientar configurar o bastante o comportamento praticado com dolo eventual.

Transpondo os ensinamentos vindos de agregar ao caso vertente, mormente no que tange aos elementos que compõem o tipo objectivo de ilícito, cremos isenta de dúvidas a inclusão, no seu âmbito, da inveracidade dos factos. Ora, percorrido o libelo acusatório, não podemos senão deixar de entender que essa inveracidade, conquanto que emanando do respectivo texto, se não encontra autonomizada, no sentido de naquele se evidenciar expressamente consignada. Impondo-se que na acusação se prefigurem elencados todos os factos que permitam a sua subsunção à tipicidade, importaria que, à semelhança dos demais, igualmente a inveracidade, enquanto elemento constitutivo do crime, se divisasse cabalmente alegada, o que não sucede da hipótese dos autos (cfr. o Ac. do TRC de 12/05/10, in www.dgsi.pt). Na verdade, “os factos propalados têm de ser capazes de ofender e serem inverídicos, daí a necessidade de ficarem provados factos lesivos e, depois, a inveracidade dos mesmos” (cfr. o Ac. do TRC de 04/05/11, in www.dgsi.pt). Afigurando-se-nos despiciendos acrescidos considerandos neste particular, urge, pois, e ainda que de questão unicamente formal se cuide, proferir sentença absolutória no que concerne à imputação deste tipo de crime ao arguido.
Fundamentação:
Questão prévia:
É próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte do seu estatuto ontológico as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que causam grandes animosidades.
Estas situações, entre outros meios, expressam-se ao nível da linguagem, por vezes de forma exagerada ou descabida. Onde uns reconhecem firmeza, outros qualificam de gritaria, impropérios, má educação ou indelicadeza.
No acórdão de 5.11.03, Recurso 3 676 / 03, deste TRP, relatado pelo Des. Dr. Fernando Monterroso considerou-se: “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, opiniões diferentes, ou colisões de interesses incompatíveis que provocam animosidades. E é normal que essas animosidades tenham expressão ao nível da linguagem, expressando «má educação», «indelicadeza» (...) Não cabe aos tribunais ponderar se cada uma das opiniões e críticas é justa, ponderada e razoável.”
Não cabe aos tribunais avaliar se uma afirmação é justa, razoável ou grosseira.
Apenas há um limite: não pode ser atingida a honra do visado – um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior - Comentário Conimbricence, Tomo I, pág. 607.
Também esta ideia do Prof. Faria Costa a ter em conta: o facto de a honra ser um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial, a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a dignidade penal, mas um bem jurídico, apesar de tudo, de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe. Uma prova evidente de tal realidade pode encontrar-se nas molduras penais- de limites extraordinariamente baixos- que o legislador considerou adequadas para a punição das ofensas à honra. E a explicação para tal “estreitamento” da honra enquanto bem jurídico, para uma certa perda da sua importância relativa, pode justificar-se, segundo cremos, de diferentes modos e por diferentes vias. Por um lado, julgamos poder afirmar-se uma sua verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos que até algumas décadas estavam misturados com essa pretensão a ser tratado com respeito em nome da dignidade humana que é o núcleo daquilo a que chamamos honra. Referimo-nos a valores como a privacidade, a intimidade ou a imagem, que hoje já têm expressão constitucional e específica protecção através do direito penal. Por outro lado, cremos ser também indesmentível a erosão externa, a que a honra tem sido sujeita, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem- tão potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e pela generalização do uso da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal – págs. 104-105,”Direito Penal Especial”, Coimbra Editora, 2004.
Mais recentemente o Prof. Faria Costa, voltou a frisar esta ideia ( “ Noções fundamentais de Direito Penal “, Coimbra Editora, 2007, pág. 136 ) : Pensemos no conceito de honra. Todos sabemos que a noção de honra é o elemento nuclear dos crimes de difamação, injúria e calúnia. Ora, não obstante termos um Código Penal relativamente novo, contrariamente a Itália, onde por isso a ilustração ainda se poderá mostrar mais impressiva, é manifesto que a noção de honra dos anos Oitenta do século passado se alterou radicalmente. Quando a norma nasce naquele tempo o seu âmbito de protecção abrangeria um determinado número de candidatos positivos; hoje, perante uma interpretação adequada ao sentido histórico, abarcará um menor número de candidatos positivos à norma. O que se passou entretanto? Aconteceu que determinados ataques ou violações anteriormente considerados como atentatórios da honra dos cidadãos deixaram de o ser. A consciência colectiva, por meio de mutações e densificações diversas veio privilegiar, por exemplo, de forma exponencial, a liberdade de expressão e, desse jeito, circunscrever a tutela da honra. Pergunta-se: ao operar-se esta redução estamos a violar o princípio da legalidade? Responderemos abertamente que não. A redução teleologicamente determinada pelo sentido histórico é ainda uma homenagem à própria legalidade, porquanto a legalidade só se manifesta como um ponto axial da nossa comunidade jurídica se for também percebida como princípio historicamente determinado.
Dentro deste contexto interpretativo do art.º 180.º, n.º1 do CP, não encontramos nas expressões em causa qualquer imputação, mesmo sob a forma de suspeita, de um facto ofensivo da honra ou consideração devidas ao assistente. Antes se trata de uma polémica, admitimos que muito intensa, a qual vem já na sequência de pendor crítico em tempo usado pelo mesmo assistente sobre o processo de aplicação do PDM em causa.
Mas as controvérsias, mesmo que de forma mais agressiva que se desenrolem, não têm que gerar a intervenção do direito penal, sob pena de este, em vez de ser fonte de resolver conflitos sociais, se tornar numa fonte que os fomenta.
Desde logo não se pode esquecer que as mesmas expressões foram exaradas no legítimo exercício de um direito. Sobre esta posição Ilustres Penalistas não tiveram dúvidas sobre a consistência e latitude que tem que ser dada ao exercício desse direito: cfr. Cuello Cálon, in “ Derecho Penal”, tomo II, parte especial, volume segundo, Bosch Editorial, Barcelona, 1980, a págs. 715-716, alegando que o animus defendendi excluiria o animus injuriandi, com a especial necessidade de poder dizer e alegar tudo quanto se entenda favorável à causa defendida, quer dizer, liberdade de discussão e de defesa, excepcionando os casos em que a ofensa tenha extrema gravidade ou não tenha conexão com o objecto em discussão; Antolisei, in “ Manuale di Diritto Penale”, parte speciale- I, Giuffrè, Milão, 1982, pág. 168; Mario Sparasi, in “ Enciclopedia del Diritto”, vol XII, pág. 493, no artigo “ Diffamazione e ingiuria“ : “de facto, como se disse, o exercício de um direito pode comportar o sacrifício da honra aparente e também da honra real, que é subordinada ao valor fundamental da verdade”.
Encontramos a mesma constatação na doutrina e jurisprudência comparados:
na luta política, para a consecução dos fins a que esta aspira, historicamente verificou-se uma alteração na linguagem e uma desensibilização da opinião pública sobre o significado de algumas palavras e sobre certas frases usadas por pessoas que na mesma estão envolvidas, de modo que pode considerar-se como legítimo o uso de frases e expressões que em comum, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas – “ Diffamazione a mezzo stampa e risarcimento del danno”, Francesco Verri e Vincenzo Cardone, giuffré editore , 2003, pág. 210.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reteve como licitas, no âmbito da luta política, uma expressão como imbecil, (1.7.1997,DDP, 1997,10,1209); lobbista, experiente em urbanizações selvagens, comissário de negócios sujos, são outros exemplos mencionados.
Diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente injuriosas, não correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma polémica tomada de posição contra um particular modo de gerir um assunto comunitário, mas apenas uma vontade de agressão gratuita e de confronto com a pessoa que se arroga ofendida.
Salvo o devido respeito, não é defensável a conclusão sustentada na decisão recorrida. Ali, ao mesmo tempo que se reconhece que a subsunção contraria jurisprudência do TEDH, se postula que esta não é vinculativa.
Como argumenta Jonatas Machado, “Liberdade de Expressão”, Coimbra Editora, 2002, a CEDH adquire assim uma dupla existência jurídica, de natureza internacional e supranacional, vigorando na ordem jurídica portuguesa por força, pelo menos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 8ª da CRP - p 297.
Também Canotilho, Direito Constitucional e teoria da constituição, 7ª ed. p. 930-1 refere sobre este tema:
A CEDH é, formalmente, um tratado internacional. Tal como os outros tratados de “relevância constituinte” (PIDCP, PIDESC), as normas deste tratado levantam os problemas da inconstitucionalidade interposta. A questão que se vem colocando na moderna literatura juspublicística é a de saber se a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não se está a transformar numa ordem jurídica específica e autónoma que, à semelhança do que acontece com o direito comunitário europeu, tem validade imediata e prevalência de aplicação nas ordens jurídicas internas dos Estados membros. Esta evolução teria sido reforçada com a criação de um Tribunal Europeu para os Direitos do Homem. A vinculação dos estados às decisões deste tribunal revelaria a tendência para a transformação do sistema europeu de protecção dos direitos do homem, através de um tribunal permanente, em jurisdição constitucional europeia.
Algumas destas sugestões pressupõem, de forma mais ou menos explícita, a elevação da CEDH ao escalão de direito constitucional (assim Jorge Miranda, Manual, II, p. 110, e Manual, VI, p. 164). Independentemente desta “recepção” do direito da Convenção no plano constitucional, não há dúvida de que, indirectamente (nas sentenças dos tribunais e do Tribunal Constitucional), a Convenção e a respectiva jurisprudência do TEDH assumem as vestes de um “bloco de juridicidade” que alguns consideram expressamente de uma “cultura constitucional europeia comum”. (….) E remata: por enquanto, não há cobertura constitucional para a constitucionalização do direito internacional pactício. Isto explica a posição de alguma doutrina que prefere considerar alguns princípios da Convenção como revelação material mais perfeita e mais densa dos princípios constitutivos do ordenamento jurídico português em vez de elevar toda a convenção a parâmetro de controlo de grau constitucional.
Igualmente Irineu Cabral Barreto, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”- pág. 8- sublinha queque a Convenção contém as normas de processo (penal artºs 5º e 6º e civil art.º6º) mais importantes a seguir à Constituição, e que raramente são invocadas; as garantias que oferece a certos direitos e liberdades são, por outro lado, um complemento essencial à protecção constitucional desses mesmos direitos: A Convenção é direito interno com valor superior às leis ordinárias, podendo a sua aplicação, em complemento ou até em oposição ao direito ordinário, ajudar a resolver algumas dificuldades de ordem prática.A Convenção vincula o Estado Português na Ordem Jurídica interna e na ordem jurídica internacional.
Na hierarquia das fontes de direito, a doutrina mais significativa defende para a Convenção, como para os outros instrumentos de direito internacional pactício, uma posição intermédia entre a Constituição e as leis ordinárias.

A questão da hierarquia da CEDH e das decisões do TEDH sendo uma interessante questão teórica, supra constitucional, apenas supra legal, na prática é questão simples. O artigo 46° (Força vinculativa e execução das sentenças) da CEDH ao dispor no seu n.º1 que as Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes, não deixa qualquer dúvida que o TEDH é a última instância em matéria de direitos humanos,
Por outro lado, importa não esquecer que em 2007 foi aditada a al. g) ao art.º 449.º,n.º1 do CPP, prevendo como novo fundamento de recurso de revisão de sentença transitada em julgado que uma sentença vinculativa do Estado português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
Não está em causa apenas o exemplo citado pelo recorrente, relativamente ao aresto do TEDH, de 17.1.2017 (“embora as expressões possam ser criticas e duras, mantêm-se dentro dos limites da liberdade de expressão e exageros admissíveis”; “não se podem isolar expressões do seu contexto”); como o de 30.8.2016 (Visão vs. Portugal); em suma, as 18 condenações em 10 anos em que Portugal foi condenado naquela instância por violação do direito de liberdade de expressão, maxime, art.º 10.º da CEDH.
Veja-se, ainda, a título exemplificativo o recente Ac. do STJ, de 13.10.2016 (Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, T. III, pág. 170 e ss.. as decisões do TEDH devem ser cumpridas, pois este cumprimento impõe ao Estado Português que tome as medidas adequadas para pôr fim á violação da Convenção (…) a partir da Recomendação (2000)2, de 19.1.2000, há uma clara preferência por uma reabertura do processo no país quando o TEDH identifica uma decisão em violação da Convenção dos Direitos do Homem – impondo-se a restituição da situação original, ou seja, revogação da sentença condenatória- conclusão esta assumida pelo mesmo aresto, citando Irineu Barreto, ob. cit., pág. 439 – daí a razão de ser daquela alínea invocada supra.
Nos excertos em causa, vistos na sua unidade semântica, critica-se um processo de decisão administrativa, de forma por vezes áspera e contundente, como susceptível de envolver corrupção, enriquecimento injusto de entidades particulares.
Apenas se atacam o Assistente e o Município enquanto agentes promotores desse processo. Não se detecta qualquer ataque gratuito à pessoa do Assistente ou bom nome do Município, em termos de os apodar pessoalmente de corruptos, desonestos; antes se nota uma forte crítica por o mesmo não reagir contra aprovação de um projecto, antes o incentivando.
Repare-se como no exemplo dos trágicos incêndios que assolaram o país sectores da opinião pública apodaram os mais altos responsáveis em geral e este ou aquele ministro em particular de criminosos, por acção e omissão, etc. tal como no passado o foram governantes anteriores - tratando-se de um debate mais exarcebado, sem dúvida, mas inerente à democracia.
Considera-se assim que os factos objectos do presente processo e descritos na acusação pública não constituem crime, devendo esta ter sido rejeitada - assim se evitando uma inútil tramitação.
Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar improcedente o recurso do Município de D… visando a condenação do arguido B… pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo art. 187.º, n.º s 1 e 2, al. a), do Código Penal;
b) Absolver o mesmo arguido da prática de um crime de difamação agravada com publicidade, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, do Código Penal.
c) Julgar improcedentes os pedidos de indemnização civil formulados nos autos por C… e pelo Município de D…, enquanto demandantes cíveis, contra B…, enquanto demandado cível.
d) Sem tributação na instância penal, devendo o Demandante C… pagar custas cíveis pelo decaimento.

Porto, 13 de Setembro de 2017.
Borges Martins
Ernesto Nascimento