Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
646/17.8GBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
DOLO DE PERIGO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP20210623616/17.8GBOAZ.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O crime de violação de regras de segurança configura um crime de perigo concreto (visto que pressupõe a sujeição do trabalhador a uma situação de perigo concreto para a vida, o corpo ou a saúde, com violação das disposições legais ou regulamentares vigentes à data do facto), de resultado (pois a sua consumação exige a "(efetiva) «sujeição" do trabalhador à realização da atividade fora das indispensáveis condições de segurança», embora não exija a lesão dos bens jurídicos tutelados) específico próprio (segundo a qualidade dos autores), omissivo próprio (omissão de um dever de agir e independente do resultado) e de violação de dever.
II - No caso em apreço, os arguidos agiram com dolo de perigo, pois agiram de forma livre, voluntária e consciente, não observaram as disposições legais aplicáveis, não implementando as condições de segurança legalmente previstas para a execução da tarefa laboral acometida ao assistente, bem sabendo que desse modo o expunham a perigo para a vida, ou pelo menos de grave ofensa para a sua integridade física ou saúde, com o que se conformaram.
III - O dano biológico traduz-se em qualquer lesão da integridade psicofísica que possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo procura desenvolver a sua personalidade; abrange as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana.
IV - A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência do dano biológico; este constitui, nesta medida, «um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde»; se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima, este já é um «dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento, mas um dano consequência», representando «um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal».
V - Na fixação da indemnização pelos danos futuros, utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores:
VI - a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;
VII - as tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
VIII - pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia;
IX - por outro lado, o julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não deve prescindir do que é normal acontecer no que se refere à expetativa média de vida
X - No caso em apreço, considerando modo como os factos ocorreram, o factualismo dado como provado e vistos os critérios orientadores estabelecidos nos artigos 496.º e 494.º, do Código Civil, mostra-se equitativo e acertado o montante indemnizatório de 40.000,00 fixado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 646/17.8GBOAZ.P1
Acordam, em conferência,
no Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo comum e com a intervenção do Tribunal Coletivo, por acórdão de 23.02.2021, foi decidido:
a) Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 10.º, 11.º, n.º 2, a); 12.º; 14.º, n.º 3; 26.º; 144.º, alínea b); 152.º - B, n.ºs 1 e 3, alínea a), todos do Código Penal, com referência aos artigos 3.º, alíneas a) a d); 4.º, n.º 1; 8.º; 14.º; 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2; 36.º, n.ºs 1 e 2, e 37.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. 50/2005, de 25/2, e, ainda, aos artigos 15.º, n.ºs 1, 2, alíneas a), c), d), e), 3 e 4, da L. 102/2009, de 10/9, e artigo 127.º, n.º 1, alínea i), do Código do Trabalho, na pena de 3 [três] anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
b) Condenar a arguida C…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 10.º, 11.º, n.º 2, a); 12.º; 14.º, n.º 3; 26.º; 144.º, alínea b); 152.º - B, n.ºs 1 e 3, alínea a), todos do Código Penal, com referência aos artigos 3.º, alíneas a) a d); 4.º, n.º 1; 8.º; 14.º; 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2; 36.º, n.ºs 1 e 2, e 37.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. 50/2005, de 25/2, e, ainda, aos artigos 15.º, n.ºs 1, 2, alíneas a), c), d), e), 3 e 4, da L. 102/2009, de 10/9, e artigo 127.º, n.º 1, alínea i), do Código do Trabalho, na pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
c) Condenar a arguida “D…, Lda.”, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 10.º, 11.º, n.º 2, a); 12.º; 14.º, n.º 3; 26.º; 144.º, alínea b); 152.º - B, n.ºs 1 e 3, alínea a), todos do Código Penal, com referência aos artigos 3.º, alíneas a) a d); 4.º, n.º 1; 8.º; 14.º; 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2; 36.º, n.ºs 1 e 2, e 37.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. 50/2005, de 25/2, e, ainda, aos artigos 15.º, n.ºs 1, 2, alíneas a), c), d), e), 3 e 4, da L. 102/2009, de 10/9, e artigo 127.º, n.º 1, alínea i), do Código do Trabalho, na pena de 270 [duzentos e setenta] dias de multa, à taxa diária de €110,00 [cento e dez euros] o que perfaz a multa total de €29.700,00 [vinte e nove mil e setecentos euros], que se substitui por prestação de caução de boa conduta no valor de €32.000,00 [trinta e dois mil euros], pelo prazo de três anos, a prestar por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança.
d) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado nos autos, e, em consequência, condenar os arguidos/demandados B…, C… e “D…, Lda.” a pagar, solidariamente, ao ofendido/demandante E…, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia global de €112.858,25 [cento e doze mil oitocentos e cinquenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos], acrescido tal montante dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da notificação dos arguidos/demandados para contestar o respetivo pedido de indemnização civil até integral pagamento da quantia em dívida, à taxa legal que em cada momento vigorar para os juros civis, absolvendo-se os demandados do demais peticionado.
e) Julgar procedente, por provado, o pedido de reembolso formulado nos autos, e, em consequência, condenar os arguidos/demandados B…, C… e “D…, Lda.”, a pagar, solidariamente, ao Instituto da Segurança Social, I.P. a quantia de €2.561,31 [dois mil quinhentos e sessenta e um euros e trinta e um cêntimos], acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da notificação dos arguidos/demandados para contestar o respetivo pedido de reembolso até integral pagamento da quantia em dívida, à taxa legal que em cada momento vigorar para os juros civis.
*
Inconformados, recorreram os arguidos.
Terminam a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
A. O douto Tribunal a quo condenou os Arguidos/Recorrentes pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 10.º, 11.º, n.º 2, alínea a); 12.º; 14.º, n.º 3; 26.º; 144.º, alínea b); 152.º - B, n.ºs 1 e 3, alínea a), todos do Código Penal, com referência aos artigos 3.º, alíneas a) a d); 4.º, n. º 1; 8.º; 14.º; 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2; 36.º, n.ºs 1 e 2 e 37.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. 50/2005, de 25/2, e, ainda, aos artigos 15.º, n.ºs 1, 2, alíneas a), c), d), e), 3 e 4, da L. 102/2009, de 10/9, e artigo 127.º, n.º 1, alínea i), do Código do Trabalho.
B. O arguido B… foi condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a arguida C… foi condenada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e a arguida D…, Lda. foi condenada na pena de 270 dias de multa, à taxa diária de 110,00€ (cento e dez euros), o que perfez a multa total de 29.700,00€ (vinte e nove mil e setecentos euros), que se substituiu por prestação de caução de boa conduta no valor de 32.000,00€ (trinta e dois mil euros), pelo prazo de 3 anos.
C. No mesmo acórdão, o douto Tribunal a quo julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente E… e, em consequência, condenou os Arguidos/Demandados/Recorrentes no pagamento da quantia de 112.858,25€ (cento e doze mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a data da notificação para contestar o respetivo pedido de indemnização civil até integral pagamento da quantia em dívida, à taxa legal que em cada momento vigorar para os juros civis.
D. Sucede que os Arguidos não se podem conformar com as referidas condenações, motivo pelo qual interpõem o presente recurso de apelação.
E. Em conformidade com o descrito no Acórdão ora posto em crise, os presentes autos foram arquivados em sede de inquérito, tendo sido, posteriormente, requerida a abertura de instrução, na sequência do que foi proferido despacho de pronúncia.
F. Nesse âmbito, os Arguidos/Recorrentes foram pronunciados da prática de um crime de violação de regras de segurança, “previsto e punido pelos artigos 10.º, 11.º, n.º 2, a); 12.º; 15.º, alínea a); 26.º; 144.º, alínea b); 152.º - B, n.ºs 1 e 3, alínea a), todos do Código Penal”.
G. Contudo, foram os mesmos condenados pela prática de um crime de violação de regras de segurança, “previsto e punido pelos artigos 10.º, 11.º, n.º 2, a); 12.º; 14.º, n.º 3; 26.º; 144.º, alínea b); 152.º - B, n.ºs 1 e 3, alínea a), todos do Código Penal”.
H. Id est, enquanto que, em sede de instrução, se considerou que os Arguidos/Recorrentes tinham atuado com negligência (ainda que consciente), foram os mesmos condenados, a final, pela atuação dolosa.
I. Para sustentar a sua conclusão, afirmou o Tribunal recorrido que os Arguidos “Sabiam que a adaptação de um cesto destinado ao transporte de bilhas de gás, encaixando-o nas forquilhas porta-paletes instaladas no braço telescópico de uma máquina carregadeira, para içar em altura o assistente quando executava a tarefa laboral de lavagem de depósitos de armazenamento de 6 metros de altura, sem cuidar de o fixar a esta máquina, punha em perigo, como pôs, a sua vida e integridade física pelo sério risco de queda.” (destaque nosso). Pergunta-se: Sabiam? Como pôde o Tribunal afirmar tal conclusão? …
J. Acrescenta-se, por outro lado, que “Não observaram as disposições legais aplicáveis, não implementando as condições de segurança legalmente previstas para a execução da tarefa laboral acometida ao assistente, bem sabendo que desse modo o expunham a perigo para a vida, ou pelo menos de grave ofensa para a sua integridade física ou saúde, com o que se conformaram.” (destaque nosso). Pergunta-se: Bem sabendo? Conformaram-se? Como pôde o Tribunal concluir tal? Fica por descobrir…
K. E ainda que “Mais representaram os arguidos como possíveis as lesões sofridas pelo assistente, e a afetação grave da sua capacidade de trabalho e bem assim da sua capacidade de usar o corpo e os sentidos, como resultado do perigo a que estava exposto na execução da tarefa descrita em 4., da factualidade provada, atuando, porém, sem se conformarem com essa realização, bem sabendo que a sua conduta era proibida pela lei penal.” (destaque nosso). Pergunta-se, uma vez mais: Representaram? Como pôde o Tribunal concluir tal? Fica por justificar…
L. É que, analisado o teor do acórdão recorrido, não se logra descortinar por que método e com base em que factualidade dada como provada alcançou o douto Tribunal as citadas conclusões que levaram à condenação dos Recorrentes pela atuação com dolo.
M. Com o devido respeito, no que ao enquadramento jurídico-penal diz respeito e, em particular, no que ao elemento subjetivo do tipo concerne, o Tribunal a quo limita-se a expor os preceitos legais aplicáveis para, depois, concluir, sem mais, que os arguidos atuaram com dolo.
N. Com efeito, o douto Tribunal começa por afirmar que os Arguidos não colocaram à disposição do Assistente a plataforma elevatória indicada, o arnês e o capacete, bem como não disponibilizaram informação e formação, daí concluindo que os Arguidos sabiam que isso punha em perigo a integridade física do Assistente, que o expunham a perigo para a vida e que se conformaram com tal! (?) Mas … como pode a primeira afirmação levar àquela conclusão?! De onde retira o Tribunal tal conformação por parte dos Recorrentes?
O. Tem sido entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico que o agente, tanto no dolo eventual como na negligência consciente, aceita como possível a realização do tipo legal, isto é, o resultado. Só que, enquanto, no primeiro caso, o autor decide aceitar a realização do tipo e assumir o estado de incerteza existente no momento da ação, conformando-se, assim, com o resultado, na negligência consciente, o autor confia que o resultado não se produzirá e, portanto, não se conforma com este.
P. Em conformidade com o consignado pelo Supremo Tribunal de Justiça, “o dolo eventual integra-se pela vontade de realização concernente à ação típica (elemento volitivo), pela consideração séria do risco de produção resultado (fator intelectual), e, em terceiro lugar pela conformação do resultado típico como fator de culpa. O conceito de dolo eventual configura-se, também, por contraposição ao conceito de negligência consciente que o limita de forma direta.
Q. A negligência consciente significa que o autor reconheceu, na verdade, o perigo concreto, mas não o tomou seriamente em conta, porque em virtude de uma violação do cuidado devido em relação à valoração do grau de risco ou das suas próprias faculdades nega a concreta colocação em perigo do objeto da ação, ou, não obstante considerar seriamente tal possibilidade, confia também, de forma contrária ao dever, em que não se produzirá o resultado lesivo.”
R. Isto significa que, como ensina Figueiredo Dias, se “parte da ideia de que o dolo pressupõe algo mais do que o conhecimento do perigo de realização típica. O agente pode, apesar de um tal conhecimento, confiar, embora levianamente, em que o preenchimento do tipo se não verificará e age então só com negligência (consciente).”.
S. Este será, sem margem para dúvidas, a situação dos presentes autos. De facto, das várias teorias de distinção entre o dolo eventual e a negligência consciente, “a conceção hoje largamente dominante é conhecida doutrinalmente como teoria da conformação: (…) há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização”.
T. Ora, atente-se ao facto n.º 33 da matéria de facto dada como provada: “Mais representaram os arguidos como possíveis as lesões supra indicadas e a afetação grave da capacidade de trabalho do assistente e bem assim da sua capacidade de usar o corpo e os sentidos, como resultado do perigo a que estava exposto na execução da tarefa descrita em 4., atuando, porém, sem se conformarem com essa realização”. Ora, como pode o Tribunal dar como provado que os Arguidos/Recorrentes atuaram sem a tal conformação, mas, simultaneamente, condená-los pela sua atuação dolosa?
U. Evidente se torna, portanto, a conclusão de que os Arguidos/Recorrentes apenas poderiam ter sido condenados por negligência.
V. Mas mais. Resulta, outrossim, da motivação da decisão de facto que os Arguidos consideravam – ainda que, no entender do Tribunal, erroneamente – que a utilização da máquina em questão e do referido cesto não comportava qualquer perigo, já que, como ali se escreve, no que diz respeito ao arguido B…, “Bastou-lhe, portanto, ter adquirido uma caixa metálica destinada ao transporte de bilhas de gás e, utilizando o “porta-paletes”, composto por uma forquilha de dois garfos, enfiava nestes o anel metálico existente na parte inferior daquela caixa que ficaria depois nivelada, e segundo o próprio, estável, assim que o manobrador da máquina acionasse o sistema hidráulico de fixação daqueles garfos” (destaque nosso).
W. E ainda que, quanto ao mesmo Arguido, “aludindo que, apesar disso, o cesto estava seguro, pois quando entrava nos garfos ficava nivelado e era depois a estrutura dos garfos que ficava segura pelo acionamento de um sistema hidráulico” (desataque nosso). Bem como que “E era assim que, desde há anos, efetuavam o içamento do assistente para a lavagem dos depósitos, sem que alguma vez tivesse havido qualquer problema”.
X. Daqui resulta manifesto que o Arguido confiava plenamente na inexistência de qualquer perigo, porquanto considerava que o mecanismo aplicado à máquina faria com que a sua utilização fosse perfeitamente segura – algo que decorreu claro das declarações do Arguido e disso o Tribunal não parece ter dúvidas – tanto mais aquele procedimento era utilizado há anos, sem que qualquer problema houvesse (o que, aliás, apenas fez com que tal crença e confiança dos Arguidos se fosse reforçando ao longo do tempo)!
Y. É certo que a linha de diferença entre a negligência consciente e o dolo é muito ténue, sendo que, tal como explica Figueiredo Dias, a distinção “é tao frágil e insegura que mal é capaz de justificar (…) diferenças significativas (e por vezes abissais) das molduras penais aplicáveis a um e outro caso”.
Z. Todavia, também é certo que, como se tem vindo a propugnar na jurisprudência do ordenamento jurídico português, não se apurando que os Arguidos tenham decidido aceitar o grave resultado da sua ação (omissão), não podem ser condenados por dolo eventual, mas apenas por negligência.
AB. Deste modo, requer-se a V. Exas. se dignem revogar o Acórdão in quaestio, nomeadamente quanto ao elemento subjetivo do tipo, condenando os Arguidos/Recorrentes pela prática, a título de negligência, de um crime de violação de normas de segurança, previsto e punido pelos artigos 10.º, 11.º, n.º 2, a); 12.º; 15.º, alínea a); 26.º; 144.º, alínea b); 152.º - B, n.ºs 1 e 3, alínea a), todos do Código Penal”.
AC. Pelo exposto, consideram os Arguidos/Recorrentes, com o devido respeito, que o Acórdão recorrido fez errada interpretação, violando os artigos 14.º, 15.º e 152.º-B, todos do Código Penal, termos em que se requer a V. Exas. a revogação do Acórdão recorrido, na parte de que se recorre, nomeadamente quanto ao tipo subjetivo.
Sem prescindir,
AD. Não podem os Arguidos/Recorrentes deixar de manifestar a sua discordância na medida das penas aplicadas, porquanto consideram inexistir, no caso concreto, as exigências necessárias para a aplicação das mesmas no quantum verificado.
AE. É entendimento pacifico no ordenamento jurídico português que a prevenção e a culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, refletindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e, portanto, o limite máximo da pena, de harmonia com o preceituado pelo artigo 40.º, n.º 2 do CPP.
AF. Não obstante, a medida da pena pode ser fixada abaixo desse limite máximo, se tal se tornar necessário à luz de exigências de prevenção especial e a tanto não se opuserem as exigências mínimas da prevenção geral sob a forma das necessidades irrenunciáveis de tutela do ordenamento jurídico. Para tanto, o Julgador deve ter em conta todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime, em conformidade com o disposto pelo artigo 71.º do Código Penal.
AG. Entre o mais, haverá, pois, que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.
AH. O crime de violação de regras de segurança – por cuja prática os Recorrentes foram condenados – é punível, em abstrato e para as pessoas singulares, com pena de prisão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, no caso de ter sido praticado dolosamente, e com pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, no caso de ter sido praticado com negligência. De outro lado, para as pessoas coletivas, a prática do aludido crime é punível, em abstrato, com pena de multa de 240 a 960 dias, no caso de ter sido praticado dolosamente, e com pena de multa de 120 a 600 dias, caso tenha sido praticado com negligência.
AI. In casu, consideram os Recorrentes que as penas aplicadas pecaram por excessivas, sendo, desde logo, manifesta a desproporcionalidade da pena aplicada relativamente aos factos dados como provados no Acórdão ora em crise.
AJ. Nesta sede, no que respeita à gravidade das consequências do facto e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, como bem se concluiu no acórdão posto em crise, “nada há a destacar nem a valorar nesta sede”.
AK. Relativamente à intensidade do dolo, remete-se para o já alegado supra, sem esquecer, contudo, que o próprio Tribunal da 1.ª Instância considerou, neste ponto, “que os arguidos não quiseram, diretamente, criar perigo para a ofensa à integridade física grave da vítima”.
AL. Acresce que, conforme também ali se referiu, há que atentar na “circunstância de os trabalhos em causa serem assim executados de forma rotineira, sem que antes tenha havido qualquer acidente”, o que no caso, contribui para minorar significativamente o grau de culpa.
AM. Finalmente, como se asseverou – e bem – no Acórdão recorrido, “as necessidades de prevenção especial são pouco significativas, atenta a ausência de antecedentes criminais por parte dos arguidos, bem como a plena integração social, familiar e profissional dos mesmos” (destaque nosso).
AN. Com efeito, provou-se que os Arguidos, ora Recorrentes, dedicaram as suas vidas ao trabalho: desde os 14 anos, no caso do arguido B…, e desde os 12 anos, no caso da arguida C…. Nesse âmbito, os Arguidos colheram os frutos necessários para se estabelecerem profissionalmente por conta própria e assim criarem uma sociedade comercial (a sociedade Arguida), através da qual criaram e concederam dezenas de postos de trabalho, que possibilitaram a sobrevivência de muitas famílias das terras vizinhas (como foi o caso do Assistente e da sua família).
AO. A nível familiar, tal como resulta dos factos provados, os Arguidos contraíram matrimónio há mais de trinta anos, tendo, dessa união, nascido três filhos, todos devidamente inseridos na sociedade a nível social, familiar e profissional.
AQ. Em consonância com o demais, os Arguidos encontram-se, também, absolutamente inseridos na sociedade, sendo que, conforme resulta da matéria de facto provada, são pessoas bem vistas na terra onde vivem, mantendo uma relação de cordialidade e de amizade com os vizinhos.
AR. A acrescer a esta imagem indubitavelmente positiva que caracteriza os Arguidos, os mesmos não possuem quaisquer antecedentes criminais, dado que sempre pautaram as suas vidas (de mais de cinquenta anos) por uma atuação conforme ao Direito, estabelecendo laços familiares e sociais, nunca tendo, aliás, sido constituídos arguidos e/ou sido parte num qualquer outro processo judicial, sendo, pois, este o primeiro contacto que têm com o sistema judicial do ordenamento jurídico português.
AS. Em suma, de todos os aludidos componentes a que alude o artigo 71.º do Código Penal, o Tribunal a quo não teve dúvidas sobre o seu correspondente grau diminuto/inexistente, com exceção do que concerne ao grau de ilicitude do facto e ao modo de execução, onde considerou que os mesmos se revestem de uma gravidade mediana, suportando tal afirmação na “reprovável conduta omissiva dos arguidos, ao não adotar as apontadas medidas de segurança”.
AT. Não obstante, com o devido respeito, os Recorrentes discordam em absoluto de tal qualificação, considerando, ao invés, que a ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, será, no caso concreto, de considerar como diminuta.
AU. Note-se, neste ponto, que as alegadas “medidas de segurança mais convenientes e eficazes para prevenir o risco de queda do trabalhador a operar em cima do cesto metálico, que havia sido identificado na avaliação de riscos da “J…” datada de 14/09/2017” (facto provado n.º 25) – apesar de não especificadas –, apenas poderiam ter sido comunicadas aos Arguidos/Recorrentes em data não precisa, mas que, como se escreve naquele acórdão, próxima de 06 de outubro de 2017 – isto é, menos de 20 dias antes do dia em que se deu o acidente.
AV. Pelo que, adotando a tese do douto Tribunal a quo, cai por terra o argumento de que os Arguidos/Recorrentes nada fizeram “perante a forte evidência do perigo”, não só porque, para tanto, não teriam tido tempo suficiente (ou porque, pelo menos, o tempo que mediou entre o recebimento do relatório e o dia do acidente não permite concluir pelo mediano grau de ilicitude), como pelo facto de o “evidente perigo” não ser, na verdade, evidente, atento o teor do mencionado relatório e o que já referiu supra.
AX. Neste sentido, sobejam motivos para a conclusão de que as exigências de prevenção geral e especial se situam a um nível verdadeiramente exíguo, pelo que, ponderando todas as circunstâncias do caso em lide, é forçoso concluir que as penas concretamente aplicadas se revelam desadequadas, devendo, por isso, ser reduzidas.
AY. Neste sentido, consideram os Recorrentes que a pena concreta que lhes foi aplicada não ponderou devidamente todas as aludidas circunstâncias, revelando-se, desse modo, manifestamente desproporcional e violadora do disposto no artigo 71.º do Código Penal, devendo ser revogado o Acórdão recorrido, nomeadamente quanto à medida das penas aplicadas aos Arguidos, no sentido de as mesmas serem reduzidas para: pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na execução por igual período, para os Arguidos pessoas singulares; pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 100,00€ (cem euros), o que perfaz a multa total de 12.000,00€ (doze mil euros), substituída por prestação de caução de boa conduta no mesmo valor, pelo prazo de 1 (um) ano, para a Arguida pessoa coletiva.
AZ. Sem prescindir, caso se entenda não ser de condenar os Arguidos/Recorrentes pela prática do crime a título negligente, mas sim doloso – o que não se concebe, mas se equaciona por cautela de patrocínio – deverá, de acordo com o supra exposto, ser revogado o Acórdão recorrido, nomeadamente quanto à medida das penas aplicadas aos Arguidos, no sentido de as mesmas serem reduzidas para: pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na execução por igual período, no caso dos Arguidos pessoas singulares; pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 100,00€ (cem euros), o que perfaz a multa total de 24.000,00€ (vinte e quatro mil euros), substituída por prestação de caução de boa conduta no mesmo valor, pelo prazo de 2 (dois) anos, para a Arguida pessoa coletiva.
BA. Pelo exposto, consideram os Recorrentes, com o devido respeito, que o Acórdão recorrido fez errada interpretação, violando os artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal, termos em que se requer a V. Exas. A revogação do Acórdão recorrido, na parte de que se recorre, nomeadamente quanto à medida das penas aplicadas.
Sem prescindir,
BB. No que aos danos patrimoniais respeita, não podem os Recorrentes conformar-se com a quantia indemnizatória arbitrada pelo Tribunal a quo, desde logo, no que ao dano biológico/dano patrimonial futuro concerne (63.000,00€), pecando a mesma, no entendimento dos Recorrentes, por excesso, tendo o Tribunal o quo – salvo o devido respeito, que é muito – feito uma errada aplicação dos dipositivos legais previstos nos artigos 562.º, 564.º, 566.º e 473.º do Código Civil.
BC. Refere o Tribunal de 1.ª Instância que os danos patrimoniais futuros em causa no presente caso “reportam-se ao denominado dano biológico” e que, neste âmbito, “Pretende-se indemnizar a limitação de que a vítima fica a padecer de utilizar o seu corpo de forma absoluta, enquanto força de trabalho e enquanto produtor de rendimento (e é sabido que nas sociedades hodiernas é através do trabalho que o comum das pessoas angaria os seus rendimentos)”. Trata-se, pois, de indemnizar o lesado pela “perda de capacidade aquisitiva futura”.
BD. Mais refere o Tribunal da 1.ª Instância: “Atendendo à delicadeza desta realidade, com que somos confrontados, o critério último há-de ser a equidade, em conformidade com a previsão legal do n.º 3 do artigo 566.º, do Cód. Civil, ante a dificuldade de averiguar com exatidão os danos”.
BE. Assim, aquando da fixação do quantum indemnizatório para esta reparação pela perda de capacidade aquisitiva futura a que se reporta o dano biológico, alega o Tribunal de 1.ª Instância, que “é de ponderar, desde logo, tendo em conta a jurisprudência do STJ: - a idade do lesado; - o seu grau de incapacidade geral permanente; - as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par com outro fator que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, ou da previsível atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as concretas competências do lesado”.
BF. Na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, são estes, de facto, os critérios orientadores do juízo de equidade que a aplicação do disposto no aludido artigo 566.º do Código Civil exige em sede deste dano biológico. Acontece, porém, que, considerando-se o disposto nesse normativo e os critérios vindos de enunciar, temos que a indemnização pelo dano biológico não poderia, em caso algum – e salvo o devido respeito –, ser fixada em quantia superior a 15.585,80€ (quinze mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos). Vejamos:
BG. Contando o trabalhador com 63 (sessenta e três) anos e meio de idade, à data da consolidação médico legal das lesões (06/10/2018), atendendo ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física Psíquica de 34 pontos fixado nos termos do Relatório Pericial de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, junto aos autos, e se atendêssemos, para determinação da capacidade de ganho futura do Demandante, por um lado, ao auferindo este um respetivo rendimento anual ilíquido à data do sinistro (a que o Tribunal a quo alude) na quantia de 9.724,10€ (nove mil, setecentos e vinte e quatro euros e dez cêntimos) à data do sinistro – correspondente à capacidade anual de ganho do Demandante antes de ocorrido o sinistro e, por isso, à aplicação da Teoria da Diferença –, e, por outro, considerando-se a à esperança de vida dos portugueses do sexo masculino idade de (78 anos), como refere que o Tribunal a quo refere, (arguindo que, nesta sede, deve atender-se à esperança de vida, no caso, dos portugueses do sexo masculino), e atendendo ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física Psíquica de 34 pontos fixado nos termos do Relatório Pericial de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, junto aos autos, o cálculo aritmético para a perda de capacidade de ganho {[(78 anos - 63,5 anos) x 9.724,10€] x 34%} levar- nos-ia ao resultado indemnizatório a título de dano biológico de 47.939,81€ (quarenta e sete mil, novecentos e trinta e nove euros e oitenta e um cêntimos), largamente inferior aos 63.000,00€ arbitrados pelo Tribunal a quo.
BH. Não podemos, contudo, conceder nos exatos critérios de determinação da capacidade de ganho futura do Demandante que o Tribunal a quo leva em linha de conta no seu juízo de equidade.
BI. Por um lado, na verdade, à luz da jurisprudência recente do STJ (designadamente à luz de acórdão citado na decisão recorrida, datado de 29-10-2019), o rendimento anual a ser considerado para efeitos do aludido cálculo que acima referimos sempre teria que ser o correspondente à sua quantia líquida (uma vez que só assim se aplica com tal corresponde em rigor à aplicação da teoria da diferença consagrada no artigo 566.º, n. º2, do Código Civil), e não ilíquida como ocorreu in casu.
BJ. Ora, o rendimento anual líquido do Demandante/Recorrido, à data do sinistro, perfazia a quantia de 8.815,50€ (oito mil, oitocentos e quinze euros e cinquenta cêntimos) – correspondente aos [590,00€ (quinhentos e noventa euros) de retribuição base mensal ilíquida deduzidos da quantia correspondente a 11% daquele valor, a título de quotização para a Segurança Social, x 14 meses] + [(6,05€ (seis euros e cinco cêntimos) a título de subsídio de alimentação diário x 22 dias de trabalho por mês) x 11 meses].
BK. Por outro lado, não podem os Recorrentes concordar com o Tribunal a quo quando sustenta que, para efeitos de determinação da perda de capacidade aquisitiva do lesado, deverá considerar-se a idade que hoje corresponde à esperança de vida dos portugueses (cerca de 78 anos, para os homens.
BL. Os Recorrentes concedem que a expetativa de vida ativa não tenha que se confinar à idade “legal” da reforma (66 anos e seis meses). Mas não se pode entender previsível, expectável ou provável que a capacidade de ganho coincida com a esperança de vida, devendo antes considerar-se – na esteira, designadamente, de Acórdão do STJ de 06/02/2020, entre outros –, uma idade de aproximadamente 70 anos como limite da capacidade de ganho do lesado.
BM. Em face do que acabou de se expor, o resultado do cálculo matemático que traduz e aglomera os elementos que compõem o primeiro “degrau” do juízo de equidade que a determinação desta indemnização requer corresponderia a um quantum de 19.482,26€ {= [(70 anos - 63,5 anos) x 8.815,50€] x 34%}.
BN. Partindo deste cálculo, resultante da aplicação conjugada dos já referidos fatores de ponderação equitativos, não pode, ainda, em caso algum, ignorar-se ou esquecer-se que a jurisprudência o "tempera" com um raciocínio essencial para garantir o princípio da equidade – o designado benefício por recebimento antecipado, aludido no Acórdão de que ora se recorre.
BO. Este fator de ponderação consubstancia-se num «desconto no valor achado» pelo facto de a indemnização ser paga ao lesado de uma só vez, recebendo assim, antecipadamente, aquilo que iria auferir ao longo da vida. Este benefício permitirá ao lesado/beneficiário rentabilizar a indemnização recebida em termos financeiros, pelo que, citando o Tribunal a quo (que parafraseia neste trecho o STJ) «importará “introduzir um desconto no valor achado, condizente com o rendimento de uma aplicação financeira sem risco e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal, que julgará equitativamente”».
BP. O Tribunal a quo não refere, contudo, na decisão em crise, em que medida levou em conta esse benefício por recebimento antecipado, pelo que se infere que o mesmo não terá sido aplicado. Não obstante, este fator de equilíbrio não pode ser ignorado, sob pena de se incorrer na violação do princípio que norteia a determinação da indemnização – a equidade. Deve, na verdade, representar uma redução do valor resultante do cálculo aritmético acima encontrado, de, pelo menos 20% (Vide, designadamente, Acórdãos do STJ citados), motivo pelo qual, reitera-se, a indemnização pelo dano biológico nunca poderia ser fixada em quantia superior 15.585,8034.768,33€ (quinze mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e oitenta trinta e quatro mil, setecentos e sessenta e oito euros e trinta e três cêntimos) – isto é, 19.482,26€ - 20%.
BQ. Arbitrar uma indemnização por dano biológico superior à vinda de referir seria, na verdade, colocar o seu beneficiário numa situação de indiscutível enriquecimento sem causa, em clara violação do disposto no artigo 473.º do Código Civil.
BR. Assim, além do sobredito, não pode olvidar-se, aquando da avaliação da perda de capacidade aquisitiva futura, que o Demandante/Recorrido continua apto a exercer uma atividade profissional, que, ainda que compatível com as suas limitações, nunca deixará de lhe assegurar, pelo menos, a retribuição mínima mensal garantida. A este propósito convém, aliás, salientar e parafrasear o Tribunal a quo, quando no Acórdão recorrido refere: “não se pode confundir uma situação de incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho (IPA) com uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), na medida em que nesta última permanece uma capacidade funcional residual para o exercício de funções compatíveis com as lesões, suscetível de permitir ao sinistrado o desempenho de outra atividade profissional”.
BS. Não se pode olvidar, aliás, que o Demandante/Recorrido continua vinculado por um contrato de trabalho a tempo completo, pelo menos até aos 70 anos, se essa for a sua vontade (conforme resulta do disposto no 348.º do Código do Trabalho), ao abrigo do qual pode prestar trabalho, ainda que em funções adaptadas às suas atuais limitações.
BT. Na senda deste raciocínio, concorre ainda um outro argumento: o Tribunal a quo, no aresto em escrutínio, refere que «para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial, é necessário (e bastante) que tal incapacidade, com repercussões no exercício da atividade laboral habitual, nomeadamente por força da necessidade de esforços suplementares ou acrescidos, “constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte atual de futuros lucros cessantes”» (destaque nosso). Cumpre, pois, avaliar, na situação objeto da presente demanda, que tipo de restrições concretas às possibilidades/oportunidades profissionais à disposição do lesado (fonte atual de futuros lucros cessantes) se verificaram em resultado da prática que aos Recorrentes vem imputada.
BU. A este respeito, importa considerar que o Demandante labora ao serviço da Recorrente D… desde 01/05/2003 e auferia, à data do acidente, a quantia mensal ilíquida de 590,00€, quando a retribuição mensal mínima garantida era, à data, de 557,00€, sendo que contava, na altura, com cerca de catorze anos e seis meses de antiguidade na empresa.
BV. Assim, mesmo que se tivesse em consideração a evolução da retribuição mensal auferida pelo Demandante, não se afigura previsível (ou, sequer, credível) que o mesmo, com 63 anos e meio à data da consolidação das lesões, isto é, a 3 anos de completar a idade normal de acesso à pensão de velhice do regime geral de Segurança Social (66 anos e seis meses), e laborando ao serviço da mesma entidade empregadora há quase 15 anos, tenha sofrido uma significativa restrição das suas possibilidades/oportunidades profissionais futuras. Aliás, operando um simples exercício hipotético baseado no histórico profissional do Demandante e num juízo de previsibilidade credível, como manda o normativo previsto no artigo 564.º do Código Civil, facilmente se concluirá que, caso o sinistro não tivesse tido lugar, a retribuição mensal do Demandante nunca andaria muito longe da retribuição mensal mínima garantida, o que nos leva a uma evolução hipotética máxima, até o lesado atingir a referida “idade da reforma por velhice” , para os 610,00€ em 2018, 635,00€ em 2019, 665,00€ em 2020 e 695,00€ em 2021 (já que, tendo nascido a 26-06-1955, a 26-12-2021, o Demandante completa os aludidos 66 anos e seis meses).
BW. Destarte, mesmo que se efetuasse uma ponderação evolutiva da retribuição com base na renumeração anual nos 4 anos vindos de referir – o que não se concede e apenas se admite por mera hipótese de raciocínio –, chegaríamos a uma remuneração anual média líquida de 9.578,67€. Esta remuneração, multiplicada pelos catorze anos e meio que separam a idade do Demandante (à data da conciliação médico legal das lesões) e os seus 70 anos, e esse resultado pelos seus 34 pontos de défice, sempre nos levaria a um resultado bem inferior ao quantum determinado pelo Tribunal a quo – de 21.168,87€. A essa quantia hipotética haveria, ainda, que aplicar o já aludido desconto de 20% pelo benefício por recebimento antecipado, que, nos levaria a um quantum indemnizatório máximo, mesmo neste cenário hipotético, de 16.935,09€.
BX. E mesmo que, ainda num juízo hipotético que não se concede, se efetuasse o mesmo cálculo, mas tendo por base catorze anos e meio de capacidade de ganho futura (desde a data de consolidação médico-legal das lesões até a data em que o Demandante completará 78 anos de idade), chegar-se-ia a um resultado, ainda assim, muito inferior ao encontrado pelo Tribunal a quo – à quantia de 47.222,84€ {= [(78 anos - 63,5 anos) x 8.815,50€] x 34%}, que, depois de temperada com o desconto de 20% operado pelo benefício por recebimento antecipado levaria a um resultado final de 37.778,27€.
BY. No âmbito de todo o exposto não pode, por fim, ignorar-se, ainda, que no caso de que ora nos ocupamos, considerando o sobredito e o facto de, em maio de 2018, o Demandante contar já com 15 anos de registo de remunerações como beneficiário do regime geral de Segurança Social (cumprindo, a partir dessa data, um dos requisitos legais para obtenção da pensão de velhice – o designado prazo de garantia), as limitações às capacidades do lesado não terão quaisquer reflexos negativos na respetiva carreira contributiva para a Segurança Social e, por isso, qualquer repercussão no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
BZ Por outro lado, não podem também os Recorridos conformar-se com o valor da indemnização fixada a título de danos patrimoniais, enquanto perdas salariais, no período de 408 dias em que o Demandante esteve totalmente incapacitado para o trabalho. Também a este respeito, entendem os Recorrentes ter havido, também nesta sede, errada aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil. Mais uma vez, para cômputo do quantum indemnizatório deveria ter sido considerada, em respeito pela teoria da diferença plasmada no normativo vindo de mencionar, a remuneração líquida do Demandante e não, como ocorreu, o respetivo salário bruto. Assim, a dita indemnização não pode ser fixada em quantia superior a 7.292,73€ (sete mil, duzentos e noventa e dois euros e setenta e três cêntimos), correspondente ao vencimento líquido proporcional aos aludidos 408 dias (resultante, portanto, dos seguintes cálculos: {[(590,00€ de retribuição mensal base ilíquida - 11% de quotização para a Segurança Social) x 14 meses] + [(6,05€ (x 22 dias de trabalho por mês) x 11 meses]} / 365 dias = 8.815,50€; [8.815,50€ : 365 dia] x 408 dias = 9.854,04€) subtraído dos 2.561,31€ pagos, pelos Instituto de Segurança Social de Aveiro ao Demandante (9.864,04€ - 2.561,31€ = 7.292,73€).
CA. Deste modo, tendo em consideração o supra descrito, consideram os Arguidos/Recorrentes que o montante indemnizatório em cujo pagamento os mesmos foram condenados se revela excessivo, desproporcional e injusto, devendo ser revogado o Acórdão recorrido, nomeadamente quanto à condenação por danos patrimoniais, no sentido de o respetivo montante ser reduzido para quantia global não superior a 42.253,50€ (quarenta e dois mil, duzentos e cinquenta e três euros e cinquenta cêntimos ), correspondente à soma da quantia de 34.768,33€ (trinta e quatro mil, setecentos e sessenta e oito euros e trinta e três cêntimos), pelo dano biológico, com a quantia de 7.292,73€ (sete mil, duzentos e noventa e dois euros e setenta e três cêntimos), pelas perdas salariais, no período de 408 dias em que o Demandante esteve totalmente incapacitado para o trabalho, com a quantia de 177,76€ (cento e setenta e sete euros e setenta e seis cêntimos), para reembolso de despesas em medicamentos e com a quantia de 14,68€ (catorze euros e sessenta e oito cêntimos), para reembolso de despesas em exames médicos.
CB. Pelo exposto, consideram os Recorrentes que o Acórdão recorrido fez errada interpretação, violando os artigos 473.º, 562.º, 564.º, 566.º, todos do Código Civil, termos em que se requer a V. Exas. a revogação do Acórdão recorrido, na parte de que se recorre, nomeadamente quanto à condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais.
Sem prejuízo,
CC. No que concerne aos danos não patrimoniais, foram os Arguidos/Recorrentes condenados a pagar ao Assistente uma indemnização no valor de 40.000,00€ (quarenta mil euros), acrescida de juros vencidos e vincendos.
CD. Sendo líquido que, no ordenamento jurídico português, se recorrem a critérios de equidade para a fixação dos montantes indemnizatórios refentes aos danos não patrimoniais, é de notória importância a análise e comparação estabelecidas entre o caso concreto e outros casos semelhantes, mormente estabelecendo paralelismos com as indemnizações já atribuídas pelos Tribunal Portugueses.
CE. Naturalmente que o recurso à equidade não pode, contudo, afastar a necessidade de se observarem as exigências do princípio da igualdade, o que implicará a procura de uma uniformização de critérios, a qual não será incompatível com a devida atenção a essas circunstâncias do caso em lide.
CF. Ora, foi, precisamente, pelo recurso a tal mecanismo que os Recorrentes concluíram pela excessividade e desproporcionalidade do montante indemnizatório em cujo pagamento foram condenados nos presentes autos.
CG. Como se demonstrou pelos acórdãos mencionados e citados supra, com os valores-padrão que vêm sendo seguidos pelos Tribunais Portugueses em casos equiparáveis ao dos autos, nos quais os lesados padecem de danos semelhantes ao caso sub judice, fica mostrada a inegável excessividade de que padece a indemnização atribuída, atentas as decisões que têm sido proferidas, por haverem sido ponderadas adequadamente as circunstâncias do caso e os critérios jurisprudenciais que devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade.
CH - Por outro lado, será pertinente atentar no facto de que, com o devido respeito, os acórdãos citados na decisão que ora se recorre se reportarem a circunstâncias com diferenças substanciais, assim impossibilitando o paralelismo que o Tribunal pretendeu fazer. De facto, nos citados acórdãos, desde logo se confirma que quase todos os ali lesados configuram indivíduos com menos de 30 anos (isto é, com metade da idade do aqui Assistente).
CI. Acresce que todos aqueles casos dizem respeito a danos causados por acidentes de viação, pelo que, vigorando, em Portugal, o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, as aludidas indemnizações serão, em princípio, asseguradas por uma companhia de seguros e não, como no caso em lide, por pessoas singulares, pelo que a situação económica dos lesantes – fator a ter em conta no momento do cálculo da indemnização – no caso dos autos, por comparação àqueles acórdãos, em nada se assemelha.
CJ. Ademais, tem a jurisprudência portuguesa defendido que na quantificação do dano, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objetivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objetivamente um enriquecimento injustificado – sendo que esta última espelha, precisamente, a situação dos autos.
CK. De facto, no recurso à equidade devem observar-se as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso, pelo que se deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, mas também à sua situação económica e, bem assim, à do lesado – sendo que, transpondo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que a atribuição de uma indemnização de 40.000,00€ (quarenta mil euros) a alguém que, no presente, tem 66 anos de idade e com as demais características sociais e familiares do Assistente, sem prejuízo das demais quantias indemnizatórias atribuídas, consagra, indubitavelmente, um enriquecimento abrupto e injustificado.
CL. Deste modo, tendo em consideração o supra descrito, consideram os Recorrentes que o montante indemnizatório em cujo pagamento os mesmos foram condenados se revela excessivo, desproporcional e injusto, devendo ser revogado o Acórdão recorrido, nomeadamente quanto à condenação por danos não patrimoniais, no sentido de o respetivo montante ser reduzido para uma quantia não superior a 15.000,00€ (quinze mil euros).
CM. Pelo exposto, consideram os Recorrentes, com o devido respeito, que o Acórdão recorrido fez errada interpretação, violando os artigos 494.º, 496.º e 566.º, todos do Código Civil, termos em que se requer a V. Exas. a revogação do Acórdão recorrido, na parte de que se recorre, nomeadamente quanto à condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais.

Termos em que se requer seja o presente recurso ser declarado integralmente procedente e douta sentença de que agora se recorre alterada de acordo com o supra explicitado, assim se fazendo
J U S T I Ç A !
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O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença proferida, nos seus precisos termos.
Para o efeito e em síntese, alega o seguinte (transcrição da parte relevante):
(…)
É manifesto que é sobre uma discordância sobre factos que versa o presente recurso. E que essa discordância assenta no conhecimento, ou não conhecimento, da possibilidade do acidente resultar dos comportamentos omissivos dos recorrentes, com sequente afirmação duma conformidade com tal resultado.
Impugnando os recorrentes o referido elemento subjectivo, necessariamente teriam de impugnar validamente a matéria de facto provada, o que não fizeram.
Pelo que, no presente recurso apenas pode ser apreciado atendendo à matéria de facto fixada. Assim sendo, a matéria de facto apenas pode aqui ser colocada em causa caso se verifique algum dos vícios elencados no nrº 2, do artigo 410.º, Código de Processo Penal: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova.
Mas os recorrentes não invocam nenhum destes vícios, limitando-se a manifestar a sua discordância relativamente aos factos que foram considerados como provados.
Colocam diversas questões e interrogações relativamente à matéria de facto provada, mas não a impugnaram validamente, nem identificam qual o vício de que a mesma enferma.
Nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Na valoração da prova, o julgador é livre de formar a sua convicção desde que, para tanto, a mesma não seja contra as regras da experiência, da lógica e da razão.
E mera leitura do acórdão recorrido não resulta nenhum erro notório na apreciação da prova, nenhuma insuficiência da matéria de facto, nem qualquer outro vício.
Face à sua douta fundamentação, assente na prova produzida e nas regras da experiência comum e da lógica, é manifesto que a decisão do Tribunal a quo era a única que podia ser tomada, sendo inatacável, precisamente porque foi proferida em obediência à lei.
O que os recorrentes pretendem é substituir a sua convicção à convicção do Tribunal.
O elemento subjetivo do crime, ou seja, a intenção dos recorrentes – in casu o dolo - estão demonstrados pelos factos objetivos que resultaram como provados.
O elemento subjetivo é algo do foro interno, e por isso, em regra, não é passível de prova direta. Na generalidade das situações, o tribunal adquire essa prova dos factos materiais e objetivos, por inferência, tendo em atenção as regras da experiência comum, segundo um processo lógico e racional.
Assim, a intenção dos agentes – dolosa - retira-se com facilidade dos elementos objetivos apurados e que constam da matéria de facto considerada como provada, em especial nos descritos nos artºs. 23º, 24º, 25º, 26, 27º, 28º, 29º e 30º.
O modo de atuação dos recorrentes é demonstrativo do carácter desejado, ainda que a título eventual, da sua conduta. Só quem quer praticar o facto ilícito em questão age como agiram:
i) adaptaram um cesto utilizado para bilhas de gás às forquilhas do porta-paletes;
ii) sabendo que tal cesto não era adequado àquele equipamento, e que não existia qualquer sistema de fixação segura entre eles;
iii) abstiveram-se de adquirir/ceder equipamento adequado á realização da tarefa pelo trabalhador (plataforma elevatória; cinto com arnês ligado a ponto fixo; capacete);
iv) falta de formação e instruções ao trabalhador para a realização em segurança da tarefa concreta.
Alegam os recorrentes que a sua conduta apenas lhe pode ser imputada a título negligente, e não a título de dolo, ainda que eventual.
Face à matéria de facto considerada como provada, a qual se encontra aqui definitivamente fixada - nomeadamente o teor dos artºs. 32º, 33º e 34º - é notório que os recorrentes agiram com dolo no que concerne ao perigo, e com negligência consciente no que concerne ao resultado concreto.
DO DOLO EVENTUAL VERSUS NEGLIGÊNCIA:
O “dolo eventual é ainda uma forma de decisão de realização do facto típico, ou, em última análise, decisão pela lesão do bem jurídico, especificando-se que «na situação de dolo eventual o agente, ao aceitar o risco da verificação do resultado típico (“conformando-se” com ele, nos termos do nº 3 do artigo 14º do Código Penal), preferindo-o aos custos da não realização da sua conduta, inclui essa aceitação nos fundamentos da sua decisão e opta pela lesão do bem jurídico.”.(Fernanda Palma, in Tentativa Possível em Direito Penal, 2006).
No dolo eventual o autor considera como possível a realização do tipo legal e conforma-se com isso.
Na negligência consciente o autor reconheceu na verdade o perigo concreto, mas não o tomou seriamente em conta, porque, em virtude de uma violação do cuidado devido em relação à valoração do grau de risco ou das suas próprias faculdades, nega a concreta colocação em perigo do objeto da acção, ou, não obstante considerar seriamente tal possibilidade, confia, também de forma contrária ao dever, em que não se produzirá o resultado lesivo.
Na negligência consciente verifica-se a imprudência temerária do agente; no dolo eventual a sua aceitação, pelo que entre uma e outra a diferença é muito ténue.
Precisada a existência de um crime de comissão por omissão com base numa relação de causalidade fundada num dever de garante pelos recorrentes importa agora que nos debrucemos sobre a modalidade de dolo existente.
Como refere Jeschek, o dolo eventual significa que o autor considera seriamente como possível a realização do tipo legal e conforma-se com ela.
O conteúdo da culpa no dolo eventual é menor que o das outras classes de dolo, porque aqui o resultado não foi tido como adquirido nem tido como seguro. Permanecem no dolo eventual, por um lado, a consciência da existência de um perigo concreto de que se realiza no tipo, e por outro, a consideração séria, por parte do agente, da existência deste risco.
Considerar-se o perigo como sério significa que o agente calcula como relativamente alto o risco da realização do tipo. Deste modo obtém-se a referência á magnitude e proximidade do perigo, necessária para a comprovação do dolo eventual. Á representação da seriedade do perigo deve adicionar-se a exigência de que o autor se conforme com a realização do tipo.
Significa o exposto que o agente, decidindo alcançar o objectivo que se propõe, assume a realização do tipo legal como possível, suportando o estado de incerteza existente na acção. Esta postura do agente, caracterizada como um conformar-se com a probabilidade de produção do resultado, não é um componente da vontade de acção, mas um factor de culpa: ao autor reprova-se num grau distinto da negligência consciente em virtude da sua deficiente atitude mental em relação á pretensão de respeito pelo bem jurídico protegido, e isto, porque naquela negligência é certo que reconhece o perigo, mas confia na não produção do resultado típico.
Fazendo apelo á lição do Professor Figueiredo Dias, a concepção hoje largamente dominante em relação á conformação do dolo eventual é conhecida doutrinalmente como teoria da conformação; e é ela que consta expressamente do art. 14.°-3 "Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização". Parte da ideia de que o dolo pressupõe algo mais do que o conhecimento do perigo de realização típica. O agente pode, apesar de um tal conhecimento, confiar, embora levianamente, em que o preenchimento do tipo se não verificará e age então só com negligência (consciente).
Como refere o mesmo Autor essencial se revela na doutrina da "conformação que o agente tome a sério o risco de (possível) lesão do bem jurídico, que entre com ele em contas e que, não obstante, se decida pela realização do facto. Fica, assim, prejudicada no essencial a conotação meramente psicologista da "confiança" na não produção da consequência representada como possível e, em vez dela, avulta, normativamente, o essencial: o indício que a afirmação do dolo do tipo confere de existência de uma culpa dolosa.(…)
De dolo eventual se fala, numa palavra, a propósito de todas as circunstâncias e consequências com que o agente, em vista da autêntica final idade da sua acção, se conforma ou se resigna com a verificação das mesmas.»
O cerne da questão está em determinar se o critério da conformação consegue manter-se estranho à questão da probabilidade da realização típica.
Para Figueiredo Dias a resposta terá de ser negativa: pois não deve dizer-se que o agente tomou a sério a possibilidade de realização se esta é manifestamente remota ou insignificante, salvo se uma tal "distância" for claramente "compensada" por uma decidida vontade criminosa.
A questão em apreço assume é assaz relevante nos casos em que o agente não pensou no risco, nem muito menos o tomou a sério ou sequer entrou com ele em linha de conta, em virtude da completa indiferença que lhe merece o bem jurídico ameaçado.
Quando o agente revela uma absoluta indiferença pela violação do bem jurídico - apesar de ter representado a consequência como possível e a ter tomado a sério - sobrepõe de forma clara satisfação do seu interesse ao desvalor do ilícito e por isso decide-se (se bem que não sob a forma de uma "resolução ponderada", ainda que só 'implicitamente, mas nem por isso de forma menos segura) pelo sério risco contido na conduta e, nesta acepção, conforma-se com a realização.
É exactamente este posicionamento perante o risco que surge como critério separador entre figuras que detêm uma topografia próxima: in casu os recorrentes tomaram consciência do risco concreto existente para o trabalhador na realização daquela tarefa concreta – até porque este a realizava frequentemente - mas não o tomaram seriamente em conta, porque em virtude de uma violação do cuidado devido em relação á valoração do grau de risco ou das suas próprias faculdades negaram a concreta colocação em perigo do objecto da acção, ou, não obstante considerar seriamente tal possibilidade, confiaram, também de forma contrária ao seu dever, em que não se produziria o resultado lesivo.
A matéria de facto considerada como provada é assaz elucidativa sobre a existência de dolo eventual, sendo certo que a circunstância de estar aqui em causa uma conduta omissiva não assume particular relevância.
Os recorrentes ao omitirem os cuidados que podiam, e deviam ministrar, conformaram-se com o resultado da ofensa à integridade física que poderia advir como resultado da sua omissão.
Está-se, pois, sem dúvida, perante um caso de dolo eventual.
*
Aliás, os recorrentes laboram em erro quando alegam que foram pronunciados pelo crime na sua forma negligente, e que, apesar disso foram condenados por dolo.
Alegam que foram pronunciados pela forma negligente do crime, invocando que a pronúncia se refere ao art. 15º, al. a), do C. Penal, e que aqui foram condenados por referência ao art. 14º, nº 3, ambos do C. Penal.
Tal não é correcto.
No que concerne ao elemento subjectivo, os recorrentes foram pronunciados e condenados pelo mesmo normativo: 152º-B, nº 1 e nº 3, al. a), do C. Penal, o qual á forma dolosa quanto à criação de perigo (a negligência encontra-se prevista no nº 2 do referido normativo).
II – DA MEDIDA DA PENA:
Os recorrentes singulares insurgem-se também contra a medida das penas concretas que lhe foram aplicadas, entendendo serem excessivas.
Foram-lhe aplicadas as seguintes penas:
● B…: 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
● C…: 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
O M.P. discorda de tal entendimento.
A moldura penal abstracta do crime aqui em causa é, para as pessoas singulares, prisão de 2 a 8 anos, quando doloso, e para as pessoas singulares, pena de prisão de 1 a 5 anos, quando negligente.
A punição visa a reintegração do arguido na sociedade e a protecção dos bens jurídicos protegidos – cfr. art. 40º, do Código Penal – ou seja a punição tem finalidades preventivas, quer especiais quer gerais.
De facto, nos termos desta norma, reconhece-se a dignidade da culpa enquanto pressuposto irrenunciável da punição, fixando o limite máximo e inultrapassável da medida da pena.
A “protecção de bens jurídicos” refere-se às necessidades de prevenção geral, ou seja, à reintegração das expectativas da comunidade na validade da norma jurídica violada.
Por outro lado, as necessidades de prevenção especial são referidas pelo legislador como “a reintegração do agente na sociedade”, referindo-se à reinserção social, tendo em conta o concreto agente do crime.
A determinação da medida da pena é, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção do crime, mas considerando também nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que o determinaram e as condições pessoais e económicas do agente.
*
O processo de escolha e determinação da medida das penas encontra-se detalhada e correctamente exposto na douta decisão recorrida, pelo que que pouco mais se oferece dizer sobre o mesmo.
No caso em apreço, foram ponderadas, em desfavor dos arguidos singulares a ilicitude mediana dos factos e a sua conduta omissiva altamente reprovável. Tudo isso aliado às elevadas necessidades de prevenção geral relativamente ao crime aqui em apreço.
A seu favor, o encontrarem-se integrados sócio e profissionalmente e não possuírem antecedentes criminais.
Em suma, conjugados todos estes elementos, afigura-se que nenhuma censura merece a pena que lhes foi aplicada.
Pelo exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo manter-se nos seus precisos termos, assim se fazendo a acostumada
JUSTIÇA.
*
O assistente/ofendido apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso.
Para o efeito e em síntese, alega o seguinte (transcrição da parte relevante):
(…)
Relativamente às duas primeiras questões suscitadas pelos arguidos (terem agido com negligência e não com dolo; e as penas que lhes foram aplicadas serem desproporcionais e violadoras do disposto no artigo 71º do C.P.) dá como reproduzida a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério público em 05/05/2021, ao qual adere na integra, devendo, por conseguinte, o recurso não merecer qualquer provimento, mantendo-se, nessa parte, o decidido na primeira instância, como ali se conclui.
Relativamente à questão da justa indemnização pelos danos sofridos pelo Ofendido E…, dir-se-á o seguinte:
a) - Relativamente aos danos patrimoniais, na vertente de IPP/dano biológico:
Entendem os recorrentes que a quantia indemnizatória de €63.000,00 fixada pelo Tribunal pelo dano biologico é excessiva, violando as disposições legais dos artigos 562º, 564º, 566º e 473º do C.Civil, dado que a mesma jamais poderia ter sido fixada em quantia superior a €15.558,80.
Isto porque, no seu entendimento, se deve fazer uso exclusivo da fórmula matemática que indicam para apuramento do seu valor indemnizatório, acrescentando ainda que nela se deve ter em linha de conta apenas o rendimento anual liquido auferido pelo sinistrado à data do acidente, a esperança média de vida activa profissional (e não a esperança média de vida) e ainda o beneficio pelo recebimento antecipado.
Porém, importa salientar que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui uma integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas psíquicas, deverá compensá-lo - para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente – também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente refletida no nível de rendimento auferido.
Isso porque a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais» (Ac. do STJ de 10-2-2012, proc. 632/2001.G1.S1)).
Nesta perspetiva, deve ser aditado ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do mencionado dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, arredadas definitivamente pela capitis deminutio de que passou a padecer o recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal do lesado.
E foi tudo isso que o Tribunal a quo fez, fundamentando devidamente a forma de cálculo de indemnização que atribuiu ao Autor, sendo os valores a que chegou perfeitamente aceitáveis em função da jurisprudência corrente, da forma de cálculo adotada e dos critérios que à sua respectiva fixação subjazem.
Senão vejamos:
A este respeito, lê-se o seguinte na sentença recorrida:
“Como assim, o cálculo do quantum indemnizatório, fixado para reparação pela perda de capacidade aquisitiva futura, tem, necessariamente, por base critérios de equidade que assentam numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, ainda que sem colidir com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não por em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade14.
Perante esta realidade, é de ponderar, desde logo, tendo em conta a jurisprudência do STJ:
- a idade do lesado;
- o seu grau de incapacidade geral permanente;
- as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par com outro fator que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, ou da previsível atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as concretas competências do lesado. 15
Neste contexto, e como se salienta no Acórdão do STJ de 10-11-2016, “Não parece efectivamente que a vertente patrimonial do dano biológico – consistente essencialmente em determinar em que medida é que, para além da perda efectiva de rendimentos ocorre também a perda de chance profissional como consequência das sequelas das lesões sofridas – se possa cindir ou autonomizar totalmente da quantificação do dano patrimonial futuro – sendo este precisamente o resultado da adição ou soma dos prováveis rendimentos profissionais futuros perdidos, face ao grau de incapacidade que afecta permanentemente o lesado, e da perda inelutável de oportunidades profissionais futuras, inviabilizadas irremediavelmente pelas limitações físicas de que passou a padecer de modo definitivo. E, assim sendo, considera-se que, ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.”
Por conseguinte, em função da posição que vem sendo reiteradamente afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da indemnização do dano biológico e na sua vertente patrimonial não está em causa apenas e só a futura e previsível perda de capacidade de ganho, associada à incapacidade permanente geral que afecta o lesado e o impede em absoluto de levar a cabo a sua profissão habitual ou outra equivalente e no âmbito das suas competências e habilitações, mas, ainda, a perda de oportunidades profissionais futuras, num mercado de trabalho cada vez mais instável e exigente, oportunidades essas inviabilizadas irremediavelmente pelas limitações físicas de que passou a padecer em definitivo.
Ainda neste âmbito, e conforme é também posição pacífica da jurisprudência, a indemnização para reparação da perda de capacidade futura de ganho deve apresentar como conteúdo pecuniário “um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extinguirá no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado“, sem deixar, ainda, “de levar em consideração a natural evolução dos salários”.
Por último, é ainda de registar que, “sendo a indemnização paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros”, importará “introduzir um desconto no valor achado, condizente com o rendimento de uma aplicação financeira sem risco e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal, que julgará equitativamente.” 16
No entanto, como se salienta no Acórdão do STJ de 29-10-2019, citado, este recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos mais recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos a prazo pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (mesmo até negativo), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento ao lesado. Tendo isto presente, no caso dos autos, mostra-se provado que o demandante ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 34 pontos e encontra-se impossibilitado de trabalhar na sua profissão habitual (empregado indiferenciado) e em outras atividades dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Tinha à data do acidente 62 anos de idade [nasceu a 26-06-1955].
O limite provável da vida ativa de uma pessoa será até aos 66 anos e meio e a esperança média de vida para um indivíduo do sexo masculino é atualmente de 78 anos, pelo que a perda de capacidade de ganho será ponderada até aos 66 anos e meio e o dano biológico até aos 78 anos, pois tendo a indemnização como premissa a esperança de vida, tal significa que, no que respeita ao hiato temporal entre a idade da reforma e o limite da esperança de vida, o demandante acabaria por acumular a indemnização com a pensão de reforma que sempre iria receber, mesmo que não tivesse sofrido o acidente.
Por outro lado, apesar de o acidente ter ocorrido em 24-10-2017, quando o demandante tinha 62 anos de idade, este viu a consolidação médico legal das suas lesões ocorrer no dia 06-12-2018 e já se atendeu supra a todos os salários que lhe eram devidos desde a data do acidente até essa data, pelo que nessa parte se atenderá à repercussão das sequelas na sua atividade profissional apenas a partir dessa data, sob pena de duplicação.
Dos factos provados resulta, também, que na data do acidente o demandante auferia um vencimento base mensal de €590,00, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão diária de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado, o que corresponde a um vencimento anual de €9.724,10 [(€590,00 x 14 meses) + (€6,05 x 22 dias x 11 meses)].
Atender-se-á, também, à ausência de culpa concorrencial na produção do acidente por parte do demandante.
Tudo ponderado, conjugado com os critérios objetivos seguidos pela jurisprudência e fixação de indemnização em casos similares, pois, na verdade, independentemente da variabilidade própria de cada caso concreto, importa que a fixação dos danos, sejam do foro patrimonial ou não patrimonial, se guiem por critérios com alguma objetividade, sob pena de ser posta em causa a segurança jurídica e o princípio da igualdade, entendemos que a indemnização nesta sede dano biológico/dano patrimonial futuro, deverá ser fixada em €63.000,00.”
Não poderia o Tribunal a quo ter deixado de balizar da indemnização tendo em conta a vida física e não a vida activa/profissional.
De facto, como se sabe, a lei, quanto aos danos patrimoniais, manda atender, entre outros, aos danos futuros desde que sejam previsíveis (artº 564º, nº 2 do Cód. Proc. Civil), nos quais, pela sua previsibilidade, não se poderão deixar de incluir os decorrentes da redução da capacidade de ganho resultante de acidente.
Com efeito, a diminuição da capacidade permanente para o trabalho constitui um dano futuro de natureza patrimonial, cuja reparação se justifica independentemente de na prática envolver ou não uma perda efectiva ou imediata da remuneração auferida, isto porque a desvalorização funcional sofrida, em última análise, sempre poderá comportar para o lesado um esforço suplementar no exercício da profissão e até prejuízo para a ascensão na carreira.
Assim, o grau de incapacidade sofrido pelo sinistrado será o primeiro, e quiçá, mais relevante elemento de ponderação a não perder de vista para arbitramento de uma indemnização adequada ao caso em juízo, já que o maior ou menor grau de desvalorização estará na ordem directa da menor ou maior capacidade de ganho, bem como do maior ou menor prejuízo para a progressão da carreira.
Outro elemento de toda a relevância e que o Tribunal a quo não poderia ter olvidado, é a idade do lesado à data do sinistro, na medida em que a indemnização a fixar não podia deixar de tomar em linha de conta a esperança de vida profissional activa da vítima e bem assim, da própria esperança da sua existência para além do termo da actividade laboral.
Efectivamente, atingida a idade da reforma o lesado poderá, quiçá se não fosse o acidente, continuar a trabalhar e, em todo o caso, poderá continuar a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a auferir um rendimento equivalente à pensão que receberia se não tivesse sido afectado na sua capacidade de ganho.
Na verdade, ganhou corpo a corrente da jurisprudência que entende que no cálculo dos danos futuros se deve ter em consideração, não apenas a esperança média de vida activa da vítima, mas também a própria esperança média de vida, uma vez que, como é sabido, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude de entrar na situação de reforma, sendo exemplo disso o Ac. do STJ, de 13.03.2003, in AJ, 47º/48º - 33, onde se pode ler que:
“No cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros, resultantes da incapacidade física, deve atender-se à esperança de vida da população (...) No cálculo da indemnização por danos patrimoniais, decorrentes dos sofrimentos que afectarão o lesado ao longo do resto da sua vida, deve atender-se ainda à idade que este apresenta no momento da lesão, de forma que seja mais ou menos elevada consoante a esperança de vida durante a qual esses sofrimentos se vierem a manifestar”.
Veja-se ainda o douto aresto de 31.03.2004, disponível em http://www.dgsi.pt/stj, segundo o qual, conforme jurisprudência corrente e recente do Supremo Tribunal de Justiça, no cálculo dos danos futuros, deve ter-se em conta a esperança média de vida e não a esperança média de vida activa do lesado.
E ainda o Ac. da Relação de Coimbra proferido no procº nº 141/04.5 TBSVV.C1 (3ª Secção), onde se pode ler a este propósito, que:
“… Está demonstrado nos autos o dano definitivo de natureza anatómico-funcional e psico-sensorial resultante dos ferimentos sofridos no embate de veículos …
… É inquestionável, nesta situação, o dever de indemnizar os danos futuros porque previsíveis que, evidentemente, recai sobre o lesante …
… Constitui orientação tradicional da jurisprudência que tal indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que se privou o lesado e que se há de extinguir no termo do período provável de sua vida, estimado na base da sua esperança média de vida (e não apenas no termo de sua vida laboral)”.
Também se pode ler no Ac. deste STJ de 04.05.2010, in www.dgsi.pt, “A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou implicar para o lesado um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas. …
Em tese geral, as perdas salariais resultantes de acidentes de viação continuarão a ter reflexos, uma vez concluída a vida activa, com passagem à reforma, em consequência da sua antecipação e/ou menor valor da respectiva pensão, se comparada com aquela a que teria direito se as expectativas de progressão na carreira não tivessem sido abruptamente interrompidas.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou a omissão lesiva em causa. Nas hipóteses em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduz em perda de rendimento de trabalho, deve todavia relevar o designado dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado”.
E esta posição faz todo o sentido, pois que se se procura, com a indemnização a fixar, ressarcir a diminuição da capacidade de ganho e se esta diminuição não deixará de repercutir-se no montante da pensão que o lesado virá a usufruir na situação de reforma, será também justo e equitativo que a mesma indemnização seja abrangente dessa parcela da vida, tanto mais sendo normalmente a mais desajustada e carecida de algum auxílio devido ao parco valor das reformas.
Assim, há que ter em conta (no que ao presente recurso importa) as perdas de ganho decorrentes de uma diminuição da respectiva capacidade para actividades físicas, incluindo profissionais, mas também extra-profissionais (de lazer, de ócio, …).
De facto, o dano biológico traduzido na perda parcial da disponibilidade e uso do corpo para os normais afazeres do dia-a-dia (que não só os profissionais) e fixados numa incapacidade geral ou anatomo-funcional/fisiológica é um dano indemnizável de per si.
Mas não só.
Mesmo quando a incapacidade não afecta a capacidade de ganho, a jurisprudência maioritária segue como orientação já quase unânime a de que a incapacidade parcial permanente é ela própria um dano de carácter patrimonial presente, ainda que não determine diminuição do rendimento do trabalho, porque se traduz num agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas diárias no trabalho, acarretando-lhe um esforço suplementar.
Diz-se ainda que essa penosidade derivada desse dano biológico deve ser indemnizada a título de danos futuros, mesmo que não haja perda de rendimentos: trata-se de indemnizar “a se” o “dano corporal” sofrido, quantificado por referência a um índice 100 (integridade psicossomática plena), e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de correcta privação de angariação de réditos.
Em suma, pretende-se essencialmente compensar a definitiva incapacidade parcial para o trabalho (incapacidade directa ou não, para o trabalho profissional ou qualquer outro tipo de actividade), pela atribuição de uma quantia que durante o período de tempo pretendido contemplar corresponda não só à perda económica que sofreu, como ao esforço acrescido que teve de fazer para obter o mesmo resultado, mas de tal modo que, no fim desse período essa quantia se ache esgotada.
Outro elemento que não pode deixar de ser considerado é efectivamente o valor da retribuição auferida pelo lesado, valor que deve ser o correspondente ao salário ilíquido auferido à data do acidente, nele se integrando todas as prestações com carácter de regularidade.
Mas mesmo que assim não fosse, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, a verdade é que não se poderá esquecer que, por via de regra, o salário auferido pelo sinistrado está sujeito a uma evolução ao longo do tempo no sentido da sua bonificação (salvo os casos de topo de carreira).
E mesmo que se não possa, de antemão, ponderar tal evolução em qualquer processo de cálculo a realizar, sempre servirá a mesma para contrabalançar o aparente benefício de o lesado receber antecipadamente a indemnização e não se veja motivo para que por este facto se reduza o montante a arbitrar.
Em todo o caso não será de negligenciar a situação de o lesado por força da sua condição ser detentor de uma perspectiva de carreira profissional de futuro promissor e que tenha sido comprometida em função das sequelas decorrentes do acidente.
Para além dos elementos de ponderação acima mencionados, é sabido que, como se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2004 disponível em http://www.dgsi.pt/stj, a decisão relativa ao montante indemnizatório da perda da capacidade de ganho exige ainda uma ponderação subordinada, em último termo, à equidade, ou seja, uma ponderação casuística, concreta, e prudencial desse dano, à justiça do caso concreto.
O que tudo significa que, em conformidade com a jurisprudência consolidada na matéria, os cálculos baseados em “tabelas financeiras” ou outras formulas matemáticas têm uma função meramente indicativa ou auxiliar, orientadora, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade, a que deve o julgador lançar mão ara ajustar a indemnização ao caso concreto.
E, concordando-se com o que se diz no Ac. da Relação de Lisboa, de 25.02.2010, pesquisado em www.dgsi.pt, nem sequer será necessário recorrer a sofisticadas tabelas financeiras para se chegar a um valor razoável de avaliação a efectuar da redução da capacidade de ganho da vítima, bastando apenas entrar em linha de conta com os elementos de ponderação que acima se deixaram mencionados, e efectuar as lineares operações matemáticas que os cálculos importam, temperados pela equidade, que não poderá ser um aleatório palpite para a situação, mas a busca da solução mais justa em face da sua especificidade e da consciência do julgador.
Revertendo ao caso dos Autos, tendo em conta todas as reflexões acima referidas e bem assim: que o Autor apresenta, em consequência do acidente, um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 34 pontos, encontrando-se impossibilitado de trabalhar na sua profissão habitual (empregado indiferenciado) e em outras atividades dentro da sua área de preparação técnico-profissional; que as sequelas de que ficou a padecer em consequência do acidente dos autos afetam de maneira grave a capacidade de o assistente utilizar o seu corpo, os sentidos da audição e do olfato, e bem assim a sua capacidade de trabalho, além de desfigurarem, de maneira não grave, o seu corpo; que, após o acidente/queda em altura e em virtude das sequelas decorrentes desta, o demandante viu afetada a sua integridade física e psíquica, com repercussões nas atividades da sua vida diária, incluindo familiares e sociais, tendo as já referidas sequelas do traumatismo crânio-encefálico grave e da face, hematomas e fraturas, de que resultaram síndrome comocional, perturbações sensitivas (hiposmia, hipoacusia e acufenos à direita), alterações de memória, alterações da coordenação motora, vertigens pós-traumática, ombros dolorosos e agravamento das dores nos joelhos; que tinha à data do acidente 62 anos de idade; que o limite provável da vida ativa de uma pessoa será até aos 66 anos e meio e a esperança média de vida para um indivíduo do sexo masculino é atualmente de 78 anos, pelo que a perda de capacidade de ganho será deverá se ponderada até aos 66 anos e meio e o dano biológico até aos 78 anos; que o vencimento base mensal enquanto trabalhador por conta de outrem era de € 590,00, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão diária de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado, o que corresponde a um vencimento anual de €9.724,10 [(€590,00 x 14 meses) + (€6,05 x 22 dias x 11 meses)] – reputa-se como justa e equitativa a indemnização fixada pelo Tribunal a quo de € 63.000,00, nenhum reparo merecendo a douta sentença recorrida.
Acresce ainda que, também não pode merecer o acolhimento desse douto Tribunal o argumento dos recorridos, no sentido de que, sendo a indemnização paga de uma só vez, tal permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que, ao montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, para o que deve ser igualmente considerado o facto de se manter o vinculo laboral com a sociedade arguida, o que significa haver possibilidade de obtenção de futuros lucros.
Por um lado, porque tal como se considerou no acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 19.4.2018, revista nº 196/11.6TCGMR.G2.S1, (Relator: António Piçarra), disponível em www.dgsi.pt, “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento.”;
Por outro porque, a situação do Autor, a quem foi atribuída, como acima se deixou dito, uma desvalorização funcional permanente de 34 pontos e uma incapacidade permanente para o seu trabalho habitual, equivale na prática a uma incapacidade total (Cfr, neste sentido, o acórdão do STJ de 02/05/2012 (proc. n.º 1011/2002.L1.S1) que se reporta a caso muito similar, acessível em www.dgsi.pt.), na medida em que ficou impossibilitado de exercer o trabalho que sempre exerceu desde há cerca de 20 anos, não tem formação profissional para o exercício de outra atividade, ficou a padecer de fortes limitações ao nível da sua mobilidade, o que, associado à idade actual (66 anos de idade) e às crescentes exigências do mercado laboral, torna praticamente impossível a obtenção de um trabalho estável e permanente, à semelhança daquele que possuía e que, não fora o acidente, manteria.
Ponderando, pois, a total perda de rendimentos e a significativa perda de capacidades, com a inerente restrição ao exercício de uma profissão ou de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pela Autora, jamais poderá operar-se qualquer redução/desconto, no valor achado, como pretendem os recorridos, dada a dramática situação em que o Autor ficou, em que avulta a privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente em razão das graves sequelas que a afectam, bem como no esforço acrescido que o relevante grau de incapacidade irá envolver para o desempenho de quaisquer tarefas por banda daquele.
Vale isto por dizer, uma vez mais, que não se descortinam quaisquer motivos para, como pretendem os recorrentes, ser reduzida a indemnização fixada pelo dano biológico, nos termos por eles preconizados.
b) - Relativamente aos danos não patrimoniais:
Pode-se ler, nesta matéria e além do mais, na sentença recorrida, que:
“No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do acidente para o demandante assumem evidente gravidade e dignidade muito significativas, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais, cumprindo, apenas, determinar o seu quantum em termos de valor pecuniário.”; e
“Ora, tendo presentes as considerações que antecedem e no que ora releva, resulta da factualidade provada o seguinte:
Para a produção do acidente não contribuiu qualquer ato culposo do demandante. Esteve em internamento hospitalar e, na sequência de alta hospitalar a 15 de dezembro de 2017, foi orientado para consulta externa de neurocirurgia, transferido para um centro de reabilitação, onde permaneceu até 21 de março de 2018, deambulando com ajuda de muletas e sendo-lhe prescrita fisioterapia e acompanhamento médico.
Esteve internado durante 148 dias, tendo sido submetido a três cirurgias à cabeça, tendo estado internado na unidade de cuidados intensivos sob ventilação assistida.
Foi submetido a consultas, tratamento medicamentoso e de reabilitação funcional, durante 260 dias. Teve alta clínica a 21-03-2018 e a consolidação médico legal das lesões apenas ocorreu a 06-12-2018, ou seja, mais de um ano após o acidente.
Tendo em conta o tipo de traumatismo, a gravidade das lesões resultantes, os tratamentos efetuados (que como já se referiu incluiu intervenções cirúrgicas) e o período de recuperação funcional, com as inerentes dores, sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
Na sequência do acidente ficou a padecer de diversas sequelas, designadamente a nível neurológico (como amnésia para o acidente e para eventos imediatos a este), perturbações sensitivas (a nível dos ouvidos e do olfato), alterações de coordenação motora e síndrome comocional, com as descritas implicações que decorrem da factualidade provada [com exclusão da parte com implicações patrimoniais a que já se atendeu].
Apresenta, ainda, cicatrizes, designadamente no crânio e no abdómen e agravou-se a sua marcha claudicante, sofrendo um dano estético permanente de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente, não se esquecendo, porém, que já antes do acidente o demandante sofria de dores nos joelhos e claudicava.
Além disso, o seu quadro sequelar justifica o mantimento de vigilância clínica regular pela especialidade de neurocirurgia, assim como de medicação médicopsiquiátrica, com vista a evitar, na medida do possível o seu agravamento.
O demandante, à data do acidente, tinha 62 anos e, tendo-se presente que já havia sofrido a amputação de uma falange e sofria de dores e limitação da mobilidade a nível das articulações da anca e dos joelhos, não padecia de qualquer outro problema de saúde.
Ora, perante o sobredito circunstancialismo, e ponderando, ainda, que as lesões em causa o impedem em absoluto de exercer a sua atividade profissional habitual e outras atividades dentro da sua área de preparação técnico-profissional (este dano na sua vertente não patrimonial), ponderando, ainda, a sua modesta condição económica, em juízo de equidade, à luz das regras de prudência, de bom senso, de justa medida das coisas e sem olvidar os casos similares ao dos presentes autos e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, temos como equilibrado, adequado e justo, no caso dos autos, o arbitramento de uma indemnização por danos não patrimoniais o valor de €40.000,00, valor que, estamos em crer, corresponde, em casos idênticos, aos valores usuais na nossa jurisprudência.”
Como é sabido, a indemnização por danos não patrimoniais deve ter em conta, além do mais:
- a situação económica de lesado e lesante;
- as lesões sofridas;
- as sequelas de que o lesado ficou afectado;
- o sofrimento físico-psíquico por este experimentado;
- a equidade.
Segundo o artº 496º nº 1 apenas são atendíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral. Como nos ensina Antunes Varela (in “Das obrigações em Geral”, 6ª Edição, 1º, 571), os danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
Também se pode ler a este respeito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (superiormente fundamentado), de 25.11.2009 (disponível em www.dgsi.pt): “Danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada. O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o dano estético” (pretium pulchritudinis) que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de distração ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, v.g., com a renúncia a actividades extraprofissionais, desportivas ou artísticas; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; o prejuízo juvenil”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência de uma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade de caminhar, de se vestir, de se alimentar. No domínio da quantificação do dano não patrimonial, em que não entram considerações do “ter” ou “possuir”, “perder” ou “ganhar”, mas do “ser”, “sentir”, ou “sonhar”, não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real nem dá lugar a reposição por equivalente”.
Por outro lado, o cálculo do quantitativo do dano não patrimonial não pode, como se sabe, dispensar o recurso à equidade, conforme disposto nos artºs 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Cód. Civil.
Na ausência de uma definição legal, a doutrina portuguesa acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição” (Meneses Cordeiro,in O Direito, 122º/272).
Sublinha-se, a propósito da equidade:
a) que esta opera, dentro da aplicação do Direito, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto;
b) que só o juiz, e não a lei em abstracto, poderá adaptar a própria lei ao caso concreto;
c) a equidade opera não apenas a respeito de normas jurídicas, mas também no momento de apreciar a prova dos factos (Al. Nieto, in El Arbítrio Judicial, Barcelona, 2000, p. 234 e 235).
O artº 496º, nº 3 do Cód. Civil manda fixar o montante da indemnização pelo dano não patrimonial por forma equitativa, tendo em conta as circunstâncias referidas no artº 494º do Cód. Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, mais levando em conta, em todo o caso, quer os padrões geralmente adoptados na jurisprudência, quer as flutuações do valor da moeda.
Poderemos dizer de outro modo que, ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “fattispecie”, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer um mero simulacro de ressarcimento.
Os critérios jurisprudenciais constituem importante baliza para o raciocínio, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto.
Não poderão todavia deixar de ser equacionados os factores de ponderação do dano levados em conta da sentença em crise, designadamente os demais factos apurados nos Autos, pela gravidade que assumiram.
No caso de que nos ocupamos, o dano que foi violado, foi a integridade física do Autor, que viu o acidente causar-lhe danos corporais de enorme gravidade, que lhe deixaram sequelas permanentes, quer a nível psicológico, quer a nível físico, danos e sequelas essas que devem ser indemnizados de forma condigna.
E tendo por certa a factualidade dada como provada, não há duvidas que o A. foi sujeito a inúmeros e dolorosos tratamentos médicos e medicamentosos durante um longo período de tempo, sem possibilidade de recuperação total; e continua a sentir dores e incómodos que o irão acompanhar para sempre na sua vida, naturalmente com algum agravamento; ficou física e psicologicamente afectado; Passou a ter permanentes e fortes dores de cabeça, tonturas, perturbações visuais e cefaleias, havendo dias em que estes se agudizam de tal maneira que se tornam absolutamente insuportáveis (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); Com o acidente/queda em altura referido, agravaram-se as dores dos joelhos de que o requerente já padecia, que o obrigam, com frequência, a sentar-se ou a apoiar-se em algo para não cair;
Necessita, ainda, o Autor de usar permanentemente a ajuda técnica de uma canadiana que o auxilia na sua locomoção e a manter-se de pé; Ficou a padecer de alterações de coordenação motora ligeiras, que lhe dificultam os movimentos e de fazer esforços, como pegar em objetos pesados; tem uma constante sensação de dormência e de peso na cabeça (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”);
Apresenta por vezes confusão mental e tonturas (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); Sofre de amnésias frequentes (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional póstraumático”); Tem dificuldades de concentração, de associação de ideias e modificações de humor frequentes (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); Encontra-se psicologicamente abatido (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós- traumático”); Desenvolveu um quadro de depressão reativa acentuada (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); Com o referido traumatismo sofrido, as lesões dai resultantes, os consequentes tratamentos a que foi submetido (que inclui intervenções cirúrgicas) e o período de recuperação funcional, com as inerentes dores, o demandante teve um sofrimento físico e psíquico num quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.;
Essas dores agudizam-se quando o demandante efetua movimentos mais acentuados ou maior esforço; À data de 24/10/2017 o demandante era um homem alegre e trabalhador e além das dores e limitação de mobilidade já sentidas a nível das articulações da anca e dos joelhos e da amputação da falange distal do polegar esquerdo, não padecia de qualquer outra doença; À data de 24/10/2017 o demandante tinha 62 anos de idade [nasceu a 26-06-1955]; Agora, sente-se desmotivado, desgostoso, inferiorizado e complexado; E com níveis de ansiedade e stress pós acidente muito elevados (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); Tem pesadelos constantes, que lhe perturbam o seu sono; Tem consciência que a sua vida mudou para pior; Sofre de mal-estar clinicamente significativo, com repercussões graves ao nível do funcionamento pessoal e familiar; Os estímulos associados com o trauma são persistentemente evitados pelo demandante, como seja a repulsa deliberada de conversas a propósito do acontecimento traumático; Manifesta uma irritabilidade e acessos de cólera em ambiente familiar e conjugal, sobretudo em situações de frustração por não conseguir ter o desempenho como o que tinha antes, na realização das mais variadas tarefas do dia-a-dia (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); As cicatrizes descritas na factualidade dada como provada, juntamente com a deformidade da abóbada craniana decorrentes do acidente e a claudicação da marcha consubstanciam um dano estético permanente fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente; . À data do acidente/queda em altura, o demandante trabalhava para a demandada "D…" auferindo um vencimento base mensal de € 590,00, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado; Ajudava, ainda, o seu agregado familiar, cultivando, produzindo e colhendo os mais diversos produtos agrícolas, nomeadamente, milho, feijão, batatas, legumes diversos e erva para o gado, cuidando das videiras que possuíam, podando-as, sulfatando-as e colhendo depois as respetivas uvas com as quais faziam o seu vinho e criavam animais, nomeadamente vacas, porcos, ovelhas, coelhos e galinhas, o que faziam para consumo próprio, vendendo um ou outro animal ou mesmo o vinho, muito excecionalmente; após o acidente/queda em altura, o demandante não mais exerceu qualquer outra atividade profissional; Após o acidente/queda em altura e em virtude das sequelas decorrentes desta, o demandante viu afetada a sua integridade física e psíquica, com repercussões nas atividades da sua vida diária, incluindo familiares e sociais, tendo as já referidas sequelas do traumatismo crânio-encefálico grave e da face, hematomas e fraturas, de que resultaram o referido síndrome comocional, perturbações sensitivas (hiposmia, hipoacusia e acufenos à direita), alterações de memória, alterações da coordenação motora, vertigens pós-traumática, ombros dolorosos e agravamento das dores nos joelhos implicado para o demandante um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica de 34 pontos; Como consequência do quadro sequelar referido o demandante terá de manter vigilância clínica regular pela especialidade de Neurocirurgia, assim como de medicação médico- psiquátrica: (Valproato de sódio, Omeprazol, Lioresal; Sertralina, Diplexil e Aceclofenac em SOS), de modo a influenciar positivamente o quadro e evitar, na medida de possível, o seu agravamento; Era com o rendimento mensal auferido pelo demandante na "D…" que este fazia face às despesas e encargos do seu agregado familiar, posto que a sua esposa é doméstica, não possuindo o casal qualquer outra fonte de rendimentos;
Ora,
Reconhecidamente, as indemnizações por danos não patrimoniais não assumem uma natureza concretamente mensurável, importando ter em conta na sua fixação, as características dissonantes eu em matéria de facto forem apuradas, o que torna objectivamente impossível a aplicação de qualquer critério padrão.
Apesar de tudo, o STJ tem vindo a entender que não visando nestes casos a indemnização ressarcir o lesado mas antes oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, igualmente se entende que tal indemnização deve ser significativa e não meramente simbólica. Perante esta linha de raciocínio, tendo em conta as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa do A.), as quais demonstram a insuficiente cautela dos riscos inerentes à actividade desenvolvida e tendo em conta tudo o que, em consequência do acidente o A. sofreu e virá a sofrer e tudo o mais acima referida que consta da factualidade dada como provada (designadamente a extrema gravidade das lesões sofridas por este, os dolorosos e longos tratamentos a que foi sujeito, com destaque para as intervenções cirúrgicas, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para consultas, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau; o dano estético de que ficou a padecer; as intensas dores sofridas, o desgosto e amargura de, com 62 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras, em termos laborais e tudo o mais constante da matéria de facto assente) não há razões para divergir do montante fixado pelo Tribunal a quo, na medida em que se deve considerar que a indemnização atribuída a título de dano biológico é inteiramente adequada, ajustada e equilibrada em face das circunstâncias concretas do caso vertente, sendo que a mesma, a pecar, será sempre por defeito e nunca por excesso.
Não pode, pois, o douto Acórdão recorrido ser alvo de qualquer censura.
NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao presente recurso, Vªs. Exªs. farão, como sempre, a habitual
J U S T I Ç A!
*
O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer.
Pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
Objeto do recurso
Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
No caso concreto, considerando tais conclusões, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente que importa decidir:
˃ se os arguidos praticaram o crime de violação de normas de segurança com dolo ou com negligência;
˃ se a medida concreta das penas aplicadas aos arguidos se mostra excessiva, desproporcional e injusta;
˃ se a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo, no que concerne ao dano biológico/dano patrimonial futuro e às perdas salariais, se mostra excessiva; e
˃ se a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais se mostra excessiva.
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Factos provados no acórdão recorrido (transcrição):
1. A arguida “D…, Lda.”[1] é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto construções e comércio em aço inox e aço macio, com instalações sitas na Av. …, nº …, …, Oliveira de Azeméis. 2. Os arguidos B… e C… são os únicos sócios e gerentes da sociedade arguida, desde a sua constituição em 2001 até à presente data, incumbindo-lhes a sua representação, embora, no dia a dia da gestão da empresa, o arguido B… tenha maior protagonismo.
3. O assistente foi admitido ao serviço da sociedade arguida em 01/05/2003, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, mediante o pagamento de uma retribuição mensal, exercer as funções inerentes à categoria profissional de operário não especializado, funções que exercia nas acima identificadas instalações da sociedade arguida.
4. No dia 24-10-2017, cerca das 14:00 horas, quando o assistente se encontrava a laborar nessas instalações da sociedade arguida, foi vítima de um acidente de trabalho por queda de uma altura de cerca de 3 metros quando efetuava a lavagem de um depósito de armazenamento (cuba) de 28.000 litros, com cerca de 6 metros de altura, tarefa que fazia parte do exercício das suas funções.
5. Essa queda ocorreu quando o assistente se encontrava no interior de uma estrutura metálica em forma de cesto operada por uma máquina carregadeira com braço telescópico (grua), que assim a içara à altura necessária para a operação de lavagem do depósito, estrutura essa que, na sequência de movimentação daquele braço, viria a cair para o solo com o assistente no seu interior.
6. Com efeito, em ordem à execução da tarefa que havia sido confiada ao assistente, referida em 4., foi utilizada, para elevação do mesmo, a referida máquina, “encaixando” o dito cesto metálico nas duas forquilhas para carga paletes existentes na extremidade do braço telescópico, cesto esse que se destinava originariamente ao transporte de bilhas de gás, tendo sido pelos arguidos adaptado à função referida, sem uso de quaisquer ganchos ou pontos de fixação à máquina.
7. Por essa razão, esse cesto metálico não permanecia totalmente imóvel nem estável, estando sujeito a deslocações por via das movimentações do braço telescópico da referida máquina e dos movimentos do próprio ocupante do cesto, decorrentes, designadamente, da tração advinda do facto de nesse momento se encontrar a executar a lavagem do referido depósito com uma pistola de pressão.
8. Foi por isso que, na situação acima descrita, de uma movimentação efetuada pelo manobrador da máquina em relação ao braço telescópico resultou o “desencaixe” do cesto das forquilhas porta-paletes e queda do mesmo no solo, levando consigo o assistente que laborava transportado no seu interior.
9. No momento do acidente, a referida máquina era manobrada por F…, colega de trabalho do assistente.
10. No momento do acidente o assistente não usava capacete nem arnês.
11. Como consequência direta e necessária da referida queda em altura, o assistente sofreu traumatismo crânio-encefálico.
12. Foi, então, transportado, pelos Bombeiros Voluntários, ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar G… (….), onde foram realizados exames complementares de diagnóstico, apresentando, à entrada no Serviço de Urgência do G…, Escala de Glasgow de 13 pontos, desorientado e pouco colaborante, ferida frontal profunda com aparente fratura do seio frontal e otorragia direita, bem como queixa de gonalgia esquerda.
13. Verificou-se, posteriormente, através de TAC crânio-encefálica:
a. Volumoso hematoma subdural agudo de convexidade direita, com edema acentuado hemisférico e desvio da linha média à esquerda e herniação subfalcina;
b. Fracturas da face tipo LeFort II - fratura do seio maxilar bilateral, do seio frontal e parede da órbita esquerda com hemossinus; fratura nasal.
14. Foi então transferido para o H…, onde foi intervencionado no mesmo dia pela especialidade de neurocirurgia, com a realização de craniectomia descompressiva e drenagem de hematoma subdural agudo.
15. Esteve nessa sequência internado na Unidade de Cuidados Intensivos sob ventilação assistida e em 03/11/2017 foi operado para nova drenagem hemática de higroma hemisférico esquerdo.
16. A 07/11/2017 foi intervencionado para realização de cranioplastia e, posteriormente, submetido a realização de TAC crânio-encefálica, exame esse que revelou coleção subdural residual.
17. Posteriormente, foi transferido para o Serviço de Neurocirurgia. 18. Em 15/12/2017, teve alta hospitalar, orientado para consulta externa de neurocirurgia.
19. Foi, então, transferido para o Centro de Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia I…, onde realizou tratamentos de reabilitação funcional, com descanso no domicílio aos fins-de-semana, tendo alta clínica em 21 de março de 2018, deambulando com a ajuda de muletas e sendo-lhe prescrito programa fisioterapêutico e acompanhamento médico.
J. Como consequência direta e necessária da referida queda/acidente, além de ter sofrido as lesões/sequelas já referidas supra e ter visto agravada a sua marcha claudicante, necessitando agora da ajuda técnica de uma canadiana, o assistente sofreu, ainda, as seguintes lesões/sequelas:
a. Amnésia para o acidente e para eventos imediatos ao mesmo;
b. Crânio:
- cicatriz nacarada, com zonas deprimidas e elevadas por sobreposição óssea, indolor, cobertas pelos cabelos, curvilínea de concavidade anterior, abrangendo as regiões fronto-parieto-temporal direitas, medindo 33 cm de comprimento por 2 mm de máxima largura;
- cicatriz nacarada com vestígio de pontos de sutura, transversal, no terço interno da região supraciliar direita, medindo 3 cm de comprimento.
c. Abdómen:
- Cicatriz nacarada com vestígios de pontos de sutura, sensivelmente transversal, no quadrante inferior direito da região umbilical, medindo 9,5 cm comprimento.
d. Membros superiores:
- Mobilidades dos ombros dolorosas nos últimos graus, conseguindo levar a mão à nuca e ao ombro contralateral não conseguindo levar a mão à região lombar.
e. Membro inferior direito:
- Joelho ligeiramente em varo, com sinais de gonartrose;
f. Membro inferior esquerdo:
- Joelho em varo moderado.
20. Além destas, o assistente apresenta ainda as seguintes sequelas em relação direta com o traumatismo decorrente da queda/acidente e que lhe determinam incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual:
a. Afetação sensitiva: hiposmia (diminuição da sensibilidade do olfato), hipoacusia (diminuição da audição) e acufenos (zumbido) direitos;
b. Afetação neurológica: Síndrome comocional pós-traumático e alterações da coordenação motora.
21. Estas sequelas afetam de maneira grave a capacidade de o assistente utilizar o seu corpo, os sentidos da audição e do olfato, e bem assim a sua capacidade de trabalho, além de desfigurarem, de maneira não grave, o seu corpo.
22. Para a execução da tarefa descrita em 4., os arguidos não colocaram à disposição do assistente:
a. uma plataforma elevatória com superfície plana adequada e resguardada por guarda corpos, fixada na extremidade do braço telescópico da máquina usada, integrando-a, onde pudesse laborar sem risco de qualquer desintegração por ação de um movimento do próprio equipamento ou da pessoa que no seu interior laborasse, designadamente uma naveta porta-pessoas;
b. um cinto com um arnês de segurança ligado a um ponto fixo e resistente (das próprias instalações ou outro) e nunca apenas e só ligado ao próprio cesto, já que este também corria o risco de queda;
c. capacete de segurança.
23. Os arguidos também nunca disponibilizaram ao assistente a informação e a formação no âmbito da higiene, segurança e saúde no trabalho que era devida, com vista a pelo menos minimizar os riscos do exercício da concreta tarefa mencionada em 4., designadamente dos procedimentos de trabalho a realizar, das medidas e procedimentos de proteção a adotar antes, durante a após a realização dos trabalhos, bem como dos equipamentos de proteção individual a utilizar pelo trabalhador na execução daquele concreto trabalho em altura, expondo-o, assim, a riscos, particularmente de queda, como viria a suceder.
24. À data do acidente, os arguidos não tinham adotado na realização do trabalho em causa as medidas de segurança mais convenientes e eficazes para prevenir o risco de queda do trabalhador a operar em cima do cesto metálico, que havia sido identificado na avaliação de riscos da “J…” datada de 14/09/2017.
25. Ao procederem como referido em 23., 24. e 25., os arguidos não observaram as obrigações legais específicas devidas para a execução daquele trabalho em altura, concretamente as relativas às prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização de equipamentos de trabalho, à promoção da segurança e saúde no trabalho e as relativas à obrigação de o empregador fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença, tudo de forma a salvaguardar o risco de queda em altura.
26. Os arguidos sabiam que a adaptação de um cesto destinado ao transporte de bilhas de gás, “encaixando-o” nas forquilhas porta-paletes instaladas no braço telescópico de uma máquina carregadeira, para içar em altura o assistente quando executava a tarefa laboral de lavagem de depósitos de armazenamento de 6 metros de altura, sem sequer cuidar de o fixar a esta máquina, punha em perigo a sua vida e a sua integridade física, como, aliás, acabou por ocorrer quanto a esta última, pelo sério risco de queda.
27. Acaso os arguidos houvessem utilizado equipamento adequado à elevação do assistente, nomeadamente a plataforma elevatória com as condições indicadas em 23., a., ter-se-ia evitado a queda do assistente no solo de uma altura de cerca de 3 metros.
28. Se os arguidos tivessem fornecido ao assistente para a execução daquela tarefa um capacete de proteção e arnês com fixação a um ponto fixo e resistente (das próprias instalações ou outro) e nunca apenas ligado ao próprio cesto e dando-lhe formação e instruções quanto à forma de utilização de tais equipamentos para a execução daquela tarefa em concreto, embora não fosse evitada a queda no solo do cesto de transporte, pelo menos o assistente não cairia, pois ficaria preso pelo arnês, e, assim, teriam sido evitadas as lesões que lhe foram ocasionadas.
29. Caso os arguidos tivessem adotado na realização do trabalho as medidas de segurança acima indicadas em ordem a prevenir o risco de queda em altura decorrente da execução daquela tarefa, o qual era previsível e constava da avaliação de riscos efetuada em 14/09/2017 pela empresa “J…” e que era do seu conhecimento, o acidente não se teria verificado.
30. Competia aos arguidos, na qualidade de entidade empregadora e seus representantes legais, a implementação de todas as condições de segurança previstas na lei.
31. No entanto, os arguidos, de forma livre, voluntária e consciente, não observaram as disposições legais aplicáveis, não implementando as condições de segurança legalmente previstas para a execução da tarefa laboral acometida ao assistente, bem sabendo que desse modo o expunham a perigo para a vida, ou pelo menos de grave ofensa para a sua integridade física ou saúde, com o que se conformaram.
32. Mais representaram os arguidos como possíveis as lesões supra indicadas e a afetação grave da capacidade de trabalho do assistente e bem assim da sua capacidade de usar o corpo e os sentidos, como resultado do perigo a que estava exposto na execução da tarefa descrita em 4., atuando, porém, sem se conformarem com essa realização.
33. Os arguidos, ao omitirem a implementação de todas as condições de segurança acima descritas e previstas na lei, agiram de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Do pedido de indemnização civil[2]:
Além das lesões/sequelas mencionadas supra, decorrentes do referido acidente/queda em altura:
1. À entrada do Centro de Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia I…, o requerente queixava-se de dor no ombro e joelho esquerdo e de hipovisão, apresentando episódios de engasgamento com líquidos, tetraparésia e predomínio direito com força muscular grau 4 no hemicorpo direito e de grau 4+ no hemicorpo esquerdo, bem como rigidez dos ombros e do joelho esquerdos.
2. Aí foi submetido a programa de reabilitação integral, avaliação/reabilitação neuropsicológica; avaliação/reabilitação da comunicação e deglutinação e integração no domicilio e participação na comunidade.
3. Por queixas álgicas no ombro e joelho, foi efetuada terapêutica analgésica, infiltração de metilprednisolona na articulação acrómio-clavicular direita e infiltração de ácido hialurónico no joelho direito.
4. Quando teve alta clínica a 21/03/2018, com destino ao domicilio, além das indicações aludidas em 19., foi ainda indicado ao assistente para adotar medidas para diminuir os riscos de quedas, como sejam, a utilização de calçado fechado e remoção de tapetes da habitação.
5. Posteriormente, foi acompanhado em consultas da UCSP de …, designadamente:
- Em 23/03/2018, foi medicado, apresentando em 27/03/2018 perturbação depressiva e em 10/04/2018, queixas no joelho;
- Em 09/04/2018, mantinha medicação, deambulava com a ajuda de duas canadianas por gonalgia direita, encontrando-se ainda em tratamentos fisiátricos, estes que foram prolongados;
- A 23/07/2018, apresentava queixas no ombro e joelho direitos, efetuava marcha com uma canadiana e realizou exame radiográfico aos joelhos, com sinais de gonartrose bilateral acentuada, pelo que foi referenciado para consulta hospitalar.
- Foi ainda acompanhado em consultas de Neurocirurgia, no H…, serviço onde foi avaliado pela última vez em 16/08/2018, tendo sido nesta consulta recomendada a manutenção da reabilitação motora.
6. Apresenta, ainda, o requerente as seguintes lesões/sequelas decorrentes da queda/ acidente, a nível neurológico:
i. Ligeira hiperreflexia do tendão rotuliano esquerdo;
ii. Prova de Weber lateralizado à esquerda;
iii. Prova de Rinne ouvido direito > esquerdo;
iv. Romberg sensibilizado positivo.
7. As lesões supra descritas determinaram ao requerente uma repercussão temporária na atividade profissional total (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional total) de 408 dias (de 25/10/2017 a 06/12/2018, data fixada para a consolidação médico-legal das lesões), com afetação da sua capacidade geral de trabalho e com afetação da capacidade de trabalho profissional, dos quais 148 dias correspondem aos períodos de internamento e/ou repouso absoluto (Défice Funcional Temporário Total) e 260 dias correspondem ao restante período até à consolidação médico-legal, em que efetuou consultas, tratamento medicamentoso e de reabilitação funcional (Défice Funcional Temporário Parcial).
8. Em consequência das referidas lesões, o requerente foi submetido a diversos tratamentos médicos e medicamentosos, sem possibilidade de qualquer recuperação total.
9. Devido ao grave traumatismo crânio encefálico sofrido, o requerente ficou física e psicologicamente afetado.
10. Passou a ter permanentes e fortes dores de cabeça, tonturas, perturbações visuais e cefaleias, havendo dias em que estes se agudizam de tal maneira que se tornam absolutamente insuportáveis (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
11. Com o acidente/queda em altura referido, agravaram-se as dores dos joelhos de que o requerente já padecia, que o obrigam, com frequência, a sentar-se ou a apoiar-se em algo para não cair.
12. Necessita, ainda, o requerente de usar permanentemente a ajuda técnica de uma canadiana que o auxilia na sua locomoção e a manter-se de pé.
13. Ficou a padecer de alterações de coordenação motora ligeiras, que lhe dificultam os movimentos e de fazer esforços, como pegar em objetos pesados.
14. O requerente tem uma constante sensação de dormência e de peso na cabeça (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
15. Apresentando por vezes confusão mental e tonturas (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
16. Sofrendo de amnésias frequentes (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
17. Tem dificuldades de concentração, de associação de ideias e modificações de humor frequentes (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
18. Encontra-se psicologicamente abatido (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
19. Desenvolveu um quadro de depressão reativa acentuada (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
20. Com o referido traumatismo sofrido, as lesões dai resultantes, os consequentes tratamentos a que foi submetido (que inclui intervenções cirúrgicas) e o período de recuperação funcional, com as inerentes dores, o demandante teve um sofrimento físico e psíquico num quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
21. Essas dores agudizam-se quando o demandante efetua movimentos mais acentuados ou maior esforço.
22. À data de 24/10/2017 o demandante era um homem alegre e trabalhador e além das dores e limitação de mobilidade já sentidas a nível das articulações da anca e dos joelhos e da amputação da falange distal do polegar esquerdo, não padecia de qualquer outra doença.
23. À data de 24/10/2017 o demandante tinha 62 anos de idade [nasceu a 26-06-1955].
24. Agora, sente-se desmotivado, desgostoso, inferiorizado e complexado.
25. E com níveis de ansiedade e stress pós acidente muito elevados (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
26. Tem pesadelos constantes, que lhe perturbam o seu sono.
27. Tem consciência que a sua vida mudou para pior.
28. Sofre de mal-estar clinicamente significativo, com repercussões graves ao nível do funcionamento pessoal e familiar. 29. Os estímulos associados com o trauma são persistentemente evitados pelo demandante, como seja a repulsa deliberada de conversas a propósito do acontecimento traumático.
30. Manifesta uma irritabilidade e acessos de cólera em ambiente familiar e conjugal, sobretudo em situações de frustração por não conseguir ter o desempenho como o que tinha antes, na realização das mais variadas tarefas do dia-a-dia (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
31. As cicatrizes que acima se deixaram descritas, juntamente com a deformidade da abóbada craniana decorrentes do acidente e a claudicação da marcha consubstanciam um dano estético permanente fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
32. À data do acidente/queda em altura, o demandante trabalhava para a demandada "D…" auferindo um vencimento base mensal de €590,00, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
33. Ajudava, ainda, o seu agregado familiar, cultivando, produzindo e colhendo os mais diversos produtos agrícolas, nomeadamente, milho, feijão, batatas, legumes diversos e erva para o gado, cuidando das videiras que possuíam, podando-as, sulfatando-as e colhendo depois as respetivas uvas com as quais faziam o seu vinho e criavam animais, nomeadamente vacas, porcos, ovelhas, coelhos e galinhas, o que faziam para consumo próprio, vendendo um ou outro animal ou mesmo o vinho, muito excecionalmente.
34. Após o acidente/queda em altura e em virtude das sequelas decorrentes desta, nunca mais o demandante exerceu funções na requerida "D…" pois aquelas sequelas são impeditivas da realização da sua atividade profissional habitual, (empregado indiferenciado), bem como de qualquer outra dentro da sua área técnico-profissional (denominada Repercussão Permanente na Atividade Profissional).
35. Após o acidente/queda em altura, o demandante não mais exerceu qualquer outra atividade profissional.
36. Após o acidente/queda em altura e em virtude das sequelas decorrentes desta, o demandante viu afetada a sua integridade física e psíquica, com repercussões nas atividades da sua vida diária, incluindo familiares e sociais, tendo as já referidas sequelas do traumatismo crânio-encefálico grave e da face, hematomas e fraturas, de que resultaram o referido síndrome comocional, perturbações sensitivas (hiposmia, hipoacusia e acufenos à direita), alterações de memória, alterações da coordenação motora, vertigens pós-traumática, ombros dolorosos e agravamento das dores nos joelhos implicado para o demandante um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica de 34 pontos.
37. Como consequência do quadro sequelar referido o demandante terá de manter vigilância clínica regular pela especialidade de Neurocirurgia, assim como de medicação médico-psiquátrica: (Valproato de sódio, Omeprazol, Lioresal; Sertralina, Diplexil e Aceclofenac em SOS), de modo a influenciar positivamente o quadro e evitar, na medida de possível, o seu agravamento.
38. Era com o rendimento mensal auferido pelo demandante na "D…" que este fazia face às despesas e encargos do seu agregado familiar, posto que a sua esposa é doméstica, não possuindo o casal qualquer outra fonte de rendimentos.
39. Até março de 2018, o demandante não recebeu o que quer que fosse, nem da parte dos requeridos, nem de qualquer companhia de seguros, nem da Segurança Social, tendo auferido desta, a título de baixa médica, apenas de 22 de março de 2018 a 24 de junho de 2020, um subsídio de doença no valor global de €8.726,59, pelo que viu-se na necessidade de recorrer à ajuda de familiares.
40. Em consequência das lesões decorrentes do referido acidente, o demandante teve ainda de despender a quantia de €177,76 em medicamentos [datando a primeira fatura de março de 2018 e a última de dezembro de 2019] e a quantia de €14,68 em exames médicos.
41. O acidente/queda em altura nos presentes autos configura também um acidente de trabalho abrangido pelo seguro efetuado pela requerida “D…” junto da Companhia de Seguros K… – Companhia de Seguros S.A., tendo esta, porém, declinado toda e qualquer responsabilidade no sinistro em causa, suas despesas e consequências, pelo que nada pagou ao requerente a esse título, até ao presente.
42. No âmbito do processo nº 2044/18.7T8OAZ, que corre termos no Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, o requerente realizou o exame médico-legal (perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho), no âmbito do qual lhe foi atribuída uma incapacidade permanente parcial resultante do acidente/queda em altura de 44,8905% e ali, foi, ainda, considerado que as sequelas referidas são causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual – IPATH e que o requerente ficou a depender de ajudas medicamentosas.
Do pedido de reembolso:
43. E… é beneficiário do Instituto de Segurança Social de …, com o n.º ………….
44. Por se encontrar de baixa médica subsidiada a reclamante pagou a E…, de 22-03-2018 até 24-06-2020 a título de subsídio de doença, a quantia de €8.726,59, da qual apenas a quantia de €2.561,31 respeita ao período de baixa médica subsidiada a que E… esteve sujeito na sequência das lesões decorrentes do acidente a que se reportam os presentes autos (correspondente, concretamente, ao período de 22-03-2018 até 06-12-2018 - data da consolidação médico legal das lesões).
Da contestação:
45. Os arguidos ministraram aos seus trabalhadores algumas ações de formação, tendo ao assistente sido ministradas as seguintes:
- Plataformas Elevatórias e Transporte Mecânico de Cargas (no dia 12 de abril de 2017, com duração de 8 horas); e
- Noções Básicas de Higiene e Segurança no Trabalho (no dia 24 de março de 2017, com duração de 8 horas).
46. Naquela manhã do acidente, o assistente, juntamente com o seu colega de trabalho F…, já tinha iniciado a referida tarefa da parte da manhã, que retomou após o almoço, sendo que enquanto o assistente se encontrava dentro do cesto que a grua elevava, o colega F… estava no interior do cubículo da máquina, a manobrar a mesma.
47. O trabalhador F… já antes havia manobrado aquela máquina, mediante os ensinamentos que lhe haviam sido dados pelo arguido B… quanto às funções dos botões.
48. A empresa arguida participou à seguradora o referido acidente, tendo esta declinado a responsabilidade, por ter entendido que o acidente ocorreu por inobservância das regras de segurança legalmente impostas no local de trabalho pelo trabalhador, aqui assistente, dado que não se encontrava a utilizar equipamento de proteção individual exigido, concretamente, capacete e arnês, além de ter considerado existir, de igual modo, inobservância de normas de segurança por parte do empregador, ou seja da aqui arguida "D…".
49. A máquina carregadeira em questão estava conforme as normas comunitárias.
50. O Assistente já apresentava problemas nos joelhos anteriormente à data do acidente (coxartrose e gonartrose bilateral) que lhe provocavam dores e faziam-no coxear, tomando medicação quando necessário para o auxiliar no alívio das dores.
Da situação pessoal do arguido B…:
51. B… é natural de …, meio social de características predominantes rurais, provindo de uma família de humilde condição socioeconómica.
52. O agregado familiar além do próprio, era constituído pelos seus progenitores e uma irmã.
53. Os progenitores do arguido exerciam atividade laboral como agricultores.
54. Abandonou o sistema de ensino após a conclusão do 6.º ano de escolaridade, por alegadas dificuldades económicas da família.
55. Aos 14 anos de idade começou a trabalhar como operário na área da metalurgia, inicialmente, na empresa “L…” (no período compreendido entre 1979 a 1985/86) e posteriormente para uma empresa do Grupo “M…” (entre 1986 a 1991).
56. Em 1992, B… estabeleceu-se profissionalmente por conta própria em nome individual na área da metalurgia.
57. Em 1988, B… contraiu matrimónio com a coarguida C…, passando a residir na casa dos progenitores desta, em …, Vale de Cambra, enquanto foram reconstruindo uma habitação antiga naquela mesma localidade, para a qual se mudaram posteriormente.
58. O casal viveu na localidade de … até, sensivelmente 2016/2017, altura em que se mudaram para a morada atual em ….
59. Da união conjugal, há três descendentes: N… com 30 anos de idade, com agregado familiar autonomizado; O… com 24 anos e P… com 22 anos de idade.
60. Em 2001, B… constituiu sociedade com a conjugue, C…, designada de “D…, Lda.”, ora coarguida, que ainda se mantém em laboração.
61. A referida empresa teve sede na localidade de … até 2016, altura em se sediou em …, Oliveira de Azeméis, por considerarem terem acesso a melhores condições de infraestruturas.
62. O arguido B… exerce as funções inerentes ao cargo de gerência na mencionada empresa e está responsável pelo sector de compras da mesma.
63. A filha N…, licenciada em gestão industrial, encontra-se responsável pelo departamento financeiro e de gestão de recursos humanos.
64. À data dos factos, bem como, na atualidade B… e a conjugue vivem na morada indicada nos autos, tratando-se de um apartamento, pertença do casal, com aparentes condições de conforto inserido em meio social sem problemáticas sociais relevantes.
65. Integra o referido espaço habitacional, os filhos O… e P…, estudantes universitários dos cursos de e respetivamente, engenharia mecânica e engenharia química. O… durante a semana fica na cidade do Porto onde se encontra a estudar, vindo a casa dos progenitores ao fim de semana.
66. A dinâmica do agregado familiar encontra-se assente em laços de entreajuda.
67. Os coarguidos consideram equilibrada a situação económica da família, fruto de uma gestão ponderada de recursos.
68. B… aufere um vencimento mensal de cerca de €1.300,00 e a sua conjugue C… aufere um vencimento mensal de cerca de €1.000,00, não sabendo quantificar os gastos mensais, quer domésticos quer os relativos ao ensino universitário dos filhos.
69. B… organiza o seu quotidiano em função da sua atividade laboral e da sua família, dedicando-se nos tempos livres à atividade de caça.
70. No meio sociocomunitário, B… e a sua família, beneficiam de uma imagem positiva.
71. O presente processo não tem tido até ao momento quaisquer implicações negativas na sua esfera profissional e pessoal.
72. Em abstrato, face à natureza de factos de natureza semelhante aos constantes nos presentes autos, o arguido reconhece a ilicitude e censurabilidade dos mesmos, conseguindo atribuir/identificar a existência de vítima e danos.
Da situação pessoal da arguida C…:
Além dos factos já mencionados supra, respeitantes ao agregado familiar dos coarguidos:
C… descende de núcleo familiar de condição socioeconómica baixa.
73. Filha de pais agricultores, a arguida e seus 9 irmãos, foram criados mediante a transmissão de valorização pelo trabalho e rigidez no cumprimento das regras.
74. Concluiu o 6º ano de escolaridade, integrando o sistema de ensino através da assistência à Telescola, apoiando, em simultâneo os pais nas tarefas agrícolas.
75. Aos 12 anos já trabalhava a tempo inteiro na agricultura, quer na área de residência, quer em outras regiões para onde se deslocava por altura das vindimas e das colheitas.
76. Aos 21 anos de idade, C… contraiu matrimónio com B…, tendo a primeira filha aos 23 anos.
77. Na referida empresa "D…", C… exerce as funções inerentes ao cargo de gerência, trabalha na parte de acabamento de produção e presta apoio em atividades de caracter indiferenciado quando solicitada.
78. Em contexto familiar, C… é apresentada como pessoa dedicada à família, que valoriza o convívio e procura manter o equilíbrio desta.
79. Na comunidade local, em geral, o agregado da arguida é considerado como uma família organizada, bem inserida e conotada com valores de trabalho e de ordem social.
80. C… possui consciência crítica face à ilicitude de factos semelhantes aos dos autos.
81. Beneficia de suporte e solidariedade dos restantes membros do agregado familiar.
Quanto à situação da arguida "D…":
82. “D…, Lda.”, ainda se mantem em atividade.
83. Tem um capital social de €100.000,00 e dois sócios, os ora coarguidos B… e C….
84. Trata-se de uma pequena empresa, com cerca de 22/23 funcionários, com um montante previsível de remunerações anuais, incluindo subsídios de férias e do natal, na ordem dos €162.400,00.
»
85. Os arguidos B… e C… e a sociedade arguida "D…" não têm antecedentes criminais.
Factos não provados no acórdão recorrido (transcrição):
Com exclusão dos que também já resultam logicamente excluídos pela factualidade provada, não se provaram os seguintes factos:
- Como consequência direta e necessária da referida queda em altura, o assistente tenha perdido a consciência;
- As dores nos joelhos impeçam o requerente de se manter de pé e, na maioria das vezes, de caminhar;
- O requerente tenha sido afetado na sua orientação e que a afetação da sua coordenação motora tenha sido grave e irreversível;
- O requerente perca, por vezes, a noção do local onde se encontra;
- O facto de o requerente não ter exercido qualquer outra atividade profissional após o referido acidente tenha ocorrido em virtude de não o poder fazer, por absoluta incapacidade física e psíquica decorrente do acidente;
- A produção agrícola e a criação dos animais proporcionavam ao demandante e, consequentemente, ao seu agregado familiar um rendimento médio mensal não inferior a €150,00;
- Após o acidente, o requerente não retomou o trabalho na agricultura;
- Após o acidente, o requerente ficou impossibilitado de trabalhar na agricultura;
- O requerente tenha estado 783 dias totalmente incapacitado para exercer qualquer trabalho;
- O requerente está irremediável e definitivamente incapacitado para o exercício de qualquer atividade profissional até ao fim da sua vida;
- Em consequência do acidente e das lesões dai decorrentes, o requerente tenha suportado qualquer outra despesa, designadamente com medicamentos e em exames médicos, para além daquelas que ficaram provadas;
- Em consequência do acidente e das lesões dai decorrentes, o requerente tenha suportado qualquer despesa com deslocações de táxi;
- O requerente ainda venha a sofrer qualquer outra lesão/consequência do acidente, para além do que decorre da factualidade provada e ali se encontra previsto em 72.
Da contestação:
- Entre os arguidos e o assistente sempre existiu uma relação de grande proximidade pessoal;
- Quais foram os motivos que levaram os arguidos a contratar o assistente;
- Desde que constituíram a sociedade aqui arguida, os arguidos pautaram toda a sua atividade e atuação em conformidade com todos os dispositivos legais do nosso ordenamento jurídico;
- Em particular, no que concerne às normas e procedimentos de segurança, os arguidos sempre cumpriram – e fizeram cumprir – as mesmas;
- Os arguidos muniram os seus trabalhadores de todas os equipamentos de segurança necessários;
- As sessões de formação ministradas pelos arguidos ao assistente e ao seu colega F… tenham sido direcionadas à execução da tarefa aludida em 4. da factualidade provada e à concreta máquina operada pelo trabalhador F…;
- Em especial no que respeita ao tipo de trabalho que o assistente se encontrava a efetuar – limpeza em altura – os arguidos sempre adotaram todos os procedimentos necessários;
- Qualquer um dos arguidos alguma vez tenha dado ordens ou sequer alertado o assistente para este utilizar o capacete e/ou colocar o arnês e que este se tenha negado a fazê-lo e, nessa sequência, retorquido com as expressões indicadas na contestação;
- O assistente constantemente desrespeitava ordens dos arguidos relacionadas com a execução da tarefa em questão (lavagem de depósito em altura);
- O assistente utilizava as próprias máquinas e gruas existentes nas instalações da sociedade arguida para “brincar” com os seus colegas de trabalho, durante o horário de pausa e, por vezes, mesmo no horário de trabalho;
- O trabalhador F… conhecia todos os procedimentos a adotar no manuseamento da referida máquina quando tinha de elevar o assistente para executar o seu trabalho da forma aludida em 4. da factualidade provada;
- O trabalhador F… tinha larga experiência no manuseamento daquela máquina concreta e sabia quais os cuidados e condutas que devia efetuar com a mesma, quando tinha de elevar o assistente para executar o seu trabalho da forma aludida em 4. da factualidade provada;
- Tenha sido ministrada ao trabalhador F…, ou sequer ao assistente, qualquer formação sobre a forma de manusear e os cuidados a ter com a utilização daquela máquina concreta e muito menos quando do seu manuseamento implicasse elevar o assistente;
- Quando retomaram o trabalho da parte da tarde, o assistente e o seu colega F… não verificaram se o cesto estava encaixado e preso aos garfos da grua, com o sistema hidráulico ativo;
- O referido acidente ocorreu porque o sistema hidráulico não tinha sido ativado e, consequentemente, o cesto não estava seguro;
- Após a queda do referido cesto, os garfos da máquina encontravam-se inclinados para baixo;
- A plataforma elevatória tinha as condições adequadas para que o assistente executasse em segurança o seu trabalho da forma aludida em 4. da factualidade provada;
- A empresa arguida tinha, à data do acidente, à disposição do assistente, capacete e arnês com linha de vida e dispositivo de fixação;
- A empresa arguida deu ao assistente para a execução daquela tarefa um capacete de proteção e arnês de fixação, deu-lhe formação e quanto à forma de utilização de tais equipamentos, em ordem a prevenir o risco de queda;
- O acidente tenha ocorrido ou para o mesmo tenha contribuído qualquer atuação do assistente e/ou do seu colega F….
(…)
**
Quanto à determinação e escolha das penas, no acórdão consta o seguinte (transcrição):
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a medida da sanção a aplicar.
O crime em apreço é punível, em abstrato, com pena de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares [artigo 152.º-B, n.ºs 1 e 3, al. a), do Código Penal] e de multa de 240 a 960 dias para as pessoas coletivas [artigos 90.º-A, n.º 1, e 90º-B, n.ºs 1 e 2, do Código Penal].
A cada dia de multa, aplicável a pessoas coletivas ou entidades equiparadas, corresponde uma quantia entre € 100 e € 10.000, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores [n.º 5º do citado artigo 90º-B].
Quanto à determinação da medida da pena:
Resulta do artigo 71.º, n.º1, do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, geral e especial do agente, determinando o n.º 2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do arguido, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio "ne bis in idem", uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata).
Para o efeito, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa- e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
No caso concreto importa considerar que:
- o grau de ilicitude do facto e o modo de execução deste revestiram uma gravidade mediana, havendo a destacar o caráter bastante reprovável da conduta omissiva dos arguidos, ao não adotar as apontadas medidas de segurança, perante a forte evidência do perigo, atenta a natureza e as circunstâncias de execução dos trabalhos em causa (em altura e situado a cerca de 6 metros de altura do solo).
No que concerne à gravidade das consequências do facto e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, nada há a destacar nem a valorar nesta sede, uma vez que já fazem parte do tipo os elementos pertinentes que resultam da matéria provada, como sejam a agravação pelo resultado da ofensa à integridade física grave e a especial relação de ordem laboral entre o agente e a vítima.
Quanto à intensidade do dolo, teremos de atentar que os arguidos não quiseram, diretamente, criar perigo para a ofensa à integridade física grave da vítima, apenas o tendo aceite como consequência da sua conduta omissiva, ou, pelo menos, com ele se conformando.
Contribui para minorar, em alguma medida, o grau de culpa a circunstância de os trabalhos em causa serem assim executados de forma rotineira, sem que antes tenha havido qualquer acidente, o que poderá ajudar a compreender a atitude omissiva dos arguidos, embora sem a justificar.
A gravidade das consequências dos factos, aliada à frequente omissão de elementares regras de segurança na execução de trabalhos em altura, muitas vezes com consequências fatais, eleva as exigências de prevenção geral.
Já as necessidades de prevenção especial são pouco significativas, atenta a ausência de antecedentes criminais por parte dos arguidos, bem como a plena integração social, familiar e profissional dos mesmos.
No que respeita à arguida C… teremos de atentar no facto de ter uma atuação menos preponderante no dia a dia da gestão da empresa, demandando, portanto, uma pena mais branda do que a que caberá ao arguido B….
Sopesadas, então, aquelas agravantes e atenuantes afigura-se a este Tribunal ser adequado condenar os arguidos nas seguintes penas:
- 3 anos de prisão no que respeita ao arguido B….
- 2 anos e 6 meses de prisão no que respeita à arguida C….
- 270 dias de multa no que respeita à arguida "D…".
Relativamente à situação económica da empresa arguida apurou-se que mantem-se em atividade, tem um capital social de €100.000,00 e dois sócios, os ora coarguidos B… e C…. Trata-se de uma pequena empresa, com cerca de 22/23 funcionários, com um montante previsível de remunerações anuais, incluindo subsídios de férias e do natal, na ordem dos €162.400,00.
Perante este quadro, afigura-se-nos adequado fixar como taxa diária da multa a quantia de €110,00, perfazendo, assim, uma multa total devida de €29.700,00.
Nos termos do artigo 50.º, n.º1 do Código Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A aplicação desta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as quais se circunscrevem, de acordo com o artigo 40.º do Código Penal, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, sendo em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.
Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”. E acrescenta: para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
Por outro lado, há que ter em conta que na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.
Adverte ainda - § 520 - que apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - , a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».
Reafirma que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
No presente caso, a situação reveste uma gravidade acentuda, atenta a censurabilidade da conduta dos arguidos, ao omitir os apontados procedimentos de segurança perante a evidência do perigo assim criado, bem como as consequências graves que sobrevieram para a vítima.
Em termos de comportamento posterior à prática dos crimes, nomeadamente em audiência de julgamento, os arguidos não assumiram integralmente a sua conduta, antes procurando atribuir à própria vítima e ao operador da máquina que içava o cesto onde a vítima laborava a responsabilidade pela sua queda ao solo e as consequentes lesões/sequelas que dessa queda lhe advieram, assentes numa imputada conduta imprudente destes, que não se comprovou. Deste modo, os arguidos não revelaram um arrependimento autêntico nem uma completa interiorização do mal do crime, o que é sempre da maior importância para reforçar um juízo de prognose positivo sobre um comportamento futuro, fundamentos estes, aliás, que sempre implicariam uma não atenuação especial da pena.
Porém, não é menos verdade que ambos os arguidos não têm antecedentes criminais e não se lhes conhece qualquer outro comportamento merecedor de censura, não havendo, também, notícia do seu envolvimento na prática de outros factos ilícitos posteriormente aos acontecimentos, que já tiveram lugar há mais de três anos.
Por outro lado, encontram-se ambos inseridos social, familiar e profissionalmente, num quadro estável, afetivo, coeso, harmonioso e de entreajuda, tendo beneficiado de uma educação estruturada e normativa, sem nunca terem revelado problemas ou dificuldades a qualquer nível.
Além disso, apresentam um percurso de vida de trabalho constante e gozam de uma imagem social muito positiva.
Entende, assim, o tribunal claramente admissível a formulação de um juízo de prognose positivo sobre o comportamento futuro dos arguidos, sendo prudente concluir que a simples censura do facto e a ameaça da execução da pena de prisão serão suficientes para evitar a repetição de comportamentos delituosos e realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 e n.º5 do Código Penal, se entende ser de determinar a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada a cada um dos arguidos por igual período, atenta a redação vigente na data da prática dos factos, pois, mesmo que se aplicasse a atual redação do preceito, a pena de prisão deveria ser suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, isto é, três anos que respeita ao arguido B… e de 2 anos e 6 meses no que respeita à arguida C…, tanto mais que os arguidos continuam a ser os legais representantes da sociedade "D…", com dezenas de trabalhadores a seu cargo, o que significa que a aplicação da lei nova não é, em concreto, mais favorável para os mesmos.
No que concerne à sociedade arguida, atenta, nomeadamente, a ausência de qualquer antecedente criminal, e por se crer que, dadas as circunstâncias do caso, tal se revelará suficiente para que, no futuro, não incorra em factos de natureza semelhante, afigura-se-nos que a pena de multa, porque não excede os 600 dias, deverá ser substituída por prestação de caução de boa conduta, ao abrigo do disposto no artigo 90.º-D do Código Penal.
Podendo tal caução ser fixada entre €1.000 e €1.000.000, no caso concreto, considerando a situação económica da arguida já expressa supra, e tendo em conta o montante da pena de multa encontrada [€29.700,00], afigura-se-nos correto fixar a caução de boa conduta em € 32.000,00.
Reputa-se igualmente adequado um prazo de três anos para a manutenção dessa caução.
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Quanto ao pedido de indemnização civil (transcrição):
E… deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos pedindo a condenação destes a pagar-lhe, solidariamente:
- a quantia global de €158.310,71, a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais sofridos pelo demandante em consequência da conduta imputada aos arguidos;
- as importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença pelos danos futuros previsíveis emergentes dos tratamentos, fisioterapia e intervenções cirúrgicas a que ainda tiver de ser submetido, medicação, consultas, deslocações, despesas com os mesmos e consequências definitivas; e
- os juros de mora, à taxa legal, desde a “citação” e até efetivo e integral pagamento.
Vejamos então:
Dispõe o artigo 129.º do Código Penal que "a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil".
Como princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos, dispõe o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Decorre desta disposição legal que a responsabilidade civil pressupõe:
- um facto voluntário; a ilicitude do mesmo; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Os mencionados pressupostos legais encontram-se verificados no caso em apreço, não havendo necessidade de tecer quaisquer outras considerações, face ao já referido aquando da análise do crime em questão.
Quem estiver obrigado a indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que o obriga à reparação [artigo 562.º do Código Civil], sendo que a obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão [artigo 563.º do Código Civil].
Trata-se de um princípio geral de reposição natural, que só será afastado quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, caso em que tal indemnização será fixada em dinheiro [artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil].
Em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos [teoria da diferença consagrada no artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil].
Os danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, compreendendo aqueles, não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, ou seja, os danos emergentes e lucros cessantes.
Quanto aos danos patrimoniais:
Na fixação da indemnização deve o tribunal atender não só ao prejuízo causado, como aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão e pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis [artigo 564.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil].
Dentro dos denominados danos patrimoniais ressarcíveis, além dos danos já verificados, impõe o n.º 2 do citado artigo 564.º que sejam tidos em conta os danos futuros desde que previsíveis, isto é, os danos certos – porque redundam no desenvolvimento inelutável de um dano atual – ou, pelo menos, suficientemente prováveis ou razoavelmente prognosticáveis em função do estado de saúde do lesado e das lesões sofridas no acidente.
Trata-se, assim, neste âmbito, de ressarcir danos que ainda não se concretizaram, mas que, de acordo com o curso normal das coisas, de acordo com o que é previsível em face das circunstâncias, sempre virão a concretizar-se no futuro. Assim, a previsibilidade pressuposta no ressarcimento dos danos futuros assenta na probabilidade e na verosimilhança da sua ocorrência.
Vejamos:
Dos factos provados resulta que a Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total [anteriormente designada por incapacidade temporária profissional total] corresponde a um período de 408 dias, situado desde 25-10-2017 até 06-12-2018, data da consolidação médico legal das lesões.
Dos factos provados resulta, também, que na data do acidente o demandante auferia um vencimento base mensal de €590,00, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão diária de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado, o que corresponde a um vencimento anual de €9.724,10 [(€590,00 x 14 meses) + (€6,05 x 22 dias x 11 meses)].
Assim, em consequência das lesões sofridas, o demandante ficou durante esses 408 dias, totalmente impedido de trabalhar, perdendo, por conseguinte, capacidade de ganho, o que configura um lucro cessante que lhe confere o direito a ser indemnizado no valor de €10.869,68 [€9.724,10 : 365 dias x 408 dias].
Durante esse período, o demandante auferiu do Instituto de Segurança Social de …, a título de subsídio de doença o valor de €2.561,31 [correspondente, concretamente, ao período de 22-03-2018 até 06-12-2018 – data da consolidação médico legal das lesões - única parte do subsídio que aqui cumpre descontar, pois só nesta parte possuiu nexo de causalidade com o acidente em apreço], que aqui cumpre descontar sob pena de duplicação do respetivo ressarcimento.
Assim sendo, o valor da indemnização a título de danos patrimoniais, enquanto perdas salariais, no período em que esteve totalmente incapacitado para o trabalho [408 dias] é de €8.308,37.
É certo que as lesões de que ficou a padecer em consequência do referido acidente implicaram para o demandante uma Repercussão Permanente na Atividade Profissional impeditivas da realização da sua atividade profissional habitual (empregado indiferenciado), bem como de qualquer outra dentro da sua área técnico-profissional [à semelhança, aliás, do que ocorreu no âmbito da perícia a que foi sujeito no processo que corre termos no tribunal de trabalho, por acidente de trabalho, onde lhe foi atribuída uma IPATH]. Porém, não se pode confundir uma situação de incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho (IPA) com uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), na medida em que nesta última permanece uma capacidade funcional residual para o exercício de funções compatíveis com as lesões, suscetível de permitir ao sinistrado o desempenho de outra atividade profissional, não se esquecendo, porém, que no caso em apreço, atenta a idade da vítima (com 62 anos na data do acidente), dificilmente conseguirá emprego seja qual for a profissão.
No segmento ora em causa, os danos patrimoniais (futuros) reportam-se ao denominado dano biológico, na sua vertente de afetação do estado de saúde do demandante e do seu comprovado deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica de 34 pontos, sendo que as lesões por si sofridas em virtude do acidente são, em termos de repercussão na sua atividade profissional, impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, e bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Trata-se, portanto, de ressarcir o dano resultante da perda ou diminuição da capacidade de ganho, dano este que corresponde ao efeito, temporário ou definitivo, de uma lesão sofrida pelo lesado e que se revela impeditiva da obtenção normal de proventos no futuro como contrapartida do seu trabalho, sendo que, no caso, as sequelas sofridas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual (empregado indiferenciado) e de qualquer outra atividade profissional dentro da sua área de preparação técnico-profissional e, ainda, importa não esquecê-lo, com maior penosidade e sacrifícios na sua própria vida pessoal, ao nível das tarefas e atividades correntes do dia-a-dia, penosidade que, aliás, como bem se compreende, se irá agravar com o evoluir da idade.
Mostra-se, aqui, provado que por força das sequelas decorrentes do acidente, designadamente sequelas de traumatismo crânio-encefálico grave e da face, hematomas e fraturas, síndrome comocional, perturbações sensitivas (hiposmia, hipoacusia e acufenos à direita), alterações da memória, alterações da coordenação motora, vertigens pós-traumática, ombros dolorosos e agravamento das dores nos joelhos, o demandante tem um Défice Funcional Permanente da Integridade Física-Psíquica de 34 pontos.
Neste enquadramento, não suscita controvérsia na doutrina e na jurisprudência, a caracterização deste dano como um dano corporal, um dano na saúde (que atinge o estado normal de integridade físico-psíquica do indivíduo), futuro, pois que as suas consequências ou sequelas se projetam para futuro e com tendência para se agravarem com o avançar dos tempos, e previsível, por corresponder à «evolução lógica, habitual e normal do quadro clínico constitutivo da sequela»[3].
Assim caracterizado como um dano na saúde, é pacífico que um deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica constitui, «de per si», um dano definitivo na pessoa e na saúde do lesado, dano este que, enquanto dano biológico, independentemente da redução de rendimentos dele decorrente ou do concreto grau de incapacidade laboral por ele causada, dá sempre origem à obrigação de indemnizar a cargo do responsável.
O segmento indemnizatório aqui em apreciação situa-se no âmbito do que a jurisprudência e a doutrina têm apelidado de dano biológico ou fisiológico, que constitui, no fundo, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social.
A jurisprudência, de forma maioritária, tem vindo a considerar este dano biológico como sendo de cariz patrimonial e, por isso, indemnizável nos termos do artigo 564º, n.º 2 do Cód. Civil, sendo que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, porque determinante de consequências negativas ao nível da sua atividade geral e da sua atividade profissional, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial.
Como ensina Vaz Serra, citado por Dario Martins de Almeida[4], "um exemplo de danos futuros é o que se verifica no caso de lesões que atingem a capacidade física do lesado", pois que o corpo, visto como "instrumento de trabalho", perde capacidade ou funcionalidade para tal - o lesado fica afetado na sua capacidade produtiva e vê dessa forma diminuída a sua capacidade de auferir rendimentos com o trabalho.
Pretende-se indemnizar a limitação de que a vítima fica a padecer de utilizar o seu corpo de forma absoluta, enquanto força de trabalho e enquanto produtor de rendimento (e é sabido que nas sociedades hodiernas é através do trabalho que o comum das pessoas angaria os seus rendimentos).
Aliás, na perspetiva dos danos patrimoniais decorrentes da afetação da integridade físico-psíquica, é entendimento quase unânime, na jurisprudência o sentido de que “o dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial”[5], não sendo imprescindível que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência da incapacidade sofrida, para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial, é necessário (e bastante) que tal incapacidade, com repercussões no exercício da atividade laboral habitual, nomeadamente por força da necessidade de esforços suplementares ou acrescidos, “constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte atual de futuros lucros cessantes”[6].
Por outro lado, não é razoável ficcionar que finda a vida ativa do lesado a vida física desaparece e com ela todas as necessidades, pelo que sem embargo de se aceitar que aos 66 anos e seis meses, atinge-se a idade da reforma (Portaria n.º 30/2020, de 31 de janeiro que estabelece a atual idade da reforma), deverá considerar-se a idade que hoje corresponde à esperança de vida dos portugueses (cerca de 78 anos, para os homens e 83 anos para as mulheres, de acordo com os dados do INE publicados em 2017).
Dito isto, é sobejamente reconhecido o melindre e a dificuldade na fixação do valor indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza quanto ao tempo de vida do lesado, quanto ao tempo de vida com capacidade de ganho, a par de outras circunstâncias atinentes à evolução profissional e/ou salarial e à evolução da inflação, tudo fatores dotados de grande imprevisibilidade, imprevisibilidade agravada pela atual situação da pandemia que nos atinge e que atinge toda a economia global, com inevitáveis reflexos no nosso país.
Atendendo à delicadeza desta realidade, com que somos confrontados, o critério último há-de ser a equidade, em conformidade com a previsão legal do n.º 3 do artigo 566.º, do Cód. Civil, ante a dificuldade de averiguar com exatidão os danos.
Com efeito, segundo o dito normativo, não podendo ser quantificada, em termos exatos, a extensão dos danos, julgará o tribunal equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados.
Perante a constatação das aludidas dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, a jurisprudência foi fazendo uso de critérios tão diferentes que oscilaram entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões de incapacidade laboral e sua remição, critério que foi rapidamente abandonado, o recurso a tabelas financeiras, a fórmulas matemáticas e outros critérios mais ou menos objetivos.
Apesar disso, a própria jurisprudência não deixou de ir acentuando que os critérios sucessivamente aplicados tinham a natureza de índices meramente informadores ou orientadores da fixação do cálculo do valor indemnizatório, simples instrumentos auxiliares de orientação, não dispensando nunca o recurso à equidade, que pressupõe uma solução em sintonia com a lógica e o bom senso, com apelo às regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem apelo a critérios subjetivos e tendo sempre em conta a gravidade do dano.
Nesta perspetiva, a equidade corresponderá ao prudente e casuístico arbítrio do tribunal, norteada pela justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenham em conta, mais uma vez se sublinha, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. Como assim, o cálculo do quantum indemnizatório, fixado para reparação pela perda de capacidade aquisitiva futura, tem, necessariamente, por base critérios de equidade que assentam numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, ainda que sem colidir com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não por em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade[7].
Perante esta realidade, é de ponderar, desde logo, tendo em conta a jurisprudência do STJ:
- a idade do lesado;
- o seu grau de incapacidade geral permanente;
- as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par com outro fator que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, ou da previsível atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as concretas competências do lesado[8].
Neste contexto, e como se salienta no Acórdão do STJ de 10-11-2016, “Não parece efectivamente que a vertente patrimonial do dano biológico – consistente essencialmente em determinar em que medida é que, para além da perda efectiva de rendimentos ocorre também a perda de chance profissional como consequência das sequelas das lesões sofridas – se possa cindir ou autonomizar totalmente da quantificação do dano patrimonial futuro – sendo este precisamente o resultado da adição ou soma dos prováveis rendimentos profissionais futuros perdidos, face ao grau de incapacidade que afecta permanentemente o lesado, e da perda inelutável de oportunidades profissionais futuras, inviabilizadas irremediavelmente pelas limitações físicas de que passou a padecer de modo definitivo. E, assim sendo, considera-se que, ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.”
Por conseguinte, em função da posição que vem sendo reiteradamente afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da indemnização do dano biológico e na sua vertente patrimonial não está em causa apenas e só a futura e previsível perda de capacidade de ganho, associada à incapacidade permanente geral que afecta o lesado e o impede em absoluto de levar a cabo a sua profissão habitual ou outra equivalente e no âmbito das suas competências e habilitações, mas, ainda, a perda de oportunidades profissionais futuras, num mercado de trabalho cada vez mais instável e exigente, oportunidades essas inviabilizadas irremediavelmente pelas limitações físicas de que passou a padecer em definitivo.
Ainda neste âmbito, e conforme é também posição pacífica da jurisprudência, a indemnização para reparação da perda de capacidade futura de ganho deve apresentar como conteúdo pecuniário “um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extinguirá no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado“, sem deixar, ainda, “de levar em consideração a natural evolução dos salários” .
Por último, é ainda de registar que, “sendo a indemnização paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros”, importará “introduzir um desconto no valor achado, condizente com o rendimento de uma aplicação financeira sem risco e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal, que julgará equitativamente.” [9]
No entanto, como se salienta no Acórdão do STJ de 29-10-2019, citado, este recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos mais recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos a prazo pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (mesmo até negativo), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento ao lesado.
Tendo isto presente, no caso dos autos, mostra-se provado que o demandante ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 34 pontos e encontra-se impossibilitado de trabalhar na sua profissão habitual (empregado indiferenciado) e em outras atividades dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
Tinha à data do acidente 62 anos de idade [nasceu a 26-06-1955].
O limite provável da vida ativa de uma pessoa será até aos 66 anos e meio e a esperança média de vida para um indivíduo do sexo masculino é atualmente de 78 anos, pelo que a perda de capacidade de ganho será ponderada até aos 66 anos e meio e o dano biológico até aos 78 anos, pois tendo a indemnização como premissa a esperança de vida, tal significa que, no que respeita ao hiato temporal entre a idade da reforma e o limite da esperança de vida, o demandante acabaria por acumular a indemnização com a pensão de reforma que sempre iria receber, mesmo que não tivesse sofrido o acidente.
Por outro lado, apesar de o acidente ter ocorrido em 24-10-2017, quando o demandante tinha 62 anos de idade, este viu a consolidação médico legal das suas lesões ocorrer no dia 06-12-2018 e já se atendeu supra a todos os salários que lhe eram devidos desde a data do acidente até essa data, pelo que nessa parte se atenderá à repercussão das sequelas na sua atividade profissional apenas a partir dessa data, sob pena de duplicação.
Dos factos provados resulta, também, que na data do acidente o demandante auferia um vencimento base mensal de €590,00, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão diária de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado, o que corresponde a um vencimento anual de €9.724,10 [(€590,00 x 14 meses) + (€6,05 x 22 dias x 11 meses)].
Atender-se-á, também, à ausência de culpa concorrencial na produção do acidente por parte do demandante.
Tudo ponderado, conjugado com os critérios objetivos seguidos pela jurisprudência e fixação de indemnização em casos similares, pois, na verdade, independentemente da variabilidade própria de cada caso concreto, importa que a fixação dos danos, sejam do foro patrimonial ou não patrimonial, se guiem por critérios com alguma objetividade, sob pena de ser posta em causa a segurança jurídica e o princípio da igualdade, entendemos que a indemnização nesta sede dano biológico/dano patrimonial futuro, deverá ser fixada em €63.000,00.
Resultou, ainda, provado que em consequência das lesões decorrentes do referido acidente, o demandante teve ainda de despender a quantia de €177,76 em medicamentos e a quantia de €14,68 em exames médicos, danos emergentes que também cumpre indemnizar.
Assim sendo, a título de danos patrimoniais o valor global devido ao demandante é de €71.500,81 [€63.000,00 + €8.308,37 + €177,76 + €14,68].
Quanto aos danos não patrimoniais:
Quanto aos danos não patrimoniais rege o artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, de onde resulta que são indemnizáveis os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objetivo (devendo, porém, considerar-se as circunstâncias de cada caso) e não à luz de fatores subjetivos. Assim, são geralmente considerados danos não patrimoniais relevantes a dor física ou psíquica, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo[10]
Esta indemnização, além de sancionar o lesante pelos factos que praticou e que causaram danos a terceiro, visa permitir atenuar, minorar e de algum modo compensar o lesado pelos danos que sofreu, permitindo-lhe a satisfação de várias necessidades de teor monetário. Pretende compensar o lesado, na medida do possível, das dores e incómodos que suportou e se mantêm, assim como da situação de debilidade física resultante dos factos.[11]
E, porque neste tipo de danos é evidente a impossibilidade de reparação natural dos mesmos, no cálculo da respetiva indemnização deve recorrer-se à equidade, tendo em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as circunstâncias do caso, conforme decorre do artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil.
No particular da quantificação do dano não patrimonial, observamos que aqui não entram considerações do “perder” ou “ganhar”, mas do “sentir”, razão pela qual não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente.
No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do acidente para o demandante assumem evidente gravidade e dignidade muito significativas, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais, cumprindo, apenas, determinar o seu quantum em termos de valor pecuniário.
Nesta matéria é de notar que, estando em causa a lesão de interesses imateriais (isto é que não atingem de forma direta ou imediata o património do lesado), o objetivo, em termos de ressarcimento, não é (nem pode ser), face à sua evidente impossibilidade, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro, ou, face à insusceptibilidade da sua avaliação pecuniária, a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, mas apenas atenuar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado.
Como escreve o Prof. A. VARELA “[a]o lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.» [12]
Em igual sentido escreveu o Prof. VAZ SERRA que “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é suscetível de equivalente.
É, assim, razoável que no seu cálculo se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante.” [13]
Por isso mesmo, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode, por definição, ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no artigo 566º, n.º 2 do Cód. Civil, mas outrossim, esse montante há de resultar, nos termos dos artigos 496º, n.º 3 e 494º do Cód. Civil, de uma aferição equitativa pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, aos critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares.
Ora, tendo presentes as considerações que antecedem e no que ora releva, resulta da factualidade provada o seguinte:
Para a produção do acidente não contribuiu qualquer ato culposo do demandante.
Esteve em internamento hospitalar e, na sequência de alta hospitalar a 15 de dezembro de 2017, foi orientado para consulta externa de neurocirurgia, transferido para um centro de reabilitação, onde permaneceu até 21 de março de 2018, deambulando com ajuda de muletas e sendo-lhe prescrita fisioterapia e acompanhamento médico.
Esteve internado durante 148 dias, tendo sido submetido a três cirurgias à cabeça, tendo estado internado na unidade de cuidados intensivos sob ventilação assistida.
Foi submetido a consultas, tratamento medicamentoso e de reabilitação funcional, durante 260 dias.
Teve alta clínica a 21-03-2018 e a consolidação médico legal das lesões apenas ocorreu a 06-12-2018, ou seja, mais de um ano após o acidente.
Tendo em conta o tipo de traumatismo, a gravidade das lesões resultantes, os tratamentos efetuados (que como já se referiu incluiu intervenções cirúrgicas) e o período de recuperação funcional, com as inerentes dores, sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
Na sequência do acidente ficou a padecer de diversas sequelas, designadamente a nível neurológico (como amnésia para o acidente e para eventos imediatos a este), perturbações sensitivas (a nível dos ouvidos e do olfato), alterações de coordenação motora e síndrome comocional, com as descritas implicações que decorrem da factualidade provada [com exclusão da parte com implicações patrimoniais a que já se atendeu].
Apresenta, ainda, cicatrizes, designadamente no crânio e no abdómen e agravou-se a sua marcha claudicante, sofrendo um dano estético permanente de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente, não se esquecendo, porém, que já antes do acidente o demandante sofria de dores nos joelhos e claudicava.
Além disso, o seu quadro sequelar justifica o mantimento de vigilância clínica regular pela especialidade de neurocirurgia, assim como de medicação médico-psiquiátrica, com vista a evitar, na medida do possível o seu agravamento.
O demandante, à data do acidente, tinha 62 anos e, tendo-se presente que já havia sofrido a amputação de uma falange e sofria de dores e limitação da mobilidade a nível das articulações da anca e dos joelhos, não padecia de qualquer outro problema de saúde.
Ora, perante o sobredito circunstancialismo, e ponderando, ainda, que as lesões em causa o impedem em absoluto de exercer a sua atividade profissional habitual e outras atividades dentro da sua área de preparação técnico-profissional (este dano na sua vertente não patrimonial), ponderando, ainda, a sua modesta condição económica, em juízo de equidade, à luz das regras de prudência, de bom senso, de justa medida das coisas e sem olvidar os casos similares ao dos presentes autos e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, temos como equilibrado, adequado e justo, no caso dos autos, o arbitramento de uma indemnização por danos não patrimoniais o valor de €40.000,00, valor que, estamos em crer, corresponde, em casos idênticos, aos valores usuais na nossa jurisprudência.
Fixou-se em €50.000 a indemnização por danos não patrimoniais de uma vítima com 29 anos que sofreu várias fracturas e um traumatismo crânio-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7), esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia, teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas, ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava, passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso (acórdão de 07/10/2010, proc. nº 370/04.1TBVGS.C1, www.dgsi.pt);
Fixou-se em €30.000 a compensação por danos não patrimoniais do sinistrado de 22 anos que, em virtude do acidente, foi sujeito a internamentos hospitalares com intervenções cirúrgicas, teve de estar acamado com imobilização e dependência de terceira pessoa em casa durante cerca de 3 meses, teve enjoos e dores (estas em grau 3 numa escala de 7), esteve longo período sem poder, em absoluto, trabalhar (este dano na sua vertente não patrimonial) e que, como sequelas permanentes, ficou com uma cicatriz na região dorso lombar de 14 cm e a sofrer de lombalgias que se agravam no final do dia de trabalho (acórdão de 09/09/2010, proc. nº 2572/07.OTBTVD.L1, www.dgsi.pt);
Manteve-se o montante compensatório de €40.000 por danos não patrimoniais de lesado com 28 anos cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, que, depois, teve necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo tido dores de grau 5 numa escala até 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores (acórdão de 26/01/2012, proc. nº 220/2001-7.S1, www.dgsi.pt);
Fixou-se em €40.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais de lesada com 52 anos, traumatismo craniano, fratura do côndilo occipital esquerdo, traumatismo vertebral, fratura de várias costelas, contusão de todos os lobos do pulmão direito, traumatismo do ombro direito com rotura do tendão, traumatismo do punho esquerdo, do joelho direito e fratura do menisco, quantum doloris 5, dano estético 2, repercussão nas atividades desportivas e de lazer 1, prejuízo sexual 1, défice permanente da integridade físico-psíquica de 32,90 pontos e incompatível com a sua atividade profissional, acompanhamento médico e fisiátrico para o resto da vida, necessidade de reabilitação vestibular e de reabilitação psicológica para o resto da vida e de nova cirurgia ao joelho (acórdão do TRL de 01/03/2018, proc. n.º 12361/15.2ALM.L1-2.).
Os juros devidos são os vencidos e vincendos, contados desde a data da notificação dos arguidos para contestar o presente pedido de indemnização civil até integral pagamento da quantia em dívida, à taxa legal de 4% ao ano e àquela que em cada momento vigorar [artigo 805º, nº3 do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 08 de abril], mesmo no que respeita aos danos não patrimoniais, uma vez que não se procedeu a qualquer atualização com referência à presente data em função da desvalorização monetária.
Importâncias a liquidar em execução de sentença:
Pede, ainda, o demandante a condenação dos demandados das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença pelos danos futuros previsíveis emergentes dos tratamentos, fisioterapia e intervenções cirúrgicas a que ainda tiver de ser submetido, medicação, consultas, deslocações, despesas com os mesmos e consequências definitivas.
Todavia não decorre da factualidade provada, nem sequer, aliás, foi alegado qualquer facto de onde se infira ser previsível que, no futuro, E… venha a a necessitar de ser sujeito a tratamentos, fisioterapia e intervenções cirúrgicas, nem sequer que as consequências decorrentes do acidente não sejam definitivas, pois, cfr. decorre da factualidade provada, as lesões decorrentes do acidente encontram-se consolidadas desde 06-12-2018.
Como dano futuro previsível aponta a factualidade provada apenas para a necessidade de manter vigilância clínica regular pela especialidade de neurocirurgia, assim como de medicação médico-psiquiátrica, de modo a influenciar positivamente o quadro e evitar, na medida do possível, o seu agravamento.
Ora, relativamente às consultas a nível de neurocirurgia não se prevê quaisquer despesas que possa vir a ter de suportar no futuro, sendo certo que até ao presente essa vigilância já existe e o demandante não alegou uma única despesa que tenha tido nesse sentido, não tendo reclamado qualquer despesa dessa natureza. O mesmo se diga no que respeita a despesas com deslocações, pois das alegadas, mas não provadas, não se infere que respeitassem a deslocações para consultas dessa especialidade.
Já no que respeita às despesas com medicação esse dano futuro é previsível e, como tal, carece de ser indemnizado.
Pretende o demandante que essa condenação seja relegada para liquidação posterior.
Porém, tal só se justificaria caso o tribunal não dispusesse de elementos para fixar esse montante [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil], o que não é o caso, pois, perante as dezenas de faturas que a esse respeito já foram juntas aos autos facilmente se consegue arbitrar o valor adequado para fixar essa indemnização.
Com efeito, decorre da factualidade provada que como consequência do quadro sequelar referido o demandante terá de manter medicação médico-psiquátrica: (Valproato de sódio, Omeprazol, Lioresal; Sertralina, Diplexil e Aceclofenac em SOS), de modo a influenciar positivamente o quadro e evitar, na medida de possível, o seu agravamento.
Resultou, ainda, provado que em consequência das lesões decorrentes do referido acidente, o demandante despendeu a quantia de €177,76 em medicamentos, no período de março de 2018 a dezembro de 2019, ou seja, num total de 22 meses, o que importa um valor anual de €96,96 [€177,76 : 22 x12].
Atendendo a que à data da última despesa com medicação [dezembro de 2019] o demandante tinha 64 anos e sendo a esperança média de vida de um homem de 78 anos, carecerá, ainda, de medicação durante 14 anos, pelo que se entende ser de arbitrar a este título o valor global de €1.357,44.
Face a todo o exposto, cumpre aos demandados proceder, solidariamente, ao pagamento ao demandante E… do montante global de €112.858,25 [€71.500,81 + €40.000,00 + €1.357,44], improcedendo o peticionado quanto ao demais.
Do pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I.P.:
O Instituto da Segurança Social, I.P. veio deduzir pedido de reembolso, contra os aqui arguidos, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de €8.726,59, correspondente ao subsídio de doença que pagou ao ofendido, por ter estado de baixa médica subsidiada, em consequência das lesões por si sofridas resultantes do acidente descrito no despacho de pronúncia, pedido que veio posteriormente a reduzir para a quantia de €2.561,31, ao abrigo do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, acrescida dos juros de mora legais, vencidos e vincendos, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Conforme decorre do artigo 7.º, n.ºs 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 28/2004 de 04 de fevereiro, “Nas situações de incapacidade temporária para o trabalho decorrentes de acidente de trabalho ou de acto da responsabilidade de terceiro, pelo qual seja devida indemnização, há lugar à concessão provisória de subsídio de doença enquanto não se encontrar reconhecida a responsabilidade de quem deva pagar aquelas indemnizações.” [n.º 1 do citado artigo 7.º], pelo que “Sempre que seja judicialmente reconhecida a obrigação de indemnizar, as instituições de segurança social têm direito ao reembolso dos valores correspondentes à concessão provisória do subsídio de doença até ao limite do valor da indemnização.” [n.º 3 do citado artigo 7.º].
Por sua vez, quanto ao reembolso do montante pago pelo subsídio de baixa médica, o próprio preâmbulo do D.L. nº 59/89 de 22 de fevereiro refere que cabe à segurança social assegurar provisoriamente a proteção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos pelos quais haja terceiros responsáveis, referindo-se o artigo 2º, expressamente, ao reembolso de prestações em ação penal, sendo os devedores da indemnização solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições. [n.º 1, do artigo 4.º, do citado DL].
Por último, nos termos do artigo 70.º, da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.
É, assim, indubitável, que cumpre aos demandados proceder, solidariamente, ao reembolso ao requerente Instituto da Segurança Social, I.P. dos montantes por este pagos ao ofendido E… a título de baixa médica subsidiada, desde 22-03-2018 até 06-12-2018 data da consolidação médico legal das lesões decorrentes do acidente sub iudice, (como, aliás, veio aquela entidade a reduzir o pedido nesse sentido, na sequência do último relatório do IML junto aos autos), concretamente no valor global de €2.561,31, acrescido dos juros de mora nos termos já supra analisados.
(…)
*
Decidindo as questões objeto do recurso
a) Quanto à primeira questão suscitada no recurso [se os arguidos praticaram o crime de violação de normas de segurança com dolo ou com negligência].
Tendo sido condenados pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança, os recorrentes insurgem-se pelo facto de o Tribunal a quo os ter condenado a título doloso, considerando eles que apenas agiram com negligência.
Sustentam também que em sede de instrução se considerou qua apenas agiram de forma negligente.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do art.º 152.º-B, do C.Penal, aditado pela Lei n.º 59/2007, de 4/09, pratica o referido crime quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Dispõe o seu n.º 2 que se o perigo previsto no número anterior for criado por negligência o agente é punido com pena de prisão até três anos.
Os bens jurídicos protegidos por este crime são a vida e a integridade física[14].
Trata-se de um crime de perigo concreto (visto que pressupõe a sujeição do trabalhador[15] a uma situação de perigo concreto para a vida, o corpo ou a saúde, com violação das disposições legais ou regulamentares vigentes à data do facto[16]), de resultado (pois a sua consumação exige a "(efectiva) "sujeição" do trabalhador à realização da actividade fora das indispensáveis condições de segurança", embora não exija a lesão dos bens jurídicos tutelados[17]) específico próprio (segundo a qualidade dos autores[18]), omissivo próprio (omissão de um dever de agir e independente do resultado) e de violação de dever. O dever de garante é aquele que recai sobre a pessoa a quem incumbe directamente evitar a violação do bem jurídico penalmente protegido. Trata-se do dever do concreto cumprimento das normas de segurança. As regras técnicas aí mencionadas podem ter por fonte a lei, o regulamento ou o uso profissional. O seu preenchimento tanto pode ter lugar por via de acção como por omissão. O perigo é o risco de lesão da vida, da integridade física ou do património alheio. Como acontece em todos os crimes de perigo, a punição é antecipada para um momento anterior ao resultado, porque a prática de certos actos cria um risco de lesão de bens jurídicos relevantes. E quando o tipo legal pode ser violado por pessoa sobre quem recai um dever especial trata-se de um crime específico próprio, em que a qualidade dos agentes ou o dever que sobre eles impende fundamenta a ilicitude[19].
No que diz respeito ao elemento subjetivo do tipo, importa ter em conta que antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4/09, o crime de infração/violação de regras de segurança apenas era punível a título de dolo, em qualquer das suas modalidades (art.º 152.º do C.Penal, na redação da Lei n.º 7/2000, de 27/05). Só após a entrada em vigor da Lei n.º 59/07, de 4/09, passou a estar prevista a sua punição a título de negligência (art.º 152.º-B, n.ºs 2, 3, al. b), e 4, al. b). Como ensina Manuel Cavaleiro de Ferreira[20], os elementos que compõem a estrutura essencial do facto tipicamente ilícito são a ação ou omissão, o evento ou resultado e o nexo causal (nos crimes materiais), o objeto material e as circunstâncias essenciais…. Todos os elementos essenciais do facto ilícito devem ser objecto do dolo. No que diz respeito ao dolo eventual (que é o que interessa in casu), mostra-se definido no n.º 3 do art.º 14.º do C.Penal, onde se encontra o critério que permite fazer a sua demarcação da negligência. Em termos de elemento cognoscitivo, não é necessário que o agente preveja a realização do facto ilícito como consequência necessária (dolo direto) e antes bastará que que a preveja como consequência possível do seu comportamento. E quanto ao elemento volitivo, não será preciso que o crime seja o fim objetivo do próprio agente ou mesmo que seja com ele conexo de modo que para realizar esse fim seja necessário realizar ou cometer o crime: bastará que se «conforme com essa realização». Por outras palavras, como ensina Hans-Heinrich Jescheck[21], o dolo eventual significa que o agente considera seriamente como possível a realização do tipo legal e se conforme com ela. Contrariamente às demais modalidades de dolo, o resultado não foi representado nem tido como seguro, sendo apenas deixado ao curso das coisas. Pertencem ao dolo eventual, por um lado, a consciência da existência do perigo concreto de que se realize o tipo, e por outro lado, a representação séria desse perigo por parte do agente. No caso da negligência, o art.º 15.º do C.Penal faz a sua contraposição, por forma negativa, com o dolo. Como resulta da sua al. a), age com negligência (consciente) quem, por não proceder com o cuidado a que, conforme as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização típica, mas atua sem se conformar com essa realização. Age ainda negligentemente (negligência inconsciente), como resulta da sua al. b), quem, por não proceder com o cuidado a que, conforme as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto típico. No primeiro caso o agente ainda previu e teve consciência da sua realização, sem, todavia, se conformar com ela. No segundo caso, nem sequer previu nem teve consciência dessa realização. Em suma, a distinção entre o dolo eventual e a negligência consciente passa pelo respetivo elemento volitivo: o agente conformar-se ou não com a realização dos elementos objetivos do tipo[22].
Passando ao caso concreto, importa, antes de mais, referir que não corresponde à verdade que os arguidos tenham sido pronunciados pela prática do crime de violação das regras de segurança a título de negligência. Como resulta cristalino da decisão instrutória, foram pronunciados a título doloso, nos termos dos n.ºs 1 e 3, al. a), do art.º 152.º-B, do C.Penal, e não nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, que contempla a negligência.
Passando ao núcleo central da primeira questão, como bem anota o Ministério Público na resposta que apresentou ao recurso interpostos pelos arguidos, não tendo estes impugnado o factualismo dado como provado e não resultando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a existência de algum dos vícios decisórios de conhecimento oficioso[23] previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, a questão em apreço apenas pode ser apreciada atendendo à matéria de facto dada como provada, que se encontra definitivamente fixada.
Ora, o Tribunal a quo deu como provado que:
4. No dia 24-10-2017, cerca das 14:00 horas, quando o assistente se encontrava a laborar nessas instalações da sociedade arguida, foi vítima de um acidente de trabalho por queda de uma altura de cerca de 3 metros quando efetuava a lavagem de um depósito de armazenamento (cuba) de 28.000 litros, com cerca de 6 metros de altura, tarefa que fazia parte do exercício das suas funções.
5. Essa queda ocorreu quando o assistente se encontrava no interior de uma estrutura metálica em forma de cesto operada por uma máquina carregadeira com braço telescópico (grua), que assim a içara à altura necessária para a operação de lavagem do depósito, estrutura essa que, na sequência de movimentação daquele braço, viria a cair para o solo com o assistente no seu interior.
6. Com efeito, em ordem à execução da tarefa que havia sido confiada ao assistente, referida em 4., foi utilizada, para elevação do mesmo, a referida máquina, “encaixando” o dito cesto metálico nas duas forquilhas para carga paletes existentes na extremidade do braço telescópico, cesto esse que se destinava originariamente ao transporte de bilhas de gás, tendo sido pelos arguidos adaptado à função referida, sem uso de quaisquer ganchos ou pontos de fixação à máquina.
7. Por essa razão, esse cesto metálico não permanecia totalmente imóvel nem estável, estando sujeito a deslocações por via das movimentações do braço telescópico da referida máquina e dos movimentos do próprio ocupante do cesto, decorrentes, designadamente, da tração advinda do facto de nesse momento se encontrar a executar a lavagem do referido depósito com uma pistola de pressão.
8. Foi por isso que, na situação acima descrita, de uma movimentação efetuada pelo manobrador da máquina em relação ao braço telescópico resultou o “desencaixe” do cesto das forquilhas porta-paletes e queda do mesmo no solo, levando consigo o assistente que laborava transportado no seu interior.
9. No momento do acidente, a referida máquina era manobrada por F…, colega de trabalho do assistente.
10. No momento do acidente o assistente não usava capacete nem arnês.
(…)
23. Para a execução da tarefa de scrita em 4., os arguidos não colocaram à disposição do assistente:
a. uma plataforma elevatória com superfície plana adequada e resguardada por guarda corpos, fixada na extremidade do braço telescópico da máquina usada, integrando-a, onde pudesse laborar sem risco de qualquer desintegração por ação de um movimento do próprio equipamento ou da pessoa que no seu interior laborasse, designadamente uma naveta porta-pessoas;
b. um cinto com um arnês de segurança ligado a um ponto fixo e resistente (das próprias instalações ou outro) e nunca apenas e só ligado ao próprio cesto, já que este também corria o risco de queda;
c. capacete de segurança.
24.Os arguidos também nunca disponibilizaram ao assistente a informação e a formação no âmbito da higiene, segurança e saúde no trabalho que era devida, com vista a pelo menos minimizar os riscos do exercício da concreta tarefa mencionada em 4., designadamente dos procedimentos de trabalho a realizar, das medidas e procedimentos de proteção a adotar antes, durante a após a realização dos trabalhos, bem como dos equipamentos de proteção individual a utilizar pelo trabalhador na execução daquele concreto trabalho em altura, expondo-o, assim, a riscos, particularmente de queda, como viria a suceder.
25. À data do acidente, os arguidos não tinham adotado na realização do trabalho em causa as medidas de segurança mais convenientes e eficazes para prevenir o risco de queda do trabalhador a operar em cima do cesto metálico, que havia sido identificado na avaliação de riscos da “J…l” datada de 14/09/2017.
26. Ao procederem como referido em 23., 24. e 25., os arguidos não observaram as obrigações legais específicas devidas para a execução daquele trabalho em altura, concretamente as relativas às prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização de equipamentos de trabalho, à promoção da segurança e saúde no trabalho e as relativas à obrigação de o empregador fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença, tudo de forma a salvaguardar o risco de queda em altura.
27. Os arguidos sabiam que a adaptação de um cesto destinado ao transporte de bilhas de gás, “encaixando-o” nas forquilhas porta-paletes instaladas no braço telescópico de uma máquina carregadeira, para içar em altura o assistente quando executava a tarefa laboral de lavagem de depósitos de armazenamento de 6 metros de altura, sem sequer cuidar de o fixar a esta máquina, punha em perigo a sua vida e a sua integridade física, como, aliás, acabou por ocorrer quanto a esta última, pelo sério risco de queda.
28. Acaso os arguidos houvessem utilizado equipamento adequado à elevação do assistente, nomeadamente a plataforma elevatória com as condições indicadas em 23., a., ter-se-ia evitado a queda do assistente no solo de uma altura de cerca de 3 metros.
29. Se os arguidos tivessem fornecido ao assistente para a execução daquela tarefa um capacete de proteção e arnês com fixação a um ponto fixo e resistente (das próprias instalações ou outro) e nunca apenas ligado ao próprio cesto e dando-lhe formação e instruções quanto à forma de utilização de tais equipamentos para a execução daquela tarefa em concreto, embora não fosse evitada a queda no solo do cesto de transporte, pelo menos o assistente não cairia, pois ficaria preso pelo arnês, e, assim, teriam sido evitadas as lesões que lhe foram ocasionadas.
30. Caso os arguidos tivessem adotado na realização do trabalho as medidas de segurança acima indicadas em ordem a prevenir o risco de queda em altura decorrente da execução daquela tarefa, o qual era previsível e constava da avaliação de riscos efetuada em 14/09/2017 pela empresa “J…” e que era do seu conhecimento, o acidente não se teria verificado.
31. Competia aos arguidos, na qualidade de entidade empregadora e seus representantes legais, a implementação de todas as condições de segurança previstas na lei.
32. No entanto, os arguidos, de forma livre, voluntária e consciente, não observaram as disposições legais aplicáveis, não implementando as condições de segurança legalmente previstas para a execução da tarefa laboral acometida ao assistente, bem sabendo que desse modo o expunham a perigo para a vida, ou pelo menos de grave ofensa para a sua integridade física ou saúde, com o que se conformaram.
33. Mais representaram os arguidos como possíveis as lesões supra indicadas e a afetação grave da capacidade de trabalho do assistente e bem assim da sua capacidade de usar o corpo e os sentidos, como resultado do perigo a que estava exposto na execução da tarefa descrita em 4., atuando, porém, sem se conformarem com essa realização.
34. Os arguidos, ao omitirem a implementação de todas as condições de segurança acima descritas e previstas na lei, agiram de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Tendo em conta o referido factualismo, e muito em particular o vertido nos pontos 23., 24., 25., 26., 27.,33., 32. e 34., que se encontra definitivamente fixado, não oferece qualquer dúvida que os arguidos agiram com dolo eventual, nos termos, aliás, devidamente explicados pelo Tribunal a quo. Com efeito, e para além do mais, de forma livre, voluntária e consciente, não observaram as disposições legais aplicáveis, não implementando as condições de segurança legalmente previstas para a execução da tarefa laboral acometida ao assistente, bem sabendo que desse modo o expunham a perigo para a vida, ou pelo menos de grave ofensa para a sua integridade física ou saúde, com o que se conformaram.
Assim, os arguidos agiram efetivamente com dolo no que concerne ao perigo.
Improcede, pois, o recurso quanto à primeira questão suscitada no recurso.
**
a) Quanto à segunda questão suscitada no recurso [se a medida concreta das penas aplicadas aos arguidos se mostra excessiva, desproporcional e injusta].
Os arguidos também se insurgem relativamente à medida concreta das penas que lhes foram aplicadas (pena de 3 [três] anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, ao arguido B…; pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, à arguida C…; e pena de 270 [duzentos e setenta] dias de multa, à taxa diária de €110,00 [cento e dez euros] o que perfaz a multa total de €29.700,00 [vinte e nove mil e setecentos euros], que se substituiu por prestação de caução de boa conduta no valor de €32.000,00 [trinta e dois mil euros], pelo prazo de três anos, a prestar por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança, à arguida “D…, Lda.”).
Consideram que são excessivas e desproporcionais e que violam o disposto nos art.ºs 40.º e 71.º do C.Penal, quer sejam condenados a título de negligência, quer sejam condenados a título doloso.
No primeiro caso, entendem que as penas devem ser reduzidas para: 1 (um) ano de prisão, suspensa na execução por igual período, para os primeiros (pessoas singulares) e pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 100,00€ (cem euros), o que perfaz a multa total de 12.000,00€ (doze mil euros), substituída por prestação de caução de boa conduta no mesmo valor, pelo prazo de 1 (um) ano, para a arguida sociedade.
Sem prescindir, caso se mantenha a sua condenação a titulo doloso, entendem que devem ser reduzidas, respetivamente, para: pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na execução por igual período, e pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 100,00€ (cem euros), o que perfaz a multa total de 24.000,00€ (vinte e quatro mil euros), substituída por prestação de caução de boa conduta no mesmo valor, pelo prazo de 2 (dois) anos.
Tendo-se mantido a decisão recorrida na parte relativa ao enquadramento jurídico dos factos, fica prejudicada a apreciação da pretendida redução das penas em caso de preenchimento do tipo a título negligente.
Passando à apreciação da questão, importa recordar que os recursos são sempre remédios jurídicos e que também em matéria de pena mantém o arquétipo de recurso-remédio. A propósito da determinação concreta da pena, como refere o Ac. TRE de 06.06.2017[24], a doutrina mais representativa e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Em suma, como sublinha o referido aresto, a Relação não julga de novo, não determina a pena como se inexistisse uma decisão de primeira instância, e a sindicância desta decisão pelo tribunal superior não abrange a fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, “ainda se revele proporcionada”. E não inclui a compressão da margem de livre apreciação reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar. A margem de liberdade do juiz de julgamento nos limites expostos, abrange todo o processo prático de decisão sobre a pena.
Partilhando o referido entendimento, a leitura do acórdão recorrido não evidencia a inobservância de qualquer regra legal ou princípio respeitante à determinação da pena.
Senão, vejamos.
Conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias[25], a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida.
O crime de violação de regras de segurança praticado pelos recorrentes é punível com pena de prisão de 2 (dois) a 8 (oito) anos para as pessoas singulares [art.º 152.º-B, n.ºs 1 e 3, al. a), do C.Penal] e com a pena de multa de 240 a 960 dias para as pessoas coletivas [art.ºs 90.º-A, n.º 1, e 90.º-B, n.ºs 1 e 2, do C.Penal].
Esgotado o primeiro momento da determinação definitiva da pena, cabe, depois, proceder à fixação da respetiva medida concreta, o que se fará nos termos equacionados no art.º 71.º, n.º 1, do C.Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável (traduzindo-se, assim, num princípio fundamental do Estado de Direito[26]), tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes[27].
A consideração da culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção[28]. A ponderação das necessidades de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena.
No que diz respeito à culpa a que se refere o art.º 71.º, n.º 1, do C.Penal, é esta entendida no seu sentido comum, como elemento do conceito de crime (quer dizer, como o juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma).
Acresce que, como limite que é, a medida da culpa serve para determinar o máximo da pena - que não poderá ser ultrapassado - e não para fornecer, em última análise, a medida da pena. Esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção.
A prevenção enquanto princípio regulativo da medida da pena tem correspondência com o sentido que lhe é atribuído em matéria de finalidades da punição, ou seja, abrange a prevenção geral e a prevenção especial[29] (cf. artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).
A prevenção geral positiva ou de integração, finalidade primeira da aplicação da pena, constitui o objetivo de tutela dos bens jurídicos, que fornece um critério de necessidade da pena a avaliar no caso concreto, estabelecendo uma moldura que tem por limites a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico[30].
Dentro dos limites da moldura fornecida pela prevenção geral operam as necessidades de prevenção especial de socialização que indicam a medida exata da pena concreta (art.º 40.º, n.º 1, do C.Penal).
Como dispõe o n.º 2 do referido art.º 71.º do C.Penal, na determinação da medida da pena deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Como escreve o Conselheiro Manso-Preto[31], as referidas circunstâncias - sob pena de sair maltratada a proibição da dupla valoração, também aqui relevante - não hão-de ter sido já levadas em conta na determinação da medida abstracta da pena, seja através da ponderação da sua contribuição para a formação do tipo de crime, seja porque já antes funcionaram como circunstâncias modificativas estranhas ao tipo.
No caso concreto, o Tribunal a quo observou todas as referidas regras legais e princípios respeitantes à determinação da pena, e, tendo em consideração todos os fatores relevantes, justificou devidamente a medida das penas aplicadas, graduando-as, aliás, próximo do limite mínimo e muito longe do limite máximo.
Com efeito, no que diz respeito aos arguidos B… e C…, levou em linha de conta as exigências de prevenção geral (a gravidade das consequências dos factos, aliada à frequente omissão de elementares regras de segurança na execução de trabalhos em altura, muitas vezes com consequências fatais, eleva as exigências de prevenção geral) e as necessidades de prevenção especial (estas pouco significativas, atenta a ausência de antecedentes criminais por parte dos arguidos, bem como a plena integração social, familiar e profissional dos mesmos) e a função atribuída à culpa (determinar o limite máximo e inultrapassável da pena). Ponderou devidamente a intensidade do dolo, que foi eventual (os arguidos não quiseram, diretamente, criar perigo para a ofensa à integridade física grave da vítima, apenas o tendo aceite como consequência da sua conduta omissiva, ou, pelo menos, com ele se conformando); o grau de ilicitude do facto e o modo de execução deste (revestiram uma gravidade mediana, havendo a destacar o caráter bastante reprovável da conduta omissiva dos arguidos, ao não adotar as apontadas medidas de segurança, perante a forte evidência do perigo, atenta a natureza e as circunstâncias de execução dos trabalhos em causa (em altura e situado a cerca de 6 metros de altura do solo); a gravidade das consequências do facto e o grau de violação dos deveres impostos ao agente (nada há a destacar nem a valorar nesta sede, uma vez que já fazem parte do tipo os elementos pertinentes que resultam da matéria provada, como sejam a agravação pelo resultado da ofensa à integridade física grave e a especial relação de ordem laboral entre o agente e a vítima). Considerou também, como circunstância que contribuiu para minorar, em alguma medida, o grau de culpa, o facto de os trabalhos em causa serem assim executados de forma rotineira, sem que antes tenha havido qualquer acidente, o que poderá ajudar a compreender a atitude omissiva dos arguidos, embora sem a justificar.
No que diz respeito a arguida sociedade ponderou que se mantem em atividade, que tem um capital social de €100.000,00 e dois sócios, os coarguidos B… e C…, e que se trata de uma pequena empresa, com cerca de 22/23 funcionários, com um montante previsível de remunerações anuais, incluindo subsídios de férias e do natal, na ordem dos €162.400,00.
Assim, em face dos critérios legais e dos fatores assinalados, mostram-se proporcionadas, adequadas e justas as penas aplicadas aos arguidos B… e C… e à arguida “D…, Lda.”, incluindo, quanto à ultima, a taxa diária da multa que foi fixada.
Mantidas as penas aos arguidos B… e C…, mostra-se também aquedado o período de suspensão da respetiva execução.
Com efeito, nos termos do disposto no ponto 5. do art.º 50.º do C.Penal, o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
O Tribunal a quo fixou-o em 3 [três] anos para o arguido e em 2 [dois] anos e 6 [seis] meses para a arguida.
Considerando a pena concreta aplicada a cada um deles e os fundamentos referidos no acórdão recorrido para decretar a suspensão da sua execução, fundamentos que damos por reproduzidos, mostram-se adequados os referidos períodos.
Mantida a pena à arguida sociedade, igualmente se mostra adequada a caução de boa conduta fixada pelo Tribunal a quo (€ 32.000,00) e o respetivo prazo, atento o disposto no art.º 90.º-D do C.Penal.
Nenhuma censura merece, pois, o acórdão recorrido quanto à segunda questão suscitada pelos arguidos, improcedendo, também nesse segmento, o recurso.
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a) Quanto à terceira questão suscitada no recurso [se a indemnização arbitrada pelo Tribunal “a quo”, no que concerne ao dano biológico/dano patrimonial futuro e às perdas salariais, se mostra excessiva].
Os recorrentes também não se conformam relativamente ao montante da indemnização fixado pelo dano biológico/dano patrimonial futuro sofrido pelo assistente/demandante (63.000,00€), bem como ao montante pelas perdas salariais relativas ao período de 408 dias em que aquele esteve totalmente incapacitado para o trabalho (8.308,37€). Consideram que são excessivos, desproporcionais e injustos, devendo ser reduzidos, respetivamente, para quantia global não superior a 15.585,80€ (quinze mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos) e 7.292,73€ (sete mil, duzentos e noventa e dois euros e setenta e três cêntimos).
Vejamos.
De acordo com o disposto no art.º 129.º, do C.Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil (art.ºs 483.º e ss do C.Civil)[32], nos termos da qual a obrigação de indemnizar apenas se verifica quando estejam preenchidos determinados requisitos para o efeito, nomeadamente a existência de um facto ilícito culposo que tenha causado prejuízo a alguém[33]. É o que resulta expressamente, como esclarece o Prof. Antunes Varela[34], da simples leitura do art.º 483.º, n.º 1, do C.Civil, onde se encontra fixado o princípio geral sobre esta matéria (aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação). Seguindo a terminologia técnica, diremos, pois, que a responsabilidade civil extracontratual, como fonte de obrigação de indemnizar, tem, como pressupostos o facto, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, esclarecendo, todavia, que o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana -, pois só quanto a factos desta índole têm cabimento a ideia da ilicitude, os requisitos da culpa e a obrigação de reparar o dano, nos termos em que a lei o impõe[35].
Nos presentes autos, tendo em conta o factualismo dado como provado, é inquestionável a existência do facto ilícito e culposo imputado aos arguidos/demandados, bem como de danos e do nexo de causalidade entre o facto e aqueles (art.º 563.º, n.º 1, do C.Civil), estando apenas em causa o montante indemnizatório, nos termos suscitados nas conclusões do recurso.
Vejamos, pois.
Dispõem o art.º 564.º do Código Civil que: o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (nº1); na fixação da indemnização pode ainda o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (nº2). Por sua vez, estabelece o art.º 562.º do Código Civil que a obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria "se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação". Não sendo isso possível ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos causados, ou se mostre excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização deve ser fixada em dinheiro, como resulta do art.º 566.º, n.º 1, do Código Civil. Caso não possa ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará segundo a equidade, conforme preceitua o n.º 3 do art.º 566.º do Código Civil.
Como é jurisprudência pacifica dos nossos tribunais superiores, maxime do Supremo Tribunal de Justiça, a limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz a incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução[36]. Ou seja, o dano biológico traduz-se em qualquer lesão da integridade psicofísica que possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo procura desenvolver a sua personalidade, «[C]om efeito, o dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial. Abrange as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana. A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência do dano. O dano biológico constitui, nesta medida, "um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde"; se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima, este já é um "dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento, mas um dano consequência", representando "um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal". Assim, mais do que a afectação da capacidade de ganho, susceptível de se repercutir numa perda de rendimento, que no caso não se provou, importa considerar o dano corporal em si, o sofrimento psico-somático que afecta a disponibilidade do autor para o desempenho de quaisquer actividades do seu dia-a-dia. Trata-se, pois, de indemnizar o dano corporal sofrido a se, quantificado por referência a um índice 100 (integridade físico-psíquica total), e não qualquer perda efectiva de rendimento ou da concreta privação da capacidade de angariação de réditos[37].
Como é referido no citado Ac. STJ de 10.12.2019, para determinar a indemnização pelos danos futuros, utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores:
- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;
- As tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
- Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia;
Por outro lado, o julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não deve prescindir do que é normal acontecer (“id quod plerumque accidit”) no que se refere à expectativa média de vida...
In casu, o dano sofrido pelo assistente/demandante é perfeitamente previsível e vai refletir-se no futuro, designadamente ao nível da sua qualidade de vida, desde logo e além do mais, porque o défice funcional permanente de que ficou a padecer, 34 pontos, exige necessariamente esforços físicos maiores para o desempenho de qualquer atividade física, impossibilitando-o, aliás, de trabalhar na sua profissão habitual (empregado indiferenciado) e em outras atividades dentro da sua área de preparação técnico-profissional. Trata-se de uma pessoa do sexo masculino que tinha 62 anos à data dos factos [nasceu a 26-06-1955]. Como refere o acórdão recorrido, o limite provável da vida ativa de um indivíduo do sexo masculino será até aos 66 anos e meio e a esperança média de vida é atualmente de 78 anos. Nesses termos nenhum reparo há a fazer na parte em que ponderou a perda de capacidade de ganho até aos 66 anos e meio e o dano biológico até aos 78 anos, pois tendo a indemnização como premissa a esperança de vida, tal significa que, no que respeita ao hiato temporal entre a idade da reforma e o limite da esperança de vida, o demandante acabaria por acumular a indemnização com a pensão de reforma que sempre iria receber, mesmo que não tivesse sofrido o acidente. Também nenhum reparo merecem os demais fatores ponderados pelo Tribunal a quo, designadamente o montante salarial considerado (vencimento base mensal, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão diária de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado). Com efeito, embora se considere que para o cálculo de indemnizações por danos patrimoniais, passados ou futuros, nos quais o montante das remunerações auferidas à data da lesão assume um relevo determinante, deve ser considerada a remuneração líquida do lesado[38], no caso concreto, ainda que tenha sido ponderado o salário ilíquido, tal não se mostra relevante no que concerne ao valor final da indemnização fixada, que, a pecar, seria sempre por defeito e não por excesso, mesmo sem considerar que, como resulta dos recibos de vencimento juntos aos autos (fls. 1131 a 1133), os valores líquidos que o demandante recebia mensalmente eram superiores a € 600,00. De todo o modo, importa não olvidar que este Tribunal de Recurso está limitado ao factualismo dado como provado. Ora, no ponto 67. dos factos provados apenas consta que à data do acidente/queda em altura, o demandante trabalhava para a demandada “D…” auferindo um vencimento base mensal de €590,00, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado, não sendo ali referido que era o vencimento base liquido ou o ilíquido.
Em suma, e ainda que se faça a dedução por entrega imediata do capital, como passou a ser entendimento do Supremo Tribunal de Justiça após o Ac. STJ de 25/11/2009[39] (Proc. 397/03.0GEBNV.S1), afigura-se-nos acertado o montante indemnizatório de €63.000,00 fixado pelo Tribunal a quo a título de dano biológico/dano patrimonial futuro, não se reconhecendo qualquer razão aos recorrentes.
No que diz respeito ao montante pelas perdas salariais relativas ao período de 408 dias em que o assistente/demandante esteve totalmente incapacitado para o trabalho, como vimos, o Tribunal a quo fixou a indemnização em 8.308,37€, que os arguidos consideram também excessiva, desproporcional e injusta, entendendo que deve ser reduzida para 7.292,73€.
Para o efeito, referem que deve ser considerada a remuneração liquida e não a remuneração ilíquida do assistente/demandante.
Ficou provado que à data do acidente/queda em altura, o demandante auferia um vencimento base mensal de €590,00, a que acrescia um subsídio de alimentação à razão de €6,05 por cada dia de trabalho efetivamente prestado[40], sem se indicar se esse vencimento base mensal é o líquido ou o ilíquido. Não sendo permitido a este Tribunal que altere tal factualismo no sentido de constar que é o vencimento base mensal ilíquido, quer porque não foi impugnado, quer porque, considerando o teor do Acórdão recorrido, não se extrai do mesmo a existência de algum dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP. Com efeito, como resulta expressamente deste preceito, a existência dos vícios decisórios previstos nas suas diversas alíneas, que são de conhecimento oficioso[41], tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Significa que não é admissível recorrer a elementos estranhos à decisão em si, ainda que existentes nos autos e provenientes do próprio julgamento[42]. Ou seja, o Tribunal de Recurso não pode examinar nem consultar quaisquer outros elementos do processo. Por exemplo, não pode socorrer-se de depoimentos prestados em julgamento. Ora, in casu, muito embora existam recibos de vencimento nos autos, esta Relação não pode, face ao disposto no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, considerar o seu teor. Nestes termos, nenhuma censura merece o montante indemnizatório fixado a título de perdas salariais.
Improcede, pois, também o recurso quanto à terceira questão.
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Quanto à quarta questão suscitada no recurso [se a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais se mostra excessiva].
Os recorrentes também não se conformam relativamente ao montante da indemnização fixado a título de danos não patrimoniais (40.000,00€, acrescido de juros vencidos e vincendos). Consideram, igualmente, que é excessivo, desproporcional e injusto, devendo ser reduzido para quantia não superior a 15.000,00€, tendo em conta a análise e comparação estabelecidas entre o caso concreto e outros casos semelhantes.
Vejamos.
A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais não visa, ao contrário do que acontece com os danos patrimoniais, uma indemnização/reintegração.
Na verdade, procura-se, além de sancionar, de alguma forma a conduta do lesante, facultar aos lesados, a título de compensação das dores sofridas, satisfações obtidas através do dinheiro[43]. A fixação da indemnização compensatória deverá ser feita à luz de critérios de equidade (art.º 496.º, n.º 3, do C.Civil) e tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias que o caso justifique.
Tem-se entendido, doutrinal e jurisprudencialmente, que merecem a tutela do direito aqueles danos que "espelham uma dor, angústia ou sofrimento inexigível em termos de resignação"[44].
No caso vertente, para efeitos de atribuição de indemnização a título de danos não patrimoniais ao demandante, além das lesões/sequelas decorrentes do acidente/queda em altura, de relevante, importa ainda considerar todo o demais factualismo dado como provado e que se dá como reproduzido (em particular o dos pontos 35 a 66), designadamente, o longo e doloroso período de recuperação (teve alta clínica a 21/03/2018, com destino ao domicilio, sendo que com o traumatismo sofrido, as lesões dai resultantes, os consequentes tratamentos a que foi submetido (que inclui intervenções cirúrgicas) e o período de recuperação funcional, com as inerentes dores, o demandante teve um sofrimento físico e psíquico num quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente); os muitos tratamentos a que foi submetido (médicos e medicamentosos, sem possibilidade de qualquer recuperação total); as medidas que lhe foram indicadas (v. g. para diminuir os riscos de quedas, como sejam, a utilização de calçado fechado e remoção de tapetes da habitação); as dores intensas que se mantêm (passou a ter permanentes e fortes dores de cabeça, tonturas, perturbações visuais e cefaleias, havendo dias em que estes se agudizam de tal maneira que se tornam absolutamente insuportáveis, tendo-se ainda agravado as dores dos joelhos de que já padecia, que o obrigam, com frequência, a sentar-se ou a apoiar-se em algo para não cair; a perturbação depressiva de que padeceu, sendo que devido ao grave traumatismo crânio encefálico sofrido, ficou física e psicologicamente afetado; o facto de necessitar usar permanentemente a ajuda técnica de uma canadiana que o auxilia na sua locomoção e a manter-se de pé; de ter ficado a padecer de alterações de coordenação motora ligeiras, que lhe dificultam os movimentos e de fazer esforços, como pegar em objetos pesados; de ter uma constante sensação de dormência e de peso na cabeça (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); de apresentar por vezes confusão mental e tonturas (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); de sofrer de amnésias frequentes (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); de ter dificuldades de concentração, de associação de ideias e modificações de humor frequentes (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); de se encontrar psicologicamente abatido (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”); de ter desenvolvido um quadro de depressão reativa acentuada (sintoma subjacente ao referido Síndrome comocional pós-traumático”).
Assim, considerando modo como os factos ocorreram, o referido factualismo dado como provado e vistos os critérios orientadores estabelecidos nos art.º. 496.º e 494.º, do C.Civil, mostra-se equitativo e acertado o montante indemnizatório de € 40.000,00 fixado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais, não se reconhecendo qualquer razão aos recorrentes.
Improcede, pois, também o recurso quanto à quarta e última questão suscitada no recurso.
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III - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se em 7 UC a taxa de justiça.
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Porto, 23 de junho de 2021
José António Rodrigues da Cunha
William Themudo Gilman
____________________________
[1] Doravante denominada “D…”.
[2] Parte dos factos alegados neste requerimento já constavam do despacho de pronuncia, sobre o qual já nos pronunciamos e, como tal, salvo quando for necessário para melhor compreensão, aqui não se repetirão.
[3] TERESA MAGALHÃES, DIOGO PINTO da COSTA, “Avaliação do dano na pessoa em sede de Direito, Perspectivas Actuais.”, Revista da Faculdade de Direito do Porto, págs. 427, 442 e 443.
[4] In Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, págs. 393 e 394.
[5] Acórdãos do STJ, de 04-10-2007 e de 05-12-2017, in www.dgsipt
[6] Acórdão do TRP de 27-02-2012, www.dgsi.pt
[7] Cfr. Acórdão do TRP de 09-11-2020, Processo 1126/15.1T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt
[8] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 23.05.2019, relator Sr. Juiz Conselheiro OLIVEIRA ABREU, AC STJ de 29.10.2019, relator Sr. Juiz Conselheiro RICARDO COSTA, ambos com indicação de outros arestos no mesmo sentido, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [9] Acórdãos do STJ de 23-05-2019 e 29-10-2019, in www.dgsi.pt.
[10] Conforme Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, em anotação ao artigo 496.º.
[11] Conforme, neste sentido, Ac. do STJ de 26-01-1994, CJSTJ, tomo II, pág. 67.
[12] “Das Obrigações …”, pág. 571.
No mesmo sentido, L. MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações”, I volume, 7ª edição, pág. 339-341.
Acórdãos do STJ de 08-01-2017, relator ARMÉNIO SOTTOMAYOR e STJ de 09-01-2018, relator JOSÉ RAINHO, entre outros, todos in www.dgsi.pt.
[13] In RLJ, ano 113º, pág. 104.
[14] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, 2008, pág. 411.
[15] O trabalhador/empregado é, pois, o sujeito passivo ou vítima, embora o termo "trabalhador" a que se refere o tipo, atentos os bens jurídicos protegidos em sede penal, ultrapasse o recorte jurídico da figura enquanto qualificativa de uma relação laboral típica, apurada em sede da jurisdição do trabalho, sendo suficiente, para o preenchimento da tipicidade que, na ocasião, a vítima esteja no cumprimento de ordens, desenvolvendo uma actividade no interesse exclusivo, ou seja, sem qualquer altruísmo ou amizade ou qualquer outra motivação psicológica de cariz voluntário daquele que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa que solicitou. O preenchimento do elemento objetivo basta-se com a prova da prestação de uma actividade por parte da vítima a mando e por conta do agente obrigado a observar as regras de segurança". Cf. Ac. TRP de 17.02.2016, relatado pelo Desembargador Raúl Esteves, in www.dgsi.pt. Quer isto significar, como é referido no Ac. TRP de 22.02.2017, relatado pelo Desembargador Ernesto Nascimento, também in www.dgsi.pt, que este ilícito penal não se cinge à relação entre o agente e a vítima emergente de um contrato de trabalho, tal como este se encontra definido no Código do Trabalho, bastando que a vítima esteja, na prática, a executar um trabalho sob as ordens e por conta do agente, em que este tem o domínio do facto.
[16] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, loc. cit..
[17] Cf. Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, I, 2a ed. Coimbra, 2012, pág. 544.
[18] Isto porque, como escreve Taipa de Carvalho, loc. cit., pág. 543, pressupõe e exige uma relação de subordinação laboral, sendo o agente do crime "a pessoa que detém uma posição de "domínio" sobre o trabalhador, no âmbito da actividade (trabalho) por este exercida, e sobre a qual recai a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho, previstas pelas respectivas disposições legais, regulamentares ou técnico­-profissionais. Ou seja, pressupõe que o autor possua uma determinada qualidade, fundando-se numa relação de vigilância entre trabalhador e empregador, estando obrigado à observância das regras legais, regulamentares.
[19] Ac. TRE de 4.04.2013, relatado pela Desembargador Maria Isabel Duarte e Ac. TRP de 22.02.2017, relatado pelo Desembargador Ernesto Nascimento, ambos in www.dgsi.pt.
[20] Lições de Direito Penal, Parte Geral, I – II, Almedina, 2010, págs. 289 a 298..
[21] In “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, Cuarta Edición, Editorial Comares, pág. 269.
[22] Teoria da conformação, defendida pelo Professor Figueiredo Dias e que se mostra consagrada no art.º 14.°, n.º 3, do C.Penal. Como escreve o autor, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pg. 358, segundo a referida doutrina, é essencial que o agente tome a sério o risco de (possível) lesão do bem jurídico, que entre com ele em contas e que, não obstante, se decida pela realização do facto. Fica, assim, prejudicada no essencial a conotação meramente psicologista da "confiança" na não produção da consequência representada como possível e, em vez dela, avulta, normativamente, o essencial: o indício que a afirmação do dolo do tipo confere de existência de uma culpa dolosa. Se o agente tomou a sério o risco de (possível) produção do resultado e se, não obstante, não omitiu a conduta, poderá com razoável segurança concluir-se logo que o propósito que move a sua actuação vale bem, a seus olhos, o "preço" da realização do tipo, ficando deste modo indiciado que o agente está intimamente disposto a arcar com o seu desvalor. A circunstância de, não obstante os riscos previstos de lesão do bem jurídico, levar a acção a cabo revela uma decisão contra a norma jurídica de comportamento, para tanto não interessando saber se as consequências negativas do facto lhe são ou não indesejáveis, se ele confia ou não temerariamente que ainda as poderá evitar. De dolo eventual se fala, numa palavra, a propósito de todas as circunstâncias e consequências com que o agente, em vista da autêntica finalidade da sua acção, se conforma ou se resigna com a verificação das mesmas.
[23] Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10, publicado no Diário da República n.º 298/1995, Série I-A de 28.12.1995.
[24] Relatado pela Desembargadora Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt.
[25] Direito Penal II, pág. 229;
[26] Vide, Sousa Brito, A Medida da Pena no Novo Código Penal, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, pág. 560.
[27] vide também Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pag. 198; Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, in Jornadas de Direito Criminal, pag. 269; Manso-Preto, Moldura penal Abstracta, Pena Concreta, Escolha da Pena, pág. 162.
[28] Cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, pág. 43.
[29] Cf. Maria João Antunes, loc. cit, pág. 43.
[30] Cf. Maria João Antunes, loc. cit., pág. 45.
[31] Loc. cit., pág. 166.
[32] Com refere o Ac. STJ de 04.02.2010, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, in www.dgsi.pt., A indemnização por perdas e danos emergentes de crime deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC).
[33] vide, Ac STJ de 21.11.78, proc. nº 67305; Ac. da RL de 17/1/1991, in Col. Jur., Ano XVI, Tomo I, pág. 132.
[34] in, Das Obrigações em Geral, 5ª Ed., Vol. I, pág. 477.
[35] vide, Antunes Varela, loc. cit..
[36] Cf. Ac. STJ de 10.12.2019, relatado pela Conselheira Maria do Rosário Morgado, in www.dgsi.pt.
[37] Cf. Ac. STJ de 05.12.2017, relatado pela Conselheira Ana Paula Boularot, in www.dgsi.pt
[38] Cf. Ac. STJ de 21.01.2021, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in wwwdgsi.pt. No mesmo sentido, entre outros, Ac. TRC de 11.06.2015, relatado pela Desembargadora Maria Luísa Ramos, também in www.dgsi.pt. Em sentido contrário, Ac. STJ de 12.11.2020, relatado pelo Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, que considerou acertada a ponderação do rendimento mensal ilíquido do lesado, à data do acidente, e Ac. TRP de 23.10.2014, relatado pelo Desembargador Pedro Martins, ambos in www.dgsi.pt [….aquilo que o lesado perde realmente - a situação que existiria se não fosse o evento (art. 562 do CC) -, é o salário ilíquido e não o líquido].
[39] “um dos critérios de referência a ponderar na fixação dos valores de indemnização é a taxa de juro, a taxa de rentabilidade do capital a fixar como indemnização, uma taxa de rendimento previsível para as aplicações a médio e longo prazo, sendo que na aplicação deste critério há que atentar em que quanto mais baixa for a remuneração do capital, o que hoje é patente em face da continuada descida das taxas de juros, maior quantidade daquele será necessária para alcançar um montante que resista ao paulatino deste; essa dificuldade de rentabilidade de uma indemnização, de modo a que a mesma se tenha por esgotada ao fim do período de tempo que for de considerar, é factor que joga desfavoravelmente para o devedor daquela, a ter em conta com recurso à equidade. Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata antecipada de capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%”.
[40] Ponto 67. dos factos provados.
[41] Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10, publicado no Diário da República n.º 298/1995, Série I-A de 28.12.1995.
[42] Vide, Maia Gonçalves, in «Código de Processo Penal Anotado», 16. ª ed., pág. 873; Simas Santos e Leal-Henriques, in «Recursos em Processo Penal», 6.ª ed., 2007, págs. 77 e ss..
[43] Crf., Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 6º Ed., pag. 574;
[44] vide, Ac. RC de 12.6.89, in Col. Jur., ano IV, tomo III, pag. 292.