Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
290/07.8GBPNF-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
SECÇÃO CRIMINAL
INCOMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP20170208290/07.8GBPNF-C.P1
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: INCOMPETÊNCIA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 707, FLS.381-385)
Área Temática: .
Sumário: O conhecimento do recurso da decisão de um incidente na execução de sentença penal relativa à quantia exequenda, fixada naquela, não é da competência da secção criminal mas da secção civil do tribunal da Relação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 290/07.8GBPNF-C.P1
Comarca do Porto Este
Instância Central Criminal.

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.

Nos autos de Execução de Sentença nos próprios autos de Processo Comum n.º 290/07.8GBPNF-C da Comarca do Porto Este, Instância Central, secção criminal, juiz 1, foi proferido o seguinte despacho:
«Fls. 373 a 374
Dispõe o artigo 315° do Código de Processo Civil que:
"1- Requerida a intervenção, o juiz, se não houver motivo para a rejeitar liminarmente, ordena a notificação das partes primitivas para lhe responderem, decidindo logo da admissibilidade do incidente.
2 - No caso de a intervenção mediante articulado próprio ser admitida, seguem-se os demais articulados, contando-se o prazo para a sua apresentação da notificação do despacho que a tenha aceite."
Ora, considerando a referida disposição legal, após o exercício do contraditório da parte contrária, o Executado, o juiz aprecia logo a admissibilidade do incidente.
Ou seja, não prevê a lei mais articulados pelo que se determina o seu desentranhamento e a devolução ao seu apresentante.
Notifique.
*
Nos presentes autos de execução de sentença foi apresentado, como título executivo, um acórdão penal condenatório, transitado em julgado a 10.10.2011 (cfr. certidão do acórdão condenatório de 24.02.2011 e acórdão confirmativo da mesma proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de fls. 50 a 124).
No requerimento executivo ora apresentado pelo Exequente para além de se peticionar a quantia exequenda ora em divida - resultante de condenação do executado no pagamento de determinadas quantias a título de indemnização civil por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo ofendido, ora aqui exequente, o exequente alegou ainda a seguinte factualidade (sendo certo que não juntou o competente acórdão):
Ordenada a penhora sobre os supra referidos bens imóveis e registada a mesma, veio a ser proferido despacho de qualificação da Senhora Conservadora do Registo Predial de Penafiel, com o seguinte teor:
''Existe inscrição, em vigor, a favor de pessoa diversa do executado" (no caso os prédios encontram-se inscritos a favor de B…, ex-cônjuge do executado).
"A decisão da ação pauliana não é suscetível de operar a transmissão dos bens. Assim uma ação pauliana procedente só permite criar uma legitimidade processual para que a execução seja movida em património de terceiro (em relação ao devedor)".
Em consequência de tal despacho veio o Exequente requerer a intervenção principal provocada do ex-cônjuge do executado tendo em vista assegurar a referida legitimidade processual e designadamente permitir a concretização da penhora sobre bens em nome de terceiro (o cônjuge do executado), juntando, consequentemente o acórdão da ação de impugnação pauliana transitado em julgado já em data anterior à instauração da execução e a que se referira no requerimento executivo.
Notificado o executado veio o mesmo alegar a ilegitimidade do seu ex-cônjuge, alegando em síntese que mesma não pode intervir como executada pois que é terceiro em face da obrigação exequenda e a divida do exequente é desprovida de qualquer tipo de garantia real sobre os prédios cuja penhora foi requerida e sob o qual incidiu o despacho de qualificação referido, não sendo aplicável por isso o artigo 54º do CPC. Sustenta ainda que tal só seria possível se tivesse sido também condenada pelo referido acórdão penal, ficando o exequente munido do necessário título executivo, nada dizendo a respeito da decisão transitada em julgado da ação de impugnação pauliana em que o Exequente suporta o seu requerimento à intervenção de correspondência.
Cumpre decidir da admissibilidade do chamamento, já que a isso nada obsta.
A intervenção principal tem por objeto permitir, em demanda pendente, o litisconsórcio ou a coligação de um terceiro com alguma das partes da mesma demanda. A lei dá a esse terceiro o nome de interveniente, que faz valer um direito próprio e assume a posição de parte principal na causa em que intervém, sendo o seu direito paralelo ao de alguma das partes da causa em que a intervenção se verifica.
Dentro dos incidentes de intervenção principal, temos o de intervenção provocada, que é o em causa nos autos e vem regulado nos artºs 316° e seguintes do CPC.
Lê-se no art. 316º, nº 1 do C.P.C. que:
"1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2- Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.
3.- O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a).Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b).Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor."
Ou seja, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária", isto é, pode fazer intervir aqueles que consigo, ou com a parte contrária, poderiam demandar ou ser demandados - os que sejam contitulares da relação material controvertida, por nela terem um interesse igual ou paralelo, e, ainda, mas só do lado ativo, os que sejam titulares da relação conexa com a controvertida.
A intervenção provocada pressupõe que o chamado e a parte à qual se deve associar têm interesse igual na causa, desenhando-se uma situação de litisconsórcio sucessivo, seja necessário, seja voluntário.
Recai sobre o autor do chamamento o ónus de indicar a causa do chamamento e de explicitar o interesse que, através dele, se pretende acautelar, tudo isto como forma de clarificar liminarmente as situações a que o incidente se reporta de forma e de permitir ajuizar com segurança a legitimidade e o interesse em agir, quer de quem suscita a intervenção, quer do chamado a intervir" (Abílio Neto in "Código de Processo Civil Anotado", 15a Edição, 1999, Edinforum, pág. 447).
Assim a questão nuclear a resolver consiste em saber se, como refere o Executado C…, opondo-se ao chamamento do seu ex-cônjuge, B… para intervir a titulo principal provocado como executada ao seu lado, a mesma não pode intervir como executada pois que é terceiro em face da obrigação exequenda - e tal só seria possível se tivesse sido também condenada pelo referido acórdão penal, ficando a exequente munida do necessário título executivo - e a divida do exequente é desprovida de qualquer tipo de garantia real sobre os prédios cuja penhora foi requerida, não sendo aplicável por isso o artigo 54° do CPC. Ou seja, conclui pela ilegitimidade do seu ex-cônjuge por não ter, no caso, aplicação nenhum dos desvios à regra prevista no artigo 53° do Código de Processo Civil, nos termos da qual na execução tem de figurar do lado passivo quem tiver a posição de devedor no título executivo.
Ainda, pretende-se saber se tendo o Exequente instaurado a execução contra o executado com fundamento no acórdão penal que condenou o mesmo, proferido nos autos principais, pode fazer intervir o ex-cônjuge do executado com fundamento no acórdão transitado em julgado proferido na ação de impugnação pauliana que mencionou no requerimento executivo e apresentou como titulo executivo contra o terceiro adquirente.
(…) A este respeito, ensina o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.2.2012, in www.dgsi.pt, "[O credor] caso pretenda [também] executar o terceiro adquirente, terá de executar a sentença proferida na ação pauliana onde se reconheça a ineficácia do ato impugnado em relação ao impugnante/exequente, pois só com base nela a lei permite que a execução corra contra bens de terceiro (artigo 818.º do CC, artigo 56.º, n.º 2 e 821.º, n.º 2 do CPC), já que por via da procedência da impugnação pauliana o bem continua a integrar o acervo patrimonial do adquirente, embora fique sujeito à satisfação do crédito do impugnante, na estrita medida do decidido na sentença.
Assim, caso o credor pretenda dirigir a execução cumulativamente contra o devedor e contra o terceiro, terá de apresentar um título executivo integrado por aquele dotado de exequibilidade contra o devedor e pela sentença obtida na ação pauliana.
Se a execução já estiver pendente à data da obtenção da sentença proferida na ação de impugnação pauliana, não sendo, naturalmente, o terceiro parte na mesma, a solução que doutrinária e jurisprudencialmente tem vindo a ser proposta, de forma bastante expressiva, passa por admitir a intervenção principal do terceiro na execução (artigo 325.° do CPC), nos termos mencionados na sentença recorrida
Ora, no caso dos autos, a execução não foi intentada contra o terceiro e nem foi junto o acórdão do STJ que confirmou parcialmente a decisão da primeira instância quanto à ação de impugnação pauliana, mas do requerimento executivo o Exequente fez constar o seguinte:
"Sucede que no decurso destas ações o Executado que era casado intentou ação de divórcio contra a sua atual ex-mulher. Em consequência desse divórcio os ex-cônjuges procederam à partilha dos bens comuns do casal. Perante estes factos o ora Exequente viu-se forçado a intentar a competente ação judicial de impugnação pauliana, com vista o obter a anulação de tal partilha, para posteriormente puder ser pago do seu crédito, ação que correu termos pelo antigo 1° Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel com o n° de processo 684/10.1 TBPNF. Na qual, após recursos interpostos pela ex-mulher do ora Executado, veio a ser proferido Acórdão do Supremo tribunal de justiça, já transitado em julgado, que julgou parcialmente procedente a decisão da primeira instância tendo-se decidido o seguinte: Reconhecer-se ao Autor ora Exequente o direto à restituição na medida do seu interesse dos prédios descritos sob os n°s 323/199201116, 453/19930518, 454/19930518, 456/19930518, 457/19930518, 458/19930518/, 459/19930518, 460/19930518, 461/19930518, 462/19930518, 463/19930518, 464/19930518, 465/19930518, 510/19931222 - Galegos e 1605/20070125 – Pinheiro, partilhados entre os Réus – C… e B… e, consequentemente, o direito à sua execução no património dos Réus, mormente da 2ª Ré – B… para satisfação dos créditos caracterizados no pedido podendo praticar atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei."
Como sabemos, um dos casos em que esta regra é afastada, legitimando a execução contra terceiros, está contemplado no n.º 2 do artigo 54º nº 2. De harmonia com este normativo, na execução por créditos providos de garantia real sobre bens de terceiro, nomeadamente por os ter adquirido após a constituição da garantia, aquela seguirá diretamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder ser desde logo demandado o devedor.
Ocorre porém que, seguindo o entendimento do acórdão do STJ de 16.10.2014, processo n° 411/11.6TBGMR-A.G1.S1 publicado em www.dgsi.pt, não pode fazer-se uma interpretação restritiva deste preceito, determinando o seu sentido interpretativo apenas com base no texto da lei e excluindo a sua aplicação ao caso dos autos.
Assim, atento o fato de o Exequente estar já munido com acórdão transitado em julgado da ação de impugnação pauliana com o processo nº 684/10.1 TBPNF aquando da instauração da presente execução, não poderá deixar de se considerar que para pagamento do crédito exequendo, relativo a uma dívida pessoal do executado para com o ora exequente, este poderia executar os prédios do ex-cônjuge do executado, pois que, no mesmo expressamente se refere o direito à execução no património da Ré B…, património este consubstanciado nos prédios cuja penhora foi requerida nos presentes autos (descritos sob os números 19930518, 460/19930518, 461/19930518, 462/19930518, 463/19930518, 464/19930518, 465/19930518, 510/19931222 - Galegos e 1605/20070125) para satisfação dos créditos caracterizados no pedido exequendo podendo praticar atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei." (cfr. artº 616° n° 1 do Código Civil).
Assim sendo, pode dizer-se que este é um dos casos em que não sendo a chamada a devedora do crédito exequendo, pode e deve ser demandada na execução, relativamente aos prédios que adquiriu ao devedor por partilha posterior ao divórcio, por tais aquisições serem ineficazes em relação ao credor e este o poder executar no património do terceiro. Isto mesmo refere o art. 818º do Código Civil, estatuindo que o direito à execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objeto de ato praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.
A impugnação pauliana, enquanto garantia geral das obrigações visa, a par de outras como a sub-rogação e o arresto, a conservação da garantia patrimonial do credor, uma vez que, pelo cumprimento das obrigações respondem todos os bens que integram o acervo patrimonial do devedor (artigo 601° do código Civil). A procedência da impugnação confere ao credor o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, o direito à prática dos atos de conservação autorizados por lei e o direito de executá-los no património do obrigado à restituição (artigos 610° e 616° n° 1 do Código Civil).
Trata-se de um dos casos em que o credor tem direito à execução dos bens no património de terceiro adquirente, podendo o credor dirigir contra ele diretamente a execução, embora circunscrita à medida do seu interesse. Só nessa medida, e apenas dentro desse limite, o ato impugnado é ineficaz, mantendo a sua validade e produzindo efeitos em tudo o que vai para além do interesse do credor.
Reconhecendo o direito substantivo no citado artigo 818° do Código Civil o direito de execução sobre bens de terceiro não só quando estiverem onerados com garantia real, mas também quando tiver sido praticado qualquer ato em prejuízo do credor, desde que impugnado com êxito, hipótese que abarca, sem dúvida, a impugnação pauliana julgada procedente, não pode vedar-se ao credor que se encontre no segundo caso um meio processual semelhante ao conferido ao primeiro - credor provido de garantia real - pelo citado artigo 54° n° 2 do Código de Processo Civil para exercitar o seu direito de crédito.
Efetivamente, a todo o direito corresponde a tutela jurídica adequada, incluindo a possibilidade da sua realização coerciva, designadamente pela via executiva (artigo 2° n° 2 do Código de Processo Civil).
Como refere aquele douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça cujo entendimento seguimos "Outro entendimento seria incompatível com as regras de direito material".
Cita-se neste acórdão a doutrina do Professor Anselmo de Castro[1] e dos Professores P. Lima e A. Varela[2] que defendiam também que por força do regime previsto no referido artigo 616° do Código Civil e seguintes, a regra da legitimidade do possuidor - em nome próprio - de bens onerados com garantia real é aplicável aos bens em poder de adquirente do devedor por ato que tenha sido objeto de impugnação pauliana.
Assim, a chamada B… é parte legítima na presente execução à luz da decisão de impugnação pauliana, pois que só demandando a adquirente dos bens imóveis na ação executiva poderá o exequente alcançar a satisfação do seu direito de crédito através daquele bem ou do seu equivalente.
Consequentemente, tem o credor exequente o direito de executar diretamente aquela, que é parte legítima, para obter o pagamento coercivo do seu crédito, recaindo a penhora sobre esta, na medida do necessário, uma vez que, de acordo com a previsão do artigo 735° n° 2 do CPC a penhora pode incidir sobre bens de terceiro desde que tal esteja previsto na lei e a execução tenha sido contra ele movida, como sucederá no presente caso.
O fato de o exequente não ter feito intervir o terceiro como terceiro executado juntando a competente decisão de impugnação pauliana transitada em julgado, pode ser suprida por meio do incidente de intervenção provocada nos termos já referidos, interessado com direito a intervir na causa como associado da parte contrária.
Ora, a amplitude desta disposição legal, conjugada com os princípios de celeridade e economia processual levam à conclusão de que nada impede a admissão da requerida intervenção, o que, de resto, tem vindo a ser pacificamente aceite pela jurisprudência.
Pelo exposto, defiro a requerida a intervenção provocada principal de B….
Notifique.
Após trânsito prossigam os autos com a conversão em definitivo dos registos de penhora sobre os bens identificados e notificação à Chamada nos termos e para os efeitos do artigo 784° do CPC.
Custas pelo executado, em virtude da oposição deduzida - art. 527º, do Cód. Proc. Civil.»
*
Inconformado com o despacho proferido veio o executado C… interpor o presente recurso, apresentado a motivação constante dos autos a fls. 168 a 172, que rematou com as seguintes conclusões:
«i. O recurso ao incidente de intervenção principal provocada de B… não é admissível na ação executiva;
ii. Este tipo de ações têm por base um título e é por ele que se determina o fim e os respectivos limites;
iii. Nos termos do nº 1 do art. 53º, do C.P.Civ., a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título conste como sendo devedor;
iv. Nada disso ocorre no caso da referida B…;
v. Com efeito, ela não teve qualquer intervenção na ação que antecedeu a presente execução;
vi. Logo, não pode ser executada;
vii. Depois, todos os bens partilhados foram restituídos ao património comum do casal dissolvido, designadamente, os imóveis a que o executado se refere;
viii. Na falta de bens próprios, o exequente só poderá satisfazer o seu crédito através da meação do executado nos bens comuns;
ix. Daí que não seja necessária a intervenção da B…, nos termos requeridos,'
x. Até porque os bens próprios dela e a respectiva meação nos bens comuns do casal não respondem pela dívida do executado;
xi. Foram violados, entre outros, os arts. 601° e al. b) do 1692° e n°1 do 1696°, do CCiv., assim como os arts.53°, n°1, n°1 do 316°, n°1 do 318°, 320°, n°1 do 735° e n°1 do 743°, todos do CPCiv.
Termina pedindo a procedência do recurso e, em consequência, a revogação da decisão e sua substituição por outra que não admita a intervenção principal provocada de B….»
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Por sua vez, o exequente D… veio oferecer a sua resposta constante dos autos a fls. 176 a 181, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido para este Tribunal por despacho constante de fls. 182, como de Apelação, a subir em separado, com efeito meramente devolutivo.
Nesta Relação o Excelentíssimo PGA apôs o seu visto.
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II- O Direito.
Questão Prévia.
No presente recurso está em causa a apreciação do despacho que deferiu o requerimento do exequente, de intervenção principal provocada da ex-cônjuge do executado, tendo em vista assegurar a legitimidade processual e designadamente permitir a concretização da penhora sobre bens em nome de terceiro (a ex-cônjuge do executado), juntando, para o efeito, o acórdão que julgou a acção de impugnação pauliana, transitado em julgado, tudo no âmbito de uma execução que corre nos próprios autos de Processo Comum, onde se condenou o executado nas quantias exequendas.
O processo de execução não tem natureza penal, visto não ser regulado por normas penais ou processuais penais, designadamente em matéria de recursos.
A medida da jurisdição interna dos tribunais distingue-se em competência em razão do território, da hierarquia e da matéria.
Segundo Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, 94 a 98, decorre que a competência em razão da matéria é a competência das diversas ordens de tribunais dispostas horizontalmente, não havendo, portanto, entre eles uma relação de supra - ordenação e subordinação.
E a razão de assim ser prende-se com o facto de a lei atender à matéria da causa, isto é, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação jurídica substancial em litígio.
A competência traduz-se na medida de jurisdição atribuída a cada tribunal, assentando a competência material na natureza do litígio.
Como tem sido sublinhado pela doutrina e jurisprudência, a distribuição de competência pelos vários tribunais especializados assenta no pressuposto da maior idoneidade desse tribunal para a apreciação das matérias que lhe são atribuídas, de forma a que as causas sejam julgadas por magistrados com a preparação específica adequada (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Processo Civil, Coimbra Editora, vol. I, pg. 107). Trata-se, pois, da habilitação funcional do tribunal relativamente a certa matéria, nas palavras de Neves Ribeiro, acórdão do STJ, de 2004.03.19, Proc. 04B3001, in www.dgsi.pt.
‘A forma base da organização judicial interna do Tribunal da Relação relativamente à competência material (em razão da matéria) são as Secções, que detêm competência própria, com formações de julgamento segundo a composição determinada nas leis de processo – vide artigo 73º da LOSJ
A dimensão organizatória das secções do Tribunal da Relação parte de um modelo de competência em razão da matéria – secções cíveis; secções criminais e secção social – artigo 54º da LOSJ, por força do artigo 74º da mesma Lei.
A organização segundo um modelo de competência material (em razão da matéria) distribui as competências por especialidade, com enunciação da competência das secções por tipos e espécies de matérias – as secções criminais julgam as causas de natureza penal; as secções sociais julgam as causas de natureza cível da competência material dos tribunais de trabalho; e as secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções (artigo 54º da LOSJ – Lei n.º 62/2013 - e já assim era na LOFTJ - art. 34º)’ – vide o Ac. do STJ de 14.07.2010, Rel., Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt, a propósito da composição do STJ.
Posto isto, nos termos do art. 12º, nº 3, alínea b), do CPP, às secções criminais das relações compete julgar recursos «em matéria penal». No mesmo sentido, o art. 73º, alínea a), da referida Lei 62/2013, de 26 de Agosto, estatui competir às secções da Relação “segundo a sua especialização julgar os recursos”, e o art. 54º, nº 1, aplicável por força do art. 74º da referida Lei, define a especialização das secções, preceituando que “as secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções, as secções criminais julgam as causas de natureza penal e as secções sociais julgam as causas referidas no artigo 126º”.
Portanto, o critério adoptado consubstanciou-se em identificar as causas que compete julgar às secções criminais e sociais, sendo o julgamento das restantes da competência residual das secções cíveis.
Aqui, a causa a julgar não é de natureza penal, como se disse, nem se inclui nas referidas no art 126º, consequentemente, é da competência das secções cíveis. “É irrelevante a circunstância de a decisão recorrida correr num processo apenso a um processo criminal, visto o critério definidor da competência ser o da natureza da causa” – Cf. neste sentido o Ac. do STJ de 26/04/2012 in www.dgsi.pt. Rel. Cons. Manuel Braz e, bem assim, o Ac. do TRC de 03.02.2016, Rel. Desemb. Alice Santos; vide ainda o decidido no já citado Ac. do STJ de 14.07.2010, onde se salienta: «A matéria que está em causa no objecto do recurso é, como se salientou, de natureza exclusivamente civil, e o objecto das decisões não constitui uma «causa» (no sentido de questão, determinação, controvérsia, objecto e matéria, e não no sentido adjectivo e formal de tipo ou espécie de processo) de natureza criminal.
A circunstância de o acórdão recorrido ter sido proferido num processo penal, por força do princípio da adesão, não altera nem a natureza da «causa» nem a matéria sobre que versa. A espécie de processo em que foi proferido o acórdão recorrido não é, para este efeito, relevante. A competência, por um lado, sendo material, sobrepõe-se ao processo…»
Em consequência, e atentas as normas citadas e os entendimentos jurisprudenciais que sufragamos, esta secção criminal não é competente em razão da matéria, para julgar o recurso que incide sobre o despacho recorrido, sendo competentes, para tanto, as secções cíveis deste Tribunal da Relação do Porto, o que determina a incompetência absoluta desta secção, de conhecimento oficioso – arts. 96, 97º, e 99º do CPCN, aplicável ao Processo Penal, por força do artigo 4º do CPP.
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III- Decisão.
Em consequência, decide-se excepcionar a competência absoluta desta secção criminal, por não ter competência em razão da matéria para julgar o recurso que incide sobre o despacho recorrido, sendo competentes, para tanto, as secções cíveis deste Tribunal da Relação do Porto.
Ao abrigo do disposto no art. 33º, nº 1, do CPP e após trânsito, remeta os autos à distribuição pelas secções cíveis deste Tribunal da Relação.
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Notifique.
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Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do C.P.P.
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Porto, 08 de Fevereiro de 2017.
Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares
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[1] A Ação singular, Comum e Especial, 3a ed., Coimbra Editora, pág.82.
[2] Código Civil Anotado, vol. II, 4a ed. Revista e Atualizada, pág. 90