Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1321/20.1T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
REGRAS SOBRE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
CAUSALIDADE ADEQUADA
Nº do Documento: RP202304171321/20.1T8OAZ.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PRINCIPAL PARCIALMENTE PROCEDENTE; RECURSO SUBORDINADO IMPROCEDENTE. ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o regime para impugnação da decisão sobre matéria de facto (cfr. art.º 662º, nº 1 do Código de Processo Civil), não basta à procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas produzidas permitam ou consintam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas concretas imponham a modificação da decisão de facto, isto é, que façam prova por si, de que os factos se passaram de forma diversa daquela que perfilhou o tribunal a quo.
II - A falta de observância das regras sobre segurança e saúde no trabalho não resulta automaticamente a responsabilidade agravada (art.º 18º da LAT), impondo-se que esteja em causa uma inobservância de regras tais e/ou de tal modo que determinam que ocorra o acidente; segundo a formulação negativa (mais ampla) da teoria da causalidade adequada, o facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se se mostrar indiferente para a verificação do efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 1321/20.1T8OAZ.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Depois de frustrada a tentativa de conciliação [cfr. Auto de 15/02/2021], AA (1ª Autora) apresentou petição inicial para impulso da fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (conforme art.º 117º, nº 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho), contra “Companhia de Seguros A..., S.A.” (1ª Ré ou Ré seguradora) e “B..., Lda.” (2ª Ré ou Ré empregadora), pedindo se declarasse como de trabalho o acidente que vitimou mortalmente BB, condenando-se a 1ª Ré a pagar-lhe pensão anual e vitalícia, € 20,00 de despesas com transportes, o subsídio por morte (a repartir entre si e a filha do sinistrado) e juros de mora; e condenando-se a 2ª Ré a pagar pensão anual e juros de mora; caso se prove que houve responsabilidade agravada (por violação das normas de segurança pela 2ª Ré) as prestações serão fixadas de acordo com o estipulado no art.º 18º, nos 3 e 4, als. a) e c) da LAT[1].
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que viveu com BB como se marido e mulher fossem, desde agosto de 2017 até à sua morte, que ocorreu na sequência de acidente de trabalho pelo mesmo sofrido em 09/04/2020; a empregadora transferiu para a seguradora a responsabilidade por acidentes de trabalho por salário inferior (em € 273,46 anuais) ao efetivamente recebido pelo Sinistrado.

Também CC (2ª Autora) apresentou petição inicial para impulso da fase contenciosa contra a “Companhia de Seguros A..., S.A.” e a sociedade “B..., Lda.”, pedindo se declarasse como de trabalho o acidente que vitimou mortalmente BB, condenando-se a 1ª Ré a pagar-lhe pensão anual, € 20,00 de despesas com transportes, o subsídio por morte (metade) e juros de mora; e condenando-se a 2ª Ré a pagar pensão anual e juros de mora; condenando ambas as Rés a pagar, solidariamente, as seguintes quantias: € 5.000,00 a título de danos sofridos pela vítima; € 100.000,00 como compensação pela perda do direito à vida do sinistrado; € 31.186,50 (€ 22.186,50 + € 15.000,00) a título de danos patrimoniais próprios da Autora; € 200.000,00 a título de danos não patrimoniais próprios da Autora, tudo acrescido de juros de mora.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, ter nascido em .../.../2012, sendo filha de BB, que sofreu acidente de trabalho, na sequência do qual faleceu.

Citadas as Rés, cada uma apresentou contestação a cada uma das petições iniciais, alegando, em resumo:
− a 1ª Ré que o acidente consistiu em o sinistrado ser esmagado entre duas máquinas, quando o trabalhador DD, ao sair do Cilindro que acabara de estacionar, tocou em manípulo que fez a máquina andar para trás, resultando o acidente exclusivamente do facto da empregadora ter permitido que o trabalhador DD conduzisse o Cilindro sem que para tanto tivesse habilitação legal e profissional nem tivesse formação específica, concluindo dever a ação ser julgada de acordo com a prova a produzir;
− a 2ª Ré, por um lado a ilegitimidade da 1ª Autora, e por outro lado que o acidente se ficou a dever a negligência grosseira por parte do sinistrado, e ainda verificar-se erro na forma de processo relativamente a pedidos formulados pela 2ª Autora; concluiu em ambos os casos dever a ação deve improceder quanto a si.

Cada uma das Autoras apresentou resposta às contestações, e cada uma das Rés apresentou resposta à contestação da co Ré.

Citado o Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º, nº 2 do Decreto-lei nº 59/89, de 22 de fevereiro, nada foi alegado.

Foi proferido despacho saneador, sendo decidido não haver erro na forma de processo e sendo julgada improcedente a exceção da ilegitimidade, afirmando-se a regularidade e validade da instância, consignando-se os factos assentes e enunciando-se temas de prova.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença decidindo declarar que o sinistrado BB faleceu na sequência de acidente de trabalho e, por via disso, condenar:
A) a Ré “B..., Lda.”, a pagar à Autora AA as seguintes prestações:
− uma pensão anual, vitalícia e atualizável no montante de € 6.565,66, devida a partir de 10 de abril de 2020, atualizada para € 6.631,32 a partir de 01 de janeiro de 2022, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas até integral pagamento, que passa a acumular a pensão fixada à segunda Autora caso esta venha a cessar por aquela deixar de ser beneficiária sem que tenha cessado o direito à pensão da primeira Autora;
− a quantia de € 2.896,14, a título de subsídio por morte, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 10 de abril de 2020 até integral pagamento;
− a quantia de € 20,00, a título de despesas de transporte, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento.
B) a Ré “Companhia de Seguros A..., S.A.”, solidariamente com a Ré empregadora, ficando com direito de regresso sobre esta caso proceda ao pagamento, no pagamento à Autora AA das prestações acima referidas até aos seguintes limites:
− uma pensão anual e vitalícia no montante de € 3.200,79, devida a partir de 10 de abril de 2020 e atualizada para € 3.232,80 a partir de 01 de janeiro de 2022 até integral pagamento, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as pensões já vencidas até integral pagamento;
− a quantia de € 2.896,14, a título de subsídio por morte, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 10 de abril de 2020 até integral pagamento;
− a quantia de € 20,00, a título de despesas de transporte, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento.
C) a Ré “B..., Lda.”, a pagar à Autora CC as seguintes prestações:
− uma pensão anual temporária e atualizável no montante de € 4.377,10, até perfazer os 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, nos últimos dois casos, respetivamente, o ensino secundário e o ensino superior ou cursos aos mesmos equiparados ou, sem limite de idade, quando afetado de doença física ou mental que o incapacite sensivelmente para o trabalho, a partir de 10 de abril de 2020 e atualizada para € 4.420,87 a partir de 01 de janeiro de 2022, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações mensais já vencidas até integral pagamento, que passa a acumular a pensão fixada à primeira autora caso esta venha a cessar por aquela deixar de ser beneficiária sem que tenha cessado o direito à pensão da segunda Autora;
− a quantia de € 2.896,14, a título de subsídio por morte, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 10 de abril de 2020 até integral pagamento;
− a quantia de € 20,00, a título de despesas de transporte, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento.
D) a Ré “Companhia de Seguros A..., S.A.”, solidariamente com a Ré empregadora, ficando com direito de regresso sobre esta caso proceda ao pagamento, no pagamento à Autora CC das prestações acima referidas até aos seguintes limites:
− uma pensão anual temporária e atualizável no montante de € 2.133,86, até perfazer os 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, nos últimos dois casos, respetivamente, o ensino secundário e o ensino superior ou cursos aos mesmos equiparados ou, sem limite de idade, quando afetado de doença física ou mental que o incapacite sensivelmente para o trabalho, a partir de 10 de abril de 2020 e atualizada para € 2.155,20 a partir de 01 de janeiro de 2022, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações mensais já vencidas até integral pagamento;
− a quantia de € 2.896,14, a título de subsídio por morte, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 10 de abril de 2020 até integral pagamento;
− a quantia de € 20,00, a título de despesas de transporte, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento.
E) a Ré “B..., Lda.”, a pagar à Autora CC, a quantia de € 110.000,00 a título de danos não patrimoniais [correspondente à sua parte no dano de perda de vida do sinistrado e aos seus próprios danos], acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado desta sentença até integral pagamento.
F) Sendo no mais, julgada improcedente a ação, com absolvição das Rés dos demais pedidos.
Foi fixado o valor da ação em € 97.271,24 [quanto à 1ª Autora] e em € 30.824,67 [quanto à 2ª Autora].

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a 2ª Ré/Empregadora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
A) DO ERRO DE JULGAMENTO POR ERRÓNEA APLICAÇÃO DO DIREITO EM FUNÇÃO DA DECISÃO DE NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
1. A sentença recorrida padece de nulidade, prevista no artigo 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, em face da verificação de erro de julgamento quanto à aplicação do Direito, uma vez que, ao invés do decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, a correta apreciação dos factos e subsunção ao Direito impunham a prolação de decisão que descaracterizasse o acidente em causa nestes autos, por efeito da aplicação do disposto no artigo 14º, nº 1, al. a) e b) da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, o qual prescreve o seguinte:
1- O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
2. Com efeito, a factualidade provada evidencia manifestamente que o acidente ocorreu por ato do sinistrado, que importa a violação, sem causas justificativas, das regras de segurança e normal execução de trabalhos, pautando-se esse comportamento também por negligência grosseira;
3. Da apreciação dos factos constantes dos pontos 3, 4, 29, 33, 37 a 42, 44, 49, 50, 55 e 56 da matéria de facto considerada provada, conclui-se que foi próprio Trabalhador sinistrado quem solicitou ao trabalhador DD que encostasse o cilindro compactador à traseira da miniescavadora que já se encontrava no local, tendo ido colocar-se entre ambas as máquinas e de costas para o cilindro, a uma distância não superior a 2 metros deste equipamento, a fim de retirar uma peça (pirilampo) da miniescavadora, não tendo constatado, nesse seguimento e após conjugação de outras circunstâncias fortuitas, o recuo do cilindro na sua direção, o qual veio a colhê-lo, determinando-lhe a morte.
4. O posicionamento do sinistrado no alinhamento de ambas máquinas, a uma curta distância das mesmas e sem confirmação de que as duas estavam efetivamente paradas e devidamente imobilizadas constitui atuação pautada de negligência grosseira e totalmente ao arrepio das leis do ofício e das regras da experiência e senso comum, revelando igualmente total desconsideração dos deveres de cuidado, atenção e vigilância, constituindo, ainda, uma violação de regras de segurança ínsitas no Plano de Segurança e Saúde elaborado pela Ré Entidade Patronal e implementado em obra e cujo conteúdo era do conhecimento do Trabalhador sinistrado.
5. De facto, o Plano de Segurança e Saúde previa as regras de segurança a adotar quanto à circulação de trabalhadores na obra, de forma a evitar acidentes com máquinas ou equipamentos em funcionamento, mais se tendo demonstrado que o trabalhador BB tinha conhecimento das regras impostas pelo plano de segurança e saúde em vigor, sabendo que não deveria deslocar-se a pé nas zonas em que operassem equipamentos de trabalho automotores, exceto se a deslocação fosse necessária para a execução e trabalhos e se se verificassem as condições e as medidas necessárias de prevenção da ocorrência de qualquer acidente.
6. No caso dos autos, não existia qualquer razão válida ou facto justificativo para que o sinistrado assumisse o comportamento verificado (retirar o pirilampo de uma máquina, colocando-se na linha de direção do cilindro compactador) no enquadramento do circunstancialismo subjacente, visto que, não se tratavam de trabalhos previstos ou englobados na obra ou que lhe tivessem sido ordenados naquele momento, não se revelando, dessa forma, trabalhos úteis ou necessários.
7. Acresce que, o comportamento temerário do Trabalhador sinistrado, e, por conseguinte, a conduta marcada por negligência grosseira é demonstrada também em função do facto patente do n.º 41 da factualidade provada e do qual resulta que, à altura da ocorrência do acidente, o sinistrado apresentava uma taxa de 10 ng/ml de THC-COOH [substâncias derivadas de canabinóides (ng/ml = nanogramas por mililitro)].
8. Constitui informação de domínio e conhecimento público que estudos recentes indicam que uma concentração de cerca de 3,7 ng/ml de THC no sangue provoca uma diminuição da capacidade de condução a um nível equivalente a uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 0,05 % (0,5 mg/ml) (Berghaus et al., 2010), sendo produto de um desses estudos (“Canábis e condução, perguntas e respostas para a elaboração de políticas” do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência”, maio de 2018) que “Na Austrália e em muitos países da União Europeia, a concentração de THC usada para definir uma infração relacionada com a condução sob efeito de canábis foi estabelecida entre 1 e 2 ng/ml de THC no sangue (ng/ml) (ver quadro 1). Em alguns países europeus, as sanções aumentam a par do aumento das concentrações de THC no sangue (por exemplo, nos Países Baixos e na Noruega) (ver Hughes, 2017; Ramaekers, 2017; Vindenes, 2017). Em alguns estados dos Estados Unidos em que o consumo recreativo de canábis é legal, definiu-se uma concentração de 5 ng/ml como elemento de prova da diminuição das capacidades (Compton, 2017a)”.
9. Ora, apresentando apresentava uma taxa de substâncias derivadas de canabinóides de 10 ng/ml (o dobro de taxa a partir da qual se considera, em alguns países, prova de diminuição e capacidades, crê-se lógico e seguro concluir, ao contrário da conclusão extraída pelo Tribunal a quo, que, no momento do sinistro, sinistrado estava afetado na atenção, concentração e perceção do perigo, o que o terá levado a não deslocar-se do alinhamento do cilindro compactador e miniescavadora e a não se aperceber do recuo do cilindro na sua direção, devendo tal facto passar a constar da matéria factual provada, com eliminação do facto n.º 1 da matéria de facto considerada não provada pelo Tribunal de Primeira Instância.
10. Sendo que, no âmbito de uma atividade como é a da construção, a qual, pela sua natureza, não está isenta de riscos, exige-se ao trabalhador a sua total concentração, atenção e cuidado no exercício das suas funções, sendo inadmissível o consumo de qualquer substância que, de alguma forma, possa condicionar negativamente o seu estado e performance, sob risco de produção de danos para si próprio ou para terceiros.
11. A factualidade provada permite concluir que o infeliz acidente é imputável apenas ao Trabalhador sinistrado, verificando-se assim o preenchimento dos pressupostos do artigo 14.º n.º 1 al. a) e b) do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho (ou LAT) que descaracterizam o acidente e, consequentemente, desresponsabilizam a entidade empregadora, não havendo lugar à reparação do acidente nos termos previstos pelo diploma.
12. Isto posto, ao não ter decidido nos termos supra expendidos, o venerável Tribunal recorrido cometeu erro de julgamento quanto à matéria de facto e aplicação do Direito, impondo-se a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que dando por verificados os pressupostos do artigo 14º do sobredito diploma, em função da violação de regras de segurança estabelecidas e negligência grosseira do Trabalhador sinistrado, determine a descaracterização do acidente, concluindo assim que não há lugar à reparação, julgando, consequentemente, improcedentes todos os pedidos formulados nas ações pela Autoras e, por conseguinte, absolvendo a Ré/Recorrente dos mesmos, com todas as consequências legais.
B) DO ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA E QUANTO À APLICAÇÃO DO DIREITO; DA NÃO VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA PELA ENTIDADE EMPREGADORA
13. A sentença recorrida padece de nulidade em face da verificação de erro de julgamento quanto à matéria de facto e na aplicação do Direito, mormente no que concerne à decisão relativa à verificação dos pressupostos da responsabilização da Ré Entidade Patronal, nos termos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009 de 04 de setembro, sendo que, o não cometimento desses erros implicavam necessariamente a prolação de decisão contrária à proferida.
14. A reapreciação excertos supra transcritos dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG, HH, II, DD, JJ e KK justifica à alteração dos factos provados constantes dos pontos 31 e 32, no sentido de se considerar demonstrado que o acidente teve lugar no local de execução da obra Recorrente, já após o fim do normal período diário de trabalho e que, na altura da ocorrência, o funcionário DD não tripulava/manobrava o cilindro compactador com o conhecimento nem com a autorização da Ré Empregadora “B...”, nem por ordem dela, não tendo o equipamento operada naquele momento no seu interesse ou sob a sua direção efetiva.
15. Efetivamente, dos depoimentos identificados, nos segmentos transcritos em alegações, entende a Recorrentes que resultam provados os seguintes factos:
a. À data do acidente, era o funcionário LL e outros (que se encontravam noutras frentes da obra) que estavam incumbidos de utilizar/manobrar equipamentos ou máquinas que exigissem especial habitação ou certificação para esse efeito (incluindo, nomeadamente, o cilindro compactador);
b. Os funcionários DD e BB estavam incumbidos de exercer em obra apenas as funções/tarefas e normais e inerentes às suas respetivas categorias profissionais, nomeadamente, acompanhando a abertura de vala, a fim de realizarem trabalhos de limpeza das bermas, “porque vai sempre muita terra, é um andar sempre dentro da vala com uma inchada na mão e o BB andava em cima a puxar o tubo para a frente porque o tubo era grosso, às vezes era de setenta e cinco, outras vezes era de noventa e outras vezes era de cento e dez. É um tubo em polietileno que de verão é molezinho e de inverno é muito duro. É preciso fazer força, é preciso encaixá-lo na vala, é preciso endireitá-lo e depois o camião vira a areia e é preciso espalhar a areia e é preciso meter a fita, a seguir vem o (impercetível) e é preciso virar o (impercetível)”.
c. A Ré Entidade Empregadora organiza a sua atividade e implementa planos, ordens e instruções para que as máquinas e equipamentos industriais especiais sejam utilizados/manobrados apenas por funcionários com a exigível habilitação/certificação para o efeito;
d. No âmbito da obra onde ocorreu o fatídico acidente dos autos, foi criado e implementado plano de segurança e saúde pela entidade empregadora, o qual previa que máquinas e equipamentos deveria ser utilizados apenas por funcionários habilitados;
e. Todos os trabalhadores (incluindo DD), tinham conhecimento do teor do plano e respetivas regras de segurança impostas;
f. O Trabalhador DD não tinha por funções manobrar equipamentos (mormente o cilindro compactador) nem foi instruído ou ordenado nesse sentido, por chefe, superior hierárquico ou por encarregado com capacidade de chefia;
g. O funcionário DD era conhecedor do Plano de Segurança e Saúde e das regras impostas pelo mesmo; recebeu formação e acolhimento em obra, entre outras formações anteriores relativas a segurança em obra, tendo sido repreendido por superiores e por eles advertido, em momento anterior ao do acidente dos autos, de que não deveria manobrar equipamentos;
h. O Trabalhador DD sabia que não podia e que não estava incumbido nem autorizado pela Entidade Patronal para utilizar ou manobrar equipamentos (e, especificadamente, o cilindro compactador);
i. Em face da extensão da obra, era impossível ao encarregado estar presente em todas as frentes de obra, sendo impossível à Ré Entidade Patronal impedir um funcionário de manobrar um determinado equipamento, se, nesse momento, não se encontrasse presente supervisor, chefe, superior hierárquico ou um qualquer elemento associado à fiscalização de obra;
j. Aquando da ocorrência do acidente, já havia findado o normal período diário de trabalho (isto é, já passava das 17h30), tendo o funcionário DD referido que seriam cerca das 17h40;
k. À altura do acidente e nos breves momentos que o antecederam, os equipamentos da obra (nomeadamente o cilindro compactador) já se encontravam imobilizados e não deveriam mais operar, até porque os semáforos de obra haviam já sido retirados, significando – de acordo com a prova testemunhal produzida – o encerramento dos trabalhos e que não mais operariam equipamentos;
l. No local da ocorrência do acidente, encontravam-se apenas o funcionário DD e o Trabalhador sinistrado, BB, não estando, portanto, presentes superiores hierárquicos, chefes ou encarregados ou pessoas capazes de dar instruções a cada um desses trabalhadores, sendo que, em função da categoria profissional, nenhum desses funcionários (DD e BB) exercia qualquer poder laboral/funcional sobre o outro;
m. O Trabalhador DD utilizou/manobrou o cilindro compactador, a pedido e por insistência do Trabalhador BB, já após fim do período normal de trabalho; quando os equipamentos já se encontravam imobilizados e os semáforo removidos,
n. Com o intuito de colocar o equipamento de forma diferente àquela em que se encontrava,
o. Sem que isso tivesse sido ordenado ou instruído por superior e sem que estivesse compreendido no âmbito das suas funções normais ou usuais ou compreendido como um normal trabalho da empreitada em causa,
p. Extraindo-se da prova produzida – conforme supra exposto – que o terá feito (o Trabalhador DD), por insistência do Trabalhador sinistrado e, presumivelmente, por se sentir capaz de manobrar o equipamento, visto que, no âmbito de outro emprego, chegou a fazê-lo, sabendo como operar a máquina,
q. Contudo, resulta manifestamente da prova que, no momento, local e hora do acidente, o Trabalhador DD não manobrou o cilindro compactado por ordem ou instrução da Ré entidade Patronal ou sob a sua direção ou supervisão efetiva e fê-lo sem o conhecimento e autorização, expressa ou tácita desta.
16. A correta apreciação e valoração da prova respeitante aos depoimentos em causa, impõe a alteração da narração do facto provado identificado em sentença com o n.º 31, mostrando-se coerente com a prova produzida a seguinte redação:
31. O acidente ocorreu em obra e já após conclusão do normal período de trabalho, antes da deslocação dos trabalhadores para o estaleiro da ré empregadora, no seguimento de manobra com um equipamento, realizada pelo trabalhador DD;
17. E impunha resposta diferente do Tribunal a quo quanto ao facto constante do ponto 32 da factualidade provada, na medida em que a análise criteriosa da prova acarreta necessariamente que se dê tal facto por não provado, mormente por se mostrar produto natural da prova produzida (e aqui reapreciada) que, na altura do acidente, o DD não tripulava/manobrava o cilindro compactador com conhecimento, com autorização, à ordem, por conta, no interesse e sob a direção efetiva da sociedade comercial “B..., Lda.”.
18. Ainda em função da prova cuja reapreciação se requer, crê a recorrente que o aresto colocado em causa mostra-se também inquinado por erro de julgamento quanto à matéria de facto considerada não provada, uma vez que, devidamente sopesada e valorada a prova produzida nos autos e o seu respetivo poder de convencimento, impunha-se que o Tribunal recorrido tivesse julgado como provados os factos patentes dos pontos 2. e 3. da matéria de facto não provada, entendendo a recorrente que este seria o produto lógico e coerente do exercício que implica a análise e valoração da prova e a formulação de convicção e subsequente prolação de decisão final.
19. Em razão do acervo factual provado, conjugado necessariamente com os factos que, no entender da recorrente mereciam resposta em sentido contrário àquele oferecido pelo Tribunal a quo, crê-se forçoso concluir que o acidente dos autos não foi consequência nem assentou em qualquer violação ou falta de observação, pela recorrente (entidade empregadora), de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, não se verificando da sua parte qualquer ação ou omissão culposa que permitisse a imputação de responsabilidade subjetiva pelo sinistro e consequente condenação no pagamento aos legais beneficiários (Autoras) prestações agravadas e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais com fundamento em responsabilidade civil geral.
20. A factualidade dos autos permite concluir que no domínio da prossecução da sua atividade e, mais especificamente, no âmbito da obra em que sucedeu o triste acidente, a Ré Empregadora timbrou a sua ação pela estrita observação das legis artis do seu ofício, cuidando sempre de agir de forma ativa e preventiva, no intuito de prover pela execução do resultado contratado sem que se verificasse a ocorrência de quaisquer danos/prejuízos;
21. Nestes termos e perante tudo quanto supra se expôs, conclui a Recorrente que não se verificou, na obra em apreço e no âmbito do acidente destes autos, qualquer violação de regras da sua atividade ou qualquer inconformidade que lhe seja imputável, pelo que, inexiste qualquer facto/circunstância que permita que lhe seja imputada qualquer ação ou omissão culposa, a título de dolo ou negligência.
22. Perante tal conclusão, forçoso será concluir que, não se concluindo pela descaracterização do acidente, este evento sempre constituirá um infortúnio sofrido pelo trabalhador – que se encontrava no local de trabalho e durante período legalmente considerado como tempo de trabalho, ou seja sob a autoridade da entidade patronal – que, infelizmente, produziu a sua morte, decorrendo esse infortúnio do risco genérico da atividade profissional desenvolvida e que implica para a entidade patronal uma responsabilidade objetiva (por esse risco) por efeito do conceito amplo de autoridade patronal do qual se extrai que o empregador deve suportar a responsabilidade pelo danos decorrentes para um trabalhador em função do risco da atividade, pelo facto de beneficiar do trabalho do trabalhador sinistrado ou da mera disponibilidade dele.
23. Tratando-se de um caso com enquadramento no âmbito de responsabilidade objetiva, a responsabilidade e reparação pelo acidente deve obrigatoriamente ser tratada por aplicação do regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais constantes da Lei 98/2009, de 04/09 (LAT), tal como decorre do disposto no art.º 2º que estipula que os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação decorrente de acidente de trabalho prevista na Lei 98/2009, sendo que, por imposição do mesmo diploma, a responsabilidade por essa reparação deve ser transferida para Seguradora, através da celebração de contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho.
24. Conforme decorre da factualidade provada, à data do acidente, a Ré Entidade Patronal havia transferido a sua responsabilidade por acidente de trabalho para a Ré Seguradora “Companhia de Seguros A..., S.A.”.
25. Considerando-se o acidente dos autos enquadrável no âmbito da responsabilidade objetiva pelo risco (no caso de não procedência do pedido de descaracterização) e verificando-se estar a responsabilidade pela respetiva reparação transferida para a Ré Seguradora, através de contrato de seguro válido e em vigor, não podia o Tribunal recorrido condenar a Ré Entidade Patronal nos termos em que o fez, sendo que, ao invés, o correto julgamento da matéria de facto e consequente aplicação coerente do Direito impunha que o Tribunal houvesse condenado a Ré Seguradora no pedido deduzido pelas Autoras e, por se verificar a existência de uma parte diminuta da retribuição do Trabalhador vitimado que não se encontrava transferida para a Seguradora, não podia a Ré Entidade ser condenada em mais do que o pagamento:
a) À Autora/beneficiária AA:
Uma pensão anual no montante de € 82,04, até perfazer idade de reforma por velhice e de € 109,38, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;
b) À Autora/beneficiária CC:
A quantia de € 54,69, até perfazer os 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário e o ensino superior ou cursos aos mesmos equiparados ou, sem limite de idade, quando afetado de doença física ou mental que o incapacite sensivelmente para o trabalho, pensão essa atualizável, devida a partir de 10/04/2020, correspondente a 20,00% da retribuição anual ilíquida de € 273,46.
C) DO ERRO DE JULGAMENTO POR ERRÓNEA APLICAÇÃO DO DIREITO EM VIRTUDE DO NÃO PREENCHIMENTO DO PRESSUPOSTO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA, CORRESPONDENTE AO NEXO DE CAUSALIDADE EM RELAÇÃO AO ACIDENTE
26. A responsabilização da entidade empregadora, nos termos determinados pelo Tribunal a quo, por aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei 98/2009 de 04 de setembro, exige, além da demonstração da violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho e culpa da entidade empregadora, a título de dolo ou negligência, a prova do nexo de causalidade em relação ao acidente.
27. In casu, o Tribunal recorrido dá por verificada a existência desse requisito do nexo de causalidade, em função da extração das seguintes conclusões:
a) Por um lado, o funcionário DD tripulou o equipamento (cilindro compactador) envolvido no acidente sem que tivesse habilitação/certificação para isso, daqui resultando a violação de regra de segurança por parte da Ré Entidade Patronal;
b) Por outro lado, entende o Tribunal a quo que se o referido funcionário DD tivesse certificação da habilitação para operar equipamentos daquela natureza, o acidente não teria sucedido.
28. Entende a Recorrente que os argumentos invocados pelo Tribunal são manifestamente insuficientes para permitir a formulação de convicção quanto à verificação concreta do nexo de causalidade porquanto sobre tal facto/circunstancialismo (a ocorrência do acidente em virtude da falta de habilitação para manobrar o equipamento) não foi produzida prova suficiente.
29. Com efeito, nenhuma testemunha depôs ou esclareceu em concreto sobre o equipamento (cilindro compactador) envolvido no acidente e, nomeadamente, quanto às instruções e regras relativas ao seu modo de utilização concreto em diferentes circunstâncias;
Não existem nos autos quaisquer documentos, tais como manual de instruções ou manual de procedimentos que comprovem ou estabeleçam os métodos ou regras de utilização e modo de operar o sobredito equipamento, nada tendo também resultado demonstrado de forma segura e cabal nessa aspeto, através da prova testemunhal produzida;
Não resultou demonstrado ou provado na ação a existência e a consequente adoção ou não observação de quaisquer procedimentos de segurança no âmbito da utilização do cilindro compactador pelo funcionário DD;
Não foi produzida qualquer prova e, por conseguinte, nada resulta da factualidade provada que evidencie, no momento do acidente e nos momentos que o antecederam e nas condições concretas em que o mesmo se verificou, a utilização errónea ou perigosa do cilindro compactador ou a prática de qualquer ato ou adoção de qualquer comportamento errado ou contrário às exigíveis regras de direção e utilização do cilindro compactador ou que não seja comum e vulgar em perante os usos e costumes de utilização prática desse equipamento,
30. Nada resultando da prova, também, que demonstre que no condicionalismo inerente à utilização do cilindro compactador por DD, tenha sido aumentado o risco de ocorrência de acidente;
31. Acresce que, do depoimento prestado pelo Técnico de averiguação de acidentes, MM, resulta que o cilindro compactador em causa nos autos está equipado com um sistema de segurança que determina que a capacidade locomoção está necessariamente dependente da presença de manobrador no respetivo assento do equipamento (funcionando por sensor), o que significa que, o acionamento de alavanca de movimento do veículo pelo funcionário DD no momento em que sai desse equipamento, passando para o chão, não seria causa adequada à movimentação autónoma do mesmo, assim ressaltando a dúvida quanto à concreta verificação da causa da deslocação do equipamento, a qual, no fundo, está inerente ao risco e capacidade automotora de um complexo equipamento mecânico, como é o cilindro compactador.
32. Acresce que, não obstante a prova produzida no sentido que o funcionário DD não dispunha de certificação/habilitação legal para manobrar o cilindro compactador, não resultou provado, sob qualquer forma, que não o soubesse fazer corretamente ou que nunca tenha recebido ensinamentos (formação) para esse efeito. Aliás, da prova testemunhal resultou demonstrado precisamente o inverso, na medida em que, o próprio DD confirmou que tinha capacidade e conhecimentos necessários para manobrar/tripular o referido equipamento, o que fez no âmbito de outro emprego, mais referindo não ser difícil/complexo fazê-lo.
33. Nos termos do exposto, a matéria de facto dada por provada é insuficiente para se concluir pela verificação de nexo de causalidade entre o acidente e a falta de habilitação/certificação do funcionário DD para manobrar o cilindro compactador.
34. Face às regras do ónus da prova, cabia às AA. a prova não apenas da existência de violação de regras de segurança no trabalho mas também o nexo de causalidade entre essa violação e a eclosão do acidente. Contudo, confrontando o quadro legal inerente à responsabilidade subjetiva da empregadora com os factos que resultaram provados em sede de julgamento, não se vê que esteja demonstrado minimamente o pressuposto do nexo de causalidade entre a violação de norma de segurança e o acidente, inexistindo assim fundamento para responsabilizar subjetivamente a ré empregadora, nos termos decididos pelo Tribunal recorrido.
35. O não preenchimento do pressuposto do nexo de causalidade significa também que o acidente dos autos é enquadrável no âmbito da responsabilidade objetiva pelo risco e, assim sendo e estando essa responsabilidade transferida, por contrato de seguro válido e em vigor, para a Ré Seguradora, não podia o Tribunal recorrido condenar a Ré Entidade Patronal nos termos em que o fez, sendo que, ao invés, o correto julgamento da matéria de facto e consequente aplicação coerente do Direito impunha que o Tribunal houvesse condenado a Ré Seguradora no pedido deduzido pelas Autoras e, por se verificar a existência de uma parte diminuta da retribuição do Trabalhador vitimado que não se encontrava transferida para a Seguradora, não podia a Ré Entidade ser condenada em mais do que o pagamento,
a) À Autora/beneficiária AA:
Uma pensão anual no montante de € 82,04, até perfazer idade de reforma por velhice e de € 109,38, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;
b)À Autora/beneficiária CC:
A quantia de € 54,69, até perfazer os 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário e o ensino superior ou cursos aos mesmos equiparados ou, sem limite de idade, quando afetado de doença física ou mental que o incapacite sensivelmente para o trabalho, pensão essa atualizável, devida a partir de 10/04/2020, correspondente a 20,00% da retribuição anual ilíquida de € 273,46.
36. Ao não ter decidido desta forma, o Tribunal de Primeira Instância cometeu erro de julgamento quanto à aplicação do Direito, justificando-se a revogação da decisão recorrida, em face da verificação da falta de fundamentação de facto, e a sua substituição por outra que, enquadrando o acidente de trabalho no âmbito da responsabilidade objetiva pelo risco, condene nos termos supra expendidos, responsabilizando, em primeira linha a Ré Companhia de Seguros, por força da transferência da responsabilidade por via da celebração de contrato de seguro destinado a cobrir obrigação de reparação de acidentes de trabalho.
D) DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À FIXAÇÃO DO QUANTUM DA INDEMNIZAÇÕES ATRIBUÍDAS A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS
37. O quantum das indemnizações atribuídas pelo Tribunal a quo à Autora CC, pelo “dano morte” de BB e danos morais da demandante, revela-se desadequado e desproporcionado em função do caso concreto e respetivo circunstancialismo, não se mostrando em consonância com os padrões de cálculo adotados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento de casos análogos.
38. Em face da factualidade provada quanto à dinâmica do acidente (no âmbito da execução de funções profissionais na construção; em decorrência de um acidente envolvendo um colega de trabalho, com circunstâncias fortuitas e imprevistas) e considerando a idade do Trabalhador sinistrado, crê-se adequada – de acordo com os critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser aplicados – a fixação da indemnização a título de “dano morte” entre os montantes de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e € 60.000,00 (sessenta mil euros), pelo que, existindo duas legais beneficiárias do Trabalhador BB (cabendo a cada uma metade do valor indemnizatório), caberia à Autora CC uma indemnização compreendida entre € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e € 30.000,00 (trinta mil euros), pelo que, a indemnização atribuída por sentença, de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) mostra-se desproporcional e desajustada ao caso concreto, justificando-se a sua redução.
39. No que concerne à indemnização de € 60.000,00 (sessenta mil euros) determinada pelo Tribunal recorrido, a título de danos morais da Autora, importa dizer que, num caso de morte de pessoa no âmbito de acidente e viação, o Supremo Tribunal de Justiça atribuiu ao filho do falecido, de 8 anos de idade e que com ele vivia juntamente com Mãe, a indemnização, por danos morais decorrentes da perda desse ente querido, fixada na quantia pecuniária de € 20.000,00 (vinte mil euros).
40. Posto isto, considerando os elementos factuais dos autos e, designadamente, que a Autora CC tinha 7 (sete) anos de idade à altura do acidente, não residia com o Pai, visto que, este não tinha um projeto de vida familiar comum com a Mãe da Autora e tendo ainda em consideração que, conforme refere o próprio Tribunal recorrido, a Portaria n.º 377/2008 de 26 de maio, veio fixar valores que embora se dirijam a outra finalidade, não podem deixar de ser ponderados no âmbito da fixação desta indemnização mais referindo que “Na situação considera este normativo um valor até € 15.390,00 [foi considerado o valor atualizado – Portaria n.º 679/2009]”,
41. Entende a Recorrente que a indemnização atribuída por sentença quanto a estes danos não patrimoniais, de € 60.000,00 (sessenta mil euros), não é adequada aos princípios de equidade e razoabilidade que devem pautar a aplicação da justiça, não se encontrando em sintonia com outras indemnizações que os Tribunais têm aplicado em casos semelhantes, designadamente o Supremo Tribunal de Justiça, justificando-se assim, em último caso, a sua redução a quantia não superior a € 20.000,00 (vinte mil euros).
42. Pelo que, sem prejuízo de tudo quanto supra alegou e das conclusões acima expostas, sempre se impõe a alteração do quantum indemnizatório do “dano morte” (do falecido Trabalhador) para montante não superior a € 30.000,00 (trinta mil euros) e dos danos morais para montante não superior a € 20.000,00 (vinte mil euros), pelo que, por imposição do regime indemnizatório decorrente da norma do art.º 496º do Código Civil, a factualidade e circunstâncias do caso concreto sempre impunham que a indemnização por danos patrimoniais atribuída à Autora CC não fosse superior ao montante global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), assim melhor se salvaguardando os princípios de equidade e justiça.
Termina dizendo dever proceder o recurso, e consequentemente ser revogada a decisão do tribunal primeira instância, sendo substituída por decisão que absolva a Ré entidade patronal – em função da descaracterização do acidente – ou que, em alternativa, condene as Rés nos termos decorrentes do enquadramento do acidente no âmbito da responsabilidade objetiva pelo risco ou que, em último caso, reduza o quantum da indemnização global de danos não patrimoniais.

A Autora CC apresentou resposta, e apresentou recurso subordinado, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que igualmente se transcrevem:
1. O Acórdão recorrido não enferma de qualquer nulidade.
2. A Recorrente adere à posição propugnada pelo Meritíssimo Sr. Juiz de Direito.
3. Porém, a decisão posta em crise pelo presente recurso deve ser parcialmente alterada em relação à fixação do quantum das indemnizações atribuídas a título de dano morte, danos patrimoniais e danos não patrimoniais à aqui Recorrida.
4. A aqui Recorrida deve ser compensada pelo dano morte do sinistrado e por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais.
5. O Sinistrado era jovem de cerca de 30 anos, saudável, feliz, alegre, comunicativo, com grande apego ao seu núcleo familiar.
6. As circunstâncias da sua morte, não resultando de culpa sua, deverá este Venerando Tribunal determinar uma compensação lançando mão da equidade, uma vez que se trata da morte do progenitor da Recorrida, afigurando-se justa, a título de dano morte, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), o que se requer a este Venerando Tribunal.
7. A Recorrida crescerá sem desenvolver a essência, o sentimento de saber o que é ter um pai, sem um pai que ajude a decidir o que é melhor para si.
8. No casamento, é o pai que leva a filha ao altar, pelo que com a morte do sinistrado a mesma sofrerá no futuro, sendo um “desconhecido” a levar a mesma ao altar.
9. Deve este Venerando Tribunal compensar a Recorrida em quantia nunca inferior a € 200.000,00 (duzentos mil euros).
10. Em 07 de novembro de 2017, por Ata de conferência homologada por sentença, no âmbito do processo nº 1994/17.2T8AVR, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Aveiro – Juiz 2, ficou acordado que o pai contribuiria com a quantia de € 75,00 (setenta e cinco euros) mensais a título de alimentos devidos à Recorrida, sendo esta quantia automaticamente atualizada em € 2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos), em cada ano.
11. Com a morte do sinistrado a Recorrida deixou de auferir as pensões de alimentos que eram pagas pelo seu pai, devendo as pensões supra referidas serem compensadas à Recorrida a título de danos patrimoniais.
12. As pensões de alimentos, com as devidas atualizações, cifram até ao ano 2037, no valor global de € 22.186,50, devendo este Venerando Tribunal compensar a Recorrida.
13. Na mesma Ata, o Sinistrado ficou obrigado a suportar metade das despesas de saúde e escolares curriculares não comparticipadas da menor.
14. Segundo um prudente juízo de equidade, até a Recorrida atingir 22 ou 25 anos, deverá este Venerando Tribunal ponderar na compensação à Recorrida em quantia nunca inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros).
15. Todos os pedidos formulados pela Recorrente na ação, bem como os fundamentos da presente apelação, devem, pois, ser julgados improcedentes,
16. Devendo este Venerando Tribunal manter e confirmar a decisão recorrida, alterando parcialmente a decisão quanto à fixação do quantum das indemnizações atribuídas a título de dano morte, danos patrimoniais e danos não patrimoniais à aqui Recorrida, conforme o requerido.
Termina dizendo que o recurso principal deve ser julgado improcedente, mantendo-se parcialmente a sentença recorrida, e proceder o recurso subordinado.

Também a Autora AA apresentou resposta ao recurso interposto pela 2ª Ré, sem formular conclusões, mas concluindo dever o recurso ser julgado improcedente.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apresentado pela Ré empregadora e o recurso subordinado apresentado pela Autora CC, ambos imediatamente, nos próprios autos, sendo o primeiro com efeito suspensivo (porque foi julgada idónea a caução que foi prestada) e o segundo com efeito meramente devolutivo.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser confirmada a sentença recorrida, negando-se provimento aos recursos, referindo, essencialmente, o seguinte:
2. Impugnação da matéria de facto – 640º CPC.
Impugna a Recorrente a matéria de facto, sem que, salvo melhor opinião, cumpra cabalmente o disposto no art.º 640º do CPC, indicando nas conclusões, que delimitam o objeto do recurso, os factos mal julgados, os meios de prova que determinam julgamento diferente bem como o sentido em que deveriam ter sido julgados.
Nestes casos, Impugnando a matéria de facto recai sobre a recorrente, como se lê no Acórdão do STJ de 01/10/2015, in www.dgsi.pt, um triplo ónus de, (i) circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento, (ii) fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa, (iii) enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, a sua ratio, e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)” (sublinhado nosso).
O cumprimento dos ónus, estabelecidos no art.º 640º do CPC, exige que o recorrente concretize nas conclusões a indicação, com precisão, de quais os pontos da matéria de facto provada e não provada que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
Não o fazendo, tal configura a omissão de requisitos legais que, sem que seja admissível convite ao seu aperfeiçoamento, levam à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. … - Ac. da RP, proc. 972/19.1T8AGD.P1, ref. 15872705.
O que, cremos se verifica neste caso.
3. Impugnação da matéria de facto.
3.1. Além disso, Na apreciação da prova testemunhal vigora, como é sabido, o princípio da livre apreciação da prova – art.º 607º, 5 do CPC e art.º 396º do C.C. –, segundo o qual, como ensina Manuel de Andrade[3] “o que torna provado um facto é a intima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiencia da vida e conhecimento dos homens.”
Pretende-se alcançar a verdade material e não formal, evitando quaisquer regras formais estabelecidas para a apreciação da prova testemunhal.
Porém, como se decidiu no Ac. da RP de 29/09/2021[4], o resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objetivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objetivo da produção e julgamento da prova.
Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
Essa certeza subjetiva, com alto grau de probabilidade, há de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
A livre apreciação da prova, porém, de acordo com o Ac. da RP de 02/09/2022[5], não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
Se a Recorrente entende que o tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova ou atendeu indevidamente a outros que não mereciam credibilidade, errando assim na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprindo evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiencia ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influencia relevante naquele processo de valoração da prova.”
Neste caso, cremos que a Recorrente pretende também apenas dizer que a prova testemunhal indicada, as declarações que as testemunhas ouvidas prestaram deveriam conduzir a outro resultado, o inverso do que foi decidido.
Mas apenas porque é essa a sua apreciação e convicção, e não indicando erros de apreciação, ou violação de regras da experiência.
O julgamento da matéria de facto neste caso, não merece censura, pelo que deverá confirmar-se a decisão neste particular.
4. A) DO ERRO DE JULGAMENTO POR ERRÓNEA APLICAÇÃO DO DIREITO EM FUNÇÃO DA DECISÃO DE NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
Alega a Recorrente, que existiu culpa grave e indesculpável do recorrido na ocorrência do acidente o que o descaracteriza, atento o disposto no art.º 14º, 1, b) da LAT.
Sob a epígrafe, “Descaracterização do acidente”, o artigo 14º da Lei 98/2009, de 04 de setembro – LAT – dispõe que:
“1- O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
… … …
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
… … …
3- Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”.
Este artigo prevê, assim, algumas situações em que o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente. O acidente, embora qualificável como de trabalho, não dá lugar à sua reparação, nos termos desta Lei[6].
Invoca a recorrente a violação do disposto no artigo 14º, nº 1, al. b) da LAT.
O disposto nas als. a) e b) do número 1, deste artigo art.º 14º, da LAT, prevê três hipóteses distintas:
- (i) - a primeira na al. a), primeira parte, ou seja, o acidente que “for dolosamente provocado pelo sinistrado”;
- (ii) - a segunda na al. a), parte final, ou seja, o acidente que provier de ato ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; e,
- (ii) - a terceira na al. b), ou seja, o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
Na terceira, a hipótese prevista na al. b) do n.º 1 deste art.º 14º – acidente que provem exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado – exige, como previsto no n.º 2, … “o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiencia profissional ou dos usos da profissão”.
Neste caso, de negligência grosseira do sinistrado, que a recorrente aponta como causa do acidente dos autos, exige-se:
- (i) um comportamento, do sinistrado, temerário em alto e relevante grau, (e não uma qualquer atuação negligente), e,
- (ii) que não se trate de um ato ou omissão resultante:
- a) - da habitualidade ao perigo do trabalho executado[7],
- b) - da confiança na experiência profissional[8], ou,
- c) - dos usos da profissão.
Por outro lado exige-se, ainda, que a negligência grosseira do sinistrado seja causa única do acidente, pois havendo concurso de causas, já a responsabilidade não pode ser afastada[9].
E, também, que a negligência grosseira seja exclusiva do sinistrado, por forma que havendo concurso de culpas (com colegas de trabalho ou o próprio empregador), a responsabilidade não é afastada, havendo, antes, lugar à reparação[10].
O que tudo deverá ser apreciado, não em termos gerais e abstratos, mas sim em concreto e casuisticamente[11].
A descaracterização do acidente de trabalho constitui facto impeditivo do direito invocado pelo sinistrado, incumbindo à ora recorrente que a alega o ónus da prova correspondente – art.º 342º, do Cód. Civil.
*
Com mais relevância para o caso dos autos, provaram-se os seguintes factos:
27. O funcionário da 1.ª Ré, DD, conduzia o cilindro compactador na referida Rua e pretendia imobiliza-lo, de traseira (movimento de marcha atrás) para junto da máquina “Miniescavadora” (Marca Bobcat) que já se encontrava estacionada.
29. Ao sair da máquina “cilindro” o DD, ainda com a máquina a trabalhar, terá tocado no manípulo e esta terá começado a andar para trás, batendo na porta do Bobcat que, por sua vez, esmagou a cabeça do BB que naquele momento se encontrava a desligar o pirilampo na traseira do "Bobcat", e de costas para o cilindro compactador, atento o movimento deste.
30. Após o embate, o BB encontrava-se no chão, entre a traseira de uma máquina “Bobcat” e a traseira de uma máquina “cilindro” separadas pela distância de 1,90m, que se encontravam na berma da via pública vedada por separadores de plástico “New Jersey”.
31. O acidente ocorreu na via pública e no final do período de trabalho, antes da deslocação dos trabalhadores para o estaleiro da ré empregadora, quando os trabalhadores se encontravam a parquear os veículos para terminar o trabalho.
32. Na altura do acidente, o DD tripulava/manobrava o cilindro compactador com conhecimento, com autorização, à ordem, por conta, no interesse e sob a direção efetiva da sociedade comercial “B..., Lda.”.
33. O sinistrado tinha solicitado ao trabalhador DD que encostasse o cilindro compactador ao Bobcat que já se encontrava no local, estando de costas para o cilindro, a uma distância não superior a 2 metros deste equipamento, a fim de retirar uma peça (pirilampo) da miniescavadora.
34. Nesse seguimento, o sinistrado não se apercebeu do recuo do cilindro na sua direção.
E não se provou que “1. O sinistrado estava afetado na atenção, concentração e perceção do perigo, o que o levou a colocar-se no alinhamento do cilindro compactador e miniescavadora e a não se aperceber do recuo do cilindro na sua direção”.
Assim, nada de errado fez o sinistrado para lhe ser imputada a responsabilidade pelo acidente.
A causa próxima do acidente consta do facto provado sob o n.º 29 que Ao sair da máquina “cilindro” o DD, ainda com a máquina a trabalhar, terá tocado no manípulo e esta terá começado a andar para trás, batendo na porta do Bobcat que, por sua vez, esmagou a cabeça do BB que naquele momento se encontrava a desligar o pirilampo na traseira do “Bobcat”, e de costas para o cilindro compactador, atento o movimento deste.
Entende-se, assim, salvo sempre diferente e melhor opinião, que o acidente não se deveu a qualquer ato ou omissão do sinistrado.
Mas houvesse qualquer ato ou omissão deste, não era único na produção do acidente pois a causa principal como referido está na ação do manobrador do “cilindro”, que além de não estar habilitado a fazê-lo, desceu sem o deixar desligado e travado.
E, havendo concorrência de causas e de culpas, afastada fica a possibilidade de descaracterização do acidente.
5. B) DO ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA E QUANTO À APLICAÇÃO DO DIREITO; DA NÃO VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA PELA ENTIDADE EMPREGADORA
Entende a Recorrente que não violou regras de segurança que fossem causa do acidente.
Com interesse provou-se que:
27. O funcionário da 1.ª Ré, DD, conduzia o cilindro compactador na referida Rua e pretendia imobiliza-lo, de traseira (movimento de marcha atrás) para junto da máquina “Miniescavadora” (Marca Bobcat) que já se encontrava estacionada.
28. O DD não se encontrava habilitado a conduzir esse equipamento.
29. Ao sair da máquina “cilindro” o DD, ainda com a máquina a trabalhar, terá tocado no manípulo e esta terá começado a andar para trás, batendo na porta do Bobcat que, por sua vez, esmagou a cabeça do BB que naquele momento se encontrava a desligar o pirilampo na traseira do “Bobcat”, e de costas para o cilindro compactador, atento o movimento deste.
32. Na altura do acidente, o DD tripulava/manobrava o cilindro compactador com conhecimento, com autorização, à ordem, por conta, no interesse e sob a direção efetiva da sociedade comercial “B..., Lda.”.
52. No momento em que o acidente dos autos ocorreu encontravam-se no mesmo local da obra mais quatro trabalhadores, a saber:
- DD, que conduzia a máquina “cilindro” que atingiu o Sinistrado mortal;
- LL, trabalhador que se encontra mais próximo do local do acidente;
- HH, encarregado da obra;
- II, diretor técnico da empreitada.
53. No final da execução dos trabalhos em obra, que terminava às 17h30m, os referidos trabalhadores procediam ao estacionamento das máquinas na via pública, junto à berma direita da estrada, no sentido .../....
Como provado o sinistrado, “Na altura do acidente, o DD tripulava/manobrava o cilindro compactador com conhecimento, com autorização, à ordem, por conta, no interesse e sob a direção efetiva da sociedade comercial “B..., Lda.” – facto 32.
E estava no local, no momento do acidente, além de outros, HH, encarregado da obra e II, diretor técnico da empreitada.
Estando no local o encarregado da obra, (e diretor técnico), superior hierárquico dos trabalhadores, e representante da entidade empregadora, competia-lhe não autorizar ou impedir o trabalhador DD de manobrar o Cilindro, pois não estava habilitado a conduzir aquela máquina.
Assim, salvo melhor opinião, há responsabilidade da entidade empregadora.
6. C) DO ERRO DE JULGAMENTO POR ERRÓNEA APLICAÇÃO DO DIREITO EM VIRTUDE DO NÃO PREENCHIMENTO DO PRESSUPOSTO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA, CORRESPONDENTE AO NEXO DE CAUSALIDADE EM RELAÇÃO AO ACIDENTE
Dá-se, aqui, por reproduzido o que foi dito no número anterior.
Permitindo a entidade empregadora que um trabalhador não habilitado manobrasse o “Cilindro”, estava a violar uma regra de segurança e, por isso, podia verificar-se um acidente como aconteceu neste caso.
7. D) DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À FIXAÇÃO DO QUANTUM DA INDEMNIZAÇÕES ATRIBUÍDAS A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Entende a Recorrente que são exageradas as indemnizações encontradas neste caso.
Entende a Recorrida CC que ficaram aquém do que deviam.
Da leitura da sentença, entende-se que, que esta não merece censura, neste particular, atentas as razões de facto e de direito que determinaram esta decisão.
Assim, salvo melhor opinião, deveria ser confirmada.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos.
Houve redistribuição do processo na sequência de provimento do Ex.mº Sr. Presidente deste Tribunal da Relação, por motivo de baixa médica da Ex.mª Colega a quem fora distribuído o processo.
Colhidos os vistos necessários, o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[12], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[13] é saber se:
Do recurso da Ré empregadora:
● a sentença recorrida é nula nos termos do art.º 615º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil?
● houve erro de julgamento sobre a matéria de facto?
● a ocorrência do acidente é imputável ao Sinistrado nos termos do art.º 14º, nº 1, als. a) e b), da LAT?
● não se verifica a responsabilidade agravada da Ré empregadora nos termos do art.º 18º da LAT?
● as indemnizações atribuídas a título de dano morte e danos não patrimoniais devem ser em montante inferior ao fixado?
Do recurso (subordinado) da Autora CC
● as indemnizações atribuídas à beneficiária CC a título de dano morte, danos patrimoniais e danos não patrimoniais devem ser em montante superior ao fixado?
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Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.
Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem:
1. No dia 09 de abril de 2020, quinta-feira, pelas 17h33m, ocorreu um acidente na Rua ..., na freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, que vitimou mortalmente o trabalhador BB que, ao tempo se encontrava ao serviço da empresa aqui Ré “B..., Lda.”, ao abrigo de uma relação laboral que ambos mantinham.
2. No local do acidente, além do falecido BB, no local onde ocorreu o sinistro, encontravam-se mais quatro trabalhadores da aqui Ré “B..., Lda.”.
3. No local encontravam-se os seguintes equipamentos de trabalho: “Cilindro compactador”, “Miniescavadora” e “Mini Giratória de rastos”, todos de propriedade da “B..., Lda.”.
4. Os equipamentos encontravam-se dispostos na berma direita da estrada, atento o sentido ... >> ..., pela seguinte ordem: “Cilindro Compactador”, “Miniescavadora” e “Mini Giratória de rastos”.
5. O BB, na altura do sinistro, era empregado da sociedade “B..., Lda.”, desempenhando a profissão de categoria profissional de servente, por conta da referida sociedade comercial “B..., Lda.”, dentro do seu horário de trabalho, em consequência de prévio contrato de trabalho celebrado entre ele – BB – e a referida sociedade comercial “B..., Lda.”, através do qual o referido BB se obrigou a colocar à disposição da sociedade comercial “B..., Lda.” a sua força de trabalho e a sociedade comercial “B..., Lda.” se obrigou, como contrapartida dessa força de trabalho, a pagar ao referido BB as quantias correspondentes ao seu ordenado, entre eles, previamente, ajustado.
6. Em consequência do acidente, o BB sofreu lesões, mormente cranianas e toraco-abdominais que lhe provocaram a morte, tendo esta sido declarada pelas 18h00 horas, no local do acidente pela médica de serviço na VMER de Santa Maria da Feira.
7. A Autora AA, à data do sinistro, vivia ininterruptamente com o BB desde 01 de agosto de 2017 até 19 de janeiro de 2018, na Rua ..., ..., e a partir dessa data viviam na Rua ..., ... e até à data do falecimento do falecimento do BB, ocorrida em 09 de abril de 2020.
8. A partir do mês de agosto de 2017, foi a Autora que passou, de forma ininterrupta, a preparar e a servir as refeições à vitima BB.
9. A tratar-lhe da roupa e a proceder à limpeza, asseio e arrumação da casa em que viviam.
10. A Autora [AA], desde o mês de agosto de 2017, passou de forma ininterrupta e continuamente, a dormir na mesma cama com a vítima mortal BB e com este a manter, com regularidade, relações de sexo, relacionando-se afetivamente.
11. O BB contribuía para o sustento da Autora [AA], sempre e especialmente no que fosse necessário.
12. A Autora [AA] cuidava do falecido quando este se encontrava doente, e vice-versa;
13. Auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia e tendo o mesmo círculo de amigos;
14. Sustentavam-se com os rendimentos de ambos.
15. Autora [AA] e o BB passeavam juntos e gozavam férias em conjunto.
16. Eram reconhecidos e tratados por todas as pessoas com quem se relacionavam como marido e mulher.
17. O referido BB faleceu no dia 09 de abril de 2020, no estado de solteiro.
18. À data do falecimento, o BB trabalhava para Ré “B..., Lda.”, auferindo a quantia mensal de 650,00 euros x 14, a que acresce o subsídio de alimentação de 129,80 euros x 11, e, ainda, a quantia de 34,58 euros x 12.
20[14]. A aqui Ré B..., na altura do sinistro aqui em causa, tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a aqui Ré “Companhia de Seguros A..., S.A.” nos termos constantes da apólice n.º …, na modalidade de prémio variável, salário anual transferido para a Ré de € 10.669,30.
21. Realizada a tentativa de conciliação, pela representante da seguradora foi dito que a sua representada:
(i) aceita a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e a morte do sinistrado, bem assim como a categoria profissional e a retribuição deste.
(ii) Aceita a transferência da responsabilidade infortunistica, nos termos da aludida apólice de seguro, em função da retribuição anual ilíquida de apenas € 10.669,30 (€ 650,00 x 14 meses + € 104,94 x 11 meses € 34,58 x 12).
(iii) Aceita, por conseguinte, pagar à aqui Autora, companheira do Sinistrado, uma pensão anual é vitalícia no montante de € 3.200,79, até perfazer idade de reforma por velhice e de € 4.267,72, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que a afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, pensão anual essa atualizável, devida a partir de 10/04/2020, correspondente, respetivamente, a 30,00% e a 40,00% da retribuição anual ilíquida de € 10.669,30.
(iv) Aceita pagar à mesma a quantia de € 20,00, respeitantes a despesas de transporte.
(v) Aceita, por fim, pagar à aqui Autora e à filha CC, em partes iguais, a quantia de € 5.792,28, referente a subsídio por morte, correspondente a 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data da morte, bem assim como os juros de mora respeitantes a todas as sobreditas prestações, nos termos reclamados.
(vi) Aceita pagar as despesas de funeral do sinistrado a quem comprove o seu pagamento e nos limites legais.
Mais ficou consignado que a Ré Seguradora, apesar de ser a entidade responsável, entende que o acidente resulta da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, existindo assim atuação culposa da entidade empregadora, de acordo com o art.º 18, n.º 1 da Lei 98/2009 de 04 de setembro e que a seguradora não prescinde do direito de regresso junto da mesma, nos termos do art.º 79.º nº 3 do mencionado diploma.
Por sua vez, a Ré entidade empregadora foi dito que a sua representada:
(i) aceita a existência do acidente, (embora com uma dinâmica diferente da descrita pelas beneficiárias), do qual resultou a morte do trabalhador BB;
(ii) Não aceita a sua caracterização como de trabalho, na medida em que entende que tal acidente é resultado de negligência grosseira do trabalhador vitimado.
(iii) Aceita ainda o nexo de causalidade entre o mesmo e a morte do sinistrado, bem assim como a categoria profissional e a retribuição deste.
(iv) Aceita a transferência da responsabilidade infortunística, nos termos da aludida apólice de seguro, em função da retribuição anual ilíquida de apenas € 10.669,30 (€ 650,00 x 14 meses + € 104,94 x 11 meses e ainda 34,58 x 12), responsabilizando-se apenas pela quantia de € 273,46 (€ 24,86 x 11 meses).
(v) Aceitará, caso se verifique a sua responsabilidade, pagar à companheira do Sinistrado uma pensão anual e vitalícia no montante de € 82,04, até perfazer idade de reforma por velhice e de € 109,38, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, pensão essa atualizável, devida a partir de 10-04-2020, correspondente, respetivamente, a 30,00% e a 40,00% da retribuição anual ilíquida de € 273,46.
(vi) Aceitará, caso venha a ser responsabilizada, de igual modo, pagar à filha CC uma pensão anual temporária no montante de € 54,69, até perfazer os 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário e o ensino superior ou cursos dos mesmos equiparados ou, sem limite de idade, quando afetado de doença física ou mental que o incapacite sensivelmente para o trabalho, pensão essa atualizável, devida a partir de 10/04/2020, correspondente a 20,00% da retribuição anual ilíquida de € 273,46.
(vii) Entende, que no acidente ocorrido não houve violação de regras de segurança e saúde no trabalho, pelo que deve ser a seguradora a entidade responsável pelo sinistro.
22. A Autora CC é filha do sinistrado e nasceu no dia .../.../2012.
23. Em 07 de novembro de 2017, por Ata de conferência homologada por sentença, ficou acordado que o pai contribuiria com a quantia de € 75,00 mensais a título de alimentos devidos à Autora, sendo esta quantia automaticamente atualizada em € 2,50.
24. Com a morte do sinistrado a Autora deixou de auferir as pensões de alimentos que eram pagas pelo seu pai.
25. Ainda, por acordo homologado por sentença, o sinistrado ficou obrigado a suportar metade das despesas de saúde e escolares curriculares não comparticipadas da menor.
26. Entre a Ré B... e a Ré A... foi celebrado contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ..., com vista à cobertura da responsabilidade civil geral decorrente do exercício da sua atividade, em vigor no dia 09 de abril de 2020, sujeito às condições gerais e particulares que constam a folhas 263 verso a 277.
27. O funcionário da 2ª Ré[15], DD, conduzia o cilindro compactador na referida Rua e pretendia imobilizá-lo, de traseira (movimento de marcha atrás) para junto da máquina “Miniescavadora” (Marca Bobcat) que já se encontrava estacionada.
28. O DD não se encontrava habilitado a conduzir esse equipamento.
29. Ao sair da máquina “cilindro” o DD, ainda com a máquina a trabalhar, terá tocado no manípulo e esta terá começado a andar para trás, batendo na porta do Bobcat que, por sua vez, esmagou a cabeça do BB que naquele momento se encontrava a desligar o pirilampo na traseira do “Bobcat”, e de costas para o cilindro compactador, atento o movimento deste.
30. Após o embate, o BB encontrava-se no chão, entre a traseira de uma máquina “Bobcat” e a traseira de uma máquina “cilindro” separadas pela distância de 1,90m, que se encontravam na berma da via pública vedada por separadores de plástico “New Jersey”.
31. O acidente ocorreu na via pública e no final do período de trabalho, antes da deslocação dos trabalhadores para o estaleiro da Ré empregadora, quando os trabalhadores se encontravam a parquear os veículos para terminar o trabalho.
32. Na altura do acidente, o DD tripulava/manobrava o cilindro compactador com conhecimento, com autorização, à ordem, por conta, no interesse e sob a direção efetiva da sociedade comercial “B..., Lda.”.
33. O Sinistrado tinha solicitado ao trabalhador DD que encostasse o cilindro compactador ao Bobcat que já se encontrava no local, estando de costas para o cilindro, a uma distância não superior a 2 metros deste equipamento, a fim de retirar uma peça (pirilampo) da miniescavadora.
34. Nesse seguimento, o Sinistrado não se apercebeu do recuo do cilindro na sua direção.
35. O local do acidente circunscreve-se à área onde a Ré “B...” levava a cabo a execução de obra pública denominada “Rede de Abastecimento de Água a partir do ... e Prolongamento da Rede do ... (..., ..., parte de ... e ...), cujo dono é o Município ....
36. Na obra em causa, exercia funções de coordenador de segurança o Eng.º NN, ao serviço da empresa “C..., Lda.”.
37. Existia em obra um Plano de Segurança e Saúde válido que previa as regras de segurança a adotar quanto à circulação de trabalhadores na obra, de forma a evitar acidentes com máquinas ou equipamentos em funcionamento.
38. O Sinistrado tinha conhecimento das regras impostas pelo plano de segurança e saúde em vigor, sabendo que não deveria deslocar-se a pé nas zonas em que operassem equipamentos de trabalho automotores, exceto se a deslocação fosse necessária para a execução e trabalhos e se se verificassem as condições e as medidas necessárias de prevenção da ocorrência de qualquer sinistro.
39. O Sinistrado frequentou a formação de “Registo formação e informação (acolhimento) no dia 08 de janeiro de 2018; “registo de ação e formação específica PTRE” a 08 de janeiro de 2018 e “registo de ação de formação Covid19, no dia 03 de abril de 2020”.
40. Além das específicas ações de formação ministradas ao Sinistrado, este recebeu formação da própria entidade patronal, relativa à sua atividade, diligências a tomar e regras e deveres a cumprir, tendo sido contemplado com formação na área da higiene e segurança no trabalho.
41. O sinistrado apresentava uma taxa de 10 ng/ml de THC-COOH [substâncias derivadas de canabinóides (ng/ml = nanogramas por mililitro)].
42. Os canabinoides são substâncias responsáveis por alterações cognitivas e psicomotoras que podem afetar a capacidade motora, de coordenação, de perceção e capacidade de concentração.
43. O acidente ocorreu por força do movimento do cilindro, num momento em que não era tripulado, em função do acionamento acidental de alavanca/manípulo.
44. A Ré B... organiza atividades de segurança e saúde no trabalho.
45. Os serviços de segurança são assegurados por OO, técnico de Segurança e Higiene do Trabalho com o CAP ....
46. No âmbito da obra em que ocorreu o sinistro dos autos e aquando do seu início, o dono da obra comunicou devidamente abertura de estaleiro.
47. A obra foi acompanhada e fiscalizada pelo coordenador de segurança em obra.
48. Na obra exerciam também funções o encarregado de obra (HH) e direito técnico (II).
49. O Plano de Segurança e Saúde previa os riscos (e formas da sua mitigação) inerentes aos trabalhos de abertura de vala, colocação de tubagem e fecho de vala, esclarecendo os trabalhos nele identificados e a forma de execução dos mesmos com concretização dos aspetos associados à delimitação de zonas de circulação de trabalhadores, peões, máquinas e outras viaturas, bem como, à circulação e permanência de trabalhadores na área de intervenção de equipamentos.
50. Os trabalhadores da Ré B... tinham conhecimento das regras do plano de segurança e saúde.
51. Pelo menos o cilindro em causa utilizado pela Ré B... foi inspecionado e alvo de manutenção, tendo sido submetido a intervenções anuais para inspeção e manutenção, não tendo sido detetada qualquer não conformidade na inspeção efetuada anteriormente ao sinistro.
52. No momento em que o acidente dos autos ocorreu encontravam-se no mesmo local da obra mais quatro trabalhadores, a saber:
- DD, que conduzia a máquina “cilindro” que atingiu o Sinistrado mortal;
- LL, trabalhador que se encontra mais próximo do local do acidente;
- HH, encarregado da obra;
- II, diretor técnico da empreitada.
53. No final da execução dos trabalhos em obra, que terminava às 17h30m, os referidos trabalhadores procediam ao estacionamento das máquinas na via pública, junto à berma direita da estrada, no sentido .../....
54. Atento tal sentido de marcha, primeiro estava o cilindro compactador, de marca Ammann, tipo Cilindro Tander & Cilindro Combinado, com o ano de fabrico de 2005 e certificação CE, depois a mini escavadora e por último a mini giratória de rastos.
55. O Sinistrado solicitou ao colega DD para que este, que conduzia o cilindro compactador, o virasse e o encostasse à traseira da mini escavadora “bobcat” que já se encontrava estacionada.
56. Ao sair do cilindro, o DD terá tocado no manípulo e a máquina terá começado a andar para trás, batendo na porta do Bobcat que esmagou o corpo do sinistrado, sobretudo ao nível da cabeça, entre a parte de trás do cilindro e a traseira da mini escavadora, de marca “Bobcat”.
57. Apesar de ter tentado ainda travar o cilindro, tal não lhe foi possível a tempo de evitar o embate entre o cilindro, a porta traseira da mini escavadora “Bobcat” e o corpo do sinistrado.
58. De acordo com o Plano de Segurança e Saúde para a Obra, incumbia à Direção de Obra implementar e cumprir tal plano de forma a garantir que os equipamentos fossem manobrados apenas por pessoal qualificado, devidamente habilitado para o efeito.
59. Do Plano de Segurança e Saúde para a Obra resulta que o Diretor de Obra tem o papel de representação técnica do empreiteiro da obra, assumindo a responsabilidade pela qualidade da execução da mesma e pelas condições de segurança e saúde durante a realização da obra e que os operadores e manobradores possuirão habilitação adequada através de certificados que atestem a frequência da formação específica, mediante carteira profissional ou através de declaração emitida pela entidade patronal que assegure experiência profissional idónea.
60. Na data do acidente, estava aberto na Autoridade para as Condições do Trabalho um pedido de intervenção para que a Ré empregadora exibisse a identificação dos condutores/manobradores dos equipamentos utilizados na obra e para exibir os documentos comprovativos de que os trabalhadores tinham habilitação legal para o desenvolvimento de tais tarefas.
61. Este pedido foi feito por escrito no dia 31 de março e, nesse mesmo dia, a Ré empregadora foi alertada por telefone para que não fosse permitida a condução de equipamentos de trabalho por trabalhadores sem habilitação para tal.
62. O trabalhador DD, que conduzia o cilindro compactador, era servente e não se encontrava habilitado para manobrar o cilindro compactador, nem qualquer outra máquina.
63. Do Plano de Segurança e Saúde da obra não consta a tarefa de parqueamento de viaturas na via pública.
64. O Sinistrado suportava despesas com vestuário instrução, educação e saúde da Autora CC.
65. O sinistrado apercebeu-se que o embate lhe seria fatal e sofreu com o impacto da máquina.
66. O Sinistrado era saudável, feliz, alegre, comunicativo, com grande apego ao seu núcleo familiar.
67. A Autora CC sente tristeza pelo falecimento do pai.
68. A Autora CC mantinha laços recíprocos de amor e carinho com o Sinistrado.
69. O Sinistrado era querido pela Autora CC, brincava muito com ela, comprava-lhe roupa, brinquedos, era um pai presente e carinhoso.
70. A Autora CC sente falta dos afetos do Sinistrado, sentindo que nunca mais vai poder estar com o seu pai.
71. A Autora ainda hoje chora e pergunta pelo Sinistrado, ao ponto de a sua mãe a ter levado a um psicólogo.
72. Em 2019, o trabalhador DD tinha sido considerado apto para o trabalho com condicionalismos traduzidos em não operar máquinas e não executar trabalhos em altura, por ter epilepsia.

E foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos, que igualmente se reproduzem:
1. O sinistrado estava afetado na atenção, concentração e perceção do perigo, o que o levou a colocar-se no alinhamento do cilindro compactador e miniescavadora e a não se aperceber do recuo do cilindro na sua direção.
2. O trabalhador DD não tinha por função profissional tripular ou manobrar o referido cilindro compactador.
3. Não o fez com conhecimento, autorização ou por ordem ou sob direção efetiva da Ré B..., que não o incumbiu de tais funções nem o instruiu nesse sentido.
4. A Ré empregadora não ministrou formação aos trabalhadores sobre os riscos da obra, em que se incluem o sinistrado e o DD, manobrador do cilindro compactador.
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Comecemos por apreciar o recurso da Ré empregadora.
Da nulidade da sentença:
Alega a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, em face da verificação de erro de julgamento quanto à aplicação do Direito, uma vez que, ao invés do decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, a correta apreciação dos factos e subsunção ao Direito impunham a prolação de decisão que descaracterizasse o acidente em causa nestes autos (conclusões 1ª e 13ª).
Todavia, apesar de a Recorrente falar em nulidade e na disposição legal que a prevê, decorre do alegado que aquilo que está em causa não é a nulidade da sentença, mas sim a discordância da Recorrente com o decidido em 1ª instância (veja-se a conclusão 12ª), como se passa a explicar.
De acordo com a alínea c) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, estando aqui em causa uma contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente[16].
Com efeito, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.
Com efeito, como se escreve no acórdão do STJ de 17/10/2017[17], as causas de nulidade da sentença visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, ou seja, são vícios intrínsecos da formação da sentença, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, sejam de facto ou de direito[18].
Ora, in casu o que se passa é que a Recorrente entende que o tribunal a quo errou na decisão sobre matéria de facto e fez incorreta apreciação dos factos e subsunção ao Direito, o que não se confunde com a nulidade da sentença.
Deste modo, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, concluímos que não se verifica a nulidade, havendo que apreciar do acerto do decidido.
**
Do erro de julgamento sobre matéria de facto:
Como se disse, alega a Recorrente que se verifica erro de julgamento quanto à matéria de facto.
O Sr. Procurador Geral-Adjunto referiu, no parecer emitido, que a Recorrente não satisfaz os requisitos legais para que possa ser conhecida a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Vamos começar, então, por enquadrar os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre matéria de facto, por um lado porque importa aferir se foram observados os ónus estabelecidos pelo legislador a cargo da parte recorrente, pois se o não foram há lugar à rejeição do recurso (nessa parte), e por outro lado para, caso não haja lugar a rejeição, se perceber os termos em que o tribunal ad quem aprecia essa impugnação.
Vejamos então.
No caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).
No entanto, ainda que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos estabelecidos pelo legislador, o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo[19].
É que, embora não se trate de um novo julgamento, tendo presente o disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, vem-se entendendo que o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto (porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece)[20].
Daí referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se), ou seja, não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida.
Assim, a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção[21].
Em conformidade, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.
Com efeito, o art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, o seguinte:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (tem que haver indicação clara dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (tem que fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa); e
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quanto ao ónus referido na alínea b), manda o legislador (nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil) que se observe o seguinte:
a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Importa ainda ter presente que, como decorre do já exposto, a parte recorrente deverá também (a par da indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios) relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna.
Em conformidade, diz-se no acórdão desta Secção Social do TRP de 23/11/2020[22], que na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art.º 640º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada. Não é, pois, admissível a impugnação em bloco ou por temas, com indicação dos meios de prova por referência a esses blocos ou temas e não em relação a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna[23].
Ou seja, não obedece ao estipulado pelo legislador transcrever uma parte dos depoimentos e depois apenas dizer que com base no transcrito a decisão sobre certos pontos devia ser diferente, impondo-se que em relação a cada ponto (ou grupo de pontos que a parte recorrente mostre que têm apoio nos mesmos concretos meios de prova) seja feita a conexão com o meio de prova que suporta a decisão diferente da tomada pelo tribunal a quo.
É que, de outra maneira cairíamos precisamente na realização de um segundo julgamento (ainda que parcial), isto é, pedir simplesmente ao tribunal ad quem que faça uma reapreciação dos meios de prova que, como acima se viu, não é o consagrado pelo legislador.

Feitas estas considerações vejamos o caso concreto.
A Recorrente apresentou conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, referindo, quanto a concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – alínea a) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, os pontos 31) e 32) dos factos provados (conclusão 14ª) e os pontos 2) e 3) dos factos não provados (conclusão 18ª).
Relativamente à decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – alínea c) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil – a Recorrente refere que o ponto 31) dos factos provados deve ter outra redação (que indica), o ponto 32) dos fatos provados de ser considerado não provado, e os pontos 2) e 3) dos factos não provados devem passar a ser considerados provados.
Já como concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida – alínea b) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, a Recorrente indica os depoimentos das testemunhas EE, FF, LL, HH, II, DD, JJ e KK, dos quais indica passagens na gravação, transcrevendo esses excertos[24].
Todavia, a prática seguida pela Recorrente foi esta: na motivação foi indicando excertos dos referidos depoimentos, e no final da transcrição dos excertos de cada depoimento faz a sua apreciação desse depoimento (dizendo o que, em sua opinião, dele resulta), para depois dizer aquilo que em sua opinião resulta demonstrado de forma inequívoca (enunciando 17 parágrafos), para finalmente dizer que a redação do ponto 31) dos factos provados devia ser outra (que indica), o ponto 32) dos factos provados devia passar a não provado e os pontos 2) e 3) dos factos não provados deviam passar para os factos provados.
Ora, tal prática traduz precisamente a referida impugnação em bloco, que não cumpre os ónus estabelecidos pelo legislador.
E se é certo que o ponto 32) dos factos provados está relacionado com os pontos 2) e 3) dos factos não provados [estes são essencialmente o oposto daquele], o que permitiria a impugnação deles em conjunto, essa relação já não se verifica com o ponto 31) dos factos provados.
E se também é certo que estão em causa “apenas” 4 pontos de facto, face à vastidão dos excertos vem a revelar-se tarefa impossível para este tribunal ad quem a de fazer a conexão de cada excerto com os factos impugnados.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 06/07/2022[25], as implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art.º 640º do Código de Processo Civil, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente.
Ou seja, impunha-se que pela Recorrente fosse feita a conexão dos excertos dos depoimentos das testemunhas citados com, por um lado o ponto 31) dos factos provados, e por outro lado com o ponto 32) dos factos provados e pontos 2) e 3) dos factos não provados, de modo a que este tribunal ad quem pudesse saber que excertos em concreto poderiam impor a alteração da decisão sobre matéria de facto, e aferir se assim era.
De outro modo, ou seja tal como é apresentada a impugnação, acaba por ser pedido que este tribunal ad quem que avalie os depoimentos indicados, e depois se debruce sobre os pontos da matéria de facto indicados e faça novo julgamento, o que não corresponde ao estabelecido pelo legislador.
No entanto, ainda assim, refere-se que em relação ao ponto 31) dos factos provados era pretendido essencialmente a substituição da referência a que o acidente ocorreu na via pública pela referência a que ocorreu em obra, mas de outros factos provados, que não foram objeto de impugnação, já consta que a obra decorria na via pública [cfr. pontos 1) a 4) dos factos provados] bem como consta que as máquinas estavam a ser estacionadas junto à berma, na via pública [ponto 53) dos factos provados[26]], ou seja, a alteração pretendida pela Recorrente está em contradição com o consignado noutros pontos, não impugnados pela Recorrente.
E refere-se também que, lendo a “motivação fática” da sentença recorrida, se constata que a Recorrente faz uma apreciação dos depoimentos diversa do tribunal a quo, e entende que deveria ser acolhida a sua apreciação.
Porém, o julgador explicou de forma clara porque considerou provada a matéria, não sendo uma apreciação diferente por parte da Recorrente que por si só, como se disse supra, determina a alteração da decisão sobre matéria de facto, tendo que a prova impor a alteração.
Na verdade, se a reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal ad quem tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição –, como já se disse não se trata de um segundo julgamento, estando em causa a reponderação do decidido em 1ª instância, donde não bastar a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida, exigindo-se da parte recorrente a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente foram produzidos, sem limitar porém o tribunal ad quem na apreciação.
É que, como já se fez referência supra, a generalidade das provas produzidas em audiência de julgamento estão sujeitas à livre apreciação do tribunal (como é o caso dos depoimentos das testemunhas), dispondo o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme [o que não se confunde com uma apreciação arbitrária – consiste numa conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e circunstâncias que os envolvem][27] [28].
Pelo exposto, por não obedecer ao estabelecido pelo legislador, rejeita-se o recurso de impugnação da decisão sobre matéria de facto, pelo que os factos provados (e não provados) a considerar são aqueles que ficaram consignados em 1ª instância, que acima deixámos transcritos.
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Da descaracterização do acidente:
O tribunal a quo considerou não ser de descaracterizar o acidente de trabalho, defendendo a Recorrente que o acidente é imputável apenas ao trabalhador BB, porque foi ele a solicitar ao trabalhador DD para encostar o cilindro compactador à traseira da miniescavadora, colocando-se entre as duas máquinas e de costas para o cilindro compactador, além de que na altura apresentava uma taxa de 10 ng/ml de THC-COOH (substâncias derivadas de canabinóides).
Não é posto em causa que se verificou acidente de trabalho, mas é defendido pela Recorrente não haver lugar a reparação dos danos decorrentes do mesmo por ter sido a vítima (trabalhador) a dar causa ao acidente, ou seja, haver descaracterização do acidente.
Dispõe o nº 1 do art.º 14º da LAT, que tem a epígrafe «descaracterização do acidente», no que ora importa, que o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
É pacífico que o ónus da prova dos factos que importam a descaracterização do acidente incumbe à entidade responsável pela reparação [à entidade empregadora ou à seguradora, esta não por ter assumido a responsabilidade com acidentes do próprio sinistrado mas por ter a responsabilidade da entidade empregadora do sinistrado transferida para si] como facto impeditivo do direito à reparação – art.º 342º, nº 2 do Código Civil.
Decorre daqui que, caso não sejam demonstrados factos que concretizem suficientemente os pressupostos da descaracterização do acidente, estaremos perante acidente de trabalho indemnizável[29].
Vejamos então, se verifica a situação da al. a) do nº 1 do art.º 14º da LAT, acima transcrita, tendo presente o alegado pela Recorrente.
Resulta dos factos provados o seguinte: no final do período de trabalho os trabalhadores da Ré empregadora estavam a parquear os veículos/máquinas que utilizaram na execução do trabalho, e, nesse âmbito, o Sinistrado solicitou ao trabalhador DD, que tripulava/manobrava um cilindro compactador, para encostar tal cilindro compactador à miniescavadora (marca Bobcat) que já estava parqueada, ficando o Sinistrado a retirar o pirilampo da miniescavadora (sendo amovível, é de crer que para evitar o furto durante a noite), estando de costas para o cilindro compactador.
Pergunta-se se este comportamento do Sinistrado importa violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, e se o acidente resultou do mesmo.
Nos termos do nº 2 do art.º 14º da LAT, considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
Como está explicado no acórdão desta Secção Social do TRP de 14/07/2021[30], citando doutrina e jurisprudência, não é pacífico, verificando-se a situação de o trabalhador conhecer as condições de segurança vigentes na empresa ou estabelecidas na lei e as violar conscientemente, sofrendo por força disso acidente de trabalho, não é pacífico, repete-se, que seja de exigir a verificação de negligência grosseira ou se basta que essa violação careça de causa justificativa[31].
De todo o modo, em ambas as posições, o que acompanhamos, se entende que não será toda e qualquer violação de norma ou regra de segurança que imporá a “descaracterização” do acidente de trabalho, ou seja, mesmo que não se exija que se verifique negligência grosseira não será toda e qualquer atuação menos cuidada do trabalhador que conduz à descaracterização.
Para que a situação se enquadre na referida alínea a), e não haja lugar a reparação no caso de o acidente resultar de ato ou omissão da vítima impõe-se que, cumulativamente[32], as condições de segurança (que podem ser estabelecidas apenas pelo empregador) sejam violadas voluntariamente[33] e sem causa justificativa.
Assim, não sendo, como se disse, toda e qualquer violação de norma ou regra de segurança que imporá a “descaracterização” do acidente de trabalho, podemos dizer como no acórdão do STJ de 13/10/2021[34], que não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado, sendo necessário que essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador (não relevando os casos de culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração ou ao esquecimento) e que este tenha consciência da violação[35].
O art.º 17º, nº 1, al. c) da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro (regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho) impõe como obrigação ao trabalhador cumprir procedimentos de trabalho estabelecidos e utilizar máquinas de acordo de acordo com instruções estabelecidas pelo empregador.
O tribunal a quo, a este propósito, escreveu o seguinte:
… cabe referir que o plano de segurança prevê que se deve impedir a circulação de trabalhadores na área de intervenção dos equipamentos. Esta regra de segurança está prevista para a execução de tarefas específicas, mais precisamente abertura de vala, colocação da tubagem e fecho de vala [folhas 453]. Não existe qualquer especificação da tarefa de parqueamento dos equipamentos, que era a tarefa que estava a ser executada. Na realidade, como no momento do acidente, os trabalhadores estavam a parquear os equipamentos e não a executar qualquer daquelas tarefas, pode discutir-se se estava efetivamente prevista a regra de segurança em causa. No entanto, consideramos que estamos perante uma regra geral resultante do disposto no artigo 32.º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 50/2005, de 25 de fevereiro, não obstante esta regra vise situações de circulação de trabalhadores e preveja exceções, uma das quais é a necessidade de deslocação do trabalhador para a execução dos trabalhos. Considerando esta regra, a verdade é que do depoimento das testemunhas, o que nos parece que aconteceu foi que o sinistrado estava a retirar os pirilampos do equipamento, eventualmente iria retirar as baterias, para que estes equipamentos não fossem furtados durante a noite e tinha solicitado ao trabalhador DD que estacionasse o cilindro de traseira para o Bobcat, certamente para impedir o acesso a alguma parte do mesmo, este iniciou a manobra, mas saiu da viatura, o que significa que ainda não tinha condições para a completar, exatamente porque o sinistrado estava a completar aquela tarefa [por isso, certamente, é que não desligou a ignição, como devia, pois iria de seguida completar o parqueamento], tendo sido nesse momento que, inadvertidamente, acionou a marcha e atropelou o Sinistrado. Daqui resulta que o Sinistrado tinha que estar naquele local para executar a tarefa que estava a executar, não sendo previsível que a marcha do cilindro fosse acionada naquele preciso momento, o que só aconteceu inadvertidamente. Logo, a presença do Sinistrado naquele local e naquele momento era necessária para a execução de tarefas. Por isso, concluímos que o sinistrado não violou qualquer regra de segurança.
Ora, tem que se entender que quando o Sinistrado solicita, a quem o tripulava, para parquear o cilindro compactador encostando-o à miniescavadora (que à partida tinha sido o Sinistrado a parqueá-la) não tem que significar que fosse para não ficar sem espaço de circulação de pessoas entre as duas máquinas.
Ainda assim, ao contrário do referido na sentença recorrida, afigura-se-nos que o Sinistrado violou a regra de segurança a que se refere o nº 3 do art.º 32º do DL nº 50/2005, de 28 de fevereiro (diploma que regula as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho), pois impunha-se-lhe não se colocar entre as duas máquinas quando uma ia ser parqueada encostada à outra [sabendo o mesmo disso – cfr. pontos 37) e 38) dos factos provados].
Todavia, além de não se poder dizer que se esteja perante uma violação grave, na medida em que o Sinistrado contava/confiava com um parqueamento prudente por parte do trabalhador DD, com atenção à sua presença, houve um motivo para o Sinistrado se encontrar naquele local (retirar o pirilampo da miniescavadora), e resulta com evidência que o acidente não resultou da violação dessa regra de segurança, pois o acidente resultou do facto de o trabalhador DD ter tocado num manípulo, acidentalmente, ao sair do cilindro compactador [pontos 29), 43), 56) e 57) dos factos provados].
Sendo assim, concluímos não estar demonstrado que a conduta do Sinistrado importasse violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, e muito menos que o acidente resultasse dessa violação.
Aqui chegados, importa passar à previsão da al. b) do nº 1 do art.º 14º da LAT, ou seja, passar a aferir se existe descaracterização do acidente por ter resultado o mesmo de negligência grosseira do Sinistrado.
O nº 3 do art.º 14º da LAT, esclarece que se entende por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Não tem havido divergência, quer a nível da doutrina quer a nível da jurisprudência, sobre quais as situações que em termos abstratos configuram uma situação de negligência grosseira, tudo passando por saber se a situação em concreto em análise nestes autos aí se enquadra.
Mas primeiro explicitemos um pouco melhor, apelando à jurisprudência (alguma da que abunda abordando a questão), quando estamos perante situações de negligência grosseira.
Num comportamento negligente temos os seguintes elementos objetivos: (i) um dever objetivo de cuidado; (ii) que é violado por uma ação do sinistrado; (iii) de que advém o resultado (iv) que é imputado a essa violação.
Já para estarmos perante a descaracterização do acidente de trabalho, com base na negligência grosseira, ter-se-á que se se verificar, cumulativamente, um comportamento temerário de elevado grau e que esse comportamento seja causa adequada e exclusiva do sinistro[36], mas esse comportamento não pode consubstanciar um ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Como se escreveu no aresto do STJ de 19/10/2005[37], a figura da negligência grosseira … corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo. / Trata-se de uma negligência temerária, configurando uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares. / Essa negligência grosseira, …, deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta. / Assim, para que se verifique a apontada exclusão da responsabilidade emergente de acidente de trabalho é necessária a prova de que ocorreu um ato ou omissão temerários em alto e relevante grau por parte do sinistrado, injustificados pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos e costumes da profissão, e, além disso, que o acidente tenha resultado exclusivamente desse comportamento[38].
Assim, na aferição da medida do dever de cuidado exigido há que fazer apelo a um juízo ex ante, tendo em conta o exigível ao homem medianamente diligente do tipo social do sinistrado, mas colocado no seu circunstancialismo concreto e com os conhecimentos particulares do mesmo, de modo a apurar se a produção do evento era previsível, e só a omissão desse dever impediu a sua previsão ou a sua justa previsão[39].
Quando se possa dizer que o agente atuou como teria atuado esse homem medianamente conhecedor e diligente naquele circunstancialismo não há violação do dever objetivo de cuidado.
Ora, decorre daquilo que acima se expôs a propósito da alínea a) do nº 1 do art.º 14º da LAT, que a conduta do Sinistrado em se colocar entre as duas máquinas a retirar o pirilampo da miniescavadora, quando o cilindro compactador ia ser parqueado, não integra a negligência grosseira.
E também o facto de se encontrar a executar as tarefas tendo presentes substâncias derivadas de canabinóides [pontos 41) e 42) dos factos provados] não nos pode levar a concluir haver negligência grosseira, afigurando-se-nos cristalino que, no mínimo, nada nos factos provados permite dizer que esse comportamento [consumo dessas substâncias] seja causa adequada e exclusiva do sinistro, não estando claramente provado circunstancialismo que nos leve a dizer que o acidente decorreu exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
O acidente ocorreu, recorde-se, porque foi acionado acidentalmente o manípulo/alavanca, como consta do ponto 43) dos factos provados.
Em suma, não é de descaraterizar o acidente de trabalho por aplicação do art.º 14º do LAT, impondo-se ver se não houve atuação culposa da Ré empregadora conforme art.º 18º, nº 1 da LAT.
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Da responsabilidade agravada:
O tribunal a quo considerou estarmos perante situação de responsabilidade agravada prevista no art.º 18º, nº 1 da LAT, defendendo a Recorrente não se enquadrar a situação nessa disposição legal.
Como é sabido, a reparação dos danos por acidente de trabalho vigente resulta do rompimento com uma perspetiva tradicional (civilística) de reparação dos danos causados, perspetiva essa que só concebia o dever de reparar desde que houvesse culpa do causador do dano, perspetivando-se no caso de acidente de trabalho a reparação pelo beneficiário da prestação do trabalho (o empregador) ainda que nenhuma culpa lhe possa ser imputada.
Todavia, o referido art.º 18º da LAT prevê a responsabilidade em situações de «atuação culposa do empregador», prevendo responsabilidade abrangendo “a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” (responsabilidade agravada, portanto, em relação à responsabilidade que em geral existe em situações de acidente de trabalho).
No caso em apreço, está em causa a 2ª parte do nº 1 do art.º 18º da LAT, que prevê que no caso de o acidente resultar da falta de observação, pelo empregador, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade é agravada nos termos que se referiu, decorrendo do art.º 79º, nº 3 da LAT que a responsabilidade da seguradora é, nesse caso, meramente subsidiária.
É que, o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de higiene, segurança e saúde (cfr. art.º 59º, nº 1, al. c) da CRP, e art.º 127º, nº 1, al. g) do Código do Trabalho).
Está estabilizado na jurisprudência o entendimento de que o ónus da prova relativamente aos factos conducentes à conclusão de que houve quebra das regras de segurança caberá ao sinistrado/beneficiário se peticionar reparação agravada nos termos do art.º 18º da LAT – como facto constitutivo do seu direito – ou à seguradora – aqui, como facto modificativo do direito (cfr. art.º 342º, nº 2 do Código Civil).
Esta reparação agravada tem lugar desde que o acidente [no caso em análise: embate de máquina/cilindro na infeliz vítima] resulte da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, ou seja, além da inobservância por parte da entidade empregadora de regras sobre segurança no trabalho, impõe-se que se conclua pela existência de nexo de causalidade entre essa inobservância e o acidente, nexo de causalidade esse (ou melhor, os factos que permitem afirmar o mesmo) abrangido pela regra de repartição de ónus da prova referido.
Ou seja, da falta de observância das regras sobre segurança e saúde no trabalho não resulta automaticamente a responsabilidade agravada, impondo-se que esteja em causa uma inobservância de regras tais e/ou de tal modo que determinam que ocorra o acidente.
Refere Maria José Costa Pinto[40], ilustrando-o citando arestos, que a jurisprudência do STJ denota que a afirmação do nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança por parte do empregador e o acidente tem que ter um forte alicerce nos concretos factos apurados, deles resultando com evidência.
Com este pano de fundo, vamos, então, aferir se no caso em apreço está provado que houve falta de observação pela Ré empregadora das regras sobre segurança e saúde no trabalho, e se essa falta foi causa adequada do acidente, ainda que na formulação negativa da teoria da causalidade (cfr. art.º 563º do Código Civil).
Segundo a formulação negativa (mais ampla) da teoria da causalidade adequada, o facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se se mostrar indiferente para a verificação do efeito.
Se numa formulação positiva se procura saber se é normal e adequado (provável) que aquele tipo de comportamento gere aquele tipo de dano, numa formulação negativa procura-se saber se é de todo indiferente para a produção de um dano daquele tipo um comportamento como o do lesante.
Não oferece dúvidas a aplicação do DL nº 50/2005, de 28 de fevereiro, citado na sentença recorrida, o qual dita as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, enunciando um conjunto de regras gerais dirigidas ao empregador, visando assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização daqueles.
O nº 1 do art.º 32º deste diploma legal, diz algo que, de resto, se pode dizer ser evidente: os equipamentos de trabalho automotores só podem ser conduzidos por trabalhadores devidamente habilitados.
Está aqui em causa a habilitação para condução de um equipamento de trabalho (é a eles que se refere o dito DL nº 50/2005) com potenciais riscos, que não se confunde com a habilitação legal para condução de veículo a motor na via pública (no caso está em causa um “cilindro compactador”, cujas características específicas se desconhece, mas aparenta tratar-se de máquina que, destinando-se à execução de obras, só eventualmente circula na via pública, a carecer de licença de condução).
Na Lei nº 102/2009, de 10 de setembro (regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho), encontramos no art.º 20º, nº 1, dito que o trabalhador deve receber (logo o empregador deve fornecer – nº 3) uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de atividades de risco elevado, esclarecendo o art.º 4º [alíneas f) e h)], se dúvidas houvesse, que o risco pode resultar da utilização de máquinas.
O tribunal a quo, reconhecendo antes a dificuldade em estabelecer um nexo de causalidade, considerou existir “nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal do condutor e o acidente”, dizendo que “a sua [do trabalhador DD] negligência resulta da sua falta de habilitação para a condução do equipamento, na medida em que estão em causa violações grosseiras das regras de segurança, que não existiriam se o trabalhador tivesse habilitação para a condução do equipamento e formação profissional adequada para essa condução” (cfr. pág. 27).
Na verdade, aquilo que está agora em causa é a atuação do trabalhador da Ré empregadora, DD [ponto 27) dos factos provados][41], não do próprio Sinistrado [já acima se viu não se verificar a descaracterização do acidente de trabalho].
Todavia, convém deixar claro que estamos a apreciar a falta da referida formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho (prevista no art.º 20º, nº 1, da Lei nº 102/2009), não habilitação legal para conduzir a máquina na via pública, pois o acidente ocorreu quando as máquinas estavam a ser parqueadas, é certo que na via pública, mas relevando que era o local da execução dos trabalhos com as máquinas [pontos 31) e 53) dos factos provados].
Ora, o acidente ocorreu porque o trabalhador da Ré empregadora, DD, quando estava a parquear o referido cilindro compactador, ao sair dele, tocou num manípulo acidentalmente[42], fazendo com que a máquina começasse a andar para trás e desse modo fosse embater no Sinistrado [pontos 29) e 56) dos factos provados].
Não se conhecem as caraterísticas concretas desse manípulo (dos factos provados não constam), mas tal não carece a situação de melhor esclarecimento porquanto depreende-se que a movimentação do mesmo tem por efeito a movimentação da máquina (logo ou se destina a manter a máquina imobilizada/travada, e acionando-o deixa de estar imobilizada, ou se destina a movimentá-la, e acionando-o inicia a marcha).
Refere a sentença recorrida que o referido trabalhador saiu da máquina “pelo lado onde se situa o manípulo” (cfr. pág. 27) mas tal não consta dos factos provados, nem constam factos que permitam dizer que é de retirar essa conclusão[43].
Por outro lado, considera a sentença recorrida que se tivesse havido formação não teria havido violação das regras de segurança.
Aceita-se que a formação pudesse evitar que o trabalhador DD não saísse do cilindro compactador sem o desligar (embora não sendo de excluir que o sair sem o desligar tivesse a ver com o ir ver se podia avançar para mais próximo da outra máquina, e depois voltar aos comandos para, caso pudesse, o fazer avançar – a ser assim, até revelaria algum cuidado no parqueamento).
Todavia, do ponto 43) consta expressamente que acionamento/toque no manípulo (que como se viu será uma alavanca) foi acidental, donde, na falta de outros elementos nos factos provados, não se poder afirmar que o toque ocorreu por falta de conhecimento da função desse manípulo ou falta de conhecimento de como sair do cilindro compactador de modo a evitar o toque no manípulo, e não sendo o facto de o manobrador do cilindro compactador, DD, ter a categoria de servente [ponto 62) dos factos provados] que por si leva a afirmar coisa diversa.
Aqui chegados, pegando na referida formulação negativa da teoria da causalidade adequada, pergunta-se se é de todo indiferente para a produção do dano a ausência de formação sobre o manuseamento, em especial o parqueamento (manobra que realizava naquele momento), do cilindro compactador.
Ora, se os factos provados não nos permitem falar de algo diferente de um toque acidental, temos que afirmar essa indiferença, logo não se pode falar de nexo de causalidade.
Se considerarmos o referido no acórdão do TRC de 07/04/2017[44], diríamos que o acidente em causa não representa a concretização objetivamente previsível de um dos perigos típicos que a ministração de formação era suscetível de evitar: o toque acidental num manípulo (que ao ser tocado tem como efeito o início da marcha da máquina).
Em suma, no caso em apreciação não se pode falar de responsabilidade agravada nos termos do art.º 18º, nº 1 da LAT.

Sendo assim, porque a sentença recorrida ponderou o art.º 18º da LAT (que prevê o pagamento da totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais), não sendo de o considerar em face do acabado de decidir, importa ver como tem lugar a reparação do acidente de trabalho ocorrido.
Como é sabido, a reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho impende sobre as pessoas singulares ou coletivas de direito privado e de direito público não abrangidas por legislação especial, relativamente aos trabalhadores ao seu serviço (art.º 7º da LAT), e, existindo contrato de seguro é a seguradora a responsável, mas em relação ao valor da retribuição transferida, respondendo a empregadora pela diferença no caso de o valor da retribuição ser superior ao valor transferido (art.º 79º da LAT).

do devido à Autora AA:
Por via do disposto nos art.ºs 56º, 57º, nº 1, al. a) e 59º, nº 1, al. a) da LAT, tem direito a pensão anual, desde o dia seguinte ao falecimento do Sinistrado (10/04/2020), correspondente a 30% da retribuição até perfazer a idade de reforma por velhice, e correspondente a 40% a partir dessa idade ou a partir do momento em que ficar afetada por doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, se tal acontecer
Assim, tem direito a pensão anual no valor de € 3.282,83 (€ 10.942,76[45] x 30%) até perfazer a idade de reforma por velhice, e de € 4.377,10 (€ 10.942,76 x 40%) a partir dessa idade ou a partir do momento em que ficar afetada por doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, se tal acontecer.
O valor a considerar atualmente é de € 3.282,83 porque resulta do Auto da Tentativa de Conciliação que a Autora nasceu em .../.../1978.
Deste modo, uma vez que a retribuição mínima mensal garantida era em 2020 de € 635,00[46], temos que essa pensão é obrigatoriamente remível pois fica aquém de seis vezes € 635,00 (cfr. art.º 75º da LAT).
Uma vez que apenas 97,50% do valor do salário se encontrava transferido para a Ré Seguradora [pontos 18) e 20) dos factos provados], esta é responsável pelo capital de remição reportado a uma pensão de € 3.200,76 e a Empregadora a uma pensão de € 82,07.
Além disso, por via do disposto nos art.ºs 47º, nº 1, al. g) e 65º da LAT tem a Autora direito ao subsídio por morte, a repartir na proporção de 50% com a Autora CC.
Assim, tem direito a subsídio por morte no valor de € 2.896,14 (€ 438,81[47] x 1,1 x 12 x 50%).
Tem ainda direito a € 20,00 de despesas com transportes porque é pacífico que as teve [cfr. ponto 21) dos factos provados].

do devido à Autora CC:
Por via do disposto nos art.ºs 56º, 57º, nº 1, al. a) e 60º, nº 1, al. a), e nº 2 da LAT, tem direito a pensão anual, desde o dia seguinte ao falecimento (10/04/2020), correspondente a 20% da retribuição, ou seja, tem direito a pensão anual no valor de € 2.188,55 (€ 10.942,76 x 20%), a qual é devida até aos 18 anos de idade, podendo ser até aos 22 ou 25 anos de idade, ou sem limite de idade, se verificar o disposto no art.º 60º da LAT.
De referir que no caso não há lugar a rateio porque não atingido o valor referido no art.º 64º da LAT.
Esta pensão é atualizável[48] a partir do ano seguinte àquele a partir do qual é devida (para 2021 cfr. Portaria nº 278/2020, de 04 de dezembro, para 2022 cfr. Portaria nº 6/2022, de 04 de janeiro, e para 2023 cfr. Portaria nº 24-A/2023, de 09 de janeiro).
A Seguradora é responsável pelo valor da pensão de € 2.133,84 e a Empregadora pelo valor da pensão de € 54,71.
Tem também direito a Autora a subsídio por morte no valor de € 2.896,14. (metade do valor como se viu supra).
Tem ainda direito a € 20,00 de despesas com transportes porque não é questionada essa parte da sentença.

São ainda devidos, a ambas, os juros de mora (cfr. art.º 135º do Código de Processo do Trabalho).

Concluindo como se concluiu, não haver lugar a responsabilidade agravada (que a haver sustentaria indemnização a abranger a totalidade dos prejuízos, como se disse), fica prejudicado o conhecimento da questão sobre o quantum relativo a danos patrimoniais e danos não patrimoniais, bem como fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado da Autora CC, por não ter lugar in casu a reparação desses danos.
*
Quanto a custas, é de considerar a procedência do recurso da Ré empregadora parcial (na medida em que improcedeu a pretensão de descaraterização do acidente de trabalho), fixando-se o decaimento em 50%.
Assim, as custas do recurso da Ré empregadora ficam a cargo da Recorrente e das Recorridas (Autoras) na proporção de 50%, sem prejuízo do apoio judiciário concedido a estas.
Quanto ao recurso subordinado, improcedendo, as custas ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário.
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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em o seguinte:
A) conceder parcial provimento ao recurso da Ré empregadora e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na medida em que considerou haver lugar a reparação agravada, e em substituição decide-se:
1) condenar as Rés, na respetiva proporção, a pagar à Autora AA o capital de remissão de uma pensão anual no valor de € 3.282,83, desde 10/04/2020, sendo a responsabilidade da Seguradora reportada a uma pensão de € 3.200,76 e da Empregadora a uma pensão de € 82,07.
2) condenar a Ré Seguradora a pagar à Autora AA subsídio por morte no valor de € 2.896,14, e a quantia de € 20,00 de despesas com transportes.
3) condenar as Rés, na respetiva proporção, a pagar à Autora CC pensão anual no valor de € 2.188,55, desde 10/04/2020, atualizável, sendo a Seguradora responsável pelo valor de € 2.133,84 e a Empregadora pelo valor de € 54,71.
4) condenar a Ré Seguradora a pagar à Autora CC subsídio por morte no valor de € 2.896,14, e a quantia de € 20,00 de despesas com transportes.
5) às quantias referidas nos pontos anteriores acrescem juros à taxa legal – 4% – desde o dia 10/04/2020, até pagamento.
B) julgar improcedente o recurso subordinado apresentado pela Autora CC.
Custas do recurso da Ré empregadora, a cargo da Recorrente e das Recorridas (Autoras) na proporção de 50%, sem prejuízo do apoio judiciário concedido a estas.
Custas do recurso subordinado, a cargo da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário
Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 17 de abril de 2023
António Luís Carvalhão
Teresa Sá Lopes
Paula Leal de Carvalho
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[1] Lei dos Acidentes de Trabalho, o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais aprovado pela Lei nº 98/2009, de 04 de setembro.
[2] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[3] Nota de rodapé (1) do parecer, com o seguinte teor: Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pg. 384.
[4] Nota de rodapé (2) do parecer, com o seguinte teor: proferido no processo n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.
[5] Nota de rodapé (3) do parecer, com o seguinte teor: proc. n.º 1533/21.0T8MAI.P1.
[6] Nota de rodapé (4) do parecer, com o seguinte teor: Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, regime jurídico anotado, 2ª edição, Almedina Coimbra, P. 61.
[7] Nota de rodapé (5) do parecer, com o seguinte teor: Na medida em que a “a rotina, o cansaço e o stress podem levar a um certo relaxamento no respeito de regras de prudência.” – Victor Ribeiro, citado por Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 17ª edição, 2017, Almedina Coimbra, pg. 899.
[8] Nota de rodapé (6) do parecer, com o seguinte teor: admitindo-se que o trabalhador, por ter demasiada confiança na sua experiência, ou atentos os usos e costumes da profissão, possa legitimamente negligenciar quanto ao cumprimento de certas regras de prudência.” – Pedro Romano Martinez, ob. cit. pg. 899.
[9] Nota de rodapé (7) do parecer, com o seguinte teor: Ac. do STJ, de 11/04/2018, Proc. n.º 45/11.5TTCLD.C1.S1 (Revista) – 4.ª Secção (Chambel Mourisco), e, Ac. do STJ, n.º 254, Ano XXII, tomo I/2014, pg. 241.
[10] Nota de rodapé (8) do parecer, com o seguinte teor: Pedro Romano Martinez, ob. cit. pg. 899.
[11] Nota de rodapé (9) do parecer, com o seguinte teor: Ac. do STJ, n.º 254, Ano XXII, tomo I/2014, pg. 241.
[12] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[13] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[14] Não existe um ponto 19), mas manteve-se a numeração porque caso se corrigisse poderia criar alguma confusão na referência aos pontos.
[15] Alterou-se «1ª Ré» para «2ª Ré» para ficar em harmonia com o exposto no Relatório supra.
[16] Vd. Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2ª edição, pág.49 (que apesar de se reportar à versão do Código de Processo Civil anterior à revisão operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho – art.º 668º –, mantém atualidade).
[17] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.
[18] Vd. igualmente o acórdão deste TRP de 18/05/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 851/18.0T8GDM.P1.
[19] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 292/293.
[20] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286.
[21] É que, de outra forma, ocorreria uma inversão da posição dos intervenientes no processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão.
[22] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 6107/18.0T8MTS.P1.
[23] Tal tem sido também o entendimento do STJ (vd., por exemplo, os acórdãos de 05/09/2018 e 20/02/2019, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2 e nº 1338/15.8T8.PNF.P1.S1).
[24] Apesar de a Recorrente referir a testemunha GG, o certo é que não refere qualquer passagem do seu depoimento.
[25] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3683/20.1T8VNG.P1.S1.
[26] Vejam-se as fotografias anexas ao Auto de Notícia elaborado pela GNR.
[27] Vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa, 1997), pág. 347, e o acórdão desta Secção Social do TRP de 27/04/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1740/18.3T8VNG.P1.
[28] Como se refere no acórdão desta Secção Social do TRP de 04/05/2022 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1166/20.9T8MTS.P1), a prova dum facto há de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.
[29] Vd. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “A Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho”, in “Estudos do Instituto de Direito do Trabalho”, vol. 1, Almedina, pág. 559, em nota de rodapé.
Vd. também, entre muitos outros, o acórdão desta Secção Social do TRP de 05/02/2018, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 52/14.6TTOAZ.P1, e o acórdão do STJ de 13/07/2004, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 04S1511, no qual se escreveu [é] à entidade patronal (e/ou à seguradora) que compete provar os factos demonstrativos da descaracterização do acidente de trabalho (…) / Perante um non liquet probatório, quanto a essa matéria, haverá que desfazer a dúvida em desfavor da parte a quem a sua invocação aproveitava, tendo-se como inexistente o facto impeditivo, com a consequência de não poder ser aplicada a norma cuja hipótese constituía pressuposto de aplicação.
[30] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 507/16.8T8VLG.P1.
[31] Sobre a questão pode ver-se também, Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 2ª ed., IDT – Almedina, pág. 833 e acórdão do TRG de 21/01/2021, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1081/17.3T8VRL.G1.
[32] Vd. Carlos Alegre, “Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais” – Regime Jurídico Anotado, 2ª ed., Almedina, pág. 61.
[33] Vd. o acórdão do TRC de 17/05/2007, www.dgsi.pt, processo 105/04.9TTAVR.C1, onde se escreveu: «Não resultando a demonstração de que o sinistrado tenha, de forma intencional e dolosa, infringido quaisquer normas de segurança, afastada fica a possibilidade de descaracterização do acidente».
[34] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3574/17.3T8LRA.C1.S1.
[35] Vd. também os acórdãos desta Secção Social do TRP de 23/11.2020 e de 22/02/2021, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 1425/18.0T8MTS.P1 e 2577/18.5T8OAZ.P1 respetivamente.
[36] Se houver concurso de culpas – com o empregador ou colegas de trabalho – já não é afastada a responsabilidade/reparação (vd. Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 2ª edição, IDT – Almedina, pág. 834, e acórdão do TRC de 03/07/2003, in CJ, Ano XXVIII, tomo 4, pág. 52).
[37] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 05S1918, o qual embora reportado ao regime constante da Lei nº 100/97, de 13 de setembro, e do DL nº 143/99, de 30 de abril, mantém atualidade dada a similitude de regimes.
[38] Vd. também o acórdão desta Secção Social do TRP de 12/03/2007, publicado em “Acidentes de Trabalho – Jurisprudência 2000-2007”; Coletânea de Jurisprudência Edições, págs. 146-148, e, por mais recente, o acórdão do TRC de 18/12/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1059/13.6TTCBR.C1.
[39] Vd. o acórdão do. STJ de 17/05/2007, publicado na Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ (ASSCJ), Ano XV, tomo 2, págs. 270-273.
[40] In “Violação de Regras de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho: Perspetiva Jurisprudencial”, Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários / Coimbra Editora, números 74/75 (maio-agosto / setembro-dezembro de 2006), pág. 205 (no ponto 3 – a verificação do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho e o acidente).
[41] Não estando, porém, em causa o art.º 17º da LAT.
[42] Apesar de nos factos provados constar “terá tocado”, o sentido é que houve esse toque.
[43] O ponto 43) dos factos provados refere alavanca/manípulo, e nas fotografias anexas ao Auto de Notícia elaborado pela GNR, vê-se uma alavanca, alta, junto ao assento, a qual se situa do lado ao contrário àquele em que se situa a berma, onde está o muro de uma habitação, pelo que terá sido por isso (por do outro lado existir um muro) que o trabalhador saiu por esse lado [admite-se que fosse esse o raciocínio do tribunal a quo].
[44] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 424/13.3TTLRA.C1.
[45] Cfr. ponto 18) dos factos provados.
[46] Vd. DL nº 167/2019, de 21 de novembro.
[47] Portaria nº 27/2020, de 31 de janeiro.
[48] Cfr. art.º 6º do DL nº 142/99, de 30 de abril.