Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8213/17.0T8STB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
DIREITOS DO COMPRADOR
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP202207138213/17.0T8STB.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Havendo normas especiais para um determinado contrato, como é o caso da venda de coisas defeituosas (art.º 913º do CC), primeiro há que fazer uso delas, só se podendo recorrer às regras gerais (art.º 428º do CC) em caso de as especiais não contemplarem solução para a hipótese em análise.
II - À semelhança do que acontece na empreitada, no caso da venda de coisas defeituosas também o exercício dos direitos do comprador, referidos nos arts.º 913º a 922º do CC, obedece a uma relação de hierarquia.
III - A invocação da exceptio non adimpleti contractus não invalida o conhecimento do mérito da ação, desde que a situação em causa permita ao juiz condenar à realização da prestação contra o cumprimento simultâneo da contraprestação.
IV - Tendo sido convencionado que o pagamento do preço teria de ocorrer aquando da entrega da coisa, e tendo ela sido entregue, as deficiências de que ela venha a padecer, detetadas posteriormente à entrega, não podem servir de fundamento à exceptio non adimpleti contractus, dado o comprador já estar em mora na obrigação de pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 8213/17.0T8STB.P1


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha histórica do processo
1. M..., L.da. instaurou ação contra I... S.A e conta X..., L.da., pedindo a sua condenação solidária:
a) no pagamento do montante de €86.140,00, a título de capital em dívida como preço pelo fornecimento/venda de equipamento de imagiologia;
b) no pagamento de €5.078,72, a título de juros de mora;
c) no pagamento de €6.254,65, correspondente aos custos suportados pela autora com consultadoria técnica externa;
d) no pagamento dos juros vincendos;
e) na devolução dos produtos pertença da autora que lhe foram emprestados;
f) alternativamente à devolução requerida em e), e não estando aqueles bens em adequado estado de utilização/funcionamento, no pagamento do correspondente preço, na quantia de €6.900,00, acrescido de IVA;
Fundamentou os seus pedidos alegando, em resumo, ter sido contatada pelas Rés para o fornecimento e instalação de equipamento de imagiologia; a Autora apresentou a sua proposta, com reservado direito de propriedade até integral pagamento do preço, a qual foi aceite. A calibração do equipamento ficou a cargo das Rés; a Autora entregou o equipamento, mas a calibração não foi efetuada, pelo que a instalação não foi possível. A Autora enviou os seus técnicos aos Açores para procederem à instalação, o que não foi possível pela ausência da calibração. Posteriormente, a Ré veio dizer que o equipamento tinha avaria. Depois de várias trocas de correspondência e imputações mútuas, a Autora veio a saber que a Ré açoriana ainda não tinha licenciamento emitido pela DGS.
Em contestação, as Rés impugnaram, motivadamente, a factualidade alegada.
Proferiu-se despacho saneador, fixando o objeto do litígio, elencando os factos já provados e delimitando os temas de prova; destes, houve reclamação, a qual foi atendida.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que decidiu:
· Absolver a ré I... S.A dos pedidos contra si deduzidos pela autora;
· Condenar a ré X..., L.da.:
a) – A pagar à autora a quantia de €61.140,00, acrescida dos juros de mora vencidos peticionados de €9.943,21 (calculados desde a data de vencimento da fatura da ... de 2016-12-31 − 20-01-2017) e até à data do requerimento de ampliação do pedido (04-02-2019), e juros de mora vincendos até integral pagamento, calculados à taxa prevista no n.º 5 do art. 102.º do Cód. Comercial;
b) − a restituir à autora o monitor ... (sn: ...) e a estação de trabalho ...”, com o número de série ..., com a licença software ..., referidos em 28 – factos provados;
· Absolver a ré X..., L.da. do demais peticionado.

2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Ré X..., formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª- O contrato em causa nos autos é, manifestamente, um contrato de compra e venda, o qual tem, como efeitos, a transmissão da propriedade da coisa objeto do contrato (no caso, a máquina), a obrigação do vendedor da entrega da mesma coisa e a obrigação do comprador de pagar o preço (artigo 879.º do Código Civil).
2.ª- Trata-se, portanto, de um negócio bilateral, em que as obrigações são de natureza correspetiva, correlativa ou interdependente.
3.ª- O cumprimento da obrigação de entrega significa a entrega do bem objeto da venda sem deficiências ou defeitos.
5.ª- Enquanto não for feita tal entrega, sem deficiências ou defeitos, a obrigação de entrega não está integralmente cumprida.
5.ª- O exposto nas conclusões anteriores deriva da unânime interpretação da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como, por todos, se pode verificar através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1980, Boletim do Ministério da Justiça 300, pg. 364, e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Secção Cível, de 18 de Fevereiro de 1999 (Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, Tomo 1, pg. 117).
6.ª- A máquina objeto do contrato de compra e venda cujo cumprimento (pagamento do preço restante) é exigido nos autos é, neste momento, um equipamento (máquina) que apresenta recorrentes problemas e avarias, “que implicam que esteja, por vezes, vários dias ou semanas sem poder seu utilizada” (88 de Factos Provados – Sentença – transcrição literal), logo, é uma máquina ou equipamento que apresenta defeitos ou deficiências que a tornam incapaz de desempenhar normalmente as suas funções.
7.ª- Mantendo-se a máquina em questão incapaz, conforme dado como provado na sentença recorrida, de manter um funcionamento normal e não tendo sido devidamente reparada (uma vez que não cumpre um funcionamento normal) ou substituída, apesar das insistências da ré/recorrente nesse sentido, a máquina objeto do contrato não pode ser considerada como entregue.
8.ª- Por outro lado, tendo a máquina colocada pela recorrida nas instalações da recorrente no Hospital ... data de fabrico de 2000 e não de 2003, conforme havia sido acordado pelas partes (93 e 10 de Factos Provados – Sentença), tal acréscimo de três anos na idade de uma máquina de uso continuado é, por natureza, causa notória da sua desvalorização económica, determinando, por outro lado, inevitavelmente, uma diminuição do seu período de vida útil.
9.ª- Tal diferença de três anos entre a data de fabrico acordada pelas partes e a data de fabrico efetiva configura, também ela, uma falta de cumprimento do contrato, implicando, só por si, que a obrigação de entrega não possa ser considerada como cumprida.
10.ª- Não tendo a vendedora (a autora e recorrida), cumprido a sua obrigação de entrega do bem objeto do contrato de compra e venda, ou seja, não tendo efetuado a sua prestação, a ré, recorrente, tem direito a não entregar a parte restante do preço, pela aplicação da exceção do não cumprimento do contrato, conforme dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil, até que a prestação da autora seja efetuada.
11.ª- Deve, em consequência, a sentença recorrida ser revogada, sendo a ré absolvida do pagamento à autora de qualquer quantia.
12.ª- A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 428.º e 879.º do Código Civil.

3. A Autora contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. OS FACTOS
Foram os seguintes os factos considerados provados na douta sentença:
1 – A ré I... S.A é uma sociedade anónima que tem como atividade principal, inserida no código de atividade económica “CAE ...”, a “Fabricação de outras preparações e de artigos farmacêuticos – Produção, aplicação, distribuição e comercialização de isótopos e produtos químicos destinados a aplicações na saúde para fins diagnósticos".
2 – A ré X..., L.da. (doravante X...), é uma sociedade por quotas que tem como atividade principal, inserida no código de atividade económica “CAE ...”, o desenvolvimento de “Atividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório – Prática de atividades de Medicina Nuclear e outras atividades de prestação de serviços de apoio ao diagnóstico clínico e terapêutica metabólica com uso de rádioisótopos, bem como o apoio de atividade de investigação aplicada, desenvolvimento e inovação nas mesmas áreas de especialidade médica, podendo ainda, por si só ou em consórcio com outras entidades –nomeadamente do Sistema Científico e Tecnológico ou das Instituições de Ensino Superior, seja a nível nacional ou internacional – apoiar atividades de formação, educação e treino".
3 – A ré I... S.A detém, como sócia, uma participação no capital social da ré X....
4 – As rés têm, no âmbito da sua estrutura societária, como sócio, AA, sendo tal sócio o Presidente do Conselho de Administração da ré I... S.A e o gerente único da ré X....
5 – A ré I... S.A obriga-se pela assinatura conjunta do referido sócio AA, atenta a sua qualidade, conjuntamente com a de outro administrador.
6 – A ré X... obriga-se unicamente com a assinatura do seu gerente, o supra referenciado AA.
7 – A constituição da sociedade ré X... e designação de membros dos órgãos sociais foi inscrita no registo comercial pela Ap. 5 de 2015/08/03, conforme resulta da certidão permanente da referida sociedade, junta aos autos no âmbito da sessão de julgamento de 16 de novembro de 2021, a fls. 229 a 234 dos autos principais.
8 – No contexto descrito este representante das rés contactou a autora, através do seu diretor comercial – BB – para efeitos de apresentação de uma proposta para o fornecimento e instalação de um equipamento de imagiologia.
9 – Em concreto, uma “Gama Câmara G.E. – modelo ...".
10 – O diretor comercial da autora, em representação desta, apresentou à ré I... S.A com data de 21 de maio de 2015, a proposta de fornecimento e instalação do equipamento “Gama Câmara” com o n.º ..../../., cuja cópia se encontra junta como Documento 1 da petição inicial a fls. 12 a 15, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11 – A proposta comercial em apreço foi dirigida ao representante da ré I... S.A AA.
12 – Além do mais que consta da aludida proposta de fornecimento e instalação do equipamento “Gama Câmara” com o n.º ..../../., foi indicado:
a) como preço, a quantia de €73.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
b) que os preços líquidos apresentados “entendem-se para os aparelhos colocados, montados e ensaiados no local da instalação em Portugal Continental";
c) como condições de pagamento, a liquidação em duas prestações, sendo que uma, equivalente a 30% do valor, seria paga com a adjudicação da encomenda, e os restantes 70% com a entrega, reservando a M... o direito de propriedade sobre o equipamento até ao integral pagamento do mesmo.
13 – A nível da “montagem”, foi indicado na proposta que “Quando, por motivos não imputáveis à M..., a montagem não possa ser iniciada até 3 (três) meses após o fornecimento, ou após notificação pela M..., de que o material está à disposição do cliente nos nossos armazéns, o material será considerando conferido, ficando o cliente inteiramente responsável por eventuais faltas".
14 – A nível de garantia, foi indicado na proposta "1 (um) ano corrido de calendário, contra todas as avarias motivadas por defeito de construção ou deficiência das matérias-primas nela empregues, obrigando-se a M... S.A. a substituir gratuitamente todas as peças reconhecidas como defeituosas.
A M... mantém em stock, a quantidade indicada pela fábrica das peças necessárias a repor o normal funcionamento do equipamento em caso de avaria.
No entanto nos casos em que houver necessidade de importar peças e/ou acessórios a M... compromete-se a desenvolver todas as diligências para que os itens sejam entregues no cliente em menos de 24 h, com a ressalva de fins-de-semana, feriados locais ou nacionais, atrasos provocados por terceiros, eventual ruptura de stocks no Centro Fornecedor ou motivos de forca maior.
Durante um período mínimo de 10 (dez) anos, a M... garante o fornecimento de peças."
15 – Mais se previu que no caso de atraso na montagem por motivos não imputáveis à M..., a garantia cessará o mais tardar 3 (três) meses após o período de garantia contado a partir da data prevista da entrega.
16 – O prazo de entrega proposto cifrou-se em “45 (quarenta e cinco) dias, salvo venda, após confirmação da encomenda e cumpridas as condições de venda.”
17 – Na mesma proposta, apresentou a autora a possibilidade de fornecimento de um equipamento opcional denominado por "Estação de Trabalho ... com: Processador Pentium IV de 3.2.Ghz; Sistema operativo Windows XP, Monitor LCD de 18'', Teclado, Rato e CD RW/DVD, DICOM 3,0", pelo preço de €6.900,00 acrescido de IVA à taxa legal em vigor, conforme consta de fls. 14 frente que integra a proposta de fornecimento supra referida em 10 – factos provados −, (cópia mais legível junta a fls. 99 frente dos autos).
18 – Por comunicação datada de 3 de julho de 2015, o referido AA, através de comunicação eletrónica cuja cópia se encontra junta como documento 2 a fls. 15 verso do anexo documental, confirmou "a encomenda da gama câmara ..., conforme à proposta enviada.".
19 – Com data de 7 de julho de 2015, o referido AA, em nome e representação da ré X... procedeu ao pagamento da quantia de €25.000,00, depósito que fez em numerário na conta da autora, conforme Documento 3 cuja cópia se encontra junta a fls. 17 do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
20 – Na data de apresentação da proposta referida em 10 – factos provados − a 16 – factos provados − a sociedade ré X... não se encontrava ainda formalmente constituída, mas era do conhecimento da autora que a empresa a que o equipamento referido na proposta se destinava iria ser constituída nos meses seguintes e que seria uma empresa com sede na Região Autónoma dos Açores.
21 – Por via de comunicação expedida com conhecimento ao representante legal da autora, o Administrador CC, o representante das rés referido AA deu conta dos procedimentos de legalização da ré X... veículo para efeitos de implementação do que apelidou de “projeto açoriano”, conforme resulta do e-mail datado de 5 de agosto de 2015 cuja cópia se encontra junta como documento 4 a fls. 18 frente do anexo documental.
22 – O representante das rés acordou com a autora que os encargos inerentes ao transporte dos materiais a fornecer seriam suportados pela sociedade adquirente, assumindo a responsabilidade da contratação direta desses serviços, assim como os aspetos inerentes à correspondente logística que o transporte a contratar importaria.
23 – No dia 8 de setembro de 2015, o responsável pela área comercial da autora, BB, expediu comunicação eletrónica ao referido AA, enviando em anexo a “Fatura Proforma FP ...” com a mesma data de 8 de setembro de 2015, dirigida por solicitação do referido AA à ré X..., explicitando-se naquele documento a descrição do correspondente fornecimento de bens e serviços, a saber: aquisição de um equipamento de imagiologia, denominado por “Gamma Camera, GE, ...”, pelo preço unitário de €73.000,00, acrescido de IVA a 18%, tendo conjuntamente com este e incluído no preço acordado, sido acordado o fornecimento dos seguintes componentes – a) Monitor ECG; b) Colimador ...; c) Colimador ...; d) ..., fatura essa cuja cópia se encontra junta integrando o documento 6, a fls. 24 frente do anexo documental.
24 – Mais se consagrou que o valor de aquisição contemplava a instalação e montagem no Hospital ..., em Angra do Heroísmo, Açores, tendo na referida “Fatura Proforma FP ...” supra referida sido feita expressa menção de que o seu teor corresponde à “proposta .../M e posteriores negociações”, e bem assim ao “Adiantamento já efetuado no valor de €25.000,00 (iva incluído)”, sabendo, assim, a autora que estava a fornecer à ré X... um equipamento que se destinava a ser instalado na Ilha Terceira, não em Portugal Continental.
25 – Ficando as despesas de deslocação e estadia dos técnicos excluída da proposta comercial.
26 – O equipamento “Gama Câmara” referido em 12 – factos provados − e 23 – factos provados − serve para a aquisição de imagens e seu armazenamento, os quais são depois transferidos para uma estação de trabalho compatível (que pode ser uma estação de trabalho ... ou outra compatível com a Gama Câmara), na qual se realizam operações de processamento de imagem, arquivo e impressão dos exames dos doentes.
27 – A Estação de Trabalho ... referida em 16 – factos provados – permite realizar operações de processamento e tratamento de imagens clínicas de medicina nuclear e impressão dos exames realizados aos doentes, podendo tal equipamento ser adquirido separadamente do equipamento referido em 23 – factos provados - , embora a mesma seja indispensável para a finalidade a que o equipamento se destina, nomeadamente, aexecução de exames de Medicina Nuclear para apoio ao diagnóstico clínico.
28 – O equipamento fornecido pela autora foi transportado de Portugal Continental para a Ilha Terceira, Açores, sendo que, nos termos da “...", datada de 8 de setembro de 2015, junta como documento 8-A a fls. 26 e 27, acompanhou o equipamento e componentes objeto do contrato um “Monitor da ...”, com o número de série ..., e um produto (estação de trabalho –processamento imagem) “...”, com o número de série ..., com a licença software ..., ambos propriedade da autora, os quais foram dispensados, precariamente, à ré X... para utilização na instalação do equipamento.
29 – No dia 23 de setembro de 2015, colaboradores da área técnica da autora já se encontravam na Ilha Terceira, perspetivando dar cumprimento ao processo contratado de instalação do equipamento adjudicado, o qual deveria estar concluído no dia 25 de setembro de 2015, conforme e-mail datado de 23 de setembro de 2015 junto como documento 7 a fls. 24 verso e 25 frente do anexo documental.
30 – Nesse dia 23 de setembro os colaboradores da autora verificaram as condições do local onde a instalação do equipamento ia ser efetuada.
31 – As ferramentas necessárias para a instalação do equipamento pelos colaborados da autora, expedidos de Portugal Continental, só chegaram à Ilha Terceira no dia 25 de setembro.
32 – No dia 25 de setembro foi efetuado o transporte da Câmara Gama (desde o exterior do armazém da A... até ao Hospital ...).
33 – A montagem do equipamento iniciou-se no dia 26 de setembro de 2015, ou seja, um dia após a data prevista para a sua conclusão, tendo a autora procedido à montagem do equipamento fornecido no local de instalação acordado.
34 – A pretendida e necessária calibração, tecnicamente, importa a disponibilização de “isótopos” e “energia” suficientes para o efeito, cuja aquisição era da responsabilidade da ré X....
35 – No dia 29 de setembro 2015, após a instalação/montagem da parte mecânica do equipamento − colocação das peças nos seus respetivos sítios e as ligações dos cabos efetuadas –, os técnicos da autora que procederam a tal instalação constataram a existência de uma avaria e a consequente necessidade de encomendar uma peça para resolução da mesma, a qual veio de Portugal continental, tendo em 7 de outubro os técnicos da autora iniciado a instalação da referida peça para reparação da avaria.
36 – No dia 9 de outubro, solicitaram à Coordenadora da Unidade (DD) uma fonte –isótopos − que lhes foi facultada, tendo sido detetada a existência de problemas na aquisição dos sinais, havendo uma diferença na sensibilidade de deteção entre os dois detetores, a qual deveria ser semelhante.
37 – A ré X... reclama à autora que execute a calibração do equipamento e aquisição dos mapas de correção, para realização dos testes de aceitação do equipamento.
38 – A autora respondeu por via da comunicação datada de 19 de outubro de 2015, dirigida ao referido AA, cuja cópia se encontra junta como documento 8 a fls. 95 verso do anexo documental, na qual, além do mais que da mesma consta e que aqui se dá por reproduzido, a autora refere que: «(…) No intuito de finalizar a instalação do equipamento a que corresponde a N/proposta .../M e do adiantamento de 25.000 euros depositado na N/ conta em 07/07/2015, vimospor este meio formalizar o seguinte:
· por V/ legítima insistência, iremos realizar (embora na nossa humilde opinião desnecessariamente) a calibração total do equipamento com geração de todos os mapas intrínsecos e extrínsecos.
· embora os mapas extrínsecos sejam da responsabilidade do operador do equipamento, iremos também transmitir-vos o processo para memória futura.
· porque sentimos que não nos reconhecem suficiente idoneidade profissional, contratámos uma pessoa externa à M..., para realizar as calibrações supra referidas e elaboração do documento de aceitação da instalação para entrega formal do equipamento.
· o profissional contratado, é um engenheiro com formação ministrada pelo fabricante do equipamento, especialista em medicina nuclear.
· os custos da deslocação, bem como a apertada agenda deste profissional, obrigam a um planeamento rigoroso da sua deslocação aos Açores.
· neste contexto e porque entendemos que neste momento não estão reunidas todas as condições para podermos realizar este trabalho, vimos requerer o seguintes:
- isótopos e energia suficiente para calibrar o equipamento no local da instalação.
- presença de um técnico de MN para aprendizagem do processo de calibrações e validação das calibrações efetuadas.
- fixação de uma data sem possibilidade de alteração. Por nossa conveniência, gostaríamos que acontecesse o mais tardar na semana de 26 de Outubro, mas consideraremos outras mais favoráveis a V/Exas mas dependentes ta disponibilidade de agenda do técnico estrangeiro.
- se possível, um ou vários pacientes para efetuar um exame após calibração.
- o não cumprimento destes requisitos pode implicar a obrigação de aceitação do equipamento na condição em que se encontra. (…)».
39 – A ré X... responde à anterior comunicação por e-mail de 22 de outubro de 2015, cuja cópia se encontra junta como documento 9 a fls. 27 verso do anexo documental, no qual, além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, a ré X... comunica que «(…) já houve uma data prevista para as n/instalações no H..., em Angra do Heroísmo, e tratava-se de 1 de Outubro de 2015; não foi possível de executar e tivemos que adiar para 6 de Novembro de 2015; nesse dia, cerca das 14h30m, decorrerá a Cerimónia de Inauguração do Dept. de Medicina Nuclear da X..., L.da. (…).
(…) Decorre do v/ mail que a M... só estará em condições de se deslocar para a semana. Assim sendo, venho, da parte da I..., mais uma vez demonstrar o mais alto nível de cooperação e confirmar a presença de actividade (mais uma vez – a quarta!) a partir de 4.ª F dia 28; ou seja: se os Srs. puderem assegurar que a máquina está pronta e em condições de efectuar os testes, e que o operador especializado que entenderem como adequado também se encontra pronto, haverá disponível, no local, a partir do fim do dia de 4.ª F, dia 28 de Outubro de 2015, a actividade necessária e suficiente para que os testes possam acontecer.
Concluindo, a I... já providenciou neste momento (por isso demorei 48hrs a organizar tudo para que agora possa reagir formalmente conforme o estou a fazer neste momento) para que a actividade esteja disponível no sítio adequado e no momento indicado.
Será a quarta vez que tal acontece; será igualmente a última: caso por qualquer razão não se sirvam (outra vez) da actividade e/ou não consigam completar os testes, terão de ser o Srs. A resolver o problema da vez seguinte, sendo que esse equipamento nunca será considerado aceite sem que sejam fornecidas as evidências concretas /entenda-se: testes de aceitação conclusivos, isto é, conformes aos valores e procedimentos internacionais generalizados e aceites para este tipo de situações) de que efectiva e indiscutivelmente cumpre todos os requisitos necessários e suficientes para que possa iniciar a sua actividade clínica, de uma forma adequada e compatível com as normais expectativas de uma gama-câmara do tipo ... destinada a efectuar trabalho clínico de rotina, de uma forma autónoma, segura e eficaz, a todos os níveis expectáveis e nomeadamente os referidos na v/proposta (…).»
40 – A autora respondeu ao e-mail referido em 39 – factos provados – nos termos do e-mail de 22 de outubro de 2015 junto como documento 10 a fls. 28, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
41 – No seguimento do e-mail referido em 40 – factos provados −, a autora enviou ao referido AA o e-mail datado de 23 de outubro de 2015, junto como documento 11 a fls. 29 frente do anexo documental, no qual, além do mais que do mesmo consta, refere que
«(…) com intuito construtivo, venho propor à sua consideração o seguinte:
· com a proximidade da inauguração, o Sr. Dr., com calma, prepara e equipa o serviço para a cerimónia.
· paralelamente, constrói as condições que necessita para o normal funcionamento do serviço.
· sem constrangimentos, pode testar o equipamento que no meu entender deve estar apto para adquirir sem constrangimentos.
· após a passagem deste elemento de stress, agendamos em data conveniente para ambos, todas as calibrações e ajustes que julgar pertinentes. (…)».
42 – O destinatário do e-mail supra referido respondeu nos termos que constam do e-mail de 24 de outubro de 2015, junto como documento 12 a fls. 29 verso do anexo documental, no qual, além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, refere que «(…) agradecemos e apreciamos o esforço da M... na busca de soluções de modo a concluir a instalação do equipamento adquirido (…)» e que «(…) está tudo pronto para as datas que a M... solicitou, sem qualquer possibilidade de alteração (…)».
43 – No dia 28 de outubro, pelas 16 horas, chega às instalações da ré X... um colaborador da M... (EE), com o objetivo de ligar o equipamento, no sentido de o preparar/estabilizar para as calibrações que decorrerão no dia seguinte.
44 – De acordo com as recomendações do fabricante, como o equipamento esteve desligado durante várias semanas, necessitaria, de acordo com o fabricante, de 24h para estabilizar, antes de iniciar quaisquer operações.
45 – O técnico estrangeiro, de nacionalidade alemã, que a autora contratou, chegou à Ilha Terceira no voo das 19h00 do dia 28 de outubro de 2015.
46 – No dia 29 de outubro de manhã o técnico da autora EE e o técnico alemão contratado pela autora iniciaram os trabalhos no equipamento, tendo-lhes sido facultada fonte de atividade solicitada, nada tendo sido feito em termos de calibrações dado que a gama-camara apresentou problemas no seu funcionamento − no monitor de aquisição não se visualizava a execução de qualquer teste.
47 – A autora remeteu ao AA o e-mail datado de 29 de outubro de 2015, enviado às 21:11, cuja cópia se encontra junta como documento 13 a fls. 30 frente do anexo documental, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
48 – Nessa mesma noite – dia 30 de outubro de 2015 (entre as 02: 32 e as 02:45) – o AA, em nome da ré X..., responde ao e-mail referido em 46 – factos provados – nos termos que constam do documento 14 junto a fls. 30 verso e 31 frente do anexo documental e documento 1 junto a fls. 91 e 92 do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
49 – A autora remeteu, em resposta ao e-mail referido em 47 – factos provados −, o e-mail de 30 de outubro de 2015 (20h:30m), cuja cópia se encontra junta como documento 15 a fls. 32 frente e verso do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
50 – O técnico estrangeiro abandonou os Açores sem nada fazer, pois a avaria que o aparelho tinha manteve-se e tal facto impossibilitou-o de efetuar qualquer calibração.
51 – Durante os dias seguintes e até ao dia 5 de novembro de 2015, o técnico da autora EE faz diversas tentativas para colocar o equipamento a funcionar, sem sucesso.
52 – O EE regressou a Portugal continental, tendo a M... informado que iria contratar outro técnico estrangeiro, de nacionalidade ..., para ajudar a resolver o problema.
53 – No dia 23 de novembro de 2015 chegam à Ilha Terceira o técnico da autora EE e o técnico israelita FF, sendo a máquina preparada para se iniciar a calibração do equipamento.
54 – O técnico da autora EE trouxe um equipamento necessário para se efetuar a calibração – fantoma de linearidade −, adquirido pela M... para tal efeito, o qual se encontrava danificado, sendo impossível a sua utilização para a calibração do equipamento, pelo que o FF dá a sua intervenção por terminada, por não ser possível efetuar a calibração sem o fantoma de linearidade.
55 – O técnico da autora EE permaneceu na Ilha Terceira até ao dia 10 de dezembro de 2015, efetuando diversos testes ao equipamento, apresentando o mesmo sucessivos problemas de funcionamento, que o referido técnico vai tentando resolver, tendo conseguido dar início ao processo de calibração do equipamento no dia 6 de dezembro de 2015, efetuando-se sucessivos testes com a utilização da atividade necessária para tal, fornecida pela X..., tendo sido possível efetuar alguns dos testes de aceitação do equipamento, mas não a totalidade.
56 – Em dezembro de 2015 o EE apresentou à Coordenadora da Unidade (DD) o "Auto de Receção" do equipamento, que a mesma se recusou a assinar por considerar que o equipamento não estiva a funcionar devidamente, nem os testes de aceitação concluídos.
57 – Em 19 de janeiro de 2016 o técnico da autora EE regressa à Ilha Terceira para conclusão dos trabalhos, ocorrendo sucessivos problemas no funcionamento da máquina que o técnico da autora tenta ir resolvendo, continuando a efetuar, em conjunto com a assistência remota do técnico israelita FF, verificações à máquina, sem conseguir obter valores de uniformidade dentro das especificações.
58 – No dia 6 fevereiro de 2016, no âmbito da tentativa de aquisição de novos mapas de energia, linearidade e sensibilidade para a calibração do equipamento deteta-se que um dos principais parâmetros característicos do equipamento, a espessura do cristal – que se encontrava definida como sendo de 5/8’’ – estava errada, pois o equipamento instalado possui um cristal de 3/8’’, o que tem influencia direta em termos das calibrações efetuadas, dos ajustes necessários ao desempenho do equipamento.
59 – Efetuada tal correção nas definições do equipamento e reiniciado o processo de calibração, surgem novos problemas − incompatibilidade de software, problemas nos tubos fotomultiplicadores; substituição de gel de acoplamento, substituição de peças e componentes do equipamento, que vão tentando ser resolvidos pela M..., por meio do técnico EE e com o auxílio a distância do técnico israelita FF, contratado pela autora.
60 – Os trabalhos e tentativas de resolução dos diversos problemas e as tentativas de aquisição de mapas de linearidade para a calibração – nomeadamente, com a intervenção mais frequente do técnico da autora EE e, pontualmente, de outros técnicos da autora −, continuaram até ao final de maio de 2016, não tendo havido a partir dessa data outras intervenções/assistências no equipamento prestadas pela autora.
61 – A ré X... , por comunicação datada de 02-02-2016, cuja cópia se encontra junta como documento 16 a fls. 33 e 34 do anexo documental e cujo teor aqui se dá por reproduzido, devolveu à autora a fatura ... emitida pela autora referente ao adiantamento de € 25.000,00 referido em 18 – factos provados −, que tinha sido emitida em nome da ré I... S.A por estar incorretamente emitida em nome da sociedade I... S.A., solicitando a emissão de nota de crédito e de nova fatura a si dirigida, para efeitos de regularização contabilística da aquisição do equipamento em conformidade com a “Fatura Proforma FP ...” referida em 23 – factos provados.
62 – Em 28 de abril de 2016, a coordenadora da unidade DD informou a autora que «(…) Relativamente aos mapas de energia, sensibilidade e linearidade ainda em falta nesta data, vimos confirmar a disponibilização da actividade necessária para o efeito a partir de sábado 30 de Abril (inclusive). (…)», conforme cópia do e-mail junta como documento 17 a fls. 34 verso do anexo documental, cujo teor aqui se reproduziu.
63 – A 29 de abril de 2016, a referida coordenadora da unidade DD informou que «(…) devido a um imprevisto de última hora, a actividade mencionada no e-mail anterior não estará disponível na data mencionada. (…)», conforme cópia do e-mail junta como documento 18 a fls. 35 frente do anexo documental, aqui reproduzido.
64 – A ré X... não produz isótopos e está por isso sempre dependente de outros para o efeito de providenciar isótopos.
65 – No dia 2 de maio de 2016 a coordenadora da unidade DD, através de correio eletrónico, informa a autora que o equipamento apresentava uma avaria, dando conta das informações apresentadas no respetivo monitor, nos termos que constam do e-mail cuja cópia se encontra junta como documento 19 a fls. 35 verso e 36 frente, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
66 – Na sequência da comunicação efetuada pela autora, nesse dia 2 de maio de 2016, às 17:59, a comunicar que já se encontrava no local da instalação do equipamento um colaborador para "proceder à intervenção", a ré X... respondeu nos termos que constam do e-mail de 2 de maio, às 22:01, nos termos do documento 20 junto a fls. 36 verso e 37 frente do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo a avaria da máquina sido reparada.
67 – No dia 3 de maio de 2016, o representante da autora respondeu ao e-mail da ré acima referido nos termos do documento 21 junto a fls. 37 verso do anexo documental dizendo, além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, que:
68 – «(…) Numa ocorrência não urgente num equipamento que não está a laborar por motivos que nos transcendem avaliar negativamente 3 horas de tempo de resposta presencial numa região (…) no meio do oceano Atlântico, é algo que nos proporciona perplexidade. (…) Aproveito a oportunidade para solicitar uma reunião nas nossas instalações, com a brevidade que a sua agenda permita nesta ou na próxima semana. A ordem dos trabalhos será:
· plano de pagamentos/garantias de recebimento do equipamento instalado;
· assinatura do auto de recepção;
· planeamento de calibrações para isótopos adicionais não contemplados;
· forma de resposta a comunicações de avaria;
· outros assuntos que as partes considerem pertinentes. (…)».
69 – No dia 4 de maio de 2016 a ré X... informa a autora de nova avaria no equipamento ... − «(…) Após verificar que o COR se encontra descalibrado, (…), tentou-se proceder à respectiva calibração através do comando CORBLD. Contudo, o sistema de imediato deu os erros apresentados nas fotos 3 e 4, abortando o procedimento. O software e a gantry foram reiniciados, mas o problema manteve-se. (….)» −, requerendo a intervenção técnica da autora, conforme resulta da cópia do e-mail junto como documento 22 a fls. 38 do anexo documental, cujo teor, no mais, aqui se dá por reproduzido.
70 – No dia 5 de maio de 2016 o técnico da autora EE solicita à ré X... «(…) uma foto do display da máquina (…) para saber em que posição as cabeças estão (…)», tendo a ré procedido ao envio de uma foto e o técnico da autora respondido que se referia «(…) ao display da gantry (…)», tendo a ré X... respondido que «(…) a Gantry não apresenta qualquer mensagem de erro (….)», tudo nos termos que melhor constam do documento 23 junto a fls. 39 do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
71 – No dia 30 de maio de 2016 a autora insistiu junto da ré X... pela resposta ao pedido de reunião referido em 66 – factos provados −, nos termos que constam o e-mail junto como documento 24 a fls. 40 do anexo documental, que aqui se dá por reproduzido.
72 – A ré X... não respondeu ao pedido de realização de reunião e em 3 de junho de 2016 comunica à autora que:
«(…) 1. Foi detectada nova avaria (conforme evidências/imagens em anexo),
2. A avaria foi reportada diretamente pela Coordenadora da unidade ao Técnico da M... a 19 de Maio de 2016, (quando da chegada às nossas instalações para resolver a avaria anterior, essa relacionada com a calibração do centro de rotação),
3. À data de hoje (3 de Junho de 2016) a situação perdura exactamente igual,Continuamos a aguardar informação sobre a estratégia a implementar e a data prevista para a sua resolução, alertando uma vez mais para a absoluta necessidade deconcertação atempada entre a X... e a M.... (…)», tudo conforme consta do documento 25 junto a fls. 43 do anexo documental, cujo teor, no mais, aqui se dá por reproduzido.
73 – A autora responde à comunicação supra referida em 71 – facto provados − por e-mail de 3 de junho de 2016, no qual imputa à ré X... a responsabilidade pela inoperacionalidade do equipamento, embora a autora se tivesse disponibilizado para proceder à reparação do mesmo, nas condições que aí são referidas, conforme consta dacópia do e-mail que se encontra junta como documento 26 a fls. 44 frente do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
74 – A 3 de Junho 2016 o equipamento Gama Câmara G.E. – modelo ... fornecido pela M... à ré X... ainda não se encontrava com condições de estabilidade que permitissem realizar trabalho clínico, dado o sucessivo aparecimento de problemas no seu funcionamento.
75 – O representante da ré X..., por carta datada de 13 de junho de 2016, cuja cópia se encontra junta como documento 27 a fls. 44 verso do anexo documental, e que aqui se dá, no mais, por reproduzido, interpelou a autora para, caso a mesma consiga resolver os problema apresentados pelo equipamento, e garantir a eficácia do procedimento e fiabilidade de funcionamento do equipamento, o fazer no prazo de 90 dias, com a comunicação de que «(…) Caso não seja este o vosso entendimento, não vislumbramos outra solução que não passe por resolver o negócio, obviamente com justa causa e com as consequências que se vierem a apurar em sede própria, pelos mecanismos apropriados previstos para o efeito. (…)».
76 – A autora, em 28 de junho de 2016, através do documento 28 cuja cópia se encontra junta a fls. 45 verso do anexo documental, requereu junto da Secretaria Regional de Saúde dos Açores informação «(…) quais os fundamentos, quer de facto, quer de direito, subjacentes à não atribuição, a presente data, do licenciamento da Unidade de Medicina Nuclear do Hospital ..., da qual é concessionária (…)» a ré X....
77 – O Gabinete do Secretario Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores, por ofício datado de 4 de julho de 2016, comunicou que «(…) o início de actividade da X..., L.da., está pendente de licenciamento a emitir pela Direção-Geral da Saúde, pelo que não nos é possível informar sobre os fundamentos quer de facto, quer de direito que estão a condicionar o referido licenciamento. (…)».
78 – O licenciamento de que carecia a atividade desenvolvida pela ré X... no Hospital ..., esteve dependente da satisfação de requisitos relacionados com a infraestrutura do edifício (questões referentes a ventilação), tendo sido atribuído em julho de 2016 licenciamento provisório com duração de 6 meses, até janeiro de 2017, data a partir da qual, por razões relacionadas com a infraestrutura do edifício (sistema de ventilação) e até à sua resolução, a atividade da ré I... Azoresficou suspensa, tendo o Departamento de Medicina Nuclear e Imagiologia Molecular do Hospital ..., concessionado à ré X... obtido o licenciamento da Direção Geral de Saúde em 13 de julho de 2017.
79 – Para o processo de licenciamento ficar concluído tem também que ser demonstrado que o desempenho do equipamento cumpre com o estipulado na Lei (DL 180/2002), tendo o equipamento Gama Câmara G.E. –... fornecido pela M... preenchido os requisitos necessários à atribuição do licenciamento provisório e ulterior licenciamento definitivo referidos em 81 – factos provados.
80 – Em 31 de julho de 2016 a ré X..., comunicou à autora nova avaria da câmara ..., nos termos que constam do e-mail de 31 de julho cuja cópia se encontra junta como documento 30 a fls. 47 verso e 48 frente, no qual, além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, é informado que «(…) O equipamento foi ligado na passada 6.ª feira, dia 29 de Julho, após 2 meses em que esteve completamente desligado devido intervenção na infraestrutura do Departamento de Medicina Nuclear. Passadas 48 h de estabilização, verificam-se dois tipos de erros conforme anexos:
Perda da data e hora do sistema;
Perda das posições da gantry, impossibilitando completamente o seu movimento.
Trata-se portanto de um problema grave que impede a aquisição de inúmeras imagens pelo sistema e, portanto, a sua utilização para os fins a que se destina,
Aguardamos resolução urgente de mais esta avaria. (…)».
81 – A autora respondeu à comunicação referida em 79 – factos provados − por e-mail de 1 de agosto de 2016, informando que «(…) estará sempre disponível para todas as intervenções técnicas necessárias ao equipamento fornecido, quando for efectivado o pagamento do mesmo, que há muito é devido, e sobre o qual V/Exas novamente nada mencionam.
Temos também conhecimento através da Secretaria Regional da Saúde dos Açores que o licenciamento que careciam, poderá finalmente ter sido concedido. A confirmar-se, poderá finalmente dar-vos a oportunidade de transporte dos Isótopos necessários (em quantidade e qualidade) para efetuar todas as calibrações que entendam como necessárias, bem como, programar a realização de todos os trabalhos necessários para corrigir o que apelidaram de "nova avaria" na V/ mensagem de 3 de Junho passado, se, eventualmente, não puderem agora, "viver com isso". (…)», tudo conforme consta do documento 30 junto a fls. 47 verso do anexo documental, que aqui se dá por reproduzido.
82 – Em resposta, a ré X..., por comunicação datada de 2 de agosto de 2016, reitera que o equipamento não está em estado de funcionamento, e que «(…) Mais uma vez, não sabemos quando estará e estamos a aguardar a v/ação na expectativa permanente de saber se vêem ou não fazer o quê e se será desta vez que irão – finalmente – concluir o v/ trabalho, aquele que é objecto do Contrato que celebrámos e que, nós sim, honrámos com o pagamento do sinal que nos foi solicitado.
Aguardamos ainda a resposta devida ao correio enviado a 13 de junho de 2016, por correio registado e com aviso de receção, reforçado com mail da mesma data, das 21:03.
Reforçamos a necessidade de obtenção de uma resposta às questões aí levantadas. Solicitamos tomada urgente de posição e estabelecemos como data limite o fim do dia de amanhã. (…)», tudo conforme consta do documento 31 junto a fls. 48 verso e 49 do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
83 – A autora respondeu por e-mail de 3 de agosto de 2016, informando que «(…) está disponível para fazer deslocar os seus técnicos a partir da próxima segunda-feira 8 de Agosto (…)», sujeito às condições aí expressas: marcação e pagamento das viagens de avião (ida e regresso) para a Ilha Terceira e marcação e pagamento do Hotel e refeições dos técnicos da autora pela duração total da intervenção; colocação ao dispor dos técnicos da autora de uma viatura automóvel e pagamento do combustível; informando ainda que, a não se encontrarem reunidas as condições para a realização de todos os trabalhos, serão cobrados à I... todos os custos de mão de obra do pessoal da autora até ao seu efetivo regresso a Portugal Continental e que imediatamente após a deslocação dos técnicos será emitida a fatura relativa ao equipamento com data de vencimento15 dias após a emissão.
Mais solicita a autora que informem se «(…) pretendem também adquirir a estação de trabalho ... que é nossa propriedade e que está à V/guarda. (…)», tudo conforme documento 32 junto a fls. 49 verso do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
84 – A ré X... não respondeu a esta comunicação e, tendo considerado inaceitável a posição da autora expressa na missiva referida em 83 – factos provados −, contratou engenheiros externos da G..., a fabricante do equipamento, para resolver o problema comunicado.
85 – Após a intervenção técnica da GE, ocorrida na segunda quinzena do mês de agosto de 2016, o equipamento apresentou melhor estabilidade, apesar de continuarem a ser frequentes os erros, particularmente os da gantry e os de software.
86 – Por via desta intervenção técnica, a ré X... pode passar a utilizar o equipamento câmara ... na sua atividade clínica, a partir do final do mês de agosto de 2016.
87 – A X... iniciou a sua atividade clínica em setembro de 2016, realizando os exames/tratamentos referidos no Ofício da Secretaria Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores, datado de 8 de julho de 2019, que se encontra junta a fls. 162 e 163 do anexo documental, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
88 – Não obstante, o equipamento continua a apresentar recorrentes problemas e avarias, que implicam que esteja, por vezes, vários dias ou semanas sem poder seu utilizada.
89 – Por carta datada de 12 de janeiro de 2017, a autora remeteu à ré X... a fatura ..., datada de 2016/12/31 e com data de vencimento de 20-01-2017, para recebimento do valor remanescente do preço acordado referido na al. a) do n.º 12 – factos provados −, solicitando que o pagamento correspondente fosse efetivado no prazo máximo de 5 dias úteis, através de transferência bancária, tendo ainda solicitado «(…) a devolução do nosso equipamento "...", que se encontra à vossa guarda, fornecido por via da supra aludida guia de transporte, uma vez que não foi objeto de adjudicação (…)», no prazo máximo de 5 dias úteis, tudo conforme consta do documento 33 junto a fls. 50 e 51 do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
90 – Por carta datada de 26 de janeiro de 2017, nessa data expedida e rececionada pela ré X... em 31-01-2017 (conforme resulta da cópia do registo e do aviso de receção juntos a fls. 134 verso e 135 frente do anexo documental), a autora enviou à referida ré a Fatura FA 2016/8325, datada de 2016/12/31 e com data de vencimento de 2017/01/30, no valor total de € 16.486,70, sendo € 11.148,83 referente a "Despesas de deslocação e estadia com a instalação da ..., ... no Hospital ... em Angra do Heroísmo – Açores", e € 4.523,62 de "despesas de aluguer de viaturas para a instalação da ..., ... no Hospital ... em Angra do Heroísmo – Açores", solicitando o seu pagamento até ao fim do mês de janeiro de 2017, tudo conforme consta do documento 1 junto pela autora com o seu requerimento de ampliação do pedido de 04/02/2019, que se encontra a fls.133 a 135 do anexo documental, que aqui se dá por reproduzido.
91 – A 14 de fevereiro de 2017 a autora recebeu a comunicação datada de 10 de fevereiro de 2017, expedida pela ré X..., na qual, além do mais que da mesma consta e que aqui se dá por reproduzido, informa que «(…) A M... S.A, apesar dos esforços consentidos, demonstrou a mais total e completa incapacidade em honrar o Contrato de Fornecimento de Equipamento Médico, celebrado em 7 de Julho de 2015 a partir da v/ Proposta n.º .../M, tendo falhado em todos os aspectos, particularmente e, termos de entrega atempada e confiável de um equipamento médico, apto à realização das tarefas e para os únicos fins a que se destina: contribuição para o diagnóstico clínico através dos métodos e técnicas de Medicina Nuclear.
Pelos factos expostos, vamos proceder à devolução da v/ Factura n.º ....
A X... adjudicou um equipamento médico completo e funcional, conforme as condições descritas e acordadas na proposta .../M, pelo que não aceitamos a menção da suposta necessidade de devolução de partes do equipamento que, sem as quais, o sistema fica impedido de funcionar. Por esta razão, não podemos concordar com qualquer tipo de devolução de elementos fundamentais, dado que fazem parte integrante do equipamento.
Para além do já referido, não podemos aceitar que nos sejam imputados os custos-extra referentes a v/tentativa (mal sucedida) de funcionalização do equipamento, razão pela qual procedemos à devolução da factura FA 2016/8325.
A X..., L.da., é uma empresa que sempre honrou os seus compromissos e este assunto não será uma excepção.
Sendo de imediato reconhecimento que este assunto está na base de comprovados prejuízos, estamos disponíveis para considerar em conjunto soluções justas que permitam sanar a situação. (...)», tudo conforme documento 34 junto a fls. 52 frente a 53 frente do anexo documental, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
92 – A autora pagou os custos inerentes à consultadoria técnica externa, nomeadamente a referida em 44 – factos provados −, 51 – factos provados − , 52 – factos provados − e 58 –factos provados −, tendo a autora despendido com a deslocação e trabalho realizado pelo
técnico alemão, com a deslocação aos Açores do técnico israelita e com o apoio prestado pelo referido técnico israelita o montante de €6.254,65, conforme documentos 35 a 39 juntos a fls. 52 verso a 54 verso do anexo documental.
93 – A ré X... tomou conhecimento, pelo menos a partir de 26 de janeiro de 2018,que a Gama Câmara G.E. – modelo ... que foi fornecida pela autora não é de 2003, conforme constava da proposta de fornecimento e instalação do equipamento “Gama Câmara” com o n.º ..../../. referida em 10 – factos provados −, na qual se identifica «(…) Equipamento "Pre-Owned" com garantia - DOM ... (…)», que significa "...", tendo sido frabricada pela ... no ano de 2000.
94 – As informações que a autora fez constar na proposta de fornecimento e instalação do equipamento “Gama Câmara” com o n.º ..../../. referida em 10 – factos provados −, correspondem à informação que a ..., entidade que vendeu o equipamento Gama Câmara G.E. – modelo ... à autora, lhe tinha prestado.
FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados.
Resultaram, assim, não provados os seguintes factos:
95 – A “Estação de Trabalho ...” não é um “equipamento opcional”, já que é uma parte essencial para o funcionamento da Câmara Gama GE ... e sem esta é impossível completar o ciclo de funcionamento.
96 – O referido em 30 – factos provados –, 32 – factos provados − e 33 – factos provados − foi motivado exclusivamente pelo facto referido em 31 – factos provados.
97 – Os colaboradores da autora foram informados que o equipamento fornecido pela autora encontrava-se havia mais de uma semana no interior de um contentor, no exterior das instalações da empresa A..., portanto, sujeito a condições climatéricas claramente adversas e inadequadas a um equipamento daquela complexidade e fragilidade eletrónica porque se aguardava que os colaboradores da autora coordenassem as operações de transporte.
98 – A não aquisição de imagens referida em 45 – factos provados − deveu-se à falta/insuficiência de atividade dos isótopos fornecidos pela ré X....
99 – No dia 4 de maio de 2016, referido em 69 – factos provados −, a ré X..., L.da, ainda não havia disponibilizado à autora os meios necessários à calibração do aparelho, nos termos comunicados em 62 – factos provados.
100 – Na data de 3 de junho de 2016 referida em 71 – factos provados – o equipamento ainda não tinha sido calibrado por ausência dos meios que a ré X..., L.da, se tinha obrigado a disponibilizar nos termos referidos em 34 – factos provados.
101 – Nunca foi disponibilizado pela ré X... isótopos com atividade suficiente para as calibrações.
102 – AA, na sua condição de responsável da X..., L.da, enviou, a 29 de Dezembro de 2015, junta um ultimato à M..., exigindo informações concretas sobre prazos para resolver definitivamente os problemas de instabilidade e avarias sucessivas do equipamento, sem qualquer utilidade qualquer utilidade clínica, colocado pela M... nas instalações da X..., L.da, nos termos do documento 6 junto a fs. 95 verso do anexo documental.
103 – A autora não procedeu, ainda, à entrega à ré das licenças de software, dos documentos do equipamento e dos manuais técnicos de suporte.

5. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR:
· natureza/classificação do contrato celebrado entre as partes
· se ocorreu cumprimento defeituoso do contrato por deficiências do equipamento
· em face das respostas anteriores, se deve ser reconhecido à Ré o direito a reter a parte restante do preço.

5.1. Da natureza/classificação do contrato celebrado entre as partes e respetivo regime jurídico
Como resulta do processado, não existiu desde o início qualquer discórdia entre as partes quanto a classificar o contrato como compra e venda.
Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante um preço: art.º 874° do Código Civil (CC). É um contrato com natureza simultaneamente real e obrigacional; real porque a transferência do direito de propriedade opera como consequência imediata e automática do próprio contrato (função translativa, art.º 408° do CC); obrigacional porque desse mesmo contrato nascem direitos e deveres para cada uma das partes.
Como obrigações essenciais da compra e venda temos, por parte do vendedor, a de entregar a coisa e, por parte do comprador, a de pagar o preço: art.º 879º do CC.
Ora, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e a obrigação de qualquer das partes só se tem por cumprida se, e quando, a prestação a que se vinculou se mostrar integralmente realizada, no tempo e lugar próprios: art.º 406º nº 1, 762º nº 1, 763º nº 1 e 777º do CC.
A prestação consiste na adoção de um comportamento/conduta, ou omissão, dirigido à satisfação do interesse do credor, podendo decompor-se numa dupla vertente: a prestação-ação ─ a conduta, ação ou omissão propriamente dita ─ e a prestação-resultado ─ o resultado dessa conduta ou omissão.
«Noutros termos, o credor não vê o cumprimento da prestação-conduta do devedor em abstrato, como um fim em si mesmo, mas como prestação que concretiza e efetiva um resultado desejado e programado. E só haverá propriamente cumprimento quando a atuação da prestação pelo devedor implementa o programa obrigacional enquanto resultado a proporcionar ao credor.» [1]
«O art.º 762º usa o termo cumprimento em sentido restrito, para designar um comportamento (positivo ou negativo) do devedor; os arts.º 768º e 818º usam o termo cumprimento em sentido amplo, para designar um resultado.» [2]
Por norma, a obtenção do resultado da prestação implica a prática de uma série de atos, ao longo do tempo, pelo que, na perspetiva do (in)cumprimento se torna essencial atender ao dito programa obrigacional estabelecido pelas partes.
Por outro lado, é característica dos contratos bilaterais ou sinalagmáticos (exceto se as partes convencionarem de forma diferente) a reciprocidade e interdependência das obrigações dos contraentes, havendo ainda que atender que ao sinalagma genético acresce o sinalagma funcional, correspondente às prestações fundamentais ou acessórias provenientes do desenvolvimento da relação contratual e a correspetividade das prestações das partes nasce daquilo que por elas foi querido (ut des, facio ut facias).
Acontece que nem sempre as coisas correm como programado, com ou sem culpa das partes.
A lei contempla um regime especial para a venda de coisas defeituosas, plasmado no art.º 913º e seguintes do CC.
De acordo com esse regime, no caso de “a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim”, o comprador pode optar: (i) pela anulabilidade do contrato (art.º 905º, ex vi do art.º 913º do CC); (ii) denunciar os defeitos (art.º 916º CC); (iii) exigir a reparação ou substituição da coisa (art.º 914º CC); (iv) redução do preço (art.º 911º CC); (v) indemnização (art. 908º e 909º CC).
«A noção de defeito deverá, por conseguinte, ser entendida num sentido híbrido, pois ela é, em simultâneo, objetiva e subjetiva. Em primeiro lugar, importa verificar se o bem corresponde à qualidade normal de coisas daquele tipo e, em seguida, terá de se determinar se é adequado ao fim, implícita ou explicitamente estabelecida no contrato.
Assim sendo, os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, enquanto as desconformidades são discordâncias com respeito ao fim acordado. O conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa. Os dois elementos fazem parte do conteúdo do defeito, determinam-se através do contrato e dependem da interpretação deste.» [3]
Numa perspetiva objetiva, a qualidade normal é apurada por referência às caraterísticas das coisas do mesmo tipo ou à função normal das coisas da mesma categoria (art.º 913º nº 2 do CC).
No que toca ao exercício destes direitos, mormente os referidos em (ii) a (v), importa registar que eles não são alternativos ou de livre escolha, antes tendo de ser exercidos pela ordem indicada, numa relação de hierarquia. [4]
Para além desse regime especial, há ainda que contar com as regras gerais aplicáveis a qualquer contrato, pois «as hipóteses de cumprimento imperfeito dos contratos de compra e venda e de empreitada reclamam a aplicação, em simultâneo, de regras gerais e especiais da responsabilidade contratual» [5] sendo que, em caso de concurso, as regras especiais prevalecem sobre as regras gerais.
Uma dessas regras gerais é a denominada exceção de não cumprimento do contrato (art.º 428º do CC), também denominada violação positiva do contrato, exceptio non adimpleti contractus, cumprimento defeituoso ou cumprimento parcial, aplicável a todos os contratos em geral. Segundo ela, num contrato bilateral em que as obrigações são sujeitas a prazos diferentes, corporiza tal exceptio a faculdade atribuída ao contraente, cuja obrigação é posterior, de não a cumprir enquanto o outro contraente não cumprir primeiro a parte que lhe compete; da mesma feita, nos contratos em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, cada um pode recusar a prestação a que se acha vinculado, enquanto a contraparte não efetuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
Neste âmbito, importa referir, com Calvão da Silva, que, «(…) o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra)direito ao cumprimento simultâneo.» [6]

5.2. Se ocorreu cumprimento defeituoso do contrato por deficiências do equipamento
Entrando no caso em concreto, invoca a Recorrente que a máquina objeto do contrato apresenta recorrentes problemas e avarias, que a tornam incapaz de desempenhar normalmente as suas funções; e, nessa medida, a obrigação de entrega não está integralmente cumprida, o que lhe confere o direito de não pagar a parte restante do preço, em conformidade com o art.º 428º do CC.
Já vimos que, havendo normas especiais para um determinado contrato ─ e aqui existe, a venda de coisas defeituosas ─, primeiro há que fazer uso das regras especiais, só se podendo recorrer às regras gerais (art.º 428º do CC) em caso de as especiais não contemplarem solução para a hipótese em análise.
E aceitou-se também a aplicabilidade das regras gerais, designadamente a exceptio non adimpleti contractus.
Explicitando o âmbito de aplicabilidade da exceção, dizem Pires de Lima e Antunes Varela:
«A exceptio non adimpleti contractus a que se refere este artigo pode ter lugar nos contratos com prestações correspetivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra. (…)
É necessário ainda que não estejam fixados prazos diferentes para as prestações, pois, neste caso, como deve ser cumprida uma delas antes da outra, a exceptio não teria razão de ser.
É evidente, por outro lado, que, mesmo estando o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efetuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro.» [7]
Sucede que, no presente caso o sinalagma entre a obrigação da Autora de entregar e instalar o equipamento e a obrigação da Recorrente de pagar o preço já ocorreu “lá atrás”, sendo que a questão dos defeitos lhe é posterior.
Na verdade, de acordo com os factos provados 10, 12 e 18, o pagamento do preço deveria ser efetuado em duas prestações, 30% com a encomenda e os restantes 70% com a entrega e montagem do equipamento.
E mais se sabe que o equipamento foi entregue em setembro de 2015, pelo que a Ré deveria ter feito o pagamento dos restantes 70% nessa altura (art.º 885º nº 1 do CC). Os problemas relativos a deficiências do equipamento foram posteriores, pelo que não podem agora ser chamados à colação como forma de justificar uma mora na obrigação de pagamento.
Por outro lado, há que atender a que a função normal duma compra e venda é a transmissão do direito de propriedade. Ora, conexa com esta situação há ainda que contar com um segundo nível de correspetividade/correlatividade nas obrigações principais das partes: a Autora reservou o direito de propriedade sobre o equipamento até ao integral pagamento do preço (factos provados 12/c) e 18).
Ora, nos contratos de compra e venda com reserva de propriedade o vendedor pode optar pela resolução do contrato ou pela exigência do pagamento do preço em divida (art.º 409°, 432°, 801° n.° 2 e 886° do CC). assim, neste segundo grau de correlatividade, já a Ré seria a que teria de cumprir primeiro, pelo que lhe estava vedada a invocação da exceção.
De novo em concordância com Calvão da Silva, há que ter em conta o seguinte: «(…) se é verdade que, em virtude das exceções materiais dilatórias, “o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde”, parece que a exceptio non adimpleti contractus não deve obstar ao conhecimento do mérito da ação. O juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indireto pedido de cumprimento” coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual.» [8]
Esta questão foi bem ponderada e explicada na douta sentença aqui posta em crise. Como aí bem se explicou, a exceptio não vingou dado que a partir de julho de 2016, a Ré, sem nada dizer à Autora, contratou terceiros para reparar a avaria (que a Autora nunca tinha recusado reparar até aí), assim inviabilizando que a Autora pudesse cumprir a sua obrigação.
Parafraseando a douta sentença, há que concluir que «No caso em análise, tendo a ré contratado terceiros para repararem a avaria que se verificava em julho de 2016 e colocarem o equipamento em condições de funcionamento, deixa de fazer sentido a invocada recusa, por parte da ré, de pagamento do remanescente do preço em falta, como meio de compelir a autora a cumprir a obrigação de colocação do equipamento em condições de funcionamento (já realizada, a pedido da ré, por terceiros e, portanto, insuscetível de cumprimento pela autora).».
Improcede, portanto, esta questão.

Por fim, para alicerçar ainda a exceptio non adimpleti contractus invoca ainda a Recorrente a questão da desconformidade entre o que foi contratado/comprado e a máquina efetivamente fornecida (conclusões 8ª e 9ª).
Ou seja, teria sido proposto e encomendado um equipamento fabricado em 2003, quando o que foi entregue foi fabricado em 2000, o que constituiria causa notória da sua desvalorização económica e uma diminuição do seu período de vida útil.
Quanto à desconformidade em si, releva a fundamentação acabada de expor quanto aos defeitos de funcionamento, sem necessidade de acrescento dado as desconformidades/deficiências terem o mesmo tratamento jurídico.
Quanto à vertente da desvalorização económica, determinando uma diminuição do período de vida útil do equipamento, resulta claro que esta não é situação que se integre na exceptio non adimpleti contractus: o menor valor do equipamento e do seu período de funcionamento poderia servir de fundamento para a redução do preço, que não foi suscitada. Também não denunciou essa questão, nem pediu a substituição do equipamento.
Acresce que ficou provado (facto 93) que a Ré tomou conhecimento dessa desconformidade, pelo menos a partir de 26 de janeiro de 2018. Ora, todos os Autores que vimos referindo estão de acordo que a invocação da exceptio tem de respeitar a boa fé (art.º 762º nº 2 do CC). «A exceptio non rite adimpleti contractus deve ser invocada tendo em conta o princípio da boa fé.» [9]
E contraria o princípio da boa fé que a Ré, nunca tendo suscitado essa desconformidade antes, e continuando a utilizar o equipamento desde setembro de 2016, venha agora a suscitar essa questão.
Mais uma vez é de aceitar aqui a fundamentação da sentença, pelo seu acerto:
«O que não tem base legal é a posição, assumida pela ré e reiterada na contestação a esta ação, de ter recebido o equipamento, estar a utilizá-lo desde setembro de 2016 para a finalidade a que o destinava − realização exames de Medicina Nuclear para apoio ao diagnóstico clínico – e recusar-se, pura e simplesmente, a cumprir a sua obrigação de pagamento do remanescente do preço, assim logrando usufruir e utilizar o equipamento objeto do contrato sem pagar remanescente do preço acordado, com a invocação de factos que lhe poderiam permitir exercer os direitos que a lei prevê para o caso de venda de coisa defeituosa ou do cumprimento defeituoso pela autora das obrigações assumidas (anulação do contrato; resolução do contrato; redução do preço), mas não a recusa de cumprimento da obrigação do pagamento do remanescente do preço.»

5.3. Do direito da Ré a reter a parte restante do preço
Concluindo, face à factualidade provada, não se verificam as condições para ser reconhecido à Ré o direito a reter a parte restante do preço, mantendo-se a improcedência da exceção de não cumprimento do contrato.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO

7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da Recorrente.

Porto, 13 de julho de 2022
Isabel Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
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[1] Calvão da Silva, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 4ª edição, Almedina, pág. 78.
[2] Nuno Manuel Pinto de Oliveira, “Princípios de Direito dos Contratos”, Coimbra Editora, 2011, pág. 320.
[3] Pedro Romano Martinez, "Cumprimento Defeituoso. Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Almedina, pág. 166.
[4] Cf. Romano Martinez, obra citada, pág. 389 a 399, em especial pág. 392.
[5] Pedro Romano Martinez, "Cumprimento Defeituoso. Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Almedina, pág. 270. Sobre a temática, cf. pág. 269 a 273.
[6] Calvão da Silva, obra citada, pág. 334.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 380-381, anotação ao art.º 428º.
[8] Calvão da Silva, obra citada, pág. 335-336.
[9] Romano Martinez, obra citada, pág. 295.