Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2706/11.0TBSTS-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
PRINCÍPIO DA GESTÃO PROCESSUAL
TAXA DE JUSTIÇA
PRAZO
Nº do Documento: RP201811082706/11.0TBSTS-D.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 151, FLS 205-213)
Área Temática: .
Sumário: I – A oposição à penhora por meio de simples requerimento, apresentado nos próprios autos de execução, só está prevista na situação descrita no n.º3 do art.º 764.º do CPC.
II – Tendo o requerimento sido apresentado nos próprios autos, tal não é fundamento para o seu indeferimento, devendo o Juiz ordenar o seu desentranhamento e a sua autuação por apenso, ao abrigo do dever de gestão processual previsto no art..º 6.º do CPC.
III – Entendendo-se que o requerimento inicial de oposição à execução, na sua função processual, se aproxima de uma contestação, tem de se concluir que o regime aplicável para a junção do comprovativo do pagamento da respectiva taxa de justiça é o dos art.ºs 145.º n.º3 e 570.º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2706/11.0TBS-D.P1 – 3ª Secção (Apelação)[1]
Rel. Deolinda Varão (1187)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Madeira Pinto

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B..., SA instaurou execução comum contra C..., D..., E... e F....
Em 30.01.18, foi penhorado um prédio urbano, pertencente à executada F....
Por requerimento apresentado nos próprios autos, a executada F... deduziu oposição à penhora do imóvel.
No requerimento, a executada protestou juntar o comprovativo do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo.
Sobre o requerimento de oposição à penhora, recaiu o seguinte despacho:
Uma vez que o requerimento apresentado não respeita o formalismo processual previsto no art. 785º, n.º2 do Código de Processo Civil (que remete para o art. 732º, n.º1 do mesmo diploma), não sendo deduzido por apenso, com comprovativo de pagamento de taxa de justiça e sendo desrespeitada a previsão do art. 7º da Portaria n.º280/2013, de 26.08, o mesmo não reúne as condições para ser tramitado e apreciado como incidente de oposição à penhora, pelo que o indefiro liminarmente.
(…).”.

A executada F... recorreu, suscitando nas suas conclusões a seguinte questão:
- Se a oposição à penhora não devia ter sido liminarmente indeferida.

Não há contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
Os elementos com interesse para a decisão do recurso são os que constam do ponto I.
*
III.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, apesar de nas suas conclusões, a apelante ter colocado a inadmissibilidade do indeferimento liminar da oposição à penhora em termos amplos, argumentando que não se verificam os fundamentos previstos no artº 732º, nº 1 do CPC (aplicável por força do disposto no artº 785º, nº 2), este Tribunal apenas pode sindicar se a oposição não deveria ter sido indeferida pelos fundamentos que foram apreciados no despacho recorrido.
O âmbito do recurso restringe-se, pois, a essa questão:
- Se a oposição à execução não devia ter sido liminarmente indeferida pelos fundamentos que foram apreciados na decisão recorrida.

O requerimento de oposição à penhora foi indeferido com três fundamentos:
- Não ter sido deduzido por apenso;
- Não ter sido junto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça;
- Não ter sido cumprido o formalismo previsto no artº 7º da Portaria 280/13, de 26.08.

A) Autuação por apenso
Segundo o artº 784º, nº 1 do CPC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem –, sendo penhorados bens pertencentes ao executado, este pode opor-se à penhora com algum dos fundamentos que estão previstos nas diversas alíneas do preceito.
O artº 785º, nº 2 estipula que o incidente de oposição à penhora segue os termos dos artºs 293º a 295º, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 1 e 3 do artº 732º.
Os artºs 293º a 295º contêm as disposições gerais sobre os incidentes da instância, no que respeita à oposição, indicação e provas, limite do número de testemunhas, registo dos depoimentos, alegações orais e decisão, a observar na falta de regulamentação especial (cfr. artº 292º).
Por seu turno, o artº 732º regula os termos da oposição à execução, dizendo, no seu nº 1, que os embargos devem ser autuados por apenso, sendo liminarmente indeferidos por algum dos fundamentos previstos nas diversas alíneas do mesmo preceito.
Nos termos do citado nº 1 do artº 732º, por remissão expressa do artº 785º, nº 2, o requerimento de oposição à penhora deve, pois, ser autuado por apenso aos autos de execução, seguindo depois a sua tramitação naquele apenso[2].
A oposição à penhora por meio de simples requerimento, apresentado nos próprios autos de execução, só está prevista na situação descrita no artº 764º, nº 3 (apresentação de prova documental inequívoca do direito de propriedade de terceiro sobre os bens móveis não sujeitos a registo penhorados), admitindo-se a oposição por este meio quando tenha por fundamento a questão da impenhorabilidade do bem[3].
No caso, estamos perante o incidente de oposição à penhora previsto nos artºs 784º e seguintes, pelo que o requerimento deveria ter sido autuado por apenso.
No entanto, tendo o requerimento sido apresentado nos próprios autos, tal não é fundamento para o seu indeferimento, devendo o Juiz ordenar o desentranhamento do mesmo e a sua autuação por apenso, ao abrigo do dever de gestão processual previsto no artº 6º[4].

B) Falta de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça
Diz o artº 145º, nº 1 que, quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
O nº 3 do mesmo preceito estabelece que, sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no nº 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artºs 570º e 642º.
A lei estabelece, assim, dois regimes, um para a petição inicial e outro para as demais peças processuais, nas quais se inclui a contestação.
O artº 552º, nº 3 diz que o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
A falta de cumprimento do disposto no nº 3 do artº 552º tem como consequência a recusa do recebimento da petição inicial pela secretaria (artº 558º, al. f)).
Do acto de recusa do recebimento cabe reclamação para o juiz e do despacho que confirme o não recebimento cabe sempre recurso para a Relação (artº 559º, nºs 1 e 2).
Finalmente, o artº 560º concede ao autor o benefício de apresentar nova petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na al. f) do artº 558º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta no dia em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
No que se refere à contestação – bem como a qualquer outra peça processual – rege o disposto no artº 145º, nº 3, permitindo-se que a parte junte o documento comprovativo da taxa de justiça ou o documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário no prazo de 10 dias, sob pena de aplicação das sanções previstas no artº 570º.
Tem-se entendido que o requerimento inicial de oposição à execução, na sua função processual, se aproxima mais de uma contestação do que de uma petição inicial, pois que não se destina a propor uma acção (cfr. a redacção do corpo do nº 1 do artº 552º, que estabelece os requisitos da “…petição, com que se propõe a acção,…”).
Com base em tal entendimento, conclui-se que o regime aplicável ao requerimento de oposição à execução não é o dos artºs 552º e 558º a 560º, mas sim o dos artºs 145º, nº 3 e 570º[5].
As razões aduzidas nos referidos arestos são válidas para o requerimento de oposição à penhora, através do qual não se propõe qualquer acção, mas apenas se reage a um acto praticado no processo (a penhora).

Assim, no caso dos autos, tendo a apelante protestado juntar em 10 dias o comprovativo do requerimento do apoio judiciário, há que aguardar esse prazo, findo o qual, se dará cumprimento às normas do artº 570º.

C) Falta de cumprimento do formalismo previsto no artº 7º da Portaria 280/13, de 26.08
Nos termos do artº 132º, nº 1, a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados, das secretarias judiciais e dos agentes de execução ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
Por seu turno, o artº 144º, nº 1 estatui que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no nº 1 do artº 132º, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.
A portaria a que se refere o artº 132º, nº 1 é a Portaria 280/13, de 26.08, a qual regula os aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância, entre eles, a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados, nos termos dos nºs 1 a 3 do arº 144º (artº 1º, al. b) da Portaria).
Nos termos do artigo 5º, nº 1 da referida Portaria, a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados por mandatários judiciais é efectuada através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, no endereço electrónico https:/jcitius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes.
De acordo com o artº 7º, nº 1 da mesma Portaria, quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respectivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos.
O nº 2 do mesmo artº 7º estabelece que, em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.
O que as normas do artº 7º da Portaria, acima transcritas, significam é que o sistema informático, uma vez introduzidos os dados mediante o preenchimento dos formulários, assume esses dados em detrimento dos dados, diferentes ou mesmo desconformes, que resultem dos anexos aos formulários.
Concretamente, o nº 2 do artº 7º, ao aludir à prevalência do conteúdo dos formulários, no caso da sua desconformidade com o conteúdo de ficheiros anexos a tais formulários, visa explicitar o funcionamento automático do próprio sistema informático, não contendo qualquer sanção processual para a parte que praticou essa desconformidade, nem estabelecendo qualquer preclusão dos seus direitos processuais.
Por isso, tal norma não obsta a que a parte, tomando conhecimento de divergência entre o formulário e o articulado possa vir requerer ao juiz a correcção do lapso material, nos termos do artº 249º do CC, aplicável aos articulados.
Entendimento contrário desconsideraria a consabida hierarquia das fontes de direito, concedendo a um diploma de regulação administrativa (a Portaria) valor superior a um diploma de ordenação jurídica (a Lei ou o Decreto-Lei), e colidiria também com os princípios processuais da cooperação e da gestão processual, hoje em dia cometidos ao juiz enquanto poderes-deveres de actuação oficiosa (cfr. o artº 6º acima citado)[6].

No caso, no despacho recorrido refere-se apenas que não foi dado cumprimento ao disposto no artº 7º da Portaria 280/13, vindo a apelante esclarecer, nas alegações de recurso, que, do preenchimento electrónico consta “Isenção/Redução” enquanto que no anexo apresentado consta “Oposição à Execução”.
A desconformidade existente não constitui, no entanto, também fundamento para o indeferimento da oposição à execução, pelas razões que acima explicámos, devendo admitir-se a correcção do lapso cometido pela apelante.

Falecem assim todos os fundamentos de indeferimento da oposição à penhora, devendo o requerimento ser autuado por apenso, corrigindo-se a desconformidade entre o formulário e o anexo, e devendo aguardar-se por 10 dias a junção aos autos do comprovativo do pedido de poio judiciário.
Caso aquele comprovativo não seja junto, seguir-se-á a tramitação prevista no 570º.
Caso aquele comprovativo seja junto, o incidente seguirá a tramitação adequada.
Conforme acima explicámos, o âmbito do recurso restringiu-se aos três fundamentos que foram apreciados pelo Tribunal recorrido, pelo que se mantém a possibilidade de o Tribunal recorrido vir a indeferir liminarmente a oposição à penhora caso entenda verificar-se algum outro fundamento diferente dos que foram apreciados no recurso.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se o despacho recorrido e, em consequência:
- Determina-se que o requerimento de oposição à penhora seja desentranhado e autuado por apenso, que seja corrigida a desconformidade entre o formulário e o anexo, e que se aguarde por 10 dias a junção aos autos do comprovativo do pedido de apoio judiciário, após o que os autos seguirão a tramitação adequada, nos termos que se explicaram na fundamentação do acórdão.
Sem custas.
***
Porto, 08 de Novembro de 2018
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Madeira Pinto
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[1] Execução Comum – Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução da Maia – Juiz 2
[2] Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., pág. 271.
[3] Neste sentido, ver Lebre de Freitas, obra citada, págs. 272 e segs.
[4] Cfr. o Ac. desta Relação de 18.09.17, www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, ver os Acs. da RL de 14.09.10 e 02.05.13, ambos em www.dgsi.pt.
[6] Tem vindo a ser esta a orientação dominante da jurisprudência, de que damos como exemplo os Acs. desta Relação de 24.02.15 e da RL de 06.12.17 (cuja fundamentação seguimos de perto) e ainda os Acs. desta Relação de 14.06.10 e 28.01.13, da RG de 11.05.10 e da RL de 25.11.10 e 27.01.16, todos em www.dgsi.pt.