Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7962/21.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
FACTORES DE CONEXÃO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
Nº do Documento: RP202305047962/21.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A (in)competência do tribunal, é aferida em função dos factos alegados na petição inicial, considerando o pedido do autor, não interessando quaisquer outros pressupostos processuais, ou os termos da contestação ou oposição deduzida
II - É à luz do disposto do artigo 62.º, do CPC que deve ser aferida a incompetência internacional dos tribunais portugueses se nada for estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários, ou outro instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária.
III - É de atender à jurisprudência do TJUE sobre normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno, na aplicação e interpretação do direito interno, sobre competência internacional em prol da certeza, uniformidade e seguranças jurídicas, só assim se evitando soluções desencontradas com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria.
IV - Numa ação de responsabilidade civil por facto ilícito, cujo processo causal foi iniciado nos Estados Unidos mas em que se produziram danos decorrentes da violação de direitos de personalidade do Autor, residente em Portugal, a lesão verifica-se no local onde o bem lesivo do direito da personalidade é explorado economicamente.
V - Se os danos invocados se prolongaram no tempo, localizando-se em diferentes Estados, mas também em Portugal, onde o A. reside e exerce a sua profissão de jogador, existem elos suficientemente fortes entre os factos da causa e os tribunais portugueses, devendo dar-se como verificado o critério da causalidade, constante da alínea b) do artigo 62º do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 7962/21.2T8VNG.P1

SUMÁRIO (ARTIGO 663º Nº 7 DO Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

AA, cidadão italiano, a residir em Portugal, demandou A..., S.A sociedade norte americana, com sede na Califórnia tendo formulado pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de 341.000,00 euros, fundado na responsabilidade civil por facto ilícito consistente na utilização e divulgação não autorizada da sua imagem, enquanto jogador de futebol profissional na produção e comercialização de jogos de vídeo da FIFA, FIFA MANAGER FIFA, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e FIFA MOBILE desde 2006, 2007, 2010 e 2020, os quais alegadamente também são difundidos e vendidos em Portugal.
Formulou o correspondente pedido de indemnização no montante de 336.000,00 euros referentes a danos patrimoniais e de 5.000,00 euros para ressarcimento de danos não patrimoniais.
Foi deduzida contestação.
FOI PROFERIDA DECISÃO QUE DECLAROU O TRIBUNAL INTERNACIONALMENTE INCOMPETENTE, A QUAL NA SUA FUNDAMENTAÇÃO CONVOCOU, DIVERSA JURISPRUDÊNCIA QUER A FAVOR, QUER CONTRA A POSIÇÃO ASSUMIDA.
APELOU O AUTOR TENDO LAVRADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
Foi alegado pelo Autor nos artigos 15.º, 18.º, 102.º e 201.º, da petição que
1- A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de vídeo contendo a imagem, nome e demais características pessoais do Autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica.
2- Os jogos são comercializados, distribuídos, jogados e a imagem, nome e demais características do Autor são utilizadas, mundialmente, também em Portugal.
(…)
k) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação do fator de conexão previsto na alínea b) do artigo do artigo 62.º do Código de Processo Civil: ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram (à causa de pedir).
l) Neste sentido, (…) a doutrina já fixada no douto acórdão do STJ de 25-10-2005.
m) Sendo que, o dano sofrido pelo Autor é, pois, um dano inicial e não consecutivo: resulta diretamente do evento causal (a utilização da sua imagem pela Ré nos seus jogos).
n) Para além disso, o Autor tem em Portugal o seu domicílio (…)
r) Pelo que, atento o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em articulação com a alínea a) do artigo 62.º do mesmo Código, os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente causa.
Foram já proferidos no sentido de que os tribunais nacionais são internacionalmente competentes pelo Supremo Tribunal de Justiça, em ações idênticas à presente, os seguintes Acórdãos:
a) De 24.05.2022 – proc. 3853/20.2T8BRG.G1.S1
b) De 07.06.2022 – proc. 4157/20.6T8STB.E1.S1
c) De 07.06.2022 – proc. 24974/19.9T8LSB.L1.S1
d) De 23.06.2022 – proc. 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1
e) De 28.09.2022 – proc. 637/20.1T8PRT.P1.S1
f) De 29-09-2022 – proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1
g) De 13.10.2022 – proc. 1014/20.0T8PVZ.P1.S1
h) De 10.11.2022 – proc. 17046/20.5T8LSB.L1.S1
i) De 10.11.2022 – proc. 1579/20.6T8PVZ.P1.S1
ff) E, pelos Tribunais da Relação:
f) De 21.06.2022 – proc. 17046/20.5T8LSB.L1 – Tribunal da Relação de Lisboa
g) De 13.07.2022 – proc. 3731/21.8T8BRG.G1 – Tribunal da Relação de Guimarães.
h) De 27.09.2022 – proc. 2161/20.3T8CSC.L1 – Tribunal da Relação de Lisboa.
i) De 13.10.2022 – proc. 3803/20.6T8BRG.G1 – Tribunal da Relação de Guimarães.
j) De 26.10.2022 – proc. 996/21.9T8PVZ.P1 - Tribunal da Relação do Porto.

SUSTENTOU A RÉ A SENTENÇA RECORRIDA, TENDO FORMULADO ESSENCIALMENTE, AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
(…)
(i) A ré tem sede fora da EU;
(ii) Nenhum ato, territorialmente praticado ou situado em Portugal, é imputado pelo autor à ré;
(iii) Nenhum dano concreto é invocado pelo autor, em toda a petição inicial, sob qualquer forma e, bem assim, localizado em Portugal; e
(iv) A venda de jogos em Portugal – além de não ser imputada à ré, cuja atuação o autor circunscreve aos territórios dos EUA, Canadá e Japão – não assume conexão relevante para que se possa avocar a competência dos tribunais portugueses.
d) A exceção de incompetência internacional submetida à apreciação deve ser dirimida, exclusivamente, à luz do regime interno, por inexistir qualquer instrumento internacional de regulação do foro aplicável, incluindo de fonte europeia.
g) A jurisprudência do TJUE apenas se debruça, como resulta do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia em interpretar o direito da União, sendo expressamente proibido ao TJUE interpretar direito nacional dos Estados-Membros.
h) Restrição que visa efetivar o princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros e dos seus órgãos jurisdicionais sobre o seu direito nacional, não tendo o TJUE apetência ou conhecimentos para se debruçar sobre o direito interno.
p) Acresce que a própria jurisprudência do TJUE se vem consolidando no sentido de defender que o conceito de “lugar onde ocorreu o dano” deve ser interpretado muito restritamente e dando relevância ao local de produção do dano inicial (parágrafo 21 do acórdão do TJUE de 19.09.1995, Processo n.º C-364/93; parágrafos 19 e 21 do acórdão do TJUE de 10.06.2004, Proc. n.º C-168/02; e parágrafos 34 e 35 do acórdão do TJUE de 16.06.2016, Proc. n.º C-12/15).
(…)
r) A competência internacional, neste pleito, deve ser apreciada exclusivamente à luz da fonte interna, prevista no art.º 62.º do CPC e respetivos três fatores de conexão:
(i) alínea a): quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
(ii) alínea b): quando foi praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram;
(iii) alínea c): quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
s) A apreciação destes fatores centra-se exclusivamente no teor da petição inicial – art.º 38.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
t) Para esta tarefa, assumem-se como relevantes os seguintes factos ali invocados: Quanto à ré:
(i) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América;
(ii) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o autor não alega que a ré o faz em Portugal (artigo n.º 1 e 2 da petição inicial);
(iii) O autor refere que “…a ré conta com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a B... Sàrl…” (artigo n.º 2 da petição inicial), o que atesta que a ré não atua em Portugal ou, sequer, na Europa;
Quanto ao facto ilícito imputado à ré:
iv) Em parte alguma da petição inicial, o autor afirma que a ré vende, em Portugal, os jogos FIFA, FIFA MANAGER e FIFA MOBILE, chegando mesmo a reconhecer, quanto a versões antigas dos jogos que os mesmos são comercializados por terceiros (artigo 26.º e 37.º da petição inicial).
(v) A compra efetuada pelos mandatários do autor foi à empresa “C... Unipessoal Lda.”, com sede no Porto e não à ré, sendo que na fatura de compra nem sequer constam os jogos que o autor refere como incluindo a sua imagem (artigo n.º 38 da petição inicial e respetivo Doc. 15).
(vi) Nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor, na petição inicial, como ocorrendo em Portugal.
(vii) O autor não alega onde e quando tomou conhecimento da inclusão da sua imagem nos jogos FIFA.
(viii) O autor não articula qualquer facto sobre onde estava e quando terá sofrido os pretensos danos.
u) O fator de conexão da alínea a) refere-se às regras de competência territorial da nossa ordem jurídica, sendo aplicável, às ações de responsabilidade civil, o art.º 71.º, n.º 2 do CPC: o lugar onde o facto ocorreu.
v) Tendo o autor – e bem – circunscrito a atuação da ré aos territórios dos EUA, Canadá e Japão, não foi imputado à ré a prática de qualquer facto em Portugal, o que por si só afasta a verificação da alínea a) do art.º 62.º do CPC.
w) Acresce que, como se refere na sentença sob crise, “…o putativo facto ilícito, tal como é configurado pelo autor – produção dos jogos FIFA com a inclusão da imagem do autor –, indubitavelmente não ocorre, sob nenhuma forma, em território nacional.”.
x) A aplicação do critério de competência em razão do território mostra que os tribunais portugueses são incompetentes para o pleito desenhado na petição inicial.
y) Quanto ao fator de conexão da alínea b) – facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram –, não se encontra alegado na petição inicial qualquer ato imputado à ré em Portugal.
z) O autor não alega que o putativo facto ilícito – produção dos jogos – ocorreu em Portugal, não invoca qualquer dano que tenha ocorrido em Portugal, nem alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil (culpa ou nexo de causalidade) localizada em Portugal.
aa) Na verdade, não foi concretizado qualquer dano sofrido pelo autor, tampouco no território nacional.
bb) Na tese do autor, vertida na petição inicial, se o dano equivale ao facto ilícito, então o dano inicial apenas poderá ter ocorrido no local da produção dos jogos, i.e., em território estrangeiro.
cc) A comercialização plurilocalizada dos jogos, na Europa por entidades que não a ré, não pode ser perspetivada como um fator relevante ou significativo no contexto da causa de pedir e que atribua relevância suficiente para a afirmação da competência dos nossos tribunais.
(…)
ee) A comercialização dos jogos FIFA, a nível mundial, revela ligação identicamente ténue com todos os territórios onde ocorre e, nessa medida, não assume conexão minimamente relevante que justifique a atribuição de competência internacional a Portugal.
ff) De igual modo, a comercialização dos jogos FIFA, a nível mundial, não poderá constituir fundamento para as partes escolherem, livremente, o foro, pois tal consubstanciaria ilegal forum shopping.
gg) Na verdade, a consideração da venda, por terceiros, como fator de conexão geraria uma situação de conflito positivo de competência internacional, já que qualquer tribunal do mundo, considerar-se-ia competente para esta lide, hipótese que as normas de competência internacional visam evitar.
hh) A alegação do autor, posterior à petição inicial, acerca da ocorrência de danos globalmente e, por isso, também no seu domicílio, apelando ao conceito de centro de interesses, não permite colmatar a falta de invocação de quaisquer danos em Portugal, por três motivos:
(i) apenas a factualidade constante da petição inicial é relevante para a averiguação da competência;
(ii) não são alegados danos concretos e que, tampouco, se verifiquem em Portugal; e
(iii) a alegação de que o dano ocorre em todo o mundo e também em Portugal não traduz, como vimos, conexão suficiente ou relevante com a jurisdição portuguesa.
ii) Acresce que a invocação de um centro de interesses do autor em Portugal (figura desenvolvida pelo TJUE a propósito de normas europeias), além de ser inaplicável a estes autos e suscitada em momento posterior à petição inicial, não é suscetível de preencher os requisitos de competência internacional dos tribunais portugueses, porque o facto ilícito e a produção do dano, a existirem, situam-se nos EUA onde a imagem do autor foi aposta nos jogos.
kk) O local do exercício da sua profissão não é um facto constitutivo da causa de pedir, que diz respeito à alegada violação do direito de imagem do autor.
mm) Daí que se conclua que não se verifica o fator de conexão previsto na alínea b) do art.º 62.º do CPC, já que inexiste alegação factual sobre a causa de pedir ou qualquer facto que a integre, praticado em Portugal.
nn) Idêntica conclusão se atinge ao apreciar o fator de conexão da alínea c): não só o autor não invocou qualquer razão que, mesmo em tese, demonstre que o seu direito não possa tornar-se efetivo se não por meio de uma ação em Portugal, como da petição inicial resulta a alegação da existência dessa tutela judicial nos EUA.
rr) São inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais ou factos que não estejam referidos na petição inicial ou que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.ºdo CPC, 9.º e 351.ºdo CC e 38.º, n.º1da LOSJ, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios:
– princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas);
– princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório); – princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei;
– princípio do primado do direito europeu.
ss) Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 62.º do CPC, 9.º e 351.º do CC e 38.º, n.º 1 da LOSJ é suscitada para conhecimento expresso deste Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82.
Devem por isso improceder todas as conclusões do recurso do autor. Nada obsta ao mérito.

OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância e atentas as conclusões do recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1-Saber se os tribunais portugueses são incompetentes internacionalmente para conhecer do fundo da causa.

O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
O Autor na petição inicial articulou (ao que interessa ao recurso) que: 1.
A Ré A..., através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interactivo.
2
O Autor que reside em Portugal tem uma longa e ilustre carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família. (4º)
3
o Autor atuou em centenas de partidas oficiais como profissional e sempre se destacou na posição de Defesa Central, como é conhecido internacionalmente, tendo atuado no D..., E..., F..., G..., H..., I... (Brasil) e J... (Grécia) entre outros, (6.º)
4
Esteve vinculado aos seguintes clubes e nas seguintes épocas:
- 2020/21 – H... - 2019/20 – H... - 2018/19 – H... - 2017/18 - G... - 2016/17 – G... - 2015/16 - G...
- 2014/15 – J... (Grécia) - 2013/14 – J... (Grécia) - 2012/13 – E... e F...
- 2011/12 – F... - 2010/11 – D... - 2009/10 – D... - 2008/09 – D... - 2007/08 – D... - 2006/07 – D... - 2005/06 – I... (Brasil)
5
O Autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA (também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer), nas edições 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2016, 2017, 2019, 2020 e 2021, FIFA MANAGER FIFA (inicialmente designado Total Club Manager), nas edições 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT nas edições 2010, 2011, 2012, 2013, 2017, 2019, 2020 e 2021, e FIFA MOBILE, nas edições 2020 e 2021, todos propriedade da Ré. (10º).
6
O Autor jamais concedeu autorização expressa, ou sequer autorização tácita, a quem quer que fosse, para ser incluído nos supra identificados jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, i.e. FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e FIFA MOBILE. (11º).
7
Tão pouco conferiu poderes aos Clubes, para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome, especificamente para jogos electrónicos, jogos de vídeo, aplicativos, ou quaisquer outros jogos online ou offline, em qualquer tipo de plataforma. (12.º).
8
A Ré é uma empresa mundialmente reconhecida pela produção e desenvolvimento de jogos para computadores, jogos de vídeo e aplicações diversas, exploradas, entre elas, através dos jogos de vídeo identificados nesta petição e que se tornaram mundialmente conhecidos, de modo que a repercussão da imagem do Autor não se insere apenas ao âmbito nacional, mas é utilizada pela Ré a nível global. (13º).
9
O Autor viu a sua imagem ser retratada e o seu nome divulgado, sem o seu consentimento, em milhões de jogos de vídeo (por exemplo o jogo FIFA 12 vendeu 5 milhões de unidades em apenas 30 dias por todo o mundo, (18.º).
10
A exploração sem consentimento da imagem e do nome do jogador Autor é renovada a todos os anos por via do lançamento de novas versões dos jogos (23.º).
11
Ora, no caso dos autos, a Ré está a utilizar sem consentimento e explorar a imagem e o nome do Autor, pelo menos, desde 3 de Novembro de 2006 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA Manager 2007) até aos dias de hoje. ao comercializar os jogos para consolas ou aplicativos e atualizações em todo o mundo (24.º e 102º).
12
E, tais jogos, mesmo de anos anteriores, continuam a ser difundidos e vendidos, em Portugal, e em todo o mundo, (25.º) “ao ponto de o jogo FIFA 17 DELUXE EDITION PS3 em suporte físico ser vendido na Fnac (artigo 201º).
13
Nesse sentido, os jogos FIFA e FIFA MANAGER ainda hoje estão disponíveis no mercado para compra.
14
O Autor para instauração da presente ação procedeu recentemente à compra de várias versões do jogo FIFA (38.º)

FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA:
I
A questão, colocada neste recurso, em ações similares, de forma consolidada, tem sido decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido da atribuição da competência internacional aos Tribunais Portugueses, considerando verificado o fator atributivo dessa competência segundo o critério da causalidade estabelecido na alínea b) do artigo 62.°, do Código de Processo Civil (diploma para onde se consideram remetidas todas as normas indicadas sem outra menção).
É o caso dos acórdãos do STJ de 24.05.2022, Proc. n.º 3853/20, de 07.06.2022, Proc. n.º 24974/19, de 07.06.2022, Proc. n.º 4157/20, de 23.06.2020, Proc. n.º 3239/20, de 27.09.2020, Proc. n.º 637/20, de 29.09.2022, Proc. 2160/20, de 13/10/2022, Proc. n.º 1014/20, de 10.11.2022, Proc. n.º 1579/20 e dos Tribunais da Relação de Lisboa Proc. n.º 17046/20, de 15.12.2022, da Relação de Guimarães Proc. n.º 3731/21, e de 10.01.2023, e desta Relação do Porto Proc. n.º 996/21, maioritariamente acessíveis in www.dgsi.pt.
Esta jurisprudência citada nas alegações do Recorrente e também no recente acórdão do STJ de 15-02-2023, (ANA RESENDE) REVISTA 4239/20.4T8STB.E1.S1, (proferido numa ação em tudo idêntica à deste processo e em que a Sociedade aqui demandada é também ali a Ré), aquela a que se adere.
Em tais termos, na abordagem da matéria colocada no recurso seguiremos de perto a fundamentação jurídica, deste ultimo aresto que responde a todas as questões colocadas e a que se adere e que por isso, aqui se reproduz, parcialmente, (artigo 665º nº 5 in fine):
Com efeito,
II
“(…) a competência do tribunal, como medida da sua jurisdição, é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, considerando o pedido do autor, isto é, o direito a que se arroga e que quer ver reconhecido ou declarado judicialmente.
Assim, da estruturação da causa, tal como é estabelecida pelo autor ou requerente, nomeadamente do pedido formulado, e dos factos donde derivam o direito para o qual se pretende a tutela, resulta não só o tema a decidir, mas também a definição do âmbito da competência, não estando esta dependente de outros pressupostos processuais, dos termos da contestação ou oposição deduzida, e maxime da procedência da pretensão.
(…)No que concerne à competência internacional direta, enquanto à atribuída aos tribunais de um Estado, a mesma pode configurar-se como exclusiva, na medida em que a nenhum tribunal de outra ordem jurídica é atribuída para o conhecimento da causa, mas também concorrente, se a ordem jurídica do foro aceitar a apreciação por outra ordem jurídica.
Concretizando, o artigo 37.º n.º 2 da Lei 62/2013, de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário) remete para a lei do processo a definição dos critérios de atribuição de competência internacional dos Tribunais portugueses (…)
Determina o artigo 59.º, que sem prejuízo o que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais, a competência internacional dos tribunais portugueses deve resultar da existência de algum dos elementos de conexão previstos, para o que nos agora interessa, no art. 62.º, para além da que as partes hajam atribuído nos pactos atributivos de jurisdição, na medida da respetiva admissibilidade, art. 94.º.
II
Por outro lado e como se defende neste aresto “a jurisprudência do TJUE tem um papel fundamental na interpretação do direito europeu (…) no sentido da aludida e tendencial, aplicação uniforme do direito, em prol da certeza e seguranças jurídicas(…)”.
Trata-se de procurar interpretar e aplicar o direito interno “de forma sistematicamente coerente, evitando que as mesmas normas nacionais sejam entendidas de modo diverso consoante aplicadas no âmbito do Direito Europeu ou fora dele(…), ibidem, “(…)
Daqui que as normas internas sobre competência internacional devam ser interpretadas em conformidade com a jurisprudência do TJUE sobre normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno, só assim se evitando soluções desencontradas com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria.
E prossegue o referido aresto, o que se secunda, neste segmento, (…) “não se configura como despicienda a indicação de uma nota quanto à evolução jurisprudencial dos acórdãos do TJUE (…) o Acórdão do TJUE, de 7.03.1995, quanto uma ação em que se pedia o pagamento de uma indemnização por difamação cometida através de um artigo publicado num jornal, à venda em vários países europeus, incluindo onde a vítima residia, “(…) começou por sustentar que a expressão “lugar onde ocorreu o facto danoso”, utilizada no artigo 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas de 27.09.1968, deveria ser interpretada no sentido de que a vítima pode intentar uma ação de indemnização contra o editor da publicação difamatória quer nos órgãos jurisdicionais do Estado onde se situa o estabelecimento da editora, quer nos órgãos jurisdicionais de cada Estado em que a publicação foi divulgada e onde a vítima alega ter sofrido um atentado à sua reputação, os quais seriam competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a ação foi proposta (…)”. Posteriormente, (…) no Acórdão de 25.10.2011, e-Date Adverting. GmbH contra X e Martinez contra MGM Limited (…) em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade extracontratual pela totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro do lugar onde se situa o estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos interesses do lesado”. (…)
Concluindo que “(…) As questões inerentes à especificidade do evento danoso resultante da violação dos direitos de personalidade através de meios de divulgação global têm encontrado resposta normativa no sentido de uma configuração desse tipo de dano e da determinação da sua localização ajustada aos novos meios tecnológicos através dos quais se propagam os efeitos lesivos potenciados pelos comportamentos ilícitos e veiculados em dimensões virtuais até se materializarem onde podem ser concretamente verificados e mais facilmente provados (…) Daí que ressalta (…) que nos termos definidos, não deverá ser considerada despicienda, uma indicada preferência pelo “centro de interesses do lesado” como o local onde se materializa o dano resultante da violação de direitos de personalidade, com divulgação global pelos meios tecnológicos atualmente disponíveis, e desse modo produzindo uma conexão, relevante para a atribuição de competência ao respetivo órgão jurisdicional, para dirimir o conflito, no atendimento até do critério da causalidade constante da alínea b) do art.º 62º (…).
III (…)
Não existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente ação, por remissão do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, pelo que, tendo por referencia a citada jurisprudência do TJUE, será à luz do disposto do aludido art. 62.º que deve ser determinado se assiste competência aos tribunais portugueses para a decidir.
O art.º 62 procede à indicação dos fatores legais de atribuição da competência aos tribunais portugueses, enunciando os três critérios atendíveis, o critério da coincidência, alínea a), da causalidade, alínea b) e o da necessidade, alínea c), sendo defendido que a aplicação do critério da causalidade só se justifica se não verificado o critério da coincidência, e o critério da necessidade apenas se aqueles dois não forem passíveis de aplicação, bem como os critérios da causalidade e o critério da necessidade apenas atribuem competência aos tribunais, em termos globais.
III-A
Como se escreveu no citado aresto “Quanto ao critério da coincidência, de acordo com o qual os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o julgamento da causa desde que, segundo as regras de atribuição da competência em razão do território, a ação pudesse ser proposta em tribunal português, alínea a) do art. 62.º, são convocados os critérios estabelecidos no que concerne à competência em razão do território, artigos 70.º e segs., reveladores da existência de uma estreita ligação entre o Estado português e a causa.
A regra geral em termos de competência territorial, mostra-se consignada no n.º1 do art. 80.º, no sentido que não se verificando um caso não previsto nos artigos anteriores ou em disposição especial, o tribunal competente para a ação é o do domicílio do réu.
Para o caso que nos interessa, não surgindo questionado que o A. visa efetivar a responsabilidade civil por facto ilícito, o tribunal competente para tanto seria, conforme o n.º 1, do art. 71.º, n.º 2, o correspondente aonde o facto ocorreu, afastada ficando a regra geral, constante do aludido art. 80.º.
Recorrendo a uma técnica legislativa designada de remissão intrasistemática no sentido de os tribunais portugueses serem competentes sempre que a ação pudesse ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial, estabelecidas também na lei portuguesa, a justificação pela opção por um critério instrumental, assentaria no facto de ser o lugar onde o facto foi praticado que devem encontrar-se as melhores provas da ocorrência e dos danos por ele produzidos, pelo que a proximidade do tribunal com as provas dos factos que integrassem os diferentes elementos da causa de pedir de uma ação de responsabilidade extracontratual, seria determinante da escolha do forum delicti comissi.
No entanto, a aplicação acrítica deste critério, para além de suscitar dificuldades relevantes, quando a conduta ilícita ocorresse em lugar diverso da produção dos danos, bem como quando a ação fosse plurilocalizada, mesmo afastando da sua aplicação a regra do n.º 3, do art. 80.º, enquanto foro necessário, sob pena de os tribunais portugueses serem competentes para todas as possíveis ações, poderia importar numa competência exorbitante, pelo que deveria exigir-se, que os elementos da causa de pedir se traduzissem numa conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, caso de um significativo acervo das provas a produzir, presumivelmente, se situasse em Portugal.
III_B
O critério da causalidade, constante da alínea b) do art. 62.º, diz-nos que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes desde que tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram, resultando de forma clara da parte final desta norma, a plena aplicação aos casos em que haja uma causa de pedir complexa, constituída por uma pluralidade de atos ou factos jurídicos relevantes com ligação a mais do que um ordenamento jurídico ou jurisdição nacional.
Sublinhando-se que não se visa a direta e imediata aplicação da jurisprudência do TJUE, mas sim como elemento essencial à atual e plena compreensão dos fatores de conexão estabelecidos no art. 62.º, no caso a alínea b), repetindo que o direito comunitário faz parte do direito interno, a interpretação sistemática e atualista da norma em causa também deve ser realizada, em termos de sistema, com recurso a direito comunitário, bem como a da orientação jurisprudencial do TJUE, e assim na observância da respetiva conformidade, indo aliás, ao encontro das regras interpretativas do art. 9.º do CC.
Assim, e já como se aludiu na breve nota Jurisprudencial do TJUE, vem-se consolidando um critério de interpretação segundo o qual o impacto da violação dos direitos de personalidade através de meios de exposição globais que lhe conferem conexão com mais do que um ordenamento jurídico e jurisdição nacional, verifica-se predominantemente no Estado onde o autor alega ter sofrido o atentado à sua reputação a sede da sua vida pessoal organizada, com atribuição da competência ao tribunal desse país para conhecer a totalidade dos prejuízos sofridos.
III_C
O critério da necessidade, alínea c) do art. 62.º, configura-se na verdade, como um critério de salvaguarda, de natureza excecional, destina-se a permitir o efetivo exercício do direito invocado, nos casos em que a impossibilidade de exercício do direito de ação seja decorrência de um conflito negativo de jurisdição ou quando a instauração da ação no tribunal estrangeiro redunde em clara denegação de justiça.
No entanto para que tal critério possa ser atendido como um fator de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses é necessário que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um ponderoso elemento de conexão, seja de ordem pessoal, caso da nacionalidade ou residência das partes, ou de natureza real, no caso de se situar em território nacional o bem que é objeto imediato ou mediato da ação”.
III-D
Assim sendo e tendo por adquirido que em sede de aferição dos pressuposto para a atribuição da competência, não há lugar a qualquer apreciação sobre o mérito da causa nem tão pouco sobre a (in)suficiência do que tenha sido alegado pelo A., importa sim atentar aos contornos factuais e jurídicos da pretensão deduzida na estrita medida do necessário para aferir da existência do fator legal de atribuição de competência dos tribunais portugueses para o conhecimento da causa, aferida em face dos factos alegados na petição inicial e elencados supra conjugados com a articulação que o A. faz do direito que considera aplicável, já que o mesmo pretende efetivar a responsabilidade da R., por violação dos direitos à sua imagem e nome, resultante da utilização da imagem e do nome do A, enquanto jogador de futebol profissional através de jogos de vídeo propriedade da Ré, produzindo-os e desenvolvendo-os, sendo os mesmos vendidos em Portugal e em todo o mundo, e cujos conteúdos serão utilizados em plataformas informáticas, quer por via de atualizações, estamos perante uma causa de pedir complexa, que servindo de suporte ao pedido formulado, é integrada por todos os factos que de cuja verificação depende o reconhecimento da pretensão do A.
Nesta ótica, na indicação de todos os factos possivelmente geradores da obrigação de indemnizar os danos invocados, mostra-se realizada uma imputação à R., em termos de produção e divulgação dos jogos, bem como conteúdos em suporte informático, passando também pela comercialização, pelo menos ab initio, traduzidos no uso da imagem e nome do A. não autorizado por este, em todo o mundo e em Portugal.
Em conformidade, aqui como se decidiu no acórdão que se vem seguindo, “ainda que se considerasse que o processo causal foi iniciado nos Estados Unidos, como possível sede da R., tal processo teve uma evolução apontada, não sendo a atuação da R, invocada pelo A. reduzida apenas a uma primeira fase de produção, antes e na versão por este último trazida aos autos, se difundindo em termos globais, e de que resultaram os danos que o A. alega ter sofrido.
Tais danos, decorrentes da apontada violação de direitos de personalidade, não se confundem com as condutas lesivas, correspondendo sim ao aproveitamento económico da personalidade do Autor e assim a lesão verifica-se no local onde o bem da personalidade é explorado economicamente, na vertente patrimonial, relativamente aos quais o Autor não só apontou a plurilocalização, referindo Portugal e o resto do Mundo, como indicou critérios de cálculo, enquanto também descreveu os danos não patrimoniais que o terão afetado, face à utilização não autorizada da sua imagem e nome.
Os danos invocados, e que se terão prolongado no tempo, localizar-se-ão em diferentes Estados, mas também em Portugal, onde o A. exerce a sua profissão de jogador.
Perante este quadro (…) quanto ao critério da causalidade, alínea b) do artigo 62º, configura-se face ao delineado que existem elos suficientemente fortes entre os factos da causa e os tribunais portugueses, tendo em conta a alegada concretização da violação do direito ao nome e imagem do A. em Portugal, assim como a verificação, pelo menos em parte, dos danos patrimoniais e não patrimoniais, no desenvolvimento da sua atividade, não só maioritariamente, mas também, nos últimos anos, o que não se mostra muito arredado do seu centro de interesses, mas ao qual não é, em tais termos, atribuída relevância determinante.
Deste modo, não se descortinam razões para não tomar em consideração o disposto da alínea b) do art.º 62, e tendo em conta o critério da causalidade, não considerar os tribunais portugueses internacionalmente para conhecer da causa.
Refira-se, em nota, que a conclusão a que se chegou não se afigura como o reconhecimento de uma competência exorbitante, face à conexão suficientemente forte encontrada, sem recurso, sublinha-se, a quaisquer presunções, mas tão só ao concretamente vertido nos autos, não se divisando, acrescente-se, que seja de alguma forma impossibilitada a defesa pela R., dos seus legítimos interesses.
IV
A R. suscitou o conhecimento expresso deste Tribunal da questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 351.º, do CC, art.º 5.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 do CPC, 674.º, n.º 1 e 3 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todos da Lei n.º 28/82.
Também aqui se reproduz o que a tal respeito foi decidido no aresto do Supremo Tribunal por nós convocado à fundamentação do recurso:
“Considera a Requerente que a interpretação e aplicação operada quanto aos artigos 62.º do CPC, 9.º e 351.º do CC e 38.º, n.º 1 da LOSJ padece de inconstitucionalidade, no sentido de ser possível trazer ao processo, em última instância, factos presumidos, não alegados na petição inicial e fora da causa de pedir, bem como a adoção de um “critério normativo de centro de interesses” para decidir sobre a matéria de competência internacional, por contrário ao princípio do estado de direito democrático, o princípio do processo equitativo, o princípio da separação de poderes e o princípio do dever de obediência à lei.
Ora assentando o decidido no vertido na petição inicial, sem recurso a quaisquer presunções, por um lado, e tendo-se concluído pela existência de um elo de conexão suficientemente forte entre o objeto da causa e a ordem jurídica portuguesa que justifica a atribuição de competência em razão da nacionalidade aos tribunais nacionais para conhecer do presente litígio nos termos da alínea b) do artigo 62.°, numa ação de responsabilidade civil extracontratual de violação de direitos de personalidade apontada como verificada em Portugal, mas também com dimensão mundial, por outro, sem que haja recurso a critérios que não os legais, conforme se apontou em sede própria, não se vislumbra que se configure o indicado vício de interpretação em sentido desconforme com a Constituição, nem quaisquer outras interpretações inconstitucionais que importe conhecer”.
DELIBERAÇÃO:
PROVIDO O RECURSO. REVOGA-SE O SANEADOR SENTENÇA APELADO, JULGA-SE INTERNACIONALMENTE COMPETENTE O TRIBUNAL À QUO PARA O MÉRITO DA CAUSA POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 62º ALÍNEA B) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DETERMINA-SE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS.

Custas pelos Recorridos.

Porto, 4 de maio de 2023
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela